Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
264/18.3T8VLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
MONTANTES INDEMNIZATÓRIOS
Nº do Documento: RP20201209264/18.3T8VLG.P1
Data do Acordão: 12/09/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Mostra-se adequado e proporcional para ressarcir o dano biológico, na vertente de dano patrimonial, a quantia de € 22.000,00, quando a lesada, com 53 anos, atropelada na passadeira, sofreu traumatismo do ombro esquerdo, foi submetida a intervenções cirúrgicas, exercia a profissão de empregada doméstica, ficou com um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 11 pontos, sem repercussão na atividade profissional habitual, mas que implica esforços suplementares, período de vida ativa e redução de uma percentagem por antecipação do pagamento do capital, as tabelas financeiras como referencial e critérios seguidos na jurisprudência. II - Considera-se adequada para compensar os danos não patrimoniais, segundo um juízo de equidade, a quantia de € 20.500,00, considerando, o défice de integridade físico-psíquica o período de internamento hospitalar, tratamentos, dores e incómodos, incapacidade temporária para o trabalho, limitações na sua vida de relação e critérios seguidos na jurisprudência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Via-DanoBiol-DanoNPat-264/18.3T8VLG.P1
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SUMÁRIO[1] (art. 663º/7 CPC):
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório
Na presente ação declarativa que segue a forma de processo comum em que figuram como:
- AUTORA: B…, casada, residente na …, nº …, …. – …, …, Valongo; e
- RÉ: C…, S.A., sociedade comercial com o NIF ………, com sede na Avenida …, nº ., .., …., Lisboa,
pede a autora a condenação da ré no pagamento da quantia de € 23.946,04.
Alegou para o efeito e em síntese que no dia 12 de fevereiro de 2015, cerca das 19 de horas, na …, em Valongo ocorreu uma colisão, sob a forma de atropelamento de um peão. A autora foi atropelada pelo veículo com matrícula ..-..-ZH, propriedade de D… e conduzido por E…, quando caminhava na passadeira para peões e procedia ao atravessamento da via.
A responsabilidade civil por danos causados com a circulação do veículo mostra-se transferida através de contrato de seguro para a ré, que ao tomar conhecimento do sinistro assumiu a responsabilidade pelos danos causados com o sinistro.
Mais alegou que a ré apresentou uma proposta de € 6 000,00 para indemnizar a autora dos danos sofridos, a qual foi por si rejeitada, o que motivou a instauração da presente ação.
Alegou, ainda, que sofreu danos de natureza patrimonial e não patrimonial que discrimina do seguinte modo:
- indemnização pela incapacidade temporária absoluta e parcial: € 1.790,18, já deduzido do valor de €4.177,09 que a esse título recebeu da Companhia de Seguros F…, SA, enquanto seguradora responsável pelo ressarcimento dos danos emergentes do acidente de trabalho que o sinistro dos autos também constituiu, por tal quantia corresponder a 70% do que a A. tem direito a receber;
- perda da capacidade de ganho: € 9.475,86, já deduzido do valor de €4.669,08 que a esse título recebeu da Companhia de Seguros F…, SA, enquanto seguradora responsável pelo ressarcimento dos danos emergentes do acidente de trabalho que o sinistro dos autos também constituiu;
- pelos serviços de babbysiting que deixou de prestar: €1.680,00;
- danos não Patrimoniais: € 11.000,00.
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Citada a Ré, veio contestar.
Aceitou a responsabilidade pelo acidente, alegando não pretender discuti-la.
Impugnou a quantificação que a Autora faz dos prejuízos sofridos, uma vez que a A. não terá direito à diferença da incapacidade temporária, não sendo cumuláveis as indemnizações por acidente de trabalho e por acidente de viação. Conclui que apenas resta indemnizar os danos morais que não estavam contemplados na proposta de indemnização apresentada pela ré.
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Realizou-se audiência prévia e proferiu-se despacho saneador e despacho que fixou o objeto do litígio e os temas de prova.
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Realizou-se prova pericial pelo INML.
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A Autora veio ampliar o pedido para o total de €39.470,18 e requereu ainda, a condenação da R. no pagamento das quantias a título de despesas com exames médicos e tratamentos, que venha a carecer em consequência das sequelas resultantes do acidente.
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Foi admitida a ampliação do pedido.
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Realizou-se a audiência de julgamento que teve lugar com observância das legais formalidades.
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Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:
“Nos termos e fundamentos expostos, julgo a presente ação parcialmente procedente por provada e, em consequência condeno a Ré a pagar à A.:
a) O valor de € 18.910,83, estando aqui já deduzidos os valores já recebidos pela A., no âmbito do processo laboral, a título de indemnização por danos patrimoniais;
b) O valor de € 20.500,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais;
c) As quantias que se vierem a liquidar em execução de sentença, emergentes dos exames e tratamentos médicos a que a vier a ser submetida, para tratamento das sequelas decorrentes das lesões sofridas em consequência do acidente.
Absolvo a Ré do demais peticionado.
Custas por ambas as partes na proporção dos respetivos decaimentos (art. 527º do Código de Processo Civil)”.
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A Ré veio interpor recurso da sentença.
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Nas alegações que apresentou a apelante formulou as seguintes conclusões:
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Termina por pedir o provimento do recurso com revogação da sentença e prolação de acórdão que fixe em € 5.000,00 a indemnização devida à autora como compensação pelo dano biológico inerente ao défice funcional permanente (já considerado o benefício do recebimento antecipado e o recebimento do capital de remição em AT) e ainda, fixe em não mais de € 10.000,00 a indemnização correspondente aos danos não patrimoniais.
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A Autora veio apresentar resposta ao recurso, concluindo que a decisão não merece censura, porque os valores arbitrados se situam dentro dos valores arbitrados pela jurisprudência dos tribunais superiores.
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O recurso foi admitido como recurso de apelação.
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Dispensaram-se os vistos legais.
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Cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
As questões a decidir:
- montante da indemnização a arbitrar a título de dano biológico, na vertente de dano patrimonial/dano futuro;
- montante a atribuir para compensação dos danos não patrimoniais sofridos.
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2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
1 - No dia 12 de Fevereiro de 2015, pelas 19h00m, na …, desta cidade de Valongo, ocorreu um acidente de viação – atropelamento.
2 - Nesse acidente intervieram a Autora, enquanto peão atropelado, e o veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca Renault, modelo …, de matrícula ..-..-ZH (adiante abreviadamente designado por ZH).
3 - Na ocasião do acidente, o ZH, propriedade de D…, era conduzido por E….
4 - À data de 12 de Fevereiro de 2015, como hoje, a … vem entroncar na Rua …, sendo que, nesse mesmo entroncamento, mas ainda na …, existe uma passadeira, devidamente assinalada e pintada a branco no pavimento – marca M11 do Regulamento de Sinalização de Trânsito (RST).
5 - Para quem vem da Rua …, e pretende tomar a referida …, existe um sinal vertical de perigo – “Crianças” (sinal A14 do Regulamento de Sinalização de Trânsito (RST)) – que se encontra à direita da passadeira (atento o sentido dos veículos que tomam o supra citado rumo).
6 - Momentos antes da ocorrência do atropelamento, a Autora encontrava-se imobilizada no passeio que, atento o sentido de marcha de quem segue na … e pretende tomar a Rua …, ladeia a faixa de rodagem pelo lado esquerdo.
7 – Concretamente, Autora parou, junto ao número de polícia 70, localizado precisamente à frente da passagem para peões referenciada e em pleno entroncamento entre a … e a Rua ….
8 - Por não avistar qualquer veículo a circular na … no sentido da Rua …, nem nenhum veículo a transitar nessa Rua sinalizando a intenção de tomar a …, iniciou o atravessamento da via, o que fez pela referida passagem para peões.
9 - Encontrando-se a Autora sensivelmente a meio do atravessamento, foi violentamente colhida pelo veículo ZH.
10 - A condutora do ZH circulava no sentido Este/Oeste da Rua … e pretendia aceder à …, para o que teria de mudar de direção para a esquerda, atento o seu sentido de marcha.
11 - No entanto, quando chegou ao cruzamento e iniciou a manobra de mudança de direção à esquerda, a condutora do ZH, por circular desatenta, de forma descuidada e totalmente alheada dos demais veículos e peões que transitavam no local, não acionou o sinal luminoso indicador de mudança de direção (vulgo “pisca”), nem respeitou a passadeira que no local se encontra e que impunha a cedência de passagem aos peões que, como a Autora, na mesma circulavam.
12 - Pelo que não imobilizou o veículo que conduzia, antes dessa passadeira, tendo continuado a sua marcha em direção à …, alcançando a passadeira onde a Autora se encontrava e tornando, assim, inevitável o atropelamento, designadamente projetando a Autora para o pavimento.
13 - Na altura era de noite, fazia bom tempo e o pavimento encontrava-se limpo e em bom estado de conservação, sendo que havia boa visibilidade, graças à iluminação pública existente.
14 - À data do atropelamento, o proprietário do ZH tinha transferida a responsabilidade civil extracontratual decorrente da circulação do mesmo para a aqui Ré, mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº ………..
15 – A Ré reconheceu a responsabilidade exclusiva da condutora do ZH na produção do acidente, assim como pelo ressarcimento dos danos que resultaram para a Autora, na sequência do mesmo.
16 - Foram acionados os meios de emergência médica, tendo a Autora sido transportada para o Serviço de Urgências do Hospital ….
17 - Nessa unidade hospitalar, a Autora apresentava traumatismo do ombro esquerdo, tendo sido submetida a raio-x, TAC à cabeça (com TAC de controlo após 24 horas) e ecografia abdominal.
18 - Tendo-lhe sido detetada fratura do úmero esquerdo, impondo que a Autora tivesse de ser operada e internada até ao dia 19/02/2015.
19 - O atropelamento supra descrito ocorreu na deslocação ”casa-trabalho” da Autora, após ter prestado serviço doméstico na residência da sua entidade patronal, G…, no Porto.
20 – A qual havia transferido a sua responsabilidade infortunística laboral para a então F…, S.A., mediante apólice de seguros do ramo de acidentes de trabalho com o número ............
21 - A Autora recebeu toda a assistência clínica, médica e medicamentosa com vista à sua recuperação, tendo todas as despesas decorrentes de internamento, operações, tratamentos médicos, fisioterapia e ajudas medicamentosas corrido por conta da F…, S.A..
22 - No decurso do internamento e intervenção cirúrgica a que foi submetida, a Autora foi sujeita a cuidados de penso, analgesia e anestesia.
23 - A autora esteve internada no Hospital … entre a data do acidente – 12/02/2015 –, tendo tido alta para o domicílio em 19/02/2015. Após foi novamente intervencionada, para retirar o material de osteossíntese, no Hospital H… em 13.10.2015.
24 - Deu início a tratamentos de fisioterapia no dia 18 de Março de 2015, mantendo-se tais tratamentos (162 sessões de fisioterapia) por cerca de 10 meses – até ao dia 12 de Janeiro de 2016, tendo igualmente frequentado sessões de hidroterapia.
25 – A consolidação médica das lesões sofridas pela Autora ocorreu no dia 25 de Janeiro de 2016, data em que a F..., S.A. lhe deu alta.
26- A autora nasceu no dia 13 de Dezembro de 1961.
27- Era, como é, empregada doméstica.
28- Até à data do acidente, a Autora não tinha qualquer problema físico nem padecia de qualquer doença ou incapacidade que a limitasse nas suas atividades, prestando serviço à sua entidade patronal a tempo inteiro, de quarenta horas por semana.
29- Era uma pessoa ativa e completamente autónoma, executando sem qualquer dificuldade ou limitação, todas as tarefas inerentes a tal profissão.
30- O desempenho de certas tarefas mais vulgares e rotineiras têm-se revelado difíceis de executar, como lavar, secar e pentear o cabelo, pegar em pesos de peso superior a 1,5 kgs com a mão esquerda, limpar vidros, aspirar, alcançar objetos que estejam em prateleiras ou armários altos.
31- Por força de tais limitações, a Autora, reduziu o tempo de trabalho que vinha a prestar à sua então entidade patronal, em número de horas não concretamente apurado.
32- Considerando que o atropelamento de que foi vítima consubstanciou um acidente de trabalho in itinere, correu termos no Juiz 2 do Tribunal do Trabalho de Valongo, Comarca do Porto, sob o número 215/16.0T8VLG, processo de acidente de trabalho no qual foi proferida Sentença que fixou à Autora uma incapacidade para o trabalho, com base na Tabela Nacional de Incapacidades para o Trabalho, de 7,41%.
33- À data do acidente, a Autora prestava serviço de empregada doméstica mediante a retribuição mensal de € 505,00, correspondente a um vencimento anual de € 7.070,00.
34 - Durante o período em que a Autora esteve temporariamente incapacitada, total ou parcialmente, para exercer a sua profissão, entre 13/02/2015 a 25/01/2016 (data da alta), recebeu da F…, S.A. a quantia de € 4.177,09 e a título de capital de remição € 4.669,08.
35- Como consequência direta e necessária do atropelamento, a Autora sentiu dores, nomeadamente cabeça e todo o seu lado esquerdo.
36- A limitação de que padece deixa a A. triste e desgostosa, designadamente por não conseguir pegar na sua neta ao colo, dar-lhe banho e tomar conta dela.
37- Receando atravessar ruas e em ser transportada em veículo automóvel.
38- Como lesões e /ou sequelas relacionadas com o evento, a autora apresenta: Membro superior esquerdo: infra-desnivelamento do ombro esquerdo e atrofia moderada da cintura escapular; braço com desvio rotacional em rotação interna; cicatriz cirúrgica hipopigmentada e de bordos avermelhados, aderente aos planos profundos e retráctil, condicionando repuxamento ao nível da prega axilar anterior com os movimentos, principalmente na abdução do ombro; Mobilidade articular: consegue levar ao ombro contralateral e à região lombar, mas não consegue levar a mão à nuca; Abdução 0º-90º (0º-160º à direita), flexão 0º-140º (0º-180º à direita), rotação externa 0º- 50º (0º-70º à direita), rotação externa 0º-30º (0º-80º à direita); Sem atrofia relevante do braço esquerdo; Ligeira diminuição da força muscular segmentar do membro superior, de predomino proximal (grau4+/5).
39-A Autora esteve, por causa do acidente dos autos, 10 dias com incapacidade temporária geral total - desde a data do acidente 12.02.2015 a 19.02.2015 e 13.10.2015 a 14.10.2015 e com Incapacidade temporária geral parcial, de 338 dias – desde 20.02.2015 a 12.10.2015 e 15.10.2015 a 25.01.2016.
40- A Autora esteve, por causa do acidente dos autos um período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total de 291 dias entre 12.02.2015 e 29.11.2015.
41- A Autora esteve, por causa do acidente dos autos um período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial de 57 dias entre 30.11.2015 e 25.01.2016.
42- A Autora sofreu, por causa do acidente dos autos, um Quantum doloris (QD) de grau 5 em 7 de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil.
43- A Autora é portadora, por causa do acidente dos autos de Défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 11 pontos acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil.
44- As sequelas descritas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
45- Dano estético permanente, fixado no grau 3 numa escala de 7 graus.
46- É previsível a futura necessidade de acompanhamento clinico, realização de novos exames complementares de diagnóstico e tratamentos.
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Tendo em conta os temas de prova, com relevo para a decisão da causa, onde se não inclui matéria conclusiva e de direito, consideram-se como não provados os seguintes factos:
- Arts. 29º, 50º, 51º, 55º, 64º, 75º, 82º, 83º e 84º, para além do já constante da demais matéria dada por provada e dos relatórios médico-legais, máxime do relatório médico-legal final.
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3. O direito
- Dano patrimonial -
Nas conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 8, a apelante insurge-se contra o segmento da sentença que fixou a indemnização devida a título de dano biológico, na vertente de dano patrimonial futuro.
Considera excessivo o valor arbitrado de € 25.000,00 e entende que no cálculo da indemnização deve levar-se em consideração as tabelas financeiras e os critérios nesse domínio ponderados e que aplicados ao caso justificaria arbitrar uma indemnização de € 9.000,00, valor ao qual se deveria deduzir o capital de remição. Conclui que a indemnização a arbitrar não devia exceder o montante de € 5.000,00.
Na sentença, na avaliação do concreto dano défice funcional permanente de integridade físico-psíquica, como dano biológico e na vertente de dano patrimonial futuro, ponderou-se como se passa a transcrever:
“No que se refere ao dano patrimonial futuro decorrente do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica:
A pretensão de indemnização pelo montante de €16.000,00 baseia-se no nosso entendimento no “dano biológico”, enquanto expressão da diminuição da capacidade física da Autora que na petição inicial é tratado autonomamente como distinto dos danos patrimoniais ali liquidados e dos danos não patrimoniais.
Tal dano configura, ainda, a natureza de dano futuro, na medida em que é previsível, como exige o artº 564º, n.º 2 do Código Civil que o lesado, para as produção do mesmo resultado irá empreender um maior esforço, em consequência da afetação funcional de que padece.
Entre os danos patrimoniais, é indiscutível a ressarcibilidade dos benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucros cessantes), incluindo-se ainda no cômputo dos danos patrimoniais os danos futuros desde que previsíveis, tal como dispõe o artigo 564º, número1.
De facto, os danos patrimoniais compreendem os danos emergentes e os lucros cessantes e todos podiam ser presentes ou futuros – cfr. artigos 483.º, 496.º e 564.º do Código Civil.
Só se os danos patrimoniais futuros que sejam de indemnizar não “forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”.
Como tem vindo a ser nosso entendimento, trataremos o pedido em apreço relativo ao dano biológico da Autora traduzido numa incapacidade de 11 pontos com recurso à tradicional dicotomia entre danos patrimoniais e não patrimoniais.
Curaremos, neste momento, de avaliar o eventual reflexo futuro da incapacidade da Autora na sua aptidão para ganho económico e, adiante, aferiremos da dimensão não patrimonial desse mesmo dano biológico.
Da prova produzida resulta que a Autora apresenta sequelas das lesões sofridas em consequência do acidente, sendo estas causa direta de um défice funcional permanente da integridade física fixado em 11 pontos, compatível com o exercício de uma atividade profissional mas que implica esforços suplementares.
Resultou provado que a Autora, à data do sinistro, exercia atividade de empregada doméstica desempenhando sem qualquer limitação, todas a tarefas inerentes a tal profissão ao longo de um período de quarenta horas semanais.
Por força das limitações que agora padece, a A. reduziu o tempo de trabalho que prestava à sua entidade patronal, em número de horas não concretamente apurado, mas que necessariamente, tem repercussões ao nível do rendimento auferido.
Entende-se oportuno chamar aqui à colação o texto sumariado do Ac. do STJ de 12- 01-2006 (in www.dgsi.pt.): “a limitação da condição física, que a deficiência, dificuldade ou prejuízo de certas funções ou atividades do corpo, ou seja, o handicap, que a IPG sempre envolve ou acarreta, determina necessariamente, até pelas suas consequências psicológicas, diminuição da capacidade laboral genérica e dos níveis de desempenho exigíveis.”
Mesmo quando assim não suceda na atividade profissional até então exercida, isso não deixa de colocar o lesado em posição de inferioridade no confronto com as demais pessoas no mercado de trabalho.
Dado o óbvio afastamento quer da possibilidade restauração natural quer do recurso a tabelas que recorram aos rendimentos da Autora ou mesmo a um rendimento ficcionado (já que não foi reconhecida à Autora uma incapacidade para o trabalho), há, como em todos os casos em que não puder ser averiguado o valor exato dos danos, que julgar com recurso à equidade – art. 566º, n.º 1 e 3 do Código Civil.
O recurso à equidade, menos capaz de assegurar uniformidade de critérios, permite, todavia, uma certa margem de discricionariedade enquanto o recurso a tabelas, vinculantes ou não vinculantes, constitui uma ajuda ao estabelecimento de uma igualdade de tratamento entre casos idênticos que a equidade não assegura. Todavia, também permite, como contrapartida, uma maior e melhor ponderação das circunstâncias concretas de cada caso: as lesões sofridas; o grau de incapacidade; a idade da vítima; o reflexo das sequelas no seu estilo de vida; o grau de dificuldade que podem sofrer no exercício das suas profissões.
Pode-se, contudo e sempre que se recorra à equidade por não se poder estabelecer uma concreta perda de ganho, ter em vista um critério ou baliza que ajude a manter um certo grau de equiparação de indemnizações em idênticas situações. No caso dos acidentes de viação a Portaria 377/2008 de 26 de Maio já acima mencionada, veio fixar os critérios e valores orientadores para efeito de apresentação aos lesados de proposta razoável para a indemnização do dano corporal conforme passou a ser obrigatório e está regulamentado pelo DL 291/2007 de 21 de Agosto.
Um dos danos indemnizáveis previsto nesta Portaria (artº 3º b)), é o chamado dano biológico que se traduz em ofensa à integridade física e psíquica de que resulte ou não perda de capacidade de ganho. Também nela se contempla a ressarcibilidade de danos estéticos, da dor, da repercussão em atividades de lazer, na atividade sexual, entre outros parâmetros indemnizáveis.
Tal tabela poderá estar presente a título de mera orientação – até porque devemos lembrar-nos que não exclui valores mais altos e é indicativa para a fase extrajudicial de elaboração de proposta razoável – mas é olhando essencialmente para as decisões dos tribunais superiores que nesta matéria tem decidido – em ordem a procurar senão uniformidade pelo menos coerência nas decisões a proferir – que se deve ir buscar-se orientação.
Nesta tarefa interessa-nos sobretudo olhar para a jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto e dentro desta é de grande utilidade o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-03-2015, relatado pelo Desembargador Carlos Gil em que o mesmo, de forma muito exaustiva, faz uma resenha dos montantes arbitrados em diferentes decisões de tribunais superiores, a título de danos não patrimoniais referindo, a propósito de cada um, os valor de incapacidade fixados bem como outras circunstâncias relevantes da cada caso.
No caso dos autos estamos perante um dano que se traduz na perda da capacidade da Autora alcançar, com o igual esforço, proveitos económicos. Tendo ficado privada dessa capacidade, na provada medida de 11%, vê a Autora significativamente diminuída a possibilidade de obter os proveitos económicos que previsivelmente iria obter durante a sua vida ativa.
Estamos, pois, perante um reflexo patrimonial do seu dano biológico pois, na medida do que agora nos ocupa este também implica numa perda direta de um proveito económico. É, também um dano futuro na medida em que essa perda irá manter-se dada a consolidação das suas sequelas.
Muito embora se tenha provado que a incapacidade de que é portadora não impede a Autora de exercer uma atividade remunerada apenas implicando esforços acrescidos, tal, no caso dos autos (como em muitos outros em que se está perante trabalhadores indiferenciados com reduzida opção de tarefas para que estejam qualificados), deve ser ponderado tendo em conta que o esforço acrescido para certas tarefas determina, por igual, um rendimento diminuído.
Se numa determinada atividade qualificada e do foro técnico ou intelectual por conta de outrem se pode defender que o maior esforço do trabalhador não diminui o seu rendimento mensal pré-fixado, noutras tarefas/profissões, o esforço acrescido do trabalhador, diminuindo a sua produtividade, determina diminuição de rendimentos, empregabilidade ou progressão na carreira o que, manifestamente, se traduz em perda de ganho.
A incapacidade permanente importa uma diminuição de condição física ou psíquica, resistência e capacidade de esforço por parte do lesado para executar as suas tarefas, não se devendo cingir a redução da capacidade de trabalho à redução da capacidade salarial (Ac. da Rel. do Porto de 03/05/2004, in http://www.dgsi.pt).
A teoria da diferença manda que para efeitos de cálculo se coloque o lesado na posição em que estaria se não fosse a lesão, ou seja, substituindo o proveito económico perdido pela indemnização equivalente.
Pela via indemnizatória procura-se a obtenção de um capital que se extinga ao fim da vida e seja suscetível de garantir ao lesado, durante a mesma, as prestações periódicas correspondentes às perdas verificadas e esforços acrescidos necessários.
Para a quantificação do dano corporal em apreço, como acima adiantamos, devem chamar-se à colação as normas dos arts. 564º e 563º, n.º 3 do Código Civil, que legitimam o recurso à equidade (art. 4º do Código Civil), por inexistirem critérios legais estritos.
Não obstante a questão dever ser decidida com recurso à equidade, têm-se lançado mão de fórmulas matemáticas, as quais não devem servir senão como critério orientador mas têm a inegável virtude de reduzir a arbitrariedade (neste sentido cfr. Ac. do Trib. da Rel. de Coimbra de 26/04/2005 e Ac. do STJ de 10/05/2007, ambos disponíveis no sítio http://www.dgsi.pt; cfr. Joaquim Sousa Dinis, Dano Corporal em Acidentes de Viação, CJ, Acs. do STJ, Ano IX, 2001, p. 5 e segs.).
Para efeito de cálculo da indemnização de que ora nos ocupamos, todavia, há que considerar o limite de vida ativa da lesada até à sua idade de reforma, tendo presente que a Autora poderia previsivelmente manter, até tal data a sua atividade de empregada doméstica, por se tratar de pessoa saudável e ativa à data do acidente e porque a idade de reforma se encontra fixada nos 66 anos, temos que desde a data da alta (em que tinha 54 anos) e até essa previsível impossibilidade de manutenção da sua atividade aos 66 anos, a Autora poderia ter lucrado com a sua atividade durante 12 anos.
Nos termos do n.º 8 do artigo 64.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 153/2008, de 6 de Agosto, para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais, o tribunal deve basear-se no montante da retribuição mínima mensal garantida (RMMG) à data da ocorrência.
Porém, a vertente patrimonial do dano biológico não se cinge à redução da capacidade de ganho e abrange também a lesão do direito à saúde, devendo a indemnização correspondente a este dano ter em conta as consequências dessa afetação no período de vida expectável, seja no plano profissional (perda/diminuição de oportunidades profissionais) seja no plano pessoal (maior onerosidade no desempenho de atividades).
Quer isto significar que, tal como se referiu no ac. do STJ de 26.1.2017 (proc. 1862/13.7TBGDM.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt), “havendo uma incapacidade permanente, mesmo que sem rebate profissional, sempre dela resultará uma afetação da dimensão anatomo-funcional do lesado, proveniente da alteração morfológica do mesmo e causadora de uma diminuição da efetiva utilidade do seu corpo ao nível de atividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais, com o consequente agravamento da penosidade na execução das diversas tarefas que de futuro terá de levar a cargo, próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo. E é neste agravamento de penosidade que se radica o arbitramento de uma indemnização.”.
Face a todas estas condicionantes, a Autora teria direito a auferir, a título de ressarcimento desse dano, o valor de €25.000,00. Indo a Autora receber a pronto um capital que traduz um benefício que, de outra forma, só alcançaria ao longo de vários anos, para se evitar um enriquecimento injustificado à custa alheia, e por apelo à ideia de equidade, é usual, ainda que não forçoso, deduzir àquele capital uma determinado proporção, entre 1/5 e 1/3 (neste sentido Ac. do Trib. da Rel. de Coimbra de 03/10/2006 e Ac. do Trib. da Rel. De Lisboa de 16/03/2006, disponíveis no sítio http://www.dgsi.pt). A referida redução deve ter em conta o seguinte critério: “quanto mais baixa for a idade da vítima, maior será a tendência para nos aproximarmos da quantia encontrada ou mesmo ultrapassá-la; quanto mais alta for essa idade, maior será a tendência para nos desviarmos dela, para baixo” (J. J. Sousa Dinis, Dano Corporal em Acidentes de Viação, CJ, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano IX, t. I, 2001, p. 9 e 10).
Tendo em conta os vetores elencados, mormente a idade da Autora, a incapacidade de que ficou a padecer e de que padecerá, a data da reforma, o valor do salário mínimo nacional à data do acidente e circunstância do recebimento de uma só vez do capital da indemnização, afigura-se-nos justa, equilibrada e ponderada a quantia indemnizatória de € 22.000,00 para ressarcir o dano patrimonial associado ao esforço acrescido para o desempenho de trabalho economicamente valorizável”.
Ao valor arbitrado de € 22.000,00 e, atendendo ao peticionado pela própria autora, deduziu-se a quantia de €4.669,08, já paga à A. a título de capital de remição por acidente de trabalho, pelo que, a indemnização pelo dano biológico, na sua vertente patrimonial, fixou-se em 17.330,92.
Cumpre desde logo considerar que contrariamente ao afirmado pela apelante, a indemnização atribuída não ascende ao montante de € 25.000,00, pois por efeito da antecipação do capital deduziu-se uma percentagem, fixando-se a indemnização em € 22.000,00. Foi a este valor que foi deduzido o capital de remição.
A questão que se coloca consiste em apurar se o valor arbitrado - € 22.000,00 - se mostra excessivo, face ao regime legal e critérios seguidos na jurisprudência, pois a apelante não põe em causa a qualificação do dano e a sua verificação, nem o montante deduzido a título de remição.
Entendemos que a identificação do dano e o critério de avaliação respeitam o regime legal. O valor arbitrado, segundo a equidade e em obediência ao princípio da igualdade, está compreendido nos valores que a jurisprudência tem considerado como adequados, como se passa a demonstrar.
No contexto dos factos apurados está em causa a indemnização do dano biológico decorrente das sequelas das lesões sofridas, perspetivado não como fonte de uma perda de rendimentos laborais, mas antes como diminuição global das capacidades gerais do lesado, envolvendo uma verdadeira “capitis deminutio” para a realização de quaisquer tarefas, que passam a exigir-lhe um esforço acrescido e constitui um dano autónomo e pode ter como consequência danos patrimoniais e danos de natureza não patrimonial.
Com efeito, como se refere no ponto 2 das conclusões de recurso, não se provou que por causa da incapacidade parcial permanente a autora tenha sofrido uma redução da capacidade de ganho.
Decorre dos factos provados que as referidas sequelas originaram um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 11 pontos (ponto 43), sendo esse o concreto dano a considerar, o qual pela sua natureza determina um esforço adicional no exercício não só da atividade profissional como de qualquer outra tarefa.
Dispõe o art. 566º CC que a indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
Por outro lado, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e que teria nessa data se não existissem danos.
Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados – art. 566º/3 CC.
Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior, conforme decorre do art. 564º/2 CC.
Consagram-se, assim, a teoria da diferença e a equidade como critério de compensação de danos futuros.
A desvalorização física que afete a capacidade de aquisição do lesado constitui um dano patrimonial por se traduzir na redução ou extinção da possibilidade de obtenção de valores patrimoniais. Mesmo a diminuição da capacidade laboral genérica, independentemente da produção de prejuízo patrimonial, é reparável enquanto dano corporal.
Como refere, a este respeito ARMANDO BRAGA: “[a] redução da capacidade laboral genérica, enquanto lesão de um modo de ser, de estar e de agir da vítima, embora possa não comportar efeitos diretos e imediatos na capacidade de produção de rendimentos, funda-se numa diminuição da saúde, entendida num sentido lato, reparável enquanto tal, isto é, como dano à saúde”[2].
O “dano biológico“ constitui um conceito criado pela jurisprudência e doutrina italiana, habitualmente classificado como “tertium genus“ em relação à dicotomia dano patrimonial/dano moral.
Revelou-se determinante para a conceção e estruturação do conceito a decisão do Tribunal Constitucional Italiano nº 184 de 14 de Julho de 1986 que consagrou a distinção entre dano-evento e dano-consequência.
O dano biológico constitui a lesão do bem da saúde como dano evento, enquanto o dano moral e o dano patrimonial pertencem à categoria do dano consequência em sentido estrito.
Como refere ARMANDO BRAGA esta distinção: “permite clarificar que o dano corporal (dano-evento) existe independentemente das consequências de ordem patrimonial (dano-consequência). Assim, o dano corporal existe sempre que haja lesão da integridade físico-psíquica. E reconhecida a sua existência como dano-evento, sempre terá de ser reparado. Já as consequências patrimoniais do dano corporal revelam-se, no plano ontológico, sucessivas, ulteriores a este e meramente eventuais. A eventual existência e contornos das consequências patrimoniais não pode nem deve confundir-se com o dano corporal que está na sua génese. Dito de outra forma, o dano corporal (dano evento) não depende da existência e prova de efeitos patrimoniais, estes é que se apresentam como consequência (ulterior) do primeiro. Assim, o dano corporal existe sempre que haja lesão da integridade físico-psíquica”[3].
Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça o conceito de dano “biológico” tem sido acolhido como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, o qual é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial[4].
Assim, quem pretenda obter uma indemnização a título de lucros cessantes, em consequência de lesão sofrida, terá de fazer prova do pressuposto médico-legal sem o qual não há lugar a lucro cessante, isto é, provar que da lesão resultou uma determinada incapacidade durante o qual o lesado não esteve em condições – total ou parcialmente – de trabalhar, e, além disso, se tal for o caso, a subsistência de sequelas permanentes que se repercutem negativamente sobre a sua capacidade de trabalho.
Sendo os danos previsíveis a que a lei se reporta, essencialmente, os certos ou suficientemente prováveis, como é o caso da perda da capacidade produtiva ou até o maior esforço que, por via da lesão e das suas sequelas, terá que passar a desenvolver para obter os mesmos resultados. O défice funcional permanente constitui um dano patrimonial indemnizável, pela incapacidade em que o lesado se encontra e se encontrará na sua situação física, quanto à sua resistência e capacidade de esforços.
Sendo, assim, indemnizável, como já dissemos, quer acarrete para o lesado uma diminuição efetiva do seu ganho laboral, quer lhe implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais, exigindo tal incapacidade um esforço suplementar, físico ou/e psíquico, para obter o mesmo resultado[5].
Como melhor se observa no Ac. STJ 07.06.2011[6]:
“[…] a incapacidade permanente integra aquilo que comummente se designa por dano ou incapacidade funcional.
Efetivamente, essa incapacidade, que se reflete na impossibilidade de uma vida de completa normalidade, com repercussões no intelecto, na vontade e em toda a capacidade em sentido lato, pode configurar-se como uma incapacidade permanente sofrida pelo lesado.
Haverá que considerar, pois, as capacidades funcionais, tanto reais como potenciais.
Realce-se, além disso, que a incapacidade funcional, mesmo que não determine efetiva e imediata perda ou diminuição de rendimentos ou de proventos por parte do lesado, importa necessariamente dano patrimonial (futuro), que deve ser indemnizado.
[…]
Na verdade, a força de trabalho de uma pessoa é um bem, sem dúvida capaz de propiciar rendimentos.
Logo, a incapacidade funcional importa sempre diminuição dessa capacidade, obrigando o lesado a um maior esforço e sacrifício para manter o mesmo estado antes da lesão e, inclusivamente, provoca inferiorização, no confronto do mercado de trabalho, com outros indivíduos por tal não afetados.
A repercussão negativa que a incapacidade funcional tem para o lesado centra-se, assim, na diminuição da sua condição física, resistência e capacidade de esforços, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das atividades pessoais em geral e numa consequente e igualmente previsível maior penosidade na execução das diversas tarefas que normalmente se lhe depararão no futuro.
E é precisamente, neste agravamento da penosidade (de carácter fisiológico) para a execução, com regularidade e normalidade, das tarefas próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo, que deve radicar-se o arbitramento da indemnização por danos patrimoniais futuros.
Por outras palavras, a incapacidade funcional implica sempre uma inferioridade na condição física do lesado, quanto à sua resistência e capacidade de esforço, na medida em que o dano físico decorrente dessa incapacidade exige, ou exigirá, do lesado um esforço suplementar, físico e psíquico, para obter o mesmo resultado.
A incapacidade funcional constitui, desde modo, um dano patrimonial futuro, que os artigos 562º e 564º impõem se indemnize, independentemente da prova de um prejuízo pecuniário concreto dela resultante, não tendo o lesado, pois, sequer de alegar ou provar qualquer perda de rendimentos.
Por conseguinte, a incapacidade funcional, ainda que não impeça o lesado de continuar a trabalhar e ainda que dela não resulte perda de vencimento, reveste a natureza de «um dano patrimonial, já que a força do trabalho do homem, porque lhe propicia fonte de rendimentos, é um bem patrimonial, sendo certo que essa incapacidade obriga o lesado a um maior esforço para manter o nível de rendimentos auferidos antes da lesão».
Resulta do exposto que a incapacidade permanente de que o lesado fique a padecer em consequência de um facto danoso é, além do mais, suscetível de afetar e diminuir a potencialidade de ganho, por via da perda ou diminuição da remuneração ou da implicação para o ofendido de um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de ganho.
Mas essa mesma incapacidade permanente pode, igualmente, afetar o lesado, quando implica para ele um esforço ou sacrifício suplementar para exercer as várias tarefas e atividades gerais quotidianas.
Com efeito, a incapacidade funcional, afetando o corpo humano ou um seu órgão (no sentido médico-legal deste termo), representa uma alteração da pessoa, que afeta a sua integridade física, impedindo-a de exercer determinada atividade corporal ou sujeitando-a a exercitá-la de modo deficiente ou doloroso.
Realmente, a incapacidade funcional de que o lesado tenha ficado a padecer pode traduzir-se numa incapacidade para a generalidade das profissões, numa incapacidade genérica para utilizar o corpo enquanto prestador de trabalho e produtor de rendimento ou numa possibilidade de o utilizar em termos correspondentemente deficientes ou penosos.
Por isso, a incapacidade funcional, na medida em que a precede e consome, tem, em princípio, uma maior abrangência do que a perda da capacidade de ganho, podendo não coincidir com esta, tudo dependendo do tipo ou espécie de trabalho efetivamente exercido profissionalmente.
É que, em alguns casos, uma elevada incapacidade funcional pode não ter repercussão na retribuição (o que não é raro em profissões de incidência intelectual), ao passo que, noutras situações, uma pequena incapacidade funcional geral pode ocasionar uma enorme incapacidade profissional.
Temos, assim, que “a afetação da integridade física do lesado traduz-se num dano patrimonial, por ser previsível que, no futuro, a incapacidade funcional de que ficou a padecer tenha repercussão negativa na sua capacidade de ganho.
Esta diferença resultante da lesão da integridade física do lesado importa uma previsível redução da sua capacidade para o trabalho e, consequentemente, um dano patrimonial indemnizável, independentemente da sua repercussão imediata nos rendimentos da sua atividade profissional.
Basta a alegação dessa incapacidade para, uma vez demonstrada, servir de fundamento ao pedido de indemnização pelo dano patrimonial futuro, cujo valor, por ser indeterminado, deve ser fixado equitativamente, nos termos do preceituado no artigo 566º, n.º 3 CC “.
No desenvolvimento desse entendimento, o acórdão do STJ de 10 de outubro de 2012, Proc. 632/2001.G1.S1 (acessível em www.dgsi.pt), considerou que:
“[…] a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afetar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.
Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente refletida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável – e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição -, erigindo-se, deste modo, em fonte atual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais[…]”.
E, no mesmo aresto, se acrescenta que:
“Nesta perspetiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal […]”.
Como se observa no Ac. STJ 10 de Março de 2016, Proc. 1602/10.2TBVFR.P1.S1 (www.dgsi.pt) as sequelas podem projetar-se em dois planos:
- a perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua atividade profissional habitual, durante o período previsível dessa atividade, e consequentemente dos rendimentos que dela poderia auferir;
- na perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expetável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual.
A questão objeto do recurso coloca-se no ressarcimento destes danos.
Em sede de processo laboral, como decorre do ponto 34 dos factos provados, a autora-apelada recebeu as indemnizações por incapacidade temporária absoluta e incapacidade parcial permanente, bem como o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia. A apelada obteve uma indemnização pela perda parcial de capacidade para o exercício da sua atividade profissional habitual, durante o período previsível dessa atividade, e consequentemente dos rendimentos que dela poderia auferir.
Na presente ação apenas está em causa aferir se as sequelas em consequência das lesões sofridas originaram a perda ou diminuição de capacidade funcional, pois não se provou que tais sequelas são incompatível com o exercício da atividade habitual (ponto 44 dos factos provados).
Como decorre do ponto 43 dos factos provados, as sequelas de que ficou afetada a autora determinaram-lhe um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 11 pontos, em que as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares (ponto 44 dos factos provados).
Verifica-se, assim, uma perda de capacidade funcional que afeta a apelante em todas as atividades em geral, constituindo um dano autónomo, suscetível de ser ressarcido em sede de dano patrimonial. A afetação da sua capacidade funcional vai afetar o seu desempenho profissional com repercussão na evolução da sua carreira profissional, o que necessariamente importará perdas salariais que não estão contabilizadas na remição da pensão que lhe foi atribuída.
De acordo com as normas da experiência e partindo de um juízo de mera probabilidade, somos levados a concluir que as limitações de que ficou a padecer, ainda que não tenham uma expressão direta no seu salário, acabarão por criar uma limitação futura na sua atividade profissional, na medida em que condiciona a sua produtividade e este aspeto tem efeitos patrimoniais relevantes na medida em que condiciona a progressão na carreira profissional e pode mesmo vir a gerar uma situação de pré-reforma e por isso, o dano sofrido, qualificado como “dano biológico“ deve ser objeto de ressarcimento em sede de danos patrimoniais, por representar uma efetiva perda de ganho.
Como se refere no Ac. STJ de 07 de Outubro de 2010[7]: “Trata-se, em suma, de indemnizar, «a se», o dano corporal sofrido, quantificado por referência ao índice 100 [integridade psicossomática plena], e não qualquer perda efetiva de rendimento ou de concreta privação da capacidade de angariação de réditos”.
Conclui-se, assim, que no dano biológico estão em causa prejuízos de natureza patrimonial, provenientes das consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado.
Na avaliação do dano, a jurisprudência, partindo de um juízo de equidade tem apontado vários critérios, sendo certo que o que melhor reflete o princípio geral enunciado no art. 562º CC – reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado a lesão – segue basicamente a ideia, que o montante da indemnização em dinheiro deve corresponder a um capital gerador de rendimento equivalente ao que o lesado deixará de receber, durante o período em que poderia trabalhar, de forma a esgotar-se no tempo provável de vida ativa. O critério utilizado para a avaliação da perda de ganho será o que melhor se aproxima do critério legal para avaliar o dano.
Estando em causa proventos futuros pela privação da respetiva fonte na avaliação do dano cumpre fazer apelo a critérios de probabilidade, em termos de normalidade de vida e ponderando o caso concreto[8].
Na jurisprudência, até 1993, optou-se por proceder ao cálculo da indemnização segundo as tabelas financeiras, à taxa de 9%, tendo por base a perda de ganho anual e o tempo provável de vida ativa da vítima[9].
Posteriormente, tendo presente a diminuição da inflação e das taxas de juro, foram propostas novas fórmulas entre as quais se destaca a fórmula utilizada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 05.05.1994 (CJ STJ II, II, 86) e ainda, a fórmula proposta no Acórdão da Relação de Coimbra de 4.04.95 (CJ XX, II, 23) onde se ponderava a tendência para o crescimento dos salários e ganho de produtividade.
Presentemente no que toca à avaliação da perda de rendimentos provenientes da atividade profissional habitual, tem a jurisprudência[10] considerado como parâmetros a atender os seguintes:
a) – o capital produtor do rendimento que a vítima deixará de auferir e que se extinguiria no período de vida profissional provável;
b) – no cálculo a equacionar de forma equitativa, o relevo das regras da experiência que, segundo o curso normal das coisas, seja razoável atentar;
c) – as tabelas financeiras como mero instrumento auxiliar, sem substituição da equidade;
d) – o facto de ocorrer a antecipação, de uma só vez, do pagamento de todo o capital, o que permite ao beneficiário rentabilizá-lo financeiramente, introduzindo-se, para o efeito, uma dedução de forma a evitar um enriquecimento injustificado à custa de outrem e que se poderá situar entre 1/3 e 1/4.
Em todos os critérios surgem como elementos comuns a ponderação da idade do lesado, a incapacidade de que ficou afetado, o salário que auferia na data em que ocorreu o evento danoso e ainda, o período de vida ativa, fatores que foram considerados na sentença recorrida.
No recurso à equidade, como ocorreu no caso concreto, devem observar-se as exigências do princípio da igualdade, “o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível, naturalmente, com a devida atenção às circunstâncias do caso”[11]. Os valores apontados na jurisprudência dos tribunais superiores, servem de referência na procura dessa uniformização.
Assim, entre outros, cumpre ponderar os seguintes arestos acessíveis em www.dgsi.pt:
- Ac. STJ 15.03.2012 – Proc. 4730/08.0TBVLG.L1
- Em acidente ocorrido em 29.05.2005, em Valongo, com culpa exclusiva do do condutor do veículo segurado, atribuiu-se ao lesado, com 57 anos de idade, com a profissão de tubista, que ficou afetado com uma IPG de 25 pontos, a indemnização de € 35 000,00.
O autor foi operado ao ombro esquerdo por rutura da coifa dos rotadores, e fez acromioplastia com sutura do supra espinhoso. Foi operado ao joelho.
-Ac. STJ 06.12.2018, Proc. 652/16.0T8GMR.G1.S2
- Dado que à data do acidente (24 outubro 2013), o recorrente contava com 40 anos de idade e ficou a padecer de um défice funcional de 10% (com possível agravamento com o decorrer do tempo) que o obriga a esforços acrescidos para o desempenho da sua profissão, revela-se equitativa e conforme aos padrões jurisprudenciais o montante de € 60.000,00.
- Ac Rel Lisboa 09 de abril de 2019, Proc. 50/14.0TAMTJ.L1-5
- Do factualismo provado resulta que o lesado em consequência das lesões ficou com um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 3 pontos com discretos esforços suplementares para a execução das mesmas tarefas, sem qualquer perda efetiva da capacidade de ganho, mas tão só aquilo mesmo, discretos esforços suplementares a título de indemnização pelo dano patrimonial sofrido atribuiu-se uma indemnização de € 6000,00 (ECLI:PT:TRL:2019:50.14.0TAMTJ.L1.5.DE, www.dgsi.pt).
- Ac. Rel. Porto 07 de setembro de 2016, Proc. 791/09.3TBVCD.P1
- O lesado em consequência de um acidente de viação, ficou afetado por um défice funcional permanente de 3 pontos que lhe permite exercer a sua actividade profissional habitual, embora com esforços suplementares, o cálculo do respetivo montante indemnizatório deve ser efetuado segundo os parâmetros do dano patrimonial futuro. Tendo o lesado, que exerce a actividade profissional de motorista de pesados e ficou portador do referido défice funcional permanente de 3 pontos, 60 anos à data do acidente considerou-se justa e adequada para compensação do dano patrimonial futuro a quantia de 10.000,00€ (ECLI:PT:TRP:2016:791.09.3TBVCD.P1.B5, www.dgsi.pt)
- Ac. Rel. Porto 09 de maio de 2019, Proc. 1100/16.0T8AMT.P1
Mostra-se adequada uma indemnização de €14.500,00 de dano patrimonial numa situação em que a lesada com 65 anos de idade à data do acidente, ficou afetada por um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixado em 3 pontos (ECLI:PT:TRP:2019:1100.16.0T8AMT.P1.49, www.dgsi.pt)
- Ac. Rel. Porto 11.10.2016, Proc. 805/15.8T8PNF.P1
- Acidente ocorrido em 24 de novembro de 2012, quando o lesado tinha 36 anos e ficou com uma IPG de 5% considerou-se adequado para indemnizar os danos patrimoniais sofridos a título de dano biológico a quantia de € 12 500,00 (ECLI:PT:TRP:2016:805.15.8T8PNF.P1.C1-www.dgsi.pt)
- Ac. Rel. Porto 07.04.2016 – Proc. 171/14.9TVPRT.P1
- Para uma lesada, com 78 anos de idade à data do acidente, reformada da atividade de médica e que ficou portadora de um défice funcional permanente de 4 pontos, considera-se justa e adequada, para compensação do dano daí decorrente, a quantia de 8.000,00€.
- Ac. STJ 19.04.2012 – Proc. 3046/09.0TBFIG.S1
- Em acidente ocorrido em 16.12.2006, na Figueira da Foz, com culpa exclusiva do condutor do veículo segurado, atribuiu-se ao lesado, com 19 anos de idade, estudante, que ficou afetado com uma IPG de 13 pontos, com agravamento no futuro, a indemnização de € 35.000,00. O Autor lesado sofreu luxação transescapulunar à esquerda e fratura do astrágalo esquerdo, tendo sido sujeito, nesse mesmo dia, a intervenção cirúrgica ao punho esquerdo e tratamento conservador à fratura do astrágalo.
- Ac. STJ 16.12.2010 – Proc. 270/06.0TBLSD.P1
- Em acidente ocorrido em 07.02.2003, com culpa exclusiva do condutor do veículo segurado, atribuiu-se ao lesado, com 16 anos de idade, com a profissão de pintor de automóveis de 2ª, com categoria de praticante, que ficou afetado com uma IPG de 10 pontos a indemnização de € 50.000,00.
O Autor sofreu fratura do fémur esquerdo e apresenta as seguintes sequelas: fratura consolidada do fémur esquerdo, com calo ósseo irregular e com angulação em vago de 10°. Ao nível da anca e grande trocânter observam-se irregularidades relativamente ao lado contra – lateral. Na incidência de face da bacia em carga é bem visível o encurtamento do membro inferior esquerdo.
- Ac. STJ 07.10.2010 – Proc. 2171/07.6 TBCBR.C1.S1 –
- Em acidente ocorrido em 16.02.2005, no concelho de Coimbra o lesado com 47 anos foi vítima de atropelamento e sofreu traumatismo crâneo-encefálico e fratura da tíbia exercia a profissão de panificador especializado, ficou afetado com uma incapacidade permanente geral de 8 pontos que podia evoluir para 13 pontos, atribuiu-se a indemnização de € 30.000,00.
- Ac. STJ 27.10.2009 – Proc. 560/09.0YFLSB –
- Em acidente ocorrido em 03.09.2005, o lesado com 19 anos ficou afetado com uma incapacidade permanente geral de 8 pontos e avaliado o dano biológico na vertente patrimonial atribuiu-se a indemnização de € 10.000,00.
Resulta da análise comparativa das várias decisões que na atribuição de uma indemnização de valor superior à arbitrada se ponderou uma desvalorização superior àquela de que ficou a padecer a autora/apelada e lesões mais graves e ainda, o facto do lesado ser uma pessoa jovem, por vezes ainda sem profissão, circunstâncias que aqui não se verificam.
Por outro lado, nas situações em que se fixaram valores muito próximos daqueles que a apelante sugere, estavam em causa situações em que o lesado ficou afetado com um défice funcional permanente de integridade físico psíquica entre 2 e 8 pontos de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil, por vezes reformado, com idade superior à autora, circunstâncias que também aqui não se verificam.
No caso concreto é relevante considerar que apesar das sequelas serem compatíveis com o exercício da atividade habitual implicam esforços suplementares. Este aspeto é tanto, ou mais significativo, tendo em conta a profissão da autora - empregada doméstica -, cuja atividade requer destreza física para a concretização das tarefas. Apurou-se, aliás, que a autora, por força de tais limitações reduziu o tempo de trabalho (ponto 31). De acordo com um juízo de normalidade, tais limitações, no futuro, importarão uma perda de capacidade de trabalho com a consequente diminuição de rendimentos.
Desta forma, mostra-se proporcional e adequado, para ressarcir o dano patrimonial futuro, o valor arbitrado de € 22.000,00, porque está compreendido dentro dos limites das indemnizações arbitradas na jurisprudência dos nossos tribunais e foi obtido ponderando as consequências na vida da autora nas suas várias dimensões – profissional, tarefas domésticas, vida de relação -, a idade, período de vida ativa, profissão concreta à data do sinistro e salário, dedução de uma percentagem de forma a evitar um enriquecimento injustificado à custa de outrem por antecipação do capital, ao que acresce o facto de a culpa na produção do acidente ser atribuída em exclusivo ao condutor do veículo segurado.
Argumenta a apelante que no cálculo da indemnização se deveria considerar o critério e fórmula seguida nas tabelas financeiras, mas sem indicar em concreto a “tabela financeira”.
Na sentença considerou-se tal aspeto, apenas como referencial e ponderou-se para o efeito a fórmula prevista na Portaria 377/2008 de 26 de maio.
A Portaria 377/2008 de 26 de maio foi revogada pela Portaria 679/2009 de 25 de junho.
Na jurisprudência tem-se considerado que as referidas tabelas funcionam para efeitos de apresentação aos lesados de proposta razoável de indemnização, nos termos do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21.08 e destinam-se a ser aplicadas na esfera extrajudicial, não sendo lícita a sua sobreposição aos critérios legais e de equidade pelo julgador. O critério fundamental para a determinação das indemnizações é o fixado no Código Civil.
Neste sentido, entre outros, os Ac. STJ de 19 de maio de 2020, Proc. 3907/17.2T8BRG.G1.S1 (ECLI:PT:STJ:2020:3907.17.2T8BRG.G1.S1), Ac. STJ 06 de fevereiro de 2020, Proc. 2251/12.6TBVNG.P1.S1 (ECLI:PT:STJ:2020:2251.12.6TBVNG.P1.S1)- acessíveis em www.dgsi.pt
Como se começou por referir, neste tipo de situações, a solução seguida pela jurisprudência é a de fixar um montante indemnizatório por via da equidade, ao abrigo do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CC, em função das circunstâncias concretas de cada caso, segundo os padrões que têm vindo a ser delineados, atentos os graus de gravidade das lesões sofridas e do seu impacto na capacidade económica do lesado, considerando uma expetativa de vida ativa não confinada à idade-limite para a reforma.
Daí entender-se que as apontadas fórmulas apenas podem ser consideradas como referencial, mas sempre temperadas pelo concreto juízo de equidade, sendo esse o entendimento que seguimos e por isso, não se justifica limitar o cálculo da indemnização ao cálculo de “tabelas financeiras”.
Daqui decorre que respeitando a sentença o critério legal e a interpretação que do mesmo vem sendo desenvolvida pela jurisprudência, não se justifica alterar o valor arbitrado.
Improcedem, nesta parte, os pontos 1 a 8 das conclusões de recurso.
-
- Dano não patrimonial -
Nas conclusões de recurso, sob os pontos 9 a 15, insurge-se a apelante contra o montante arbitrado a título de indemnização por dano não patrimonial, considerando que o valor arbitrado se mostra excessivo e deve ser reduzido para montante não superior a € 10.000,00.
Na sentença arbitrou-se a indemnização para compensar os danos sofridos em € 20.500,00, com os fundamentos que se transcrevem:
Quanto aos danos não patrimoniais:
“Como acima anunciado, o pedido que a Autora formulara autonomamente para ressarcimento da sua incapacidade (ou dano biológico) apenas foi até agora apreciado do ponto de vista do seu reflexo económico.
A autora peticiona € 20.000 de indemnização pelo dano biológico e ressarcimento por danos não patrimoniais.
Ora, como acima oportunamente explicado, o pedido formulado a título de ressarcimento do dano biológico está a ser tratado pelo tribunal de forma diferente da enunciada na petição inicial por se entender que este dano tem reflexos patrimoniais e não patrimoniais que aconselham o seu tratamento dentro dessa habitual dicotomia. Segundo Álvaro Dias, em “Dano Corporal – Quadro Epistemológico e Aspetos Ressarcitórios”, o dano corporal ou biológico é um terceiro género pois não é um dano patrimonial em sentido estrito como o são as incapacidades permanentes para o trabalho nem é um simples dano moral. Não concordamos com a qualificação do dano biológico como um “terceiro género” mas estamos em crer que ainda que se aceite tal qualificação doutrinal nada obsta, antes tudo aconselha, a que o seu ressarcimento seja tratado da forma por nós adotada com distinção dos seus reflexos patrimoniais dos não patrimoniais.
Resultou provado que a Autora, que tinha 53 anos à data do acidente, era mulher saudável e dinâmica. As sequelas das lesões sofridas em consequência do acidente implicaram para a Autora um défice funcional permanente de 11 pontos que lhe acarretam a necessidade de empregar esforços suplementares no exercício da profissão.
A autora esteve internada no Hospital … entre a data do acidente –12/02/2015 –, tendo tido alta para o domicílio em 19/02/2015. Após foi novamente intervencionada, para retirar o material de osteossíntese, no Hospital H… em 13.10.2015. Deu início a tratamentos de fisioterapia no dia 18 de Março de 2015, mantendo-se tais tratamentos (162 sessões de fisioterapia) por cerca de 10 meses – até ao dia 12 de Janeiro de 2016, tendo igualmente frequentado sessões de hidroterapia.
A limitação de que padece deixa a A. triste e desgostosa, designadamente por não conseguir pegar na sua neta ao colo, dar-lhe banho e tomar conta dela. Tem receio de atravessar ruas e em ser transportada em veículo automóvel.
Sofreu dores quantificadas em grau 5 numa escala de 1 a 7 o que revela a indiscutível relevância da dor sofrida.
Sofre de dano estético permanente quantificado em grau 3 numa escala de 1 a 7.
Todos os reflexos biológicos (físicos e psicológicos) acima mencionados consubstanciam dano não patrimonial já que o mesmo não se traduz na perda da capacidade de rendimento mas em padecimentos morais e corporais.
O ressarcimento do dano não patrimonial tem o seu cômputo totalmente afastado de raciocínios aritméticos, caracterizando-se por não ser verdadeiramente indemnizável pois o que se procura apenas é compensar a vítima lesada, permitindo-lhe, designadamente, ter acesso a um valor monetário que de alguma forma reduza a dimensão do seu sofrimento, sendo que este é associado a perdas diretamente derivadas do acidente e tidas por irreparáveis.
A concluir-se pela sua existência, o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal (art. 496º, n.º3 e 566º, n.º3), tendo em conta os limites e fatores fixados pelo artigo 494º do Código Civil.
Como refere Dario Martins de Almeida (in “Da Responsabilidade Civil em Matéria de Acidentes de Viação”, 3ª edição, p. 130), ao distinguir o dano pela sua gravidade o legislador não quer com isso significar que apenas seja suscetível de compensação o dano que apresente um carácter excecional, insuportável ou exorbitante – a gravidade de, por exemplo uma determinada dor física, é normalmente aferida pela sua relativa intensidade ou profundidade, conforme as circunstâncias de cada caso.
Tal dano configura, ainda, a natureza de dano futuro, na medida em que é previsível, como exige o artigo 564º, n.º 2 do Código Civil que a Autora, continuará a sofrer da afetação funcional e anímica de que padece.
Dado o óbvio afastamento quer da possibilidade restauração natural, como em todos os casos em que não puder ser averiguado o valor exato dos danos, há que julgar com recurso à equidade – artigo 566º, n.º 1 e 3 do Código Civil.
Em ordem a permitir a segurança e uma relativa uniformidade nas decisões que fixam indemnização pelas incapacidades parciais, tem-se a jurisprudência socorrido de tabelas quer atendem aos rendimentos do autor e ao tempo previsível de atividade profissional, quando se trata de ressarcir perdas de capacidade de ganho.
O recurso à equidade, menos capaz de assegurar uniformidade de critérios, por sua vez, permite uma certa margem de discricionariedade já que o recurso a tabelas, vinculantes ou não vinculantes, constitui uma ajuda ao estabelecimento de uma igualdade de tratamento entre casos idênticos. Todavia, também permite, como contrapartida, uma maior e melhor ponderação das circunstâncias concretas de cada caso: as lesões sofridas; o grau de incapacidade; a idade da vítima; o reflexo das sequelas no seu estilo de vida; o grau de dificuldade que podem sofre no exercício das suas profissões.
Pode-se, contudo, e sempre que se recorra à equidade por não se poder estabelecer uma concreta perda de ganho, ter em vista um critério ou baliza que ajude a manter um certo grau de equiparação de indemnizações em idênticas situações. No caso dos acidentes de viação a Portaria 377/2008 de 26 de Maio veio fixar os critérios e valores orientadores para efeito de apresentação aos lesados de proposta razoável para a indemnização do dano corporal conforme passou a ser obrigatório e está regulamentado pelo DL 291/2007 de 21 de Agosto.
Um dos danos indemnizáveis previsto nesta Portaria (artº 3º b)), é o chamado dano biológico que se traduz em ofensa à integridade física e psíquica de que resulte ou não perda de capacidade de ganho. Também nela se contempla a ressarcibilidade de danos estéticos, da dor, da repercussão em atividades de lazer, na atividade sexual, entre outros parâmetros indemnizáveis.
Tal tabela poderá estar presente a título de mera orientação – até porque devemos lembrar-nos que não exclui valores mais altos e é indicativa para a fase extrajudicial de elaboração de proposta razoável – mas é olhando essencialmente para as decisões dos tribunais superiores que nesta matéria tem decidido – em ordem a procurar senão uniformidade pelo menos coerência nas decisões a proferir – que se deve ir buscar-se orientação, entre muitos outros e para citar apenas os mais semelhantes ao caso dos autos e mais recentes, os Acórdãos do STJ de 21-01-2016, de 03-12-2015 e de 09-02-de 2015.
Fá-lo-emos tendo presente o sumariado elenco de danos não patrimoniais que acima se fez, isto é, computando como um todo o sofrimento da Autora e aqui incluindo, o “quantum doloris”, as limitações funcionais, (temporárias e permanentes), a alteração estética e as previsíveis dificuldades que lhe acarretarão tais limitações no futuro.
Atendendo aos critérios oferecidos pelo artigo 494º, que são o grau de culpabilidade do agente responsável pelo acidente - culpa efetiva -, a situação económica das partes, a idade da Autora e o facto de ter ficado a padecer de diversas sequelas, a incidência das lesões, e a intensidade das dores sofridas, tudo apreciado em concreto, entende-se como equitativamente justa uma compensação de € 20.500,00 que consideramos proporcional e adequada à intensidade e permanência do sofrimento físico e psíquico da Autora que se traduzirá um padecimento permanente na sua vida futura.
A indemnização alcançada, foi, nesta parte fixada de acordo com juízo de equidade, tendo em conta o critério atualista definido no n.º 2 do art. 566º do Código Civil, mostrando-se os danos avaliados à data da prolação da presente decisão”.
A questão a decidir consiste em apurar se na fixação da indemnização, segundo um juízo de equidade se observou o critério legal.
Estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais, necessariamente com apelo a um julgamento segundo a equidade, a jurisprudência dos tribunais superiores tem defendido que o tribunal de recurso deve limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”. Tal como escapam à admissibilidade de recurso “as decisões dependentes da livre resolução do tribunal” em caso de julgamento segundo a equidade, devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, aquelas regras[12].
Tendo presente o art. 496º/1CC, verificamos que tão só, são indemnizáveis, a título de danos morais, os danos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito e a indemnização, neste âmbito, visa compensar o dano sofrido, pois pela sua natureza o dano não é suscetível de restituição natural.
Em conformidade com o nº4 do art. 496º CC o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º do CC e de acordo com um critério objetivo.
Na decisão segundo a equidade terá de se considerar essencialmente as particularidades que o caso concreto apresenta, configurando-se a consideração dos elementos e realidades a ter em conta sobretudo como questão metodológica[13].
Por outro lado, tem a jurisprudência defendido que na quantificação do dano, os montantes não poderão ser tão escassos que sejam objetivamente irrelevantes, nem tão elevados que ultrapassem as disponibilidades razoáveis do obrigado ou possam significar objetivamente um enriquecimento injustificado[14].
No recurso à equidade devem observar-se as exigências do princípio da igualdade, “o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível, naturalmente, com a devida atenção às circunstâncias do caso”[15].
Deve atender-se, assim, nos termos do art. 496º/4 CC, conjugado com o art. 494º CC, ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica, do lesado e do titular de indemnização e às demais circunstâncias do caso. Nestas, podem incluir-se a desvalorização da moeda, bem como os padrões de indemnização geralmente adotados pela jurisprudência[16].
Neste contexto mostraram-se relevantes na avaliação do dano os seguintes factos:
16 - Foram acionados os meios de emergência médica, tendo a Autora sido transportada para o Serviço de Urgências do Hospital ….
17 - Nessa unidade hospitalar, a Autora apresentava traumatismo do ombro esquerdo, tendo sido submetida a raio-x, TAC à cabeça (com TAC de controlo após 24 horas) e ecografia abdominal.
18 - Tendo-lhe sido detetada fratura do úmero esquerdo, impondo que a Autora tivesse de ser operada e internada até ao dia 19/02/2015.
19 - O atropelamento supra descrito ocorreu na deslocação “casa-trabalho” da Autora, após ter prestado serviço doméstico na residência da sua entidade patronal, G…, no Porto.
22 - No decurso do internamento e intervenção cirúrgica a que foi submetida, a Autora foi sujeita a cuidados de penso, analgesia e anestesia.
23 - A autora esteve internada no Hospital … entre a data do acidente – 12/02/2015 –, tendo tido alta para o domicílio em 19/02/2015. Após foi novamente intervencionada, para retirar o material de osteossíntese, no Hospital H… em 13.10.2015.
24 - Deu início a tratamentos de fisioterapia no dia 18 de Março de 2015, mantendo-se tais tratamentos (162 sessões de fisioterapia) por cerca de 10 meses – até ao dia 12 de Janeiro de 2016, tendo igualmente frequentado sessões de hidroterapia.
25 – A consolidação médica das lesões sofridas pela Autora ocorreu no dia 25 de Janeiro de 2016, data em que a F…, S.A. lhe deu alta.
26- A autora nasceu no dia 13 de Dezembro de 1961.
27- Era, como é, empregada doméstica.
28- Até à data do acidente, a Autora não tinha qualquer problema físico nem padecia de qualquer doença ou incapacidade que a limitasse nas suas atividades, prestando serviço à sua entidade patronal a tempo inteiro, de quarenta horas por semana.
29- Era uma pessoa ativa e completamente autónoma, executando sem qualquer dificuldade ou limitação, todas as tarefas inerentes a tal profissão.
30- O desempenho de certas tarefas mais vulgares e rotineiras têm-se revelado difíceis de executar, como lavar, secar e pentear o cabelo, pegar em pesos de peso superior a 1,5 kgs com a mão esquerda, limpar vidros, aspirar, alcançar objetos que estejam em prateleiras ou armários altos.
31- Por força de tais limitações, a Autora, reduziu o tempo de trabalho que vinha a prestar à sua então entidade patronal, em número de horas não concretamente apurado.
33- À data do acidente, a Autora prestava serviço de empregada doméstica mediante a retribuição mensal de € 505,00, correspondente a um vencimento anual de € 7.070,00.
35- Como consequência direta e necessária do atropelamento, a Autora sentiu dores, nomeadamente cabeça e todo o seu lado esquerdo.
36- A limitação de que padece deixa a A. triste e desgostosa, designadamente por não conseguir pegar na sua neta ao colo, dar-lhe banho e tomar conta dela.
37- Receando atravessar ruas e em ser transportada em veículo automóvel.
38- Como lesões e /ou sequelas relacionadas com o evento, a autora apresenta: Membro superior esquerdo:infra-desnivelamento do ombro esquerdo e atrofia moderada da cintura escapular; braço com desvio rotacional em rotação interna; cicatriz cirúrgica hipopigmentada e de bordos avermelhados, aderente aos planos profundos e retráctil, condicionando repuxamento ao nível da prega axilar anterior com os movimentos, principalmente na abdução do ombro; Mobilidade articular: consegue levar ao ombro contralateral e à região lombar, mas não consegue levar a mão à nuca; Abdução 0º-90º (0º-160º à direita), flexão 0º-140º (0º-180º à direita), rotação externa 0º- 50º (0º-70º à direita), rotação externa 0º-30º (0º-80º à direita); Sem atrofia relevante do braço esquerdo; Ligeira diminuição da força muscular segmentar do membro superior, de predomino proximal (grau4+/5).
39-A Autora esteve, por causa do acidente dos autos, 10 dias com incapacidade temporária geral total - desde a data do acidente 12.02.2015 a 19.02.2015 e 13.10.2015 a 14.10.2015 e com Incapacidade temporária geral parcial, de 338 dias – desde 20.02.2015 a 12.10.2015 e 15.10.2015 a 25.01.2016.
40- A Autora esteve, por causa do acidente dos autos um período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total de 291 dias entre 12.02.2015 e 29.11.2015.
41- A Autora esteve, por causa do acidente dos autos um período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial de 57 dias entre 30.11.2015 e 25.01.2016.
42- A Autora sofreu, por causa do acidente dos autos, um Quantum doloris (QD) de grau 5 em 7 de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil.
43- A Autora é portadora, por causa do acidente dos autos de Défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 11 pontos acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil.
44- As sequelas descritas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
45- Dano estético permanente, fixado no grau 3 numa escala de 7 graus.
46- É previsível a futura necessidade de acompanhamento clinico, realização de novos exames complementares de diagnóstico e tratamentos.
Conforme resulta dos factos provados a autora à data do sinistro tinha 53 anos de idade, era uma pessoa ativa e com autonomia, saudável, não tinha qualquer problema físico nem padecia de qualquer doença ou incapacidade que a limitasse nas suas atividades, prestando serviço à sua entidade patronal a tempo inteiro, de quarenta horas por semana.
Estão em causa lesões na integridade física da autora que pela sua gravidade e extensão justificam a tutela do direito, quando além do mais determinaram um défice permanente de integridade físico-psiquica e vão condicionar para sempre a sua vida de relação, pois as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
De igual forma merece relevo o período de incapacidade para o trabalho e as dores e incómodos sofridos durante tal período.
As lesões sofridas com o embate deixaram sequelas que determinaram um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 11 pontos.
Com os tratamentos a que foi submetida, a autora sofreu dores que implicaram um “quantum doloris” de grau 5 numa escala de 1 a 7. Ficou com um dano estético permanente de grau 3/7 numa escala de 1 a 7.
Acresce que a autora foi submetida a várias intervenções cirúrgicas e tratamentos, que causaram dores e incómodos e a sua mobilidade no membro superior esquerdo ficou seriamente comprometida, apesar dos tratamentos, necessitando futuramente de acompanhamento clínico e realização de novos exames complementares de diagnóstico e tratamentos.
Acrescenta-se, ainda, o facto de o acidente ter ocorrido por facto imputável, a título de culpa exclusiva, à condutora do veículo segurado, porque na avaliação do dano está presente o caráter sancionatório da indemnização a atribuir. O dano especificamente sofrido de caráter não patrimonial a fixar equitativamente há de ter sempre em conta o pressuposto ético que está na base da obrigação de indemnizar - que é o da sanção da conduta culposa do agente - cfr. arts. 494º, 497º nº2 e 500º nº3 do Código Civil[17].
De modo particular na jurisprudência é de referir as indemnizações arbitradas em situações que apresentam alguma identidade com a da autora (acessíveis em www.dgsi.pt):
- Ac STJ 03 de Dezembro de 2015 (Proc. 3969/07.0TBBCL.G1.S1, 2ª secção) - em 04.04.2006 a lesada, com 73 anos foi vitima de atropelamento e sofreu fratura dos ossos da perna direita, fratura do olecrâneo direito e traumatismo do hemitorax esquerdo, com fratura de 8 costelas, com uma IPP de 10%, contribuindo com a sua conduta para a produção do embate, foi atribuída uma indemnização por danos morais no montante de € 30.000,00.
- Ac. STJ 19 de Fevereiro de 2015 (Proc. 99/12.7TCGMR.G1.S1, 2ª secção) considerou-se adequada a quantia de € 20.000 arbitrada a título de danos não patrimoniais tendo em atenção que (i) à data do acidente o autor tinha 43 anos de idade; (ii) em consequência do acidente sofreu traumatismo do ombro direito, com fratura do colo do úmero, fratura do troquiter, traumatismo do punho direito, com fratura do escafóide, traumatismo do ombro esquerdo, com contusão, (iii) foi submetido a exames radiológicos e sujeito a imobilização do ombro com “velpeau”; (iv) foi seguido pelos Serviços Clínicos em Braga e submetido a uma intervenção cirúrgica ao escafóide; (v) foi submetido a tratamento fisiátrico; (vi) mantém material de osteossíntese no osso escafóide; (vii) teve de permanecer em repouso; (viii) ficou com cicatriz com 5 cms, vertical, na face anterior do punho; (ix) teve dores no momento do acidente e no decurso do tratamento; e (x) as sequelas de que ficou a padecer continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodos e mal-estar que o vão acompanhar toda a vida e que se acentuam com as mudanças do tempo, sendo de quantificar o quantum doloris em grau 4 numa escala de 1 a 7.
- Ac. STJ 19 de abril de 2018, Proc. 196/11.6TCGMR.G2.S1
- Ponderando este quadro factual, em especial, as circunstâncias em que ocorreu o acidente (sem qualquer culpa da Autora), a extrema gravidade das lesões sofridas por esta, os dolorosos tratamentos a que foi sujeita, com destaque para as duas intervenções cirúrgicas, com anestesia geral, o longo período de clausura hospitalar e de tratamentos, as deslocações que teve que realizar para curativos e consultas, quer ao Porto quer a Vizela, a enorme incomodidade daí resultante, as graves e extensas sequelas anátomo-funcionais decorrentes do acidente, que se traduzem num deficit funcional permanente de elevado grau (26 pontos), correspondente a uma IPP de 49,2495% e a um dano estético de grau 4, numa escala de 1 a 7, as intensas dores sofridas (de grau 5, numa escala de 1 a 7), o desgosto e amargura de, com 43 anos de idade, se ver fisicamente limitada e sem perspetivas futuras, em termos laborais, consideramos que, não obstante a apontada limitação deste Tribunal, no que concerne à sindicância de indemnização com recurso à equidade, a indemnização de €45.000,00, a título de dano não patrimonial, foi fixada prudencialmente pelas instâncias e apresenta-se como razoável, ajustada, equilibrada e adequada às circunstâncias concretas do caso vertente.
Assim, também não se justifica, quanto a este tipo de dano, a sua elevação para o montante de €150.000,00 que pretende a Autora, cuja argumentação ex adversu não merece acolhimento. Tal montante apresenta-se desfasado do que é habitual atribuir em casos similares, sendo útil lembrar até que para o mais elevado dano desta natureza, o dano morte, o Estado atribuiu aos herdeiros das vítimas mortais dos fatídicos incêndios florestais que assolaram o país, no passado verão, montante bem inferior, abonando-se e tendo como referência, para o efeito, os valores fixados pela mais recente jurisprudência”.
- Ac. STJ 19 de março de 2019, Proc. Revista n.º 683/11.6TBTVR.E1.S2 - 6.ª Secção
“(…)
II - O montante de € 80.000 euros mostra-se adequado a indemnizar os danos não patrimoniais sofrido pela lesada em acidente de viação, na consideração das seguintes circunstâncias: (i) durante o transporte em ambulância, que durou quatro horas, a autora sofreu dores no grau máximo de 7; (ii) foi submetida a cinco intervenções cirúrgicas, antecedidas de grande ansiedade, a última das quais causou inflamação e dor e implicou o uso de canadianas durante quatro semanas; (iii) esteve internada 33 dias, durante os quais foi sujeita a tratamentos dolorosos e pensos, tendo sido medicada o que lhe provocou náuseas, vómitos e intolerância alimentar e galactorreia, sentindo-se triste e sozinha por só ter um visita por dia sem contacto físico; (iv) o quantum doloris foi de grau 6 em 7 graus progressivos; (v) sofreu angústia e receio de não concluir o 3.º ano de medicina, desenvolvendo pânico, fobias, insónias e pesadelos; (vi) a queimadura de 3.º grau ocupou da superfície total; (vii) o constrangimento e vergonha com a exposição do seu corpo na sua intimidade sexual, devido à existência de cicatriz, sendo a repercussão permanente na atividade sexual fixada no grau 2/7”.
- Ac. STJ 23 de maio de 2019, Proc. 2476/16.5T8BRG.G1.S2 - 7.ª Secção
VI - Resultando da factualidade provada que a autora, em consequência do acidente de viação de que foi vítima e das sequelas ao nível da coluna cervical de que ficou a padecer, (i) ficou impedida de exercer a sua atividade profissional habitual de educadora de infância mas não de exercer outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional embora com acrescidas dificuldades; (ii) auferia uma retribuição mensal de € 1.706,20, catorze meses por ano; (iii) ficou com um défice funcional de 26 pontos; e (iv) tinha 44 anos de idade à data do acidente, é de confirmar o montante de € 250.000,00 fixado pela Relação a título de indemnização por perda de capacidade de ganho, aqui incluída a vertente patrimonial do dano biológico.
VII - Tendo ficado igualmente demonstrado que a autora, em consequência do referido acidente, (i) temeu pela sua vida; (ii) sofreu gravemente com o acidente e com os tratamentos a que teve de ser submetida; (iii) teve e continua a ter que se submeter a diversas consultas médicas; (iv) ficou com sequelas psíquicas, estéticas e limitativas; e (v) sofreu um quantum doloris de grau 5 e um dano estético de grau 2, ambos numa escala de 1 a 7, atendendo aos valores atribuídos pela jurisprudência noutras situações, é igualmente de confirmar o montante de € 75.000,00 fixado pela Relação a título de indemnização por danos não patrimoniais.(…)”.
- Ac. STJ 19 de setembro de 2019, Proc. 2706/17.6T8BRG.G1.S1 - 7.ª Secção
IV - Resultando dos factos provados que: (i) o recorrente foi sujeito a exames médicos e vários ciclos de fisioterapia, bem como uma intervenção cirúrgica; (ii) ficou afetado com um défice funcional permanente de 32 pontos; (iii) sofreu dores quantificáveis em 5 numa escala de 7 pontos; (iv) sofreu um dano estético quantificado em 3 numa escala de 7 pontos; (v) a repercussão das sequelas sofridas nas atividades desportivas e de lazer é quantificada em 3 numa escala de 7 pontos; (vi) o recorrente sofreu um rebate em termos psicológicos, em virtude das lesões e sequelas permanentes, designadamente por não poder voltar a exercer a sua profissão habitual e/ou outra no âmbito da sua formação profissional; revela-se ajustado o montante de € 50.000,00 para compensar os danos não patrimoniais por aquele sofridos.
- Ac. STJ 19 de maio de 2020, Proc. 376/15.5T8VFR.P1.S1, ECLI:PT:STJ:2020:376.15.5T8VFR.P1.S1
- As sequelas determinam para o Autor uma incapacidade parcial permanente geral de 25, 17858 pontos, com incapacidade total para a profissão de mecânico – (cfr. Doc. de Fls. 319 e ss – Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível, realizado pelo INML, com a petição, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
- Pela repercussão permanente na Atividade Profissional, “apresenta sequelas impeditivas do exercício da atividade profissional habitual, em virtude das limitações nas mobilidades dos membros superior e inferiores esquerdos, por rigidez articular do joelho e cotovelos, que o impossibilitam de pegar em objetos (cfr. Doc. de Fls. 319 e ss – Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível, realizado pelo INML, com a petição, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
- O A. apresenta como Dano Estético permanente de Grau 3/7.
- E Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no Grau 2, em escala de sete graus de gravidade crescente- (cfr. Doc. de Fls. 319 e ss – Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível, realizado pelo INML, com a petição, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
- E Repercussão Permanente na atividade sexual no grau 2/7. - E Quantum Doloris de Grau 5/7
- Data de consolidação das lesões em 4/06/12.
- Profissão mecânico automóveis
Atribuiu-se a indemnização por dano não patrimonial € 100.000,00, reduzido para € 90.000,00, na proporção da responsabilidade”.
Conclui-se que a indemnização arbitrada na sentença respeita o critério legal e está compreendida dentro dos valores e parâmetros seguidos pela jurisprudência, pois basta para o efeito considerar, da resenha jurisprudencial citada, o Ac. STJ 19 de Fevereiro de 2015 (Proc. 99/12.7TCGMR.G1.S1, 2ª secção), situação em que o lesado sofreu o mesmo tipo de lesão e as sequelas são idênticas.
O valor sugerido pela apelante - € 10.000,00 - não se mostra de todo adequado para compensar os danos sofridos, pois situa-se abaixo do limite arbitrado para situações idênticas e em que a extensão dos danos é muito inferior.
Argumenta a apelante que se justifica a redução do montante da indemnização, porque a indemnização por danos patrimoniais já está incluída no âmbito da indemnização arbitrada por dano biológico.
Porém, conforme resulta dos factos provados, a gravidade da situação justifica a atribuição da indemnização que não se reconduz ao ressarcimento do mero dano biológico na sua dimensão patrimonial. Neste âmbito para além da limitação funcional de que ficou a padecer a autora, ponderaram-se todas as circunstâncias que interferem com a integridade físico-psíquica do lesado no momento do acidente e durante o seu tratamento.
Daí entendermos, face ao critério legal, natureza compensatória da indemnização e valores fixados na jurisprudência, ponderando-se a culpabilidade do responsável, a situação económica do lesado e do lesante, as lesões sofridas, as sequelas de que o lesado ficou afetado, que se mostra equilibrado e ajustado de acordo com um juízo de equidade manter o valor arbitrado de € 20.500,00 (vinte mil e quinhentos euros).
Improcedem as conclusões na apelação sob os pontos 9 a 15.
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Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pela apelante.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença.
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Custas a cargo da apelante.
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Porto, 09 de dezembro de 2020
(processei e revi – art. 131º/6 CPC)
Assinado de forma digital por
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
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[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990.
[2] ARMANDO BRAGA A Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Civil Extracontratual, Almedina, Coimbra, 2005, pag. 108
[3] ARMANDO BRAGA A Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Civil Extracontratual, ob. cit., pag. 44
[4] Neste sentido, entre outros Ac. STJ 16.11.2010 – Proc. 1612-05.1TJVNF.P1.S1; Ac STJ 23.11.2010 – Proc. 456/06.8 TBVGS.C1.S1; Ac,STJ 16.12.2010 – Proc. 270/06.0TBLSD.P1 – www. dgsi.pt
[5] Ac.STJ 19.04.2012 Proc. 3046/09.0TBFIG.S1; Ac. STJ 16.11.2010 – Proc. 1612-05.1TJVNF.P1.S1; Ac. STJ 17.05.2011 Proc. 7449/05.0TBVFR.P1.S1., Ac. STJ 20.10.2011 – Proc. 428/07.5TBFAF.G1.S1 – www.dgsi.pt.
[6] Ac. STJ 07 de Junho de 2011, Proc. 160/2002.P1.S.1 e no mesmo sentido se têm pronunciado entre outros os Ac. STJ 03 de Março de 2016, Proc. 4931/11.4TBVNG.P1.S1-A; Ac. STJ 03 de Dezembro de 2015, Proc. 3969/07.0TBBCL.G1.S1; Ac. STJ 04 de Junho de 2015, Proc. 1166/10.7TBVCD.P1.S1; Ac. 07 de Abril de 2016, Proc. 237/13.2TCGMR.G1.S1; Ac. STJ 10 de Março de 2016, Proc. 1602/10.2TBVFR.P1.S1; Ac. STJ 21 de Janeiro de 2016, Proc. 1021/11.3TBABT.E1.S1; Ac. STJ 26 de Janeiro de 2016, Proc. 2185/04.8TBOER.L1.S1; Ac. STJ 28 de Janeiro de 2016, Proc. 7793/09.8T2SNT.L1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt
[7] Ac.STJ 07 de Outubro de 2010, Proc. 2171/07.6TBCBR.C1.S1 – dgsi.pt
[8] Cfr Ac. STJ 02.10.2007, CJ STJ Ano XV, III, 68 e Ac. STJ 14.09.2010 Proc. 797/05.1TBSTS.P1 – www.dgsi.pt
[9] Cfr. Ac. STJ 15.05.86, BMJ 357, 412
[10] Ac STJ 19 de Abril 2012, Proc. 3046/09. 0TBFIG.S1, Ac. STJ 10 de Março 2016, Proc. 1602/10.2TBVFR.P1.S1, ambos acessíveis na Internet - http://www.dgsi.pt/jstj.
[11] Ac. STJ 23.09.2008 e Ac.22.10.2009 disponíveis em www.dgsi.pt.
[12] Cfr. Ac. STJ 17 de setembro de 2014, Proc. 158/05.2PTFUN.L2.S2, disponível em www.dgsi.pt e ainda, jurisprudência ali citada.
[13] Ac. STJ 10 de setembro de 2009, disponível em www.dgsi.pt.
[14] Ac. STJ 10 de setembro de 2009, disponível em www.dgsi.pt.
[15] Ac. STJ 23.09.2008 e Ac.22.10.2009 disponíveis em www.dgsi.pt.
[16] Ac. Rel. Porto de 07.07.2005 - JTRP00038287 - www.dgsi.pt.
[17] Cfr. Ac. STJ 19 de fevereiro de 2015, Proc. 99/12.7TCGMR.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt