Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
11472/18.2T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FÁTIMA ANDRADE
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
VEÍCULO
DANOS PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP2021-01-2511472/18.2T8PRT.P1
Data do Acordão: 01/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - É nula a sentença que nos termos do artigo 615º nº 1 al. e) do CPC “…condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.
II - Tendo o A. alegado como dano patrimonial o correspondente aos estragos causados no seu veículo e peticionado uma indemnização correspondente ao valor necessário à reconstituição natural e ocorrendo na pendência da ação a venda da viatura – tendo o respetivo circunstancialismo sido considerado nos termos do artigo 5º nº 2 al. b) do CPC - não condena o tribunal a quo em objeto diverso do pedido quando quantifica o dano pelo valor de substituição patrimonial.
Em causa está em qualquer das circunstâncias a indemnização de um mesmo dano patrimonial fundado no mesmo facto jurídico - o dano emergente do sinistro incidente sobre a viatura interveniente no acidente e pertença do autor - quantificado em moldes diversos, mas contido no pedido e causa de pedir formulados pelo autor.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 11472/18.7T8PRT.P1
3ª Secção Cível
Relatora – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade
Adjunta - Juíza Desembargadora Eugénia Cunha
Adjunta – Juíza Desembargadora Fernanda Almeida
Tribunal de Origem do Recurso –T J Comarca do Porto –Jz. Local Cível do Porto
Apelante/“B…, S.A.”
Apelado/C…

Sumário (artigo 663º n.º 7 do CPC).
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório
C… instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra “D… – Companhia de Seguros, S.A.”, ora denominada “B…, S.A.”, peticionando pela procedência da ação a condenação da R. ao pagamento ao A. da quantia de “€ 19.402,81 a que acrescem juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efetivo pagamento.
E ainda, ao pagamento, diário de € 30,00, até integral pagamento, conforme supra exposto.”
Alegou para tanto ter ocorrido um acidente de viação no qual foram intervenientes três veículos: o veículo de matrícula ..-..-AZ, conduzido por E…; o veículo de matrícula ..-JC-.., conduzido por F… e o veículo de matrícula ..-SD-.. conduzido pelo Autor.
Acidente esse que descreveu, imputando a responsabilidade na sua produção e na totalidade ao condutor do veículo de matrícula AZ por “em plena noite, ter deixado o seu veículo (de cor escura) completamente parado na hemifaixa de rodagem, sem o remover ou sequer alertar da sua presença através de meios luminosos do veículo e da colocação do triângulo sinalizador de perigo por veículo parado na via.”
Estando então a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo AZ transferida para a aqui R.
Termos em que terminou concluindo pela condenação da aqui R. ao pagamento do valor peticionado a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que identificou e quantificou como consequência do acidente descrito.
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Devidamente citada, contestou a R. Seguradora em suma tendo excecionado a ilegitimidade ativa do A. e no mais impugnado quer a descrição do acidente, cuja responsabilidade imputou ao aqui autor, quer os danos alegados e valor indemnizatório peticionado.
A final tendo concluído pela procedência da exceção e sempre pela improcedência da ação com a sua consequente absolvição do pedido.
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Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador julgando improcedente a exceção deduzida.
Foi igualmente identificado o objeto do litígio e elencados os temas da prova, sem reclamação.

Agendada audiência final, procedeu-se à sua realização.
No decurso da mesma e porquanto na instrução da causa foi apurado que o autor na pendência da mesma alienou o veículo automóvel identificado nos autos e adquiriu outro para o substituir e considerados tais factos relevantes para a apreciação do mérito da causa, foi proferido despacho a dar conhecimento às partes “que o tribunal irá deles conhecer nos termos do art.º 5º, nº 2, al. b) do C.Civil, dado complementarem quer os alegados pelo autor quer os alegados em exceção/impugnação pela ré.”.
Mais tendo então sido determinada a notificação do autor para no prazo de 10 dias apresentar “nos autos o documento que comprove a alienação do SD e ainda o preço recebido pela mesma e ainda documento que comprove a aquisição de um novo veiculo, concretamente a data da sua aquisição e o valor despendido com o mesmo.”

Na continuação da audiência de discussão e julgamento e pronunciando-se a R. sobre a junção do documento comprovativo de que o SD foi alienado, expôs e requereu esta:
- verifica-se que desde 13/12 o A. não é proprietário do veículo SD;
- todavia não desistiu do pedido relativo à reparação do custo do veículo no valor de € 12.330,81 (formulado em 26º da p.i.);
- veículo cuja reparação não ordenou anteriormente à sua transmissão e agora já não poderá ordenar por não ser titular da propriedade desse mesmo veículo;
- não cumpriu assim o A. os deveres de cooperação e boa-fé previstos nos artigos 7º e 8º do CPC, mantendo a sua alegação de ser proprietário do veículo e o pedido de condenação a ser indemnizado pelo valor correspondente à sua reparação;
- pelo que deve o A. ser condenado como litigante de má-fé e em indemnização à A. por formular pedido a que sabe não ter direito.
Requerendo prazo para juntar comprovativo das despesas que peticionou fossem indemnizadas.
Respondeu o A. ao pedido assim formulado, negando a invocada litigância de má-fé e pugnando pelo seu indeferimento.
O prazo para apresentação dos documentos mencionados no requerimento da R. foi indeferido.

Encerrada a audiência de discussão e julgamento, foi após proferida sentença e decidido “julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:
- condeno a ré B…, SA a pagar ao autor a quantia de 9.972,00 euros (nove mil novecentos e setenta e dois);
- no mais, vai absolvida do pedido formulado pelo autor.”
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Do assim decidido apelou a R. oferecendo alegações e formulando as seguintes
Conclusões:
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Apresentou o A. contra-alegações, em suma tendo pugnado pela improcedência do recurso face ao bem decidido pelo tribunal a quo, tanto em sede de decisão de facto como de direito.
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo, na sequência da prestação de caução julgada validamente prestada.
Foram colhidos os vistos legais.
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II- Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pela apelante serem questões a apreciar:
1) Nulidade da sentença – em causa a alegada condenação em objeto diverso do pedido.
A qual a confirmar-se configura nulidade de sentença nos termos do artigo 615º nº 1 al. e) do CPC [vide conclusões v) a y)].
2) Erro na decisão de facto.
Em causa:
- os factos provados 6 e 8 e o facto não provado 2, cuja nova redação indicou [vide conclusões a) e m) e n)]
- a omissão de factos resultantes da discussão da causa que a recorrente pugna sejam introduzidos na matéria de facto provada [vide conclusões a) e g)];
3)erro na aplicação do direito.
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III- Fundamentação
Foram julgados provados os seguintes factos:
“1. No dia 14/12/2017, pelas 20 horas, na … do Porto (…) ocorreu m acidente de viação em que foram intervenientes o veículo com a matrícula ..-..-AZ, conduzido por E…, o veículo com a matrícula ..-JC-.., conduzido por F… e o veículo com a matrícula ..-SD-.., conduzido pelo autor e a si pertencente.
2. No dia e hora referidos em 1., era de noite e o tempo encontrava-se chuvoso.
3. A via onde ocorreu o acidente desenvolve-se em curva, com 4 faixas de rodagem em inclinação descendente e com iluminação deficiente.
4. O SD circulava na hemi-faixa mais à esquerda da via, atento o sentido de marcha …/…, a uma velocidade inferior a 80km/h.
5. A dada altura do seu percurso e sem que nada o fizesse prever, o ator apercebeu-se que o veículo que o precedia, cuja matrícula não se logrou apurar, se desviou, de forma repentina, para o seu lado direito por se encontrar imobilizado, naquela hemi-faixa, o AZ.
6. Nesse momento, o SD é surpreendido pela presença do AZ.
7. O AZ estava imobilizado na via sem ter acionadas as luzes avisadoras de perigo, nem no local estava o sinal de sinalização de perigo
8. O autor, surpreendido pelo AZ, não conseguiu desviar-se dele acabando por embater com a frente do lado esquerdo do SD na traseira do AZ.
9. Em consequência do embate o SD sofreu estragos em toda a sua parte frontal, tendo ficado impossibilitado de circular.
10. O custo da sua reparação foi orçado em 12.330,81 euros, sem desmontagem.
11. O autor não dispunha dos meios financeiros necessários para proceder ao pagamento da reparação do SD.
12. O autor, em 27/9/2018, adquiriu um novo veículo automóvel pelo valor de 8.500,00 euros e, em 25/8/2019, vendeu o SD por 1.000,00 euros
13. Desde data do acidente até 27/9/2018 o autor esteve privado da utilização do SD, o qual era o seu único veículo automóvel, tendo de se socorrer dos transportes públicos e ser transportado pelos seus amigos desde ida e volta para o seu local de trabalho e todas as suas deslocações.
14. A responsabilidade civil pelos estragos provocados pela circulação do AZ, à data, encontrava-se transferida para a ré, titulada pela apólice n.º ……….
15. A ré atribuiu ao salvado o valor de 2.290,00 euros.
16. O valor venal do SD ascendia a cerca de 9.000,00 euros.”
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O tribunal a quo julgou ainda como não provada a seguinte factualidade:
“Todos os que contrariam ou excedem os acima expostos, bem como aqueles que não foram simplesmente demonstrados, nomeadamente:
1. os factos alegados nos art.ºs 8.º, 14.º, 16.º (quanto às manobras executadas pelo autor), 19.º, 20.º, 21.º, 28.º (quanto à incapacidade económica para adquirir outro veículo automóvel), 3.º, 37.º, 38.º, 39.º da petição inicial.
2. que o SD não guardava a distância necessária do veículo que o precedia.”
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Conhecendo.
1) Cumpre em primeiro lugar apreciar se a sentença recorrida padece do vício de nulidade - em causa a alegada condenação em objeto diverso do pedido [vide conclusões v) a y)].
Dispõe o artigo 609º nº 1 do CPC que a “sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir”.
E em consonância sanciona com o vício da nulidade, a sentença que “…condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido” (al. e) do nº 1 do artigo 615º do CPC.
Precisamente o vício apontado pela recorrente à sentença em questão na parte ora em análise.
De referir que estando as causas de nulidade da sentença previstas de forma taxativa no artigo 615º do CPC, nestas se não inclui quer os erros de julgamento da matéria de facto ou omissão da mesma, a serem reapreciados nos termos do artigo 662º do CPC, quando procedentes e pertinentes, quer o erro de julgamento derivado de errada subsunção dos factos ao direito ou mesmo de errada aplicação do direito [cfr. Ac. STJ de 30/05/2013, Relator Álvaro Rodrigues, in www.dgsi.pt/jstj sobre a distinção entre nulidade da sentença, no caso por oposição entre os fundamentos e decisão, versus erro de julgamento].

Fundamentou a recorrente a arguida nulidade pela sua condenação ao pagamento da quantia de € 7.500,00 nos seguintes termos:
“v) (…) cumpre sinalizar, em primeiro lugar, que da alegação do Autor vertida na PI, a causa de pedir e o respetivo pedido reconduzem-se a uma pretensão indemnizatória fundada no “custo da reparação” do veículo SD, quer o custo já apurado (artigo 25.º da PI), quer o que se viesse a determinar após a respetiva desmontagem (artigo 27.º da PI).
w) Foi, pois, à luz da desta causa de pedir e deste pedido que a Ré, em sede de Contestação, exerceu o seu direito ao contraditório – Cfr. Artigos63.º a 73 do mencionado articulado.
x) Porém, ao arrepio do princípio do dispositivo (artigo5.º do CPC) e, bem assim, do disposto na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 609.º do CPC, decidiu o Tribunal a quo condenar a Ré em objetivo diverso do peticionado, isto é, no uma indemnização no valor de 7.500,00€, valor que equivale ao que o Autor “despendeu para adquirir um veículo novo, deduzido do valor obtido com a venda do SD”.
Pelo assim exposto concluindo dever ser revogada a decisão recorrida nesta parte e a R. absolvida do pedido formulado pelo A. nos seus artigos 25º a 28º da p.i..
Em causa está o alegado pelo autor na p.i. nos termos que aqui se reproduzem:
(25º) Na sequência do impacto que resultou da colisão de veículos, o veículo do Autor danificou significativamente toda a sua parte frontal (…)
(26º) Tendo sido orçamentada a sua reparação (sem desmontagem) na quantia de € 12.330,81, valor que, desde já, se peticiona à Ré (…)
(27º) valor esse que poderá aumentar, após a respetiva desmontagem do veículo para reparação.
(28º) O Autor não dispõe de meios financeiros necessários ao pagamento da reparação ou aquisição de outro veículo.
(…)
Tendo após descrição de outros danos, contabilizado o valor total dos mesmos nos seguintes termos:
(41º) “Assim alcança-se, até ao momento, o valor global de € 19.402,81, de que a Ré deverá ressarcir o A., ao que acrescem juros à taxa legal em vigor”[incluindo este valor os mencionados € 12.330,81]
E analisando o pedido formulado pelo autor, justificou o tribunal a quo a condenação na verba que ora a recorrente questiona, nos seguintes termos:
Resulta da matéria dada como provada que, em consequência do embate, o SD sofreu estragos na sua frente.
O custo da reparação dos estragos sofridos ascende ao montante de 12.330,81 euros.
Nos termos do art.º 562.º do Código Civil, "Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.".
No nosso sistema legal, a reconstituição da situação natural, in natura, assume primazia e precedência sobre a indemnização em dinheiro. No entanto, sempre que a reconstituição natural não se mostre possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, a solução é a sua substituição pelo equivalente em dinheiro, nos termos do art.º 566.º. Sendo certo que esta é a solução mais comum, sendo raros os casos em que a reconstituição natural cumpre cabalmente a finalidade indemnizatória.
Para se proceder à avaliação concreta do dano, dever-se-á recorrer ao preceituado pelo n.º 2 do art.º 566.º do Código Civil, ou seja, às regras da teoria da diferença, de acordo com a qual o montante da indemnização pecuniária obter-se-á pela "... diferença entre a situação (real) em que o lesado se encontra e a situação (hipotética) em que ele se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano.” - Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I volume, Almedina, pág. 582.
(…)
Dúvidas não existem de que os estragos sofridos pelo SD se traduzem num dano patrimonial emergente, uma vez que é o prejuízo resultante do ato ilícito – embate - ressarcível pela ré.
Porém, o autor procedeu à venda do SD pelo valor de 1.000,00 euros e adquiriu um novo veículo pelo valor de 8.500,00 euros, pelo que atribuir-lhe o valor global necessário à reparação do SD seria criar um injusto locupletamento à custa da ré.
Assim, o montante pelo que o autor deverá ser ressarcido corresponderá ao valor que despendeu para adquirir um veículo novo, deduzido do valor obtido com a venda do SD. Ou seja a ré deverá ser condenada a pagar ao autor a quantia de 7.500,00 euros (…)”

Ou seja, tendo o A. alegado como dano patrimonial o correspondente aos estragos causados no seu veículo, quantificou o seu dano no valor correspondente ao da sua reparação e peticionou a condenação da R. ao pagamento desse mesmo valor. O mesmo é dizer que expressou a pretensão de obter uma indemnização correspondente ao valor necessário à reconstituição natural (artigo 562º do CC).
A R. em sede de defesa invocou a excessiva onerosidade da reparação, assim pugnando por uma indemnização em dinheiro correspondente ao valor venal (comercial) do veículo antes do sinistro, deduzido do valor do salvado (vide 67º, 68º e 73º da contestação).
O tribunal a quo, nos termos que acima se transcreveram – na sequência da venda do veículo na pendência da ação e cujo circunstancialismo pertinente foi apurado e considerado ao abrigo do disposto no artigo 5º nº 2 al. b) do CPC -optou por uma quantificação do dano reconduzível, nos termos que justificou, ao valor de substituição (patrimonial).
Em causa está em qualquer das circunstâncias a indemnização de um mesmo dano patrimonial fundado no mesmo facto jurídico- o dano emergente do sinistro incidente sobre a viatura interveniente no acidente e pertença do autor - quantificado em moldes diversos, mas contido no pedido e causa de pedir formulados pelo autor.
Em suma, tendo o A. alegado como dano patrimonial o correspondente aos estragos causados no seu veículo e peticionado uma indemnização correspondente ao valor necessário à reconstituição natural e ocorrendo na pendência da ação a venda da viatura – tendo o respetivo circunstancialismo sido considerado nos termos do artigo 5º nº 2 al. b) do CPC - não condena o tribunal a quo em objeto diverso do pedido quando quantifica o dano pelo valor de substituição patrimonial.
Tal como afirmado no Ac. STJ de 14/05/2009, nº de processo 162/09.1YFLSB in www.dgsi.pt, após esclarecer que a teoria da consubstanciação consagrada no (ora) artigo 581º nº 4 do CPC (anterior 498º nº 4) implica que a causa de pedir se traduza no facto jurídico (facto concreto) em que se baseia o pedido, conclui-se ali que “O juiz está limitado pelo princípio do dispositivo, mas a substanciação (ou consubstanciação) permite-lhe definir livremente o direito aplicável aos factos que lhe é lícito conhecer, buscando e interpretando as normas jurídicas”.
E não pode a R. fundadamente alegar violação do princípio do contraditório ou do dispositivo porquanto não só na própria contestação pugnou por uma quantificação do dano (o mesmo) baseada em diversos critérios [como acima já aludimos] como em sede de audiência de discussão e julgamento expressamente fez o tribunal a quo constar que ao abrigo do disposto no artigo 5º nº 2 al. b) do CPC iria levar em consideração / conhecer dos factos apurados na instrução – a venda do veículo sinistrado na pendência da ação e a aquisição de outro para o substituir – “dado complementarem quer os alegados pelo autor quer os alegados em exceção/impugnação pela ré”.
Nos termos expostos conclui-se não ter o tribunal a quo condenado em objeto diverso do formulado, pois que a indemnização pelos danos em questão foi formulada.

Improcede, em conclusão, a pela recorrente invocada nulidade da sentença.

2)Cumpre em segundo lugar apreciar o imputado erro à decisão de facto – por erro de julgamento e omissão de factualidade considerada pela recorrente relevante.
i-Estando em causa a impugnação da matéria de facto, obrigatoriamente e sob pena de rejeição deve o recorrente especificar (vide artigo 640º n.º 1 do CPC):
“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
No caso de prova gravada, incumbindo ainda ao recorrente [vide n.º 2 al. a) deste artigo 640º] “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Sendo ainda ónus do recorrente apresentar a sua alegação e concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – artigo 639º n.º 1 do CPC - na certeza de que as conclusões têm a função de delimitar o objeto do recurso, conforme se extrai do n.º 3 do artigo 635º do CPC.
Pelo que das conclusões é exigível que das mesmas conste, no mínimo e de forma clara, quais os pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, sob pena de rejeição do mesmo.
Analisadas as conclusões e respetivo corpo alegatório verifica-se que a recorrente observou os ónus de impugnação e especificação que sobre a mesma recaíam, porquanto para além da indicação dos pontos de facto impugnados e da indicação do sentido decisório a proferir, invocou ainda os meios de prova que a seu ver impõem decisão diversa. Tendo indicado com exatidão as passagens da gravação (no corpo alegatório) em que funda o recurso, das quais transcreveu parte.

Julgam-se portanto observados os ónus de alegação e especificação de que depende a requerida reapreciação da decisão de facto.

ii-Na reapreciação da matéria de facto – vide nº 1 do artigo 662º do CPC - a modificação da decisão de facto é um dever para a Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente impuser diversa decisão.
Cabendo ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis e pelo tribunal a quo ponderados.
Subjacente a esta atividade estando o princípio da livre apreciação das provas o qual continua a ser a base, nomeadamente quando em causa estão documentos sem valor probatório pleno; relatórios periciais; depoimentos das testemunhas e declarações de parte [vide art.ºs 341º a 396º do Código Civil (C.C.) e 607.º, n.ºs 4 e 5 e ainda 466.º, n.º 3 (quanto às declarações de parte) do C.P.C.].

Neste processo de reapreciação e formação da convicção própria, está presente o entendimento de que embora não exigida na formação da convicção do julgador uma certeza absoluta, por via de regra não alcançável, quanto à ocorrência dos factos que aprecia, é necessário que da análise conjugada da prova produzida e da compatibilização da matéria de facto adquirida, extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras da experiência (vide artigo 607º nº 4 do CPC) se forme no espírito do julgador a convicção de que com muito elevado grau de probabilidade os factos em análise ocorreram.
Na dúvida acerca da realidade de um facto ou da repartição do ónus da prova, resolvendo o tribunal a mesma contra a parte à qual o facto aproveita, tal como decorre do disposto nos artigos 414º do CPC e 346º do C.C..
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Orientados por estes considerandos e analisando em concreto a pretensão formulada pela recorrente, importa separar esta em dois segmentos:
- Num 1º segmento será analisada a pretendida alteração da decisão de facto por erro de julgamento no que aos pontos 6 e 8 dos factos provados e 2 dos factos não provados respeita;
- Num 2º segmento importa aferir da admissibilidade de ser introduzida na factualidade provada os novos factos relativos “ao comportamento do condutor do veículo seguro”. Factos que a recorrente identifica em g) das conclusões [vide conclusões a) e g)].
“3A. No dia e no local do embate referido em 1, mas por volta das 19h55, quando o veículo AZ circulava na hemi-faixa da direita, atento o sentido de marcha …/…, o seu condutor perdeu, subitamente, o controlo da viatura, indo embater de seguida no rail de proteção existente do lado esquerda da via.
3B. Em consequência do referido embate contra aquele rail de proteção, o veículo AZ ficou imobilizado na hemi-faixa mais à esquerda da via e o seu condutor perdeu os sentidos.
(…)
8A. No momento do embate referido em 8, o condutor do veículo AZ encontrava-se inconsciente no interior da sua viatura.
8B. O condutor do veículo AZ recuperou os sentidos no momento em que entrou nas urgências do Hospital Santo António, para onde foi enviado para receber assistência hospitalar.
8C. O condutor do veículo AZ tomou conhecimento do embate referido em 8 dois dias após o acidente”

Começando pela análise deste 2º segmento, é de realçar que toda a factualidade que a recorrente identifica e pretende ver aditada à factualidade provada é factualidade nova antes não alegada nos autos.
Em sede de contestação a R. limitou-se a impugnar a versão apresentada pelo autor. Tendo nomeadamente alegado desconhecer se o AZ (veículo segurado) se encontrava parado na hemi-faixa de rodagem mais à esquerda e sem sinalização (25º contestação).
No mais tendo ainda imputado à atuação do Autor a total responsabilidade na produção do acidente, perante a própria versão por este invocada (a provar-se) de que o veículo que à sua frente seguia ainda se conseguiu desviar do AZ. Prova de que foi o A. quem circulava em excesso de velocidade sem respeitar a distância de segurança suficiente de forma a conseguir parar no espaço livre e visível à sua frente. Concretizando que caso o autor “mantivesse entre o seu veículo e o que o precedia a distância necessária para evitar acidentes em caso de súbita paragem ou diminuição de velocidade deste (…) e circulasse a velocidade não superior a 80 km/h conseguiria parar o veículo por si conduzido no espaço livre e visível à sua frente, evitando o choque na traseira do veículo seguro”
Realçando incumbir ao A. provar a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos o que não logra fazer.

Dito de outro modo, não alegou a R. qualquer factualidade relativa à exclusão de culpa do condutor do veículo por si seguro que ora em sede de recurso pretende seja considerada, relacionada nomeadamente com o próprio comportamento deste que na perspetiva agora defendida pela recorrente afastaria a sua responsabilização pela produção do acidente.
Esta factualidade configura matéria de exceção que no respetivo articulado teria de ter sido alegada. Não o tendo sido, ficou precludido o direito de posteriormente e nomeadamente em sede de recurso o fazer a ré recorrente.
Embora conferido ao juiz o poder dever de investigar e considerar na decisão factos resultantes da produção da prova, nos termos do artigo 5º nº 2 do CPC, está-lhe vedado neste campo considerar oficiosamente os factos essenciais - aqueles que constituem a causa de pedir ou fundam as exceções deduzidas (vide artigo 5º nº 1 do CPC).
Salvo se - ao abrigo deste nº 2 – estes factos novos essenciais forem complementares ou concretizantes de outros factos essenciais antes alegados em fundamento do pedido ou exceção e sobre os quais as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar[1].
A introdução na decisão de facto dos factos novos agora identificados pela recorrente é como tal inadmissível por configurarem os mesmos matéria de exceção que oportunamente a recorrente não alegou.

Termos em que se rejeita a apreciação da factualidade em questão por inadmissibilidade legal da pretensão formulada.
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Cumpre portanto apreciar a demais factualidade objeto deste recurso – pontos 6 e 8 dos factos provados e 2 dos não provados, cujo teor aqui se relembra:
“6. Nesse momento, o SD é surpreendido pela presença do AZ[2].
(…)
8. O autor, surpreendido pelo AZ, não conseguiu desviar-se dele acabando por embater com a frente do lado esquerdo do SD na traseira do AZ.”
E (não provado)
“2. que o SD não guardava a distância necessária do veículo que o precedia.”
Pugnando o recorrente pela seguinte nova redação do ponto 8 dos factos provados:
"O Autor não conseguiu desviar-se dele acabando por embater com a frente do lado esquerdo do SD na traseira do AZ”
Pela introdução nos factos provados do ponto 2 dos factos não provados e pela eliminação do ponto 6 dos factos provados, a transferir para os factos não provados.
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Consigna-se ter-se procedido à audição da prova gravada.
Convocou a recorrente como fundamento da pretendida alteração dos pontos de factos em questão o depoimento da testemunha F….
Nomeadamente afirmando que do depoimento desta resulta que
- “conduzia o seu veículo no local e no momento do acidente, declarou que seguia à mesma velocidade que o veículo SD (cfr. facto provado n.º 4) e que, apesar de circular ligeiramente mais atrás daquele veículo e na faixa imediatamente à direita daquela em que ocorreu o embate, conseguiu vislumbrar (i) o veículo seguro imobilizado e a posterior (ii) a manobra de desvio realizada pelo veículo que precedia o veículo terceiro”;
j) Isto é, apesar de dispor de condições de visibilidade piores do que aquelas que dispunha o condutor do veículo terceiro, a testemunha F…, mesmo assim, afiançou ter visto o veículo AZ imobilizado na hemifaixa e, mais do que isso, visualizou a manobra encetada pelo veículo que precedia o veículo terceiro no sentido de evitar o embate.
k) Assim, só nos resta concluir que o veículo terceiro não logrou evitar o embate com o veículo seguro porque seguia manifestamente desatento.
l) Além disso, como a mesma testemunha confirmou, o condutor do veículo SD não guardou para o veículo que o precedia a distância de segurança adequada, circunstância que contribuiu, igualmente, para não conseguir evitar o embate referido no ponto n.º 8 dos factos provados (…)”
O assim alegado pela recorrente só em parte corresponde ao afirmado pela testemunha em causa.
Com efeito a mesma confirmou que circulava na faixa do meio e que viu na faixa seguinte, mais à esquerda, um carro que seguia à frente do carro do A. a desviar-se, após o que o carro do A. embate no carro segurado que ali se encontrava parado.
Mas quando questionada se quem circula atrás (ou seja na posição do A.) não vê melhor do quem circula como a testemunha na faixa do meio, a mesma respondeu negativamente e justificou: só quando o da frente se desvia é que eu (ou seja se e na posição do veículo conduzido pelo A.) vejo o obstáculo / o que está à frente e parado.
A justificação é conforme às regras da experiência: o acidente dá-se já durante a noite e com tempo chuvoso, em local com iluminação deficiente e inclinação descendente; a testemunha porque circula na faixa do meio e ainda que um pouco atrás do carro do A. tem um maior ângulo de visão para a faixa da esquerda, na medida em que o A. segue alinhado com o carro que o precede (na mesma faixa de rodagem) impedindo-o de ver o que existe à frente desse mesmo carro.
Assim só quando ocorre o desvio desse carro para a faixa de rodagem onde a testemunha circulava - com muita rapidez conforme a testemunha mencionou - é que o A. tem a hipótese de ver o que passa a estar no seu campo de visão aberto: o AZ imobilizado e sem sinalização de perigo ou luzes avisadoras de perigo.
Dito isto, a testemunha referiu também que todos os carros seguiriam relativamente juntos “mas não colados”, ou seja mais ou menos à mesma distância entre si e a velocidade que mencionou não superior a 80 km/H por pouco antes ali existir um radar que a essa velocidade limita a circulação; acrescentou ser um dia de jogo (o local do embate é próximo do …) e como tal de movimento que também impediria grande velocidade.
Neste contexto não evidencia o depoimento desta testemunha (e outros depoimentos sobre o acidente não existiram, para além do agente que elaborou a participação do acidente e se limitou a confirmar o respetivo teor por de nada se recordar) uma versão diversa da que foi julgada provada em 6 e 8 pelo tribunal a quo e consequentemente em 2 dos factos não provados.
O mesmo é dizer que o juízo formulado pelo tribunal a quo não se mostra passível de censura em sede de julgamento, certo sendo que o mesmo beneficiou da imediação e oralidade.
Nada evidencia uma errada valoração das provas produzidas, ou violação das regras da lógica ou da experiência no processo valorativo e justificativo expresso pelo tribunal a quo.
Tal como decorre do já citado artigo 662º nº 1 do CPC a modificação da decisão de facto é um dever para a Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente impuserem diversa decisão.
Pelo acima exposto não é o caso.
Termos em que se conclui pela improcedência da alteração pugnada pela recorrente quanto a estes pontos 6 e 8 dos factos provados e 2 dos factos não provados.
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Do erro na aplicação do direito.
Em função do acima enunciado cumpre apreciar de direito, tendo presente que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, não obstante, sem prejuízo do limite imposto pelo artigo 609º quanto ao objeto e quantidade do pedido, não estar o tribunal vinculado às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito [vide artigo 5º nº 3 do CPC].
O recorrente após imputar erro de julgamento à decisão de facto e por cuja alteração pugnou, invocou também erro na subsunção jurídica dos factos ao direito.
Tendo presente que a decisão de facto foi na integra mantida, cumpre apreciar as questões a este propósito convocadas pela recorrente.
Assim e em primeiro lugar questionou a recorrente a atribuição da culpa em exclusivo ao seu segurado na produção do evento.
O juízo de censura exercido sobre a decisão recorrida em sede de direito estava na verdade dependente da alteração da decisão de facto.
Com efeito a recorrente pretendeu afastar tal responsabilidade com a prova de que e de um lado o A. não foi surpreendido pela presença do AZ imobilizado na faixa de rodagem por onde circulava e por outro que o mesmo circulava sem guardar do veículo que o precedia a necessária distância.
Aliada esta prova à nova factualidade que também pretendeu introduzir em sede de recurso sobre o circunstancialismo que levou à imobilização do AZ em tal faixa de rodagem.
Não demonstrada e/ou considerada tal factualidade, é de concluir pelo acerto do decidido quanto à imputação da responsabilidade na produção do evento ao veículo AZ seguro na R..
Relevante para o efeito é a prova de que em plena faixa de rodagem duma auto estrada – … - está imobilizada uma viatura sem qualquer sinalização.
Acresce que o A. imediatamente antes do embate seguia atrás de uma viatura que se desvia de uma forma repentina, só então lhe permitindo deparar com a existência de um obstáculo na via por onde circulava – o AZ.
Esgrime a recorrente o argumento de que o “Autor não respeitou a distância de segurança suficiente, de forma a conseguir parar o seu veículo no espaço livre e visível à sua frente, o que configura uma violação clara e manifesta do disposto no n.º 1 do artigo 18.º do Código da Estrada”.
Entendeu o tribunal a quo que a imobilização do AZ na via, obstruindo uma hemi-faixa de rodagem justifica a imputação da culpa na produção do evento ao AZ em exclusivo.
Nos termos do artigo 3º nº 2 do CE “2 - As pessoas devem abster-se de atos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança, a visibilidade ou a comodidade dos utilizadores das vias, tendo em especial atenção os utilizadores vulneráveis.”
Por sua vez, determina o artigo 5º do CE: “2 - Os obstáculos eventuais devem ser sinalizados por aquele que lhes der causa, por forma bem visível e a uma distância que permita aos demais utentes da via tomar as precauções necessárias para evitar acidentes.”
Parar ou estacionar nas auto estradas é proibido – artigo 72º do CE.
E em caso de imobilização forçada do veículo por acidente ou avaria e sempre que o veículo represente um perigo especial para os outros utentes da via devem ser utilizadas as luzes avisadoras de perigo (artigo 63º do CE); bem como e enquanto o veículo não for removido utilizar dispositivos de segurança para que seja assinalada a sua presença para os demais utilizadores da via (artigos 87º e 88º CE).
Dos factos provados resulta a imobilização do veículo segurado na hemifaixa de rodagem por onde circulava o AZ sem que alguma sinalização tivesse ocorrido para avisar os demais utilizadores da via.
Nada foi alegado e como tal provado quanto às causas quer da imobilização quer da não sinalização.
Consequentemente tem-se por manifestamente contrário às regras estradais e das mesmas violador, o posicionamento do veículo seguro na aqui R.
Dúvidas não restando, perante a factualidade apurada que foi esta imobilização a causadora do embate ocorrido.
Conforme já referido, a recorrente alega que o A. não observou o disposto no artigo 18º, como tal sendo responsável pela produção do acidente.
A questão poder-se-ia colocar em sede de culpas concorrentes.
Não se nos afigura contudo ser o caso.
Conforme apurado o AZ surgiu visível para o A. após um outro veículo que à sua frente seguia se ter desviado de forma repentina.
O mesmo é dizer que o A. foi surpreendido pela existência de um obstáculo na faixa de rodagem por onde seguia e que até então lhe não era visível.
Nos termos do artigo 18º do CE, nº 1: “1 - O condutor de um veículo em marcha deve manter entre o seu veículo e o que o precede a distância suficiente para evitar acidentes em caso de súbita paragem ou diminuição de velocidade deste, tendo em especial consideração os utilizadores vulneráveis.”
E em consonância dispõe o artigo 24º do CE, nº 1 “1 - O condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.”
A primeira observação que se nos oferece referir é a de que o veículo que precedia o A. antes do embate não foi no acidente interveniente (nem foi aliás identificado).
Pelo que a distância entre estes não releva para o caso.
Por outro lado o embate dá-se entre o veículo do A. e um outro veículo que se encontrava então imobilizado.
Configurando como tal e para si um obstáculo com o qual não tinha que contar, tanto mais que nem sequer se encontrava sinalizado como as regras estradais o impunham.
Este circunstancialismo que para o comum condutor configura uma situação excecional e imprevisível afasta o juízo de censura a que se reporta o artigo 18º e ou 24º do CE porquanto não visa sancionar este tipo de situações.
É “jurisprudência praticamente pacífica que a lei não exige que o condutor do veículo conte com obstáculos que surjam inopinadamente, não sendo obrigado a prever ou a contar com a falta de prudência dos outros.”[3]
Pelo exposto e perante a factualidade apurada, nenhuma culpa é de assacar ao aqui A. condutor do SD na produção do evento.
Termos em que se conclui nenhuma censura merecer o decidido pelo tribunal a quo ao julgar que a produção do acidente em causa se ficou a dever em exclusivo ao veículo seguro na aqui R. – o AZ.

Dirimida esta questão, questionou ainda a recorrente a sua condenação nos montantes indemnizatórios de € 7.500,00 e de € 72,00.
Quanto ao primeiro valor questionou o decidido com fundamento em condenação diversa do pedido.
Por tanto concluindo pela revogação da sua condenação. Bem como pela sua absolvição do pedido nesta parte no pressuposto de que o A. já não pode obter uma indemnização pelo valor correspondente ao da reparação da viatura que entretanto vendeu e assim não poderá reparar.
Conforme acima já analisámos, apreciando a questão na perspetiva da nulidade de sentença por condenação em objeto diverso do pedido, o A. peticionou uma indemnização correspondente ao dano patrimonial que identificou e quantificou por referência ao valor necessário à reconstituição natural. O mesmo é dizer que expressou a pretensão de obter, por via do montante peticionado, uma indemnização patrimonial correspondente a tal valor.
A R. em sede de defesa invocou a excessiva onerosidade da reparação, assim pugnando por uma indemnização em dinheiro correspondente ao valor venal (comercial) do veículo antes do sinistro deduzido do valor do salvado (vide 67º, 68º e 73º da contestação).
O tribunal a quo, nos termos que acima se transcreveram optou por uma quantificação do dano reconduzível ao valor de substituição (patrimonial).
Em causa está em qualquer das circunstâncias a indemnização de um mesmo dano patrimonial fundado no mesmo facto jurídico - o dano emergente do sinistro incidente sobre a viatura interveniente no acidente e pertença do autor - quantificado em moldes diversos, mas contido no pedido e causa de pedir formulados pelo autor.
Portanto, tendo o A. peticionado a condenação da R. ao pagamento de quantia certa pelos danos causados na sua viatura como consequência do acidente e que quantificou por referência ao valor de reparação, não condena o tribunal a quo em objeto diverso quando decide que o valor indemnizatório fundado nos danos sofridos com a viatura que entretanto foi vendida na pendência da ação corresponderá ao valor resultante da diferença entre o valor necessário à aquisição de uma outra viatura e o dos salvados.
Em causa está em qualquer das circunstâncias, conforme já antes decidido, a indemnização de um mesmo dano patrimonial fundado no mesmo facto jurídico - o dano emergente do sinistro incidente sobre a viatura interveniente no acidente e pertença do autor - quantificado em moldes diversos, mas contido no pedido e causa de pedir formulados pelo autor.

O mesmo é dizer que a pretensão da recorrente improcede, nos termos em que pela mesma foi equacionado.
De referir que e quanto ao valor indemnizatório em si mesmo arbitrado, nada alegou a recorrente em concreto pelo que nada cumpre sobre o mesmo emitir pronúncia.
Finalmente questionou ainda a recorrente a sua condenação ao pagamento do valor de € 72,00 correspondente à despesa suportada pelo A. na obtenção da participação do acidente, o que o tribunal a quo entendeu ser de julgar procedente porquanto se trata de “prejuízo causado pelo acidente.”[4].
Neste ponto assiste razão à recorrente.
A despesa suportada com a obtenção da participação do acidente para fins judiciais não se enquadra no dano patrimonial emergente do ato ilícito gerador da obrigação de indemnizar.
Ao invés tal despesa tem como causa o exercício do direito por parte do autor pelo que poderá ser considerada sim em sede de custas de parte, porquanto integram estas o que cada parte haja despendido com o processo (vide artigo 529º nº 4 do CPC).
Nesta parte procede o recurso da recorrente.
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IV. Decisão.
Em face do exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso interposto consequentemente revogando a decisão recorrida na parte em que condenou a R. a pagar ao A. o montante de € 72,00, do que vai absolvida.
No mais mantém-se a decisão recorrida.
Custas do recurso pela recorrente e recorrido na proporção do vencimento e decaimento.
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Porto, 2021-01-25
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
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[1] Cfr. neste sentido Ac. TRC de 23/02/2016, nº de processo 2316/12.4TBPBL.C1; Ac. TRC de 17/01/2017, nº de processo 3161/12.2TBLRA-A.C1; Ac. STJ de 13/07/2017, nº de processo 442/15.7T8PVZ.P1.S1;
[2] Facto que vem na sequência do anterior nº 5: “5. A dada altura do seu percurso e sem que nada o fizesse prever, o ator apercebeu-se que o veículo que o precedia, cuja matrícula não se logrou apurar, se desviou, de forma repentina, para o seu lado direito por se encontrar imobilizado, naquela hemi-faixa, o AZ.”
[3] Cfr. Ac. TRL de 06/06/2006, nº de processo 970/2006-7; no mesmo sentido Ac. TRE 17/01/2019, nº de processo 973/17.4T8FAR.E1; Ac. STJ de 28/11/2013, nº de processo 372/07.6TBSTR.S1 todos in www.dgsi.pt
[4] Cfr. neste sentido Ac. TRC de 12/02/2019, nº de processo 1209/16.0T8CBR.C1 in www.dgsi.pt