Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1392/05.0TBMCN.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
INCUMPRIMENTO
REGISTO PROVISÓRIO
DEFINITIVO
INTERPELAÇÃO
Nº do Documento: RP201410061392/05.0TBMCN.P1
Data do Acordão: 10/06/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O ordenamento jurídico português desde há muito tempo–vd. o Código de Registo Predial de 1984 (Decreto Lei n.º 224/84)–contempla a inscrição provisória de aquisição e de constituição de hipoteca a favor de pessoa certa, antes de titulado o contrato translativo da propriedade (artigo 47.º, nº 1 do actual do CRP).
II - Os registos no âmbito do Código do Registo Predial distinguem-se, portanto, quanto ao seu regime jurídico e correspectivos efeitos, em provisórios e definitivos, carácter esse de provisoriedade ou definitividade que produz efeitos distintos nas situações jurídicas constituídas.
III - De acordo com o plasmado no artigo 10.º daquele diploma legal, os registos extinguem-se por caducidade ou cancelamento e, nos termos conjugados do disposto nos n.ºs 2 e 3, do artigo 11.º, também daquele diploma, os registos provisórios caducam, automaticamente, se não forem renovados, no prazo máximo de 6 meses.
IV - Requerido registo pelo promitente-vendedor, com base num contrato-promessa de compra e venda com eficácia meramente obrigacional, deve o mesmo ser qualificado registralmente como aquisição antes de titulado o contrato, sendo a sua inscrição provisória por natureza [artigo 92.º, nº 1 al. g) do CRP].
V - Sem eficácia real do contrato-promessa de compra e venda de imóveis apenas resultam direitos obrigacionais, já que a propriedade apenas se transfere com a celebração da escritura ou por documento particular autenticado, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 408.º, nº1, 875.º, 1316º e 1317º alínea a) do Código Civil.
VI - Esta consequência não pode ser afastada pelo facto de o artigo 6,º, nº3 do Código do Registo Predial atribuir ao registo definitivo a prioridade que tinha como provisório.
VII - Daí que o simples registo provisório de aquisição com base em contrato-promessa não possa ter o efeito de fazer retroagir a aquisição da propriedade à do registo provisório. Fá-lo se o direito substantivo o permitir, isto é se do contrato resultar uma garantia ou direito real, não se dele apenas resultarem direitos de natureza obrigacional.
VII - No acto notarial da escritura tendo por objecto bem imóvel, compete ao Notário assegurar a legalidade do acto, da qual é garante nos termos da lei, e por isso, é obrigado a advertir os outorgantes da existência e consequências de ónus, assistindo, só aí, aos promitentes compradores, recusar-se a celebrá-la quando sobre ela aqueles incidam e do contrato promessa conste a venda livre dos mesmos ( artigo 50.º, nº 3 do Código do Notariado).
IX- Nos termos do disposto no n.º 2 do art. 224º do Código Civil têm-se por eficazes as notificações que as cartas enviadas por uma parte à outra encerravam e que se por culpa desta não foram recebidas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1392/05.0TBMCN.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial do Marco de Canavezes-2º Juízo
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Caimoto Jácome
2º Adjunto Des. Macedo Domingues
5ª Secção
Sumário
I- O ordenamento jurídico português desde há muito tempo–vd. o Código de Registo Predial de 1984 (Decreto Lei n.º 224/84)–contempla a inscrição provisória de aquisição e de constituição de hipoteca a favor de pessoa certa, antes de titulado o contrato translativo da propriedade (artigo 47.º, nº 1 do actual do CRP).
II- Os registos no âmbito do Código do Registo Predial distinguem-se, portanto, quanto ao seu regime jurídico e correspectivos efeitos, em provisórios e definitivos, carácter esse de provisoriedade ou definitividade que produz efeitos distintos nas situações jurídicas constituídas.
III- De acordo com o plasmado no artigo 10.º daquele diploma legal, os registos extinguem-se por caducidade ou cancelamento e, nos termos conjugados do disposto nos n.ºs 2 e 3, do artigo 11.º, também daquele diploma, os registos provisórios caducam, automaticamente, se não forem renovados, no prazo máximo de 6 meses.
IV- Requerido registo pelo promitente-vendedor, com base num contrato-promessa de compra e venda com eficácia meramente obrigacional, deve o mesmo ser qualificado registralmente como aquisição antes de titulado o contrato, sendo a sua inscrição provisória por natureza [artigo 92.º, nº 1 al. g) do CRP].
V- Sem eficácia real do contrato-promessa de compra e venda de imóveis apenas resultam direitos obrigacionais, já que a propriedade apenas se transfere com a celebração da escritura ou por documento particular autenticado, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 408.º, nº1, 875.º, 1316º e 1317º alínea a) do Código Civil.
VI- Esta consequência não pode ser afastada pelo facto de o artigo 6,º, nº3 do Código do Registo Predial atribuir ao registo definitivo a prioridade que tinha como provisório.
VII- Daí que o simples registo provisório de aquisição com base em contrato-promessa não possa ter o efeito de fazer retroagir a aquisição da propriedade à do registo provisório. Fá-lo se o direito substantivo o permitir, isto é se do contrato resultar uma garantia ou direito real, não se dele apenas resultarem direitos de natureza obrigacional.
VII- No acto notarial da escritura tendo por objecto bem imóvel, compete ao Notário assegurar a legalidade do acto, da qual é garante nos termos da lei, e por isso, é obrigado a advertir os outorgantes da existência e consequências de ónus, assistindo, só aí, aos promitentes compradores, recusar-se a celebrá-la quando sobre ela aqueles incidam e do contrato promessa conste a venda livre dos mesmos ( artigo 50.º, nº 3 do Código do Notariado).
IX- Nos termos do disposto no n.º 2 do art. 224º do Código Civil têm-se por eficazes as notificações que as cartas enviadas por uma parte à outra encerravam e que se por culpa desta não foram recebidas.
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I-RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

B…, divorciada, residente na Rua …, n.º .., .º esq., ….-… …., Gondomar, e C…, solteiro, residente na Rua …, …, …. Porto, instauraram a presente acção declarativa, com processo comum na forma ordinária, contra D…, residente na …, …. Marco de Canaveses, pedindo que se declare nulo o contrato-promessa celebrado entre ambas as partes e, em consequência, se condene o Réu a restituir-lhes a quantia de 14.567,40 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, que se vierem a vencer desde a citação até integral e efectivo pagamento.
Para tanto alegam, em síntese, que Autores e Réu assinaram o documento escrito de fls. 7 a 11, intitulado de “contrato promessa de compra e venda” relativo a um imóvel sito no …, freguesia e concelho de Valongo, datado de 20/01/1999, no qual o Réu intitulou-se “Presidente do Concelho de Administração” da sociedade por quotas “E…, L.da”, contribuinte n.º ……….;
Os Autores entregaram ao Réu, por intermédio da sociedade de mediação imobiliária F…, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 12.345,24 euros;
Os Autores vieram, entretanto, a saber que esta sociedade por quotas não existe;
O Réu não é, sequer era à data da celebração do contrato-promessa, o proprietário do imóvel objecto daquele contrato, pelo que é responsável pelo documento que subscreveu uma vez que criou a falsa aparência de que a referida sociedade por quotas existe e que era proprietária do imóvel;
Acresce que as assinaturas constantes daquele documento não foram notarialmente reconhecidas, sequer certificada pelo notário a existência da respectiva licença de utilização ou construção;
O Réu exerce profissionalmente actividade ligada ao ramo da construção civil e compra e venda de imóveis, pelo que tinha obrigação de conhecer as formalidades impostas por lei.
O Réu contestou por excepção e por impugnação.
Alegou a excepção da sua ilegitimidade passiva para os termos da presente acção, sustentando não ser sujeito da relação material controvertida uma vez que assinou o invocado contrato-promessa na qualidade de presidente do conselho da administração da “E…, S.A.”, a qual, por erro de escrita, vem identificada naquele documento como sociedade por quotas quando se trata de uma sociedade anónima.
Impugnou parte da matéria alegada pelos Autores, sustentando que tal como resulta do próprio teor do contrato-promessa e era do conhecimento dos Autores quando assinaram aquele contrato, estes sabiam que o prédio ainda não havia sido construído e que ainda não tinha licença de construção, sendo certo que o referido prédio foi construído devidamente licenciado e beneficia, entretanto, da licença de utilização n.º ../2002, de 27/02/2002, pelo que a inexistência da licença de construção, à data de celebração do contrato-promessa, se encontra sanada;
Invocou a excepção do abuso do direito, sustentando que os Autores agiram, ao longo do tempo, como se aquele contrato fosse válido, nunca tendo invocado a ausência da licença de construção como fundamento de invalidade do mesmo, designadamente nos autos de acção de fixação do prazo que contra eles foi intentada pela promitente-vendedora; ao invés, os Autores visitaram, com regularidade, a fracção objecto daquele contrato e chegaram mesmo a pedir à sociedade promitente-vendedora que esta lhes concedesse mais tempo para tentarem ceder a sua posição contratual, no que aquela foi anuindo enquanto pôde, conduta que naturalmente gerou na contraparte uma justificada confiança e investimento no pressuposto dessa validade;
Após a promitente-vendedora estar munida de toda a documentação necessária à celebração da escritura de compra e venda, tentou obter o acordo dos Autores, por cartas datadas de 15 e 27 de Março de 2002, que endereçou sob registo e com a/r, para a morada dos Autores indicada no contrato, e que vieram a ser devolvidas, sobre a data para marcação da escritura de compra e venda;
Como a promitente-compradora não teve qualquer resposta a essas cartas e porque o contrato não previa prazo para a escritura, a sociedade promitente-vendedora instaurou acção de fixação judicial de prazo a que os Réus responderam;
Essa acção obteve procedência, fixando o prazo de trinta dias para a outorga da escritura de compra e venda e, em consequência, a promitente-vendedora escreveu e enviou aos Autores carta datada de 19/05/2005, sob registo, para a morada para onde aqueles foram citados, onde lhes solicitava que se dispusessem a celebrar a referida escritura de compra e venda, solicitando cópias dos elementos identificativos daqueles para se proceder à respectiva marcação, advertindo os promitentes-compradores de que se iria marcar a escritura e que se faltassem lhes seriam imputáveis as despesas de emolumentos;
Como os Autores não deram resposta, a promitente-vendedora voltou a enviar sob registo a carta datada de 24/05/2005, convocando-os para a escritura pública de compra e venda, informando-os que se encontrava marcada para o dia 13/06/2005, no Cartório Notarial de Vila do Conde, explicando-lhes que em virtude da privatização dos cartórios, não fora possível marcar noutro mais próximo;
Contudo, os Autores faltaram à referida escritura, o que inviabilizou a sua celebração;
A promitente-vendedora enviou, sob registo, nova carta datada de 16/06/2005, na qual confirmava a falta dos Autores à escritura de compra e venda que tinha sido marcada, fixando-lhes um prazo suplementar de 20 dias para a realização da mesma e advertindo-os de que se até 10 de Julho de 2005 não cumprissem com a obrigação de celebrar a escritura se consideraria definitivamente incumprido o contrato, com a consequente perda do sinal;
A esta carta respondeu a Autora, negando ter recebido a carta de comunicação da data da escritura e escudando-se no prazo fixado por decisão judicial, o qual em seu entender se encontrava ultrapassado, e sustentando que dado que a sociedade subscritora do contrato-promessa não tinha existência jurídica, nenhuma obrigação contratual a vinculava, assistindo-lhe antes o direito a obter a restituição do sinal prestado e que caso esse contrato seja válido, lhe assiste o direito a obter a resolução do mesmo por incumprimento do prazo estipulado, perda de interesse no negócio e impossibilidade de realização da prestação;
A promitente-compradora respondeu a essa carta no sentido de que era ainda possível a celebração do contrato prometido, declarando-se disponível para tanto, esclarecendo a alteração da denominação social daquela e refutando as alegadas invalidade e perda de interesse;
Como os Autores se mantiveram inertes, por carta datada de 13/07/2005, a promitente compradora comunicou àqueles que face ao incumprimento do contrato por banda daqueles, considerava o contrato resolvido por motivo que lhes era exclusivamente imputável, terminando pela reclamação dos pagamentos em falta;
Ao agirem da forma supra descrita, refugiando-se na falsa questão e que constitui um mero lapso de escrita e, por outro lado, em nulidade que não lhes assiste invocar, tanto mais que somente o fazem após ser verificável o seu incumprimento definitivo daquele contrato-promessa, os Autores litigam de má fé.
Conclui, pedindo que por via da procedência da excepção da sua ilegitimidade passiva para os termos da presente acção, seja absolvido da instância, ou se assim se não entender, que se julgue a acção totalmente improcedente e se absolva o mesmo do pedido e se condene os Autores como litigantes de má fé, em indemnização a favor do Réu no valor de 3.000,00 euros, bem como em multa.
Os Autores replicaram impugnando parte da matéria invocada pelo Réu e concluindo pela improcedência da excepção dilatória da ilegitimidade passiva por este deduzida e, bem assim da excepção peremptória do abuso de direito, concluindo como na petição inicial.
Deduziu incidente da intervenção principal provocada de I…, S.A. nos termos do disposto no art. 31º-B do Código de Processo Civil.
Admitido aquele incidente, citada a interveniente I…, S.A., a mesma contestou nos mesmos moldes que já anteriormente havia feito o Réu.
Conclui pedindo que seja absolvida do pedido e pedindo a condenação dos Autores como litigantes de má fé em multa e em indemnização a favor daquela, no montante de 5.000,00 euros, bem como no pagamento de honorários à sua ilustre mandatária, que estima em 1.500,00 euros.
Deduziu recovenção pedindo que se:
a- declare judicialmente a validade e eficácia da resolução comunicada pela Ré reconvinte do contrato-promessa em causa, com consequente perda do sinal prestado a favor daquela;
b- condene os Autores-reconvindos a pagar à interveniente-reconvinda a quantia de 10.824,72 euros, acrescida de juros de mora vincendos, sendo 8.230,17 euros, a título de reforço do sinal em falta e respectivos juros legais, vencidos desde 20/10/2000, até efectivo e integral pagamento, ascendendo estes na presente data a 2.434,55 euros, e 160,00 euros de emolumentos notariais resultantes da falta à escritura e emissão do certificado respectivo.
Os Autores replicaram impugnando parte da matéria alegada pela interveniente.
Impugnaram a matéria alegada em sede de reconvenção negando que tivessem recebido as cartas de 19 de Maio e 24 de Maio de 2005 e que, muito embora a Autora B… tivesse recebido a carta datada de 16 de Junho de 2005, à qual respondeu por carta de 29 de Junho de 2005, o Réu C… nunca recebeu qualquer carta da interveniente, pelo que nunca foi por ela, sequer pelo Réu D…, interpelado para outorgar a escritura em causa, sequer da resolução do contrato-promessa.
Mais alegou que a escritura em causa nunca podia ser outorgada em 13 de Junho de 2005, uma vez que em 07 de Junho de 2005, a interveniente, mediante assinatura reconhecida do Réu, declarou pretender vender pelo preço de 77.500,00 euros a fracção em causa a G… e H… e em 08 de Junho de 2005, a interveniente requereu o registo de aquisição provisória da fracção a favor dos referidos G… e H…, aquisição essa que se veio a concretizar no dia 04 de Agosto de 2005 por escritura pública, pelo que no dia 13 de Junho de 2005, ao contrário do que atesta o certificado emitido pelo 2º Cartório Notarial de Vila do Conde, não se encontrava pronta toda a documentação necessária à feitura da escritura, sequer eles iriam correr o risco de celebrar uma escritura com registo de aquisição provisório prévio requerido a favor de terceiros.
Concluíram como na petição inicial e pela improcedência do pedido de litigância de má fé que contra eles foi deduzido.
Ampliaram o pedido, solicitando que se:
a- declare nulo o contrato-promessa celebrado entre ambas as partes e, em consequência, condene o Ré ou a interveniente a restituir a quantia de 14.576,40 euros, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, que se vierem a vencer desde a citação até integral e efectivo pagamento,
Subsidiariamente, que se:
b- declare resolvido o contrato-promessa em causa por incumprimento definitivo e culposo imputável aos Réus e/ou impossibilidade da prestação, condenando-se o Réu ou a interveniente a restituir-lhes o sinal em dobro, no valor de 24.690,48 euros, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação do presente articulado até integral e efectivo pagamento.
Para tanto alegam que o Réu e a interveniente não são proprietários do imóvel em discussão nos autos desde 04 de Agosto de 2005, por a interveniente o ter vendido, nessa data, a terceiros pelo preço de 77.500,00 euros;
A interveniente não cumpriu com o prazo peremptório de trinta dias fixado pelo Tribunal para outorgar a escritura pública de compra e venda e não cabia aos Autores, nos termos do contrato, a marcação dessa escritura;
Os Réus ao registarem provisoriamente a aquisição do imóvel a favor de terceiros, tendo-lhes, posteriormente, vendido o mesmo, tornaram, em plena vigência do contrato, definitivamente impossível, por sua exclusiva culpa, a prestação a que se obrigaram.
A interveniente treplicou, concluindo pela inadmissibilidade da ampliação do pedido.
Impugnou a matéria alegada pelos Autores em sede de ampliação do pedido, mantendo o que a esse propósito já tinha alegado quanto ao invocado não recebimento das interpelações feitas por cartas enviadas aos Autores, concluindo que se estes não receberem aquelas cartas, que esse facto lhes é imputável;
Mais alegou que a escritura com os terceiros compradores só foi outorgada após manifesta recusa dos Autores em cumprirem com o contrato-promessa e após insistências suas para que o fizessem, celebrando a escritura pública de compra e venda, mesma apesar de já estar ultrapassado o prazo suplementar que lhes fixou para tanto, bem como a comunicação de resolução do contrato;
Que o registo provisório encontra-se sujeito a caducidade, o que ocorreria caso os Autores se dispusessem a celebrar a escritura pública e valeria apenas e em prejuízo dos Autores se fosse convertido em definitivo.
Conclui pedindo que se julgue nula a ampliação do pedido por não ser legalmente admissível, quer formal, quer substancialmente em virtude do abuso de direito e que se julgue improcedentes as excepções invocadas.
Os Autores responderam à invocada nulidade da ampliação do pedido nos termos constantes de fls. 328 a 329, concluindo pela improcedência dessa invocada nulidade.
Convocaram-se as partes para audiência preliminar e uma vez frustrada a tentativa de conciliação que aí se realizou, ordenou-se a conclusão dos autos a fim de se proferir despacho saneador.
Por despacho proferido a fls. 349, transitado em julgado, admitiu-se a ampliação do pedido formulado pelos Autores.
Proferiu-se despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e a base instrutória, mas na sequência das reclamações apresentadas pela interveniente a fls. 354 a 357 e pelos Autores a fls. 360 e 361, veio, implicitamente, a anular-se aquele despacho, tendo-se convocado as partes para nova audiência preliminar com vista a regularizar o processado.
Realizada audiência preliminar, frustrada a tentativa de conciliação que então se realizou, admitiu-se a reconvenção e proferiu-se despacho saneador em que se concluiu pela improcedência da excepção da ilegitimidade do Réu D… para os termos da presente acção, e após fixaram-se os factos assentes e a base instrutória, não tendo havido reclamações.
Realizada a audiência de julgamento respondeu-se à matéria vertida na base instrutória pela forma indicada a fls. 536 a 543, não tendo havido reclamações.
Não foram apresentadas alegações escritas a propósito da discussão jurídica da causa.
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A final foi proferida decisão do seguinte teor:
Nesta conformidade, julgo a presente acção integralmente improcedente por não provada e, em consequência absolvo o Réu D… e a interveniente I…, S.A. de todos os pedidos que contra eles foram formulados pelos Autores.
Condeno os Autores B… e C… como litigantes de má fé no pagamento de sete UCs de multa e de uma indemnização a favor do Réu D… em consequência das despesas, incluindo com o pagamento de honorários que teve de pagar à sua ilustre mandatária, tudo por via da litigância de má fé com que litigaram os Autores.
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Julgo a reconvenção de fls. 157 a 170 parcialmente procedente por provada e, em consequência:
a- declaro judicialmente válida e eficaz a resolução comunicada pela interveniente-reconvinte, “I…, S.A.”, do contrato-promessa em causa nos autos, com consequente perda do sinal prestado pelos Autores-reconvindos, B… e C…, a favor daquela;
b- absolvo os Autores-reconvindos do demais pedido pela interveniente reconvinte;
c- absolvo os Autores-reconvindos do pedido de condenação como litigantes de má fé formulado pela interveniente-reconvinte “I…, S.A.”.
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Não se conformando com a sentença assim proferida vieram os Autores interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:

1. Ficou provado que a Ré I… vendeu a fracção objecto do contrato em causa nos autos a terceiros por escritura publica celebrada em 4 de Agosto de 2005 pelo preço de € 77.500,00 e que em 8 de Junho de 2005 foi aquela aquisição registada provisoriamente a favor dos compradores.
2. Nos termos do artigo 6.º do Código do Registo Predial “O direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens” (n.º 1) e “O registo convertido em definitivo conserva a prioridade que tinha como provisório” (n.º 3).
3. Não era, assim, exigível aos Autores que tivessem comparecido na escritura pública que a Ré I… agendou para o dia 13 de Junho de 2005, na medida em que nessa data já se encontrava registada provisoriamente a fracção objecto do contrato a favor de terceiros que não caducou e veio a converter-se em definitiva.
4. Se os Autores tivessem comparecido à escritura, nada obstaria a que a Ré I… vendesse novamente a fracção, perdendo os Autores definitivamente o imóvel, por força do disposto no referido artigo 6.º do Código de Registo Predial.
5. Pelo que, ao contrário do decidido, verificava-se “obstáculo jurídico” e “impossibilidade legal” de realização do negócio pretendido pela Ré I… desde pelo menos 8 de Junho de 2005, data em que se concretizou o registo provisório a favor de terceiros, tendo o tribunal violado o disposto no n.º 1 e 3 do citado artigo 6.º do Código de Registo Predial que deveria ter aplicado ao caso dos autos.
6. Acresce que, na cláusula oitava do contrato em causa nos autos, consta expressamente que “A prometida venda é vendida livre de quaisquer ónus ou encargos”, circunstância a que o Tribunal a quo não atendeu, e deveria ter atendido, no sentido de que sempre seria legítimo aos Autores recusarem comparecer na escritura de compra e venda agendada.
7. Por outro lado, o Autor C… não foi notificado ou interpelado para comparecer à escritura nem sequer da resolução do contrato, não tendo fundamento o que nesta matéria presumiu o Tribunal a quo.
8. Desde logo, porque não foi convencionado qualquer domicílio no contrato para efeito de comunicações às partes, sendo inaplicável á situação sub judice o artigo 224.º do Código Civil.
9. Além disso, o Autor C… não passou procuração ou mandato à Autora B…e para receber em seu nome notificações ou interpelações ou sequer responder por si às cartas dos R.R.
10. Pelo que, jamais foi interpelado admonitoriamente ou recusou antecipadamente o contrato, sedo certo que também não contestou a acção de fixação judicial de prazo.
11. As cartas de 19 de Maio de 2005 e 24 de Maio de 2005 (alíneas K e L dos factos provados) não foram recebidas pelos Autores e não contém o elemento cominatório.
12. Quando é recebida apenas pela Autora B… a carta de 16 de Junho de 2005 (alínea N dos factos provados), bem como a carta subsequente a comunicar a resolução do contrato (alínea P dos factos provados), já se encontrava registada provisoriamente a fracção a favor de terceiros e, por conseguinte, salvo o devido respeito, deveria o Tribunal a quo ter considerado que não foi efectuada validamente, quer a interpelação admonitória de ambos os Autores, quer a resolução do contrato.
13. Consequentemente, sendo válido o contrato, como considerou a Sentença recorrida, então foi a Ré I… quem incumpriu o contrato tornando-o impossível a sua concretização, vendendo-o e arrecadando o respectivo preço, antes de proceder validamente à interpelação admonitória de ambos os Autores e respectiva resolução.
14. Têm, assim, os Autores direito à resolução do contrato e a receber o dobro do sinal prestado, nos termos dos artigos 442.º, n.º 2 e 801.º, n.º 1 e 2 do Código Civil, que o Tribunal a quo violou.
15. A Autora B… foi induzida em erro pela resposta obtida do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, conforme certidão junta com a p.i. sob o documento n.º 3-que o Tribunal a quo não atentou-e documentos que se anexam nos termos doartigo ao abrigo do artigo 706.º, n.º 1, 2.ª parte, do CPC (actual artigo 651, n.º 1, 2.ª parte, do NCPC), dada a sua junção aos autos se tornar necessária em virtude do julgamento proferido em primeira instância.
16. E se dúvidas tinha, as mesmas agravaram-se em face da resposta que obteve dos Réus que não esclareceram a questão da divergência entre os números de contribuinte, só o fazendo através de certidão que foi junta em audiência de julgamento, volvidos mais de 7 anos após a instauração da presente acção.
17. Os Autores não agiram, assim, com qualquer dolo ou mesmo negligência ou deduzido pretensão cuja falta não devessem ignorar ao instaurarem a presente acção, nem podia consultar a informação em causa nos Serviços de Finanças dado que tal matéria, por ser confidencial, não lhes seria facultada.
18. Se a questão se resumisse a mero e evidente “erro de escrita”, como refere a Sentença recorrida, resultante do teor do contrato, não se compreende porque é que o Tribunal demorou mais de 7 anos para a decidir.
19. Aliás, para além de se verificar divergência entre o número de contribuinte do contrato e o número de contribuinte constante do registo comercial, verificou-se erro na identificação do subscritor do contrato, como confessou em audiência de julgamento o Réu D…, pois terá sido o irmão a assinar o mesmo–facto que o Tribunal a quo curiosamente não atendeu e omitiu, em prejuízo da verdade material (gravação da audiência de 19/12/2012, depoimento prestado das 14:37:15 às 16:20).
20. Nenhum dos Autores faltou à verdade ou fez uso reprovável do processo, muito menos grave, que possa ser censurado, nem faltou ao respeito do Tribunal ou impediu a realização da justiça, bastando para o efeito ouvir os respectivos depoimentos (gravações de 19/12/2012, das 16:20 às 17:15 e de 21/01/2013, das 15:13 às 15:25), tendo a Autora B… reconhecido ter visitado o apartamento, nunca ter contactado com o Réu D… e recebido diversa correspondência que identificou como sendo sua ou a ela dirigida.
21. Com o devido respeito, em face das dúvidas que se apresentavam quanto à completa identificação do promitente vendedor, não pode o Tribunal censurar a conduta dos Autores, sendo perfeitamente legítimo quererem os Autores desvincular-se de um negócio em que-ficou provado-os mesmos não pretendiam ab initio celebrar a escritura definitiva e foram induzidos em “erro” para celebrar um negócio de “mero investimento”, muito embora não tenham logrado provar que a sua pretensão ou vontade era do conhecimento dos Réus.
22. A condenação dos Autores como litigantes de má fé é, pois, manifestamente injusta, assenta em pressupostos errados e inexistentes, afigura-se excessiva e desproporcionada pelo valor em que foram condenados.
23. Acabando por beneficiar sem fundamento o Réu D… e o grupo económico que dirige e onde se integra a Ré I… que, para além, de ficarem com o valor do sinal e venderem a fracção a terceiro, arrecadando o correspondente preço, conseguem ainda assim obter mais dinheiro dos Autores.
24. A Sentença recorrida violou, deste modo, também os artigos 456.º, n.º 1 do CPC e 27.º, n.º 1 e 2 do RCP que não tinham aplicação ao caso.
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Devidamente notificados apresentaram os Réus as respectivas contra-alegações nas quais concluem pelo não provimento da apelação.
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Após os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. arts. 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são as seguintes as questões a decidir:
a)- saber se o tribunal fez ou não uma correcta subsunção jurídica dos factos que nos autos se mostraram assentes;
b)- saber se existe ou não fundamento para a condenação dos Autores apelados como litigantes de má fé.
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A)-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

É a seguinte a factualidade que vem dada como provada pelo tribunal recorrido:
A- Autores e Réu assinaram o documento denominado “Contrato promessa de compra e venda”, constando como primeiro outorgante “E…, LDA., com sede na …, …. Marco de Canavezes, Contribuinte n.° ………, representada por D…, como Presidente do Conselho de Administração, residente na …, …. Marco de Canavezes, portador do Bilhete de Identidade n.º ……. emitido em 29.11.1995 pelo Arquivo de Identificação do Porto, Contribuinte n.° ………, na qualidade de PROMITENTE VENDEDORA” e como segundos outorgantes os aqui réus, “na qualidade de PROMITENTES COMPRADORES”.
B- No acordo referido em A) consta, além do mais o seguinte:
“(…)
Celebram entre si o presente CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA, subordinado às cláusulas seguintes:
CLÁUSULA PRIMEIRA
A PRIMEIRA OUTORGANTE tem por objecto a construção de imóveis e a sua venda em fracções autónomas.
CLÁUSULA SEGUNDA
A PRIMEIRA OUTORGANTE é dona e legitima proprietária de um terreno que foi submetido a um processo de loteamento que corre sob o n° …/14, da Câmara Municipal …, tendo o mesmo sido aprovado em 17.11.1997, sito no …, da Freguesia e Concelho de Valongo.
A E… vai construir nos Lotes LCl, LC2, LC3, LC4, LC5 e LC7 do referido loteamento um empreendimento denominado “J…”, constituído por 191 fracções destinadas à venda e respectivos lugares de garagem.
CLÁUSULA TERCEIRA
A PRIMEIRA OUTORGANTE promete vender aos SEGUNDOS, ou a quem estes indicarem, e estes prometem comprar a fracção autónoma tipo T3 do referido empreendimento, designada provisoriamente por “B 3.0”, com lugar de garagem, na cave do mesmo bloco, conforme plantas em anexo.
CLÁUSULA QUARTA
O valor da prometida venda é de Esc: 16.500.000$00 (Dezasseis milhões e quinhentos mil escudos).
CLÁUSULA QUINTA
Como sinal e princípio de pagamento os SEGUNDOS OUTORGANTES entregam nesta data à PRIMEIRA OUTORGANTE a quantia de Esc: 2.475.000$00 (Dois milhões quatrocentos e setenta e cinco mil escudos) correspondente a 15% do preço, cuja importância a PRIMEIRA OUTORGANTE declara ter recebido e de que lhe dá a correspondente quitação.
CLÁUSULA SEXTA
A restante quantia, no montante de Esc: 14.025.000$00 (Catorze milhões e vinte e cinco mil escudos), será pago pelos SEGUNDOS OUTORGANTES à PRIMEIRA da seguinte forma:
A) A titulo de reforço de sinal a quantia de Esc.:1.650.000$00 (Um milhão seiscentos e cinquenta mil escudos), ou seja 10% no prazo de 22 meses a contar da data de início, mencionada na cláusula sétima, infra.
b) A quantia de Esc.:12.375.000$00 (Doze milhões trezentos e setenta e cinco mil escudos) como pagamento total do preço no acto da outorga da escritura definitiva de compra e venda, em local, dia e hora a designar pela PRIMEIRA OUTORGANTE, por carta registada a enviar com antecedência mínima de 15 (quinze) dias, após a obtenção da necessária documentação para o efeito.
CLÁUSULA SÉTIMA
O prazo máximo para a conclusão do edifício será 24 (vinte e quatro) meses após o inicio da construção, que terá lugar durante o mês de Agosto de 1998, sendo certo que a PRIMEIRA OUTORGANTE poderá marcar a escritura para a data anterior ao termo deste prazo, logo que disponha do registo da constituição de propriedade horizontal e o prédio se ache concluído, ainda que sem licença de utilização.
Parágrafo Primeiro: A E…, LDA., compromete-se a tratar de toda a documentação necessária à obtenção da licença de utilização, por forma a esta ser emitida pelas entidades competentes no prazo máximo de 1 (um) ano após a conclusão da obra.
Parágrafo Segundo: Nos prazos estabelecidos supra não se considera paragens na execução dos trabalhos por factos alheios à promitente vendedora.
CLÁUSULA OITAVA
A prometida venda é feita livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades.
(…)
CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA
Em caso de simples mora ou de incumprimento definitivo do presente contrato por parte dos SEGUNDOS OUTORGANTES, a PRIMEIRA poderá resolver imediatamente e sem mais o presente contrato fazendo suas todas as quantias que até então lhe hajam sido entregues pelos SEGUNDOS OUTORGANTES ou, em alternativa e conforme bem lhe aprouver, promover a execução especifica deste contrato, nos termos da lei civil.
CLÁUSULA DÉCIMA SEGUNDA
Em caso de simples mora ou de incumprimento definitivo do presente contrato por parte da PRIMEIRA OUTORGANTE, os SEGUNDOS poderão promover a execução específica deste contrato, nos termos da lei civil.
(…)
CLÁUSULA DÉCIMA QUARTA
Feito no Porto aos 20 dias do mês de Janeiro de 1999, em dois exemplares, ambos valendo como originais, destinando-se um a cada um dos OUTORGANTES, que prescindiram, reciprocamente do reconhecimento notarial das suas assinaturas, renunciando, por consequência ao direito de invocar qualquer invalidade que de tal falta pudesse recorrer.”.
C- O Réu não é, nem era à data da celebração do acordo aludido em A), o proprietário do imóvel identificado em B).
D- Aquando da celebração do acordo aludido em A) as assinaturas constantes do acordo não foram notarialmente reconhecidas.
E- Aquando da celebração do acordo aludido em A) não foi certificado pelo notário a existência da respectiva licença de utilização ou construção.
F- Os Autores entregaram, por intermédio da sociedade de mediação imobiliária F…, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de €12.345,24, através do cheque n.º ………., sacado sobre a conta existente na K… com o n.º ……..
G- E…, S.A. encontra-se matriculada na conservatória do registo comercial de Marco de Canaveses com o n.º …/……, NUIPC ………, constando réu D… como Presidente do Conselho de Administração.
H- Em 11.01.2000 foi averbada no respectivo registo, pela Ap. 04, a alteração da denominação social de E…, S.A. para I…, S.A., mantendo-se o mesmo número de contribuinte fiscal.
I- I…, S.A. enviou, para a morada constante do acordo referido A) como sendo a morada dos AA., as missivas, datadas de 15.03.2002 e 27.03.2002, constando das mesmas, além do mais, o seguinte: “(…) Reitera-se que a empresa promitente vendedora se encontra em condições de celebrar contrato definitivo, sendo possuidora de todos os documentos necessários à outorga da escritura. Com vista à marcação desta, solicita-se a V.Ex.ª que se disponibilize para isso informando-nos da data em que estará disponível para a outorgar, enviando-nos cópia do Bilhete de Identidade e do Cartão de Contribuinte Fiscal. Apesar de se encontrar previsto no contrato um reforço de sinal há muito vencido, V.Ex.ª não cumpriu.
Resta-me alertar V.Ex.ª para os efeitos de incumprimento estipulados na cláusula 11.ª do Contrato Promessa de Compra e Venda em apreço. Na ausência de acordo na marcação da escritura, seremos obrigados a recorrer à acção judicial de fixação de prazo. (…)”.
J- Em 10 de Julho de 2002 I…, S.A. instaurou uma acção especial de fixação judicial de prazo contra os aqui autores, que correu termos com o n.º 9340/03.6TJPRT, no 2.º Juízo Cível do Porto, 1.ª Secção, tendente à fixação de prazo para a celebração do contrato definitivo do acordo aludido em A) e B), que a aqui autora contestou em 19.05.2003, tendo a mesma sido julgada procedente, por sentença proferida em 28.04.2005, com o seguinte dispositivo (…) julgo a acção procedente por provada e em consequência, fixo aos requeridos o prazo de 30 (trinta) dias para a celebração da prometida escritura definitiva de compra e venda da fracção autónoma acima referida–descrita no art.º 1º. da petição inicial” .
K- I…, S.A. escreveu e enviou aos AA. a carta datada de 19/05/2005 sob registo, desta feita para a morada onde foi citada aos aqui Autora na acção aludida em J), cujo teor se dá como reproduzido, solicitando além do mais os aqui autores informassem, por escrito, se mantêm o propósito de não escriturar ou se se dispõem a fazê-lo.
L- I…, S.A. enviou sob registo uma carta datada de 24/05/2005, para a morada constante do processo aludido em J) e K) como sendo a daqui Autora, convocando os aqui autores para a escritura pública de compra e venda, a realizar no dia 13/06/2005, pelas 14.30 horas, no Cartório Notarial de Vila do Conde.
M- Os AA. não compareceram na data, hora e local referidos em L).
N- A I…, S.A. enviou, sob registo, nova carta datada de 16/06/2005, na qual confirmava a falta dos AA. à escritura de compra e venda que havia sido marcada, fixando-lhes um prazo suplementar de 20 dias para a realização da mesma e advertindo-os de que se até 10 de Julho de 2005 não cumprissem com a obrigação de celebrar a escritura se consideraria definitivamente incumprido o contrato, com consequente perda do sinal.
O- A Autora enviou à I…, S.A. uma missiva, datada de 26.06.2005, além do mais, negando ter recebido a carta de comunicação da data da escritura, sendo já decorrido o prazo fixado por decisão judicial, mais ali expressando que, havia entretanto tomado conhecimento de que a sociedade subscritora do contrato promessa não tinha existência jurídica, e que “Assim sendo, nenhuma obrigação contratual me vincula perante V. Ex.ªs, sendo certo que o contrato sempre seria nulo por violação do disposto no artigo 410.º, n.º 3 do Código Civil, tendo eu direito à restituição do sinal prestado actualizado de acordo com o coeficiente de desvalorização da moeda” e que “Entendo, por outro lado, que, a ser válido o contrato, tenho direito a invocar a sua resolução por incumprimento do prazo estipulado, perda de interesse no negócio e impossibilidade de realização da prestação…”.
P- Por carta datada de 13/07/2005, enviada para a morada constante na missiva referida em O), a I…, S.A. comunicou àqueles que considerava o contrato resolvido por motivo que era exclusivamente imputável aos aqui autores.
Q- Encontra-se registada pela Ap. 43/…….. a aquisição provisória por natureza e por dúvidas a aquisição da fracção descrita na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob o n.º 3680/171298-B a favor de G… e H…, por compra.
R- A fracção descrita na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob o n.º 3680/171298-B corresponde à fracção aludida no acordo A) e B).
S- Por escritura pública lavrada em 04 de Agosto de 2005 a I…, S.A. declarou vender a G… e H…, que declararam comprar, a fracção autónoma descrita na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob o n.º 3680/171298-B.
T- I…, S.A. fez sua a quantia referida em F).
U- O prédio identificado no acordo aludido em A) e B) foi edificado, licenciado, constituída a propriedade horizontal e deferido o respectivo alvará de licença de utilização sob o n.º ../2002, em 27.02.2002.
V- Os Autores aquando da celebração do acordo aludido em A) e B) não pretendiam celebrar a escritura definitiva.
W- O documento escrito aludido em A) e B), que explana o acordo celebrado entre os ali outorgantes, foi elaborado e redigido por Início, sociedade de mediação imobiliária “F…, Ld.ª, que tem a marca “Início–resposta ao ponto 3º da base instrutória.
Y- O n.º Contribuinte ……… aludido em A) foi o n.º provisório atribuído a E…, S.A. aquando do início de actividade– resposta ao ponto 4º da base instrutória.
X- Em data anterior ao envio das missivas referidas em I), a Autora B… visitou pelo menos por três ou quatro vezes a fracção aludida em B)– resposta ao ponto 5º da base instrutória.
Z- Aquando da celebração do acordo aludido em A) e B) os autores pretendiam efectuar um negócio de investimento–resposta ao ponto 7º da base instrutória.
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III- O DIREITO
Antes de entrarmos na apreciação das questões colocadas no recurso, convém definir qual o regime legal que lhe é aplicável, face à entrada em vigor do novo Código de Processo Civil.
A acção judicial foi instaurada em Setembro de 2005 e a sentença foi proferida em 25/2/2013 e notificada às partes, via Citius, em 04/03/2013.
Como assim, aos recursos interpostos numa acção que tenha dado entrada antes de 01.01.08, e cuja decisão que se pretenda impugnar tenha sido proferida antes de 1 de Setembro de 2013, é aplicável o regime de recursos anterior ao DL 303/07, por força do disposto no artº 11º, nº 1 desse DL e artigo 7º, nº 1, da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.
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1ª - Questão prévia:
Nas respectivas alegações recursórias os Réus apelados viram levantar a questão da intempestividade das alegações apresentadas pelos Autores apelantes.
Notificados os Autores apelantes das contra-alegações não se pronunciaram sobre a referida questão prévia.
Não cremos, salvo o devido respeito, que as alegações recursórias apresentadas pelos Autores apelantes sejam extemporâneas, como defendem os Réus recorridos.
É verdade que, como alegam os Réus apelados, o prazo peremptório para a apresentação das alegações estatuído no artigo 689.º, nº 2 do CPCivil terminava no dia 25/04/2014.
Todavia, olvidaram que esse dia foi dia feriado e, como tal, nos termos do artigo 144.º nº 2 do CPCivil, esse prazo transferiu-se para o primeiro dia útil seguinte, ou seja, para o dia 28/04/2014.
Decorre, assim do exposto que quando no dia 01/05/2014, os Autores apelantes, apresentaram as suas alegações o fizeram dentro dos três dias subsequentes àquele termo, com o pagamento da respectiva multa (artigo 145.º, nº 5 do CPCivil), aliás, até o poderiam ter feito no dia 02/05/2014 porquanto o dia 1 de Maio também foi feriado.
Foram, pois, apresentadas tempestivamente as alegações recursórias dos Autores apelantes
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2ª – Questão prévia

Defendem também os Réus apelados que os Autores recorrentes não deram cumprimento aos ónus de especificação constantes dos nºs 1 e 2 dos artigos 690.º e 690.º-A do CPCivil.
É verdade que, nesse âmbito as alegações recursórias não primam pela clareza e cumprimento das determinações estatuídas nos normativos adjectivos supra citados, todavia, ainda assim se não pode dizer que nelas não tenham sido vertidas as razões de discordância sobre a subsunção jurídica da matéria factual feito pelo tribunal recorrido.
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Isto dito, analisemos então as questões que no recurso foram colocadas e pela ordem cronológica vertida nas respectivas alegações.

a)- saber se o tribunal fez ou não uma correcta subsunção jurídica dos factos que nos autos se mostraram assentes.

Importa, contudo, e antes de entrarmos na respectiva apreciação, dizer que na análise daquela subsunção apenas nos ateremos aos factos que o tribunal recorrido deu como assentes, pois que, jamais os Autores apelantes indicaram expressamente que a sua pretensão recursiva se dirigia também ao reexame da decisão proferida sobre a matéria de facto, que não impugnaram.
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Feita esta precisão que não é de somenos para a apreciação das questões colocadas no recurso, entremos então na respectiva análise.

1. Do incumprimento definitivo do contrato promessa.

a)- celebração de contra promessa com terceiro sobre o mesmo bem e seu registo provisório

Não vem posto em causa como decidido que entre os Autores apelantes e a sociedade E…, S.A foi celebrado um contrato promessa, sociedade que em 11.01.2000 alterou a sua denominação para I…, S.A. [facto descrito em H].
Define a lei este contrato como a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato, sendo-lhe aplicáveis as disposições legais que regulam o contrato prometido, exceptuadas as que, pela sua própria razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato promessa (art. 410.º, nº 1, do CC).
Do contrato promessa emerge como prestação devida a "emissão de uma declaração negocial destinada a celebrar o contrato prometido, ou seja, do contrato promessa emerge para os seus outorgantes a obrigação de realizar uma prestação de facto de outorgar no contrato prometido”.[1]
Mas, a par destes deveres jurídicos principais outros deveres acessórios e secundários necessariamente concorrem, nomeadamente, de as partes colaborarem entre si, e sempre de boa fé, para que as prestações principais, que, pela sua própria natureza das coisas têm de ser cruzadamente prestadas e em simultâneo, venham efectivamente a ter lugar (cfr. artigos 762.º, nº 2 e 813.º do CCivil).
Em sede de ampliação do pedido, como supra se mencionou no relatório, os Autores apelantes a título subsidiário, pedem que se declare resolvido o contrato-promessa celebrado com a interveniente, por incumprimento definitivo e culposo imputável à última, e, em consequência, se condene esta a restituir-lhes o sinal em dobro, no valor de 24.690,48 euros, acrescido de juros de mora, à taxa legal, que se vierem a vencer desde a notificação daquele articulado até integral e efectivo pagamento.
Este pedido, não foi acolhido pelo tribunal recorrido tendo sido julgado improcedente por se ter entendido que foram os Autores quem, ilícita e culposamente, incumpriram o contrato-promessa celebrado, levando à sua resolução válida e eficaz por parte da promitente-vendedora.
Ora, deste entendimento discordam os Autores recorrentes.
Não cremos, porém, salvo o devido respeito, que lhes assista razão.
Vejamos.
A Ré I…, S.A. por carta datada de 24/05/2005, para a morada constante do processo aludido em J) e K) como sendo a daqui Autora, convocando os aqui autores para a escritura pública de compra e venda, a realizar no dia 13/06/2005, pelas 14.30 horas, no Cartório Notarial de Vila do Conde [facto descrito em L].
Defendem os Autores recorrentes que não estavam obrigados a comparecer à escritura pública que foi agendada para o citado dia 13 de Junho de 2005 porque se encontra provado nos autos que a Ré I…, SA em 7 de Junho de 2005 declarou, na Conservatória do Registo Predial de Valongo, pretender vender a fracção objecto daquele contrato-promessa a G… e H…, pelo preço de € 77.500,00 euros encontrando-se desde 8 de Junho de 2005 a aquisição da fracção registada provisoriamente a favor de G… e H….
É correcta a factualidade supra descrita e invocada pelos Autores apelantes [cfr. facto descrito em Q)].
Todavia, pensamos, que isso não legitimava a sua não comparência para a outorga da escritura como lhe havia sido solicitado.
Na verdade, pese embora a celebração daquele contra promessa por parte da Ré I…, SA isso não obstaculizava a que esta promitente-vendedora tivesse, efectivamente, celebrado com os aqui Autores a escritura pública de compra e venda objecto do contrato-promessa sobre que versam os autos em 13 de Junho de 2005.
Desde logo, porque o contrato-promessa celebrado entre aquela mesma promitente-vendedora e os identificados G… e H… apenas tinha efeitos meramente obrigacionais desprovido que estava de eficácia real e, como tal não constituía facto impeditivo à celebração com eles do contrato de compra e venda relativo àquela fracção.
À semelhança do que noutro passo já se referiu, o contrato promessa é um acordo preliminar que tem por objecto uma convenção futura, o contrato prometido.
Mas em si é uma convenção completa, que se distingue do contrato subsequente.
Reveste, em princípio, a natureza de puro contrato obrigacional, ainda que diversa seja a índole do contrato definitivo.
Gera uma obrigação de prestação de facto, que tem apenas de particular consistir na emissão de uma declaração negocial.
Trata-se de um “pactum de contrahendo”.[3]
Tais contratos, não têm, em princípio, eficácia real (artigo 413.º do Código Civil).[4]
Ora, os efeitos de um contrato-promessa de compra e venda, a que as partes não atribuíram eficácia real, têm natureza obrigacional, vinculam somente os seus contraentes e são inoponíveis a terceiros detentores de direitos reais incompatíveis, ainda que adquiridos posteriormente.
Por outro lado, também a existência do registo provisório da aquisição da dita fracção, em nome daqueles promitentes compradores, não impedia a celebração daquela escritura de compra e venda entre a promitente vendedora e os Autores, tendo por objecto essa mesma fracção.
Afirmam os Autores que se tivessem comparecido na escritura e lhes fosse vendida a fracção, nada obstaria a que a R. I…, SA a vendesse novamente e, como tal, perderiam definitivamente o imóvel por força da aplicação das regras da prioridade do registo consignadas no artigo 6.º do Código de Registo Predial.
Não se põe em causa o estatuído no artigo 6º do Código de Registo Predial[5], todavia, os Autores apelantes esquecem que os registos se distinguem, quanto ao seu regime jurídico e correspectivos efeitos, em provisórios e definitivos, carácter esse de provisoriedade ou definitividade que produz efeitos distintos nas situações jurídicas constituídas.
Acontece que, requerido um registo pelo promitente-vendedor, com base num contrato-promessa com eficácia meramente obrigacional, deve o mesmo ser qualificado registralmente como aquisição antes de titulado o contrato, sendo a sua inscrição provisória por natureza, nos termos dos artigos 47.º, nº 1 e 3, e 92.º, nº 1, alínea g), ambos do Código do Registo Predial.
Por outro lado de acordo com o plasmado no artigo 10.º do citado diploma legal, os registos extinguem-se por caducidade ou cancelamento e, nos termos conjugados do disposto nos n.ºs 2 e 3, do artigo 11.º, também daquele diploma os registos provisórios caducam, automaticamente, se não forem renovados, no prazo máximo de 6 meses.
É verdade que, mesmo que a Ré I…, SA tivesse celebrado a escritura pública do imóvel em questão com os Autores, isso não era impeditivo para que vendesse a mesma fracção também aos referidos G… e H….
Discordamos, porém, dos recorrentes quando afirmam que perderiam definitivamente o imóvel por força da aplicação das regras da prioridade do registo.
Estatui o nº 3 do artigo 6.º do CRPredial estatui que “O registo convertido em definitivo conserva a prioridade que tinha como provisório” e o artigo 10.º do mesmo diploma refere que “Os efeitos do registo transferem-se mediante novo registo e extinguem-se por caducidade ou cancelamento”.
A questão que agora se coloca e esta: em que termos e circunstâncias se verifica aquela prioridade do registo provisório quando convertido em definitivo?
O ordenamento jurídico português desde há muito tempo–vd. o Código de Registo Predial de 1984 (Decreto Lei n.º 224/84)–contempla a inscrição provisória de aquisição e de constituição de hipoteca a favor de pessoa certa, antes de titulado o contrato translativo da propriedade (artigo 47.º já citado do CRP), representando essa inscrição, do ponto de vista registral, e segundo Mónica Jardim,[6] uma “reserva de lugar”, uma salvaguarda de prioridade condicionada à futura realização do contrato produtor de efeitos reais.
Mas como também anota aquela Autora, sendo esse o objectivo da figura, quando se analisa com mais pormenor esta hipótese de reserva de prioridade em sentido próprio, várias questões se colocam.
Quais sejam, a da medida e que o nosso sistema de direito substantivo suporta a possibilidade de se reservar a prioridade para um direito que ainda não nasceu? Qual o valor que deve ser reconhecido ao registo provisório de aquisição? A quem deve ser reconhecida legitimidade para solicitar o registo provisório de aquisição baseado em contrato-promessa?
No que tange ao valor do registo provisório de aquisição, entendem uns que significando aquele uma «reserva de lugar», tem um fim cautelar e de pré-protecção tabular. Apesar de a transferência do direito de propriedade se operar com o contrato futuro, e não com a declaração do titular registal ou com o contrato-promessa, quem passar a ser titular do registo provisório de aquisição pode opor a terceiros o direito que adquirir por efeito do futuro contrato, a partir do registo provisório e enquanto este não caducar.
Neste sentido–e para além do Conselho Técnico da Direcção Geral dos Registos e do Notariado-[7] se pronunciou o Ac. S.T.J. 15/5/01[8] em cujo sumário pode ler-se:
I– Celebrado o contrato promessa de um imóvel e obtida a inscrição provisória da aquisição, ao abrigo do artº 92º nº1 al.g) C.Reg.Pred., a posterior aquisição por escritura pública, antes da caducidade desse registo, mantém a prioridade que já tinha como provisória, nos termos do artº 6º nº3 do mesmo diploma.
II– Assim, mesmo que tenha sido efectuada e registada a penhora desse imóvel, antes da outorga da escritura de compra e venda, mas depois de feita aquela inscrição provisória, nem por isso a venda é ineficaz relativamente ao exequente.”
Porém, no Ac. S.T.J. 25/6/02 processo nº 01A4305[9] verificou-se logo uma mudança da aquele sentido decisório aí se tendo escrito:
O artigo 413º nº1 do Código Civil dispõe que à promessa de transmissão ou constituição de direitos reais sobre bens imóveis, ou móveis sujeitos a registo podem as partes atribuir eficácia real, mediante declaração expressa e inscrição no registo.
O número 2 daquele mesmo preceito, por seu lado, determina que deve constar de escritura pública a promessa a que as partes atribuam eficácia real; porém, quando a lei não exija essa forma para o contrato prometido, é bastante documento particular com reconhecimento da assinatura da parte que se vincula ou de ambas, consoante se trate de contrato-promessa unilateral ou bilateral.
Daqui resulta que o contrato-promessa de compra e venda que determinou o registo de aquisição provisória da propriedade de metade indivisa do imóvel em causa não tem eficácia real, quer porque tal efeito não lhe foi atribuído, pelas partes, quer porque só o poderia ter sido através de escritura pública.
Esta consequência não pode ser afastada pelo facto de o artigo 6,º, nº3 do Código do Registo Predial atribuir ao registo definitivo a prioridade que tinha como provisório. Sem eficácia real do contrato-promessa de compra e venda de imóveis apenas resultam direitos obrigacionais, já que a propriedade apenas se transfere com a celebração da escritura, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 408º nº1, 1316º e 1317º alínea a) do Código Civil.
Daí que o simples registo provisório de aquisição com base em contrato-promessa não possa ter o efeito de fazer retroagir a aquisição da propriedade à do registo provisório. Fá-lo se o direito substantivo o permitir, isto é se do contrato resultar uma garantia ou direito real, não se dele apenas resultarem direitos de natureza obrigacional. Acresce que nos termos do disposto no art.º 622º nº1 do Código Civil os actos de disposição dos bens arrestados são ineficazes em relação ao requerente do arresto, de acordo com as regras próprias da penhora, cujos efeitos são extensivos ao arresto”.
Doutrina que tinha, aliás, antecedentes no Ac. da Relação de Lisboa de 17/3/94[10] onde se escreveu que “os efeitos de um contrato promessa de compra e venda a que as partes não atribuíram eficácia real têm natureza obrigacional, vinculam somente os respectivos contraentes e são inoponíveis a terceiros detentores de direitos reais incompatíveis, ainda que adquiridos posteriormente” e que, o S.T.J., no Acórdão de 20-01-2009[11], acolheu ao considerar que não tendo o contrato-promessa de compra e venda, ainda que baseado num registo provisório de aquisição, eficácia real–art. 413º do Código Civil–vincula somente os seus contraentes e é inoponível a terceiros detentores de direitos reais incompatíveis, ainda que adquiridos posteriormente.
Portanto, decorre do exposto que mesmo na hipótese de a Ré I…, SA poder, de facto, proceder também à venda do imóvel em questão aos citados promitentes compradores, G… e H…, sem que o registo provisório tivesse caducado, nunca a regra da prioridade do registo, plasmada no citado artigo 6.º, nº 3 os podia favorecer, se os Autores tivessem celebrado a escritura pública de compra e venda para que foram convocados e procedessem ao registo de aquisição.
A impossibilidade legal de os Autores celebrarem o contrato definitivo de compra e venda, apenas ocorreu a partir do dia 04 de Agosto de 2005, altura em que a promitente-vendedora vendeu aquela fracção a G… e H….
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b)- promessa de venda feita livre de quaisquer ónus ou encargos

Defendem também os Autores apelantes, em abono da sua tese, que sempre não estariam obrigados a comparecer na escritura pública agendada pela simples razão de que, na cláusula oitava do contrato promessa, ficou consignado que “A prometida venda é feita livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades”, circunstância que também não foi atendida na decisão recorrida.
É correcto o conteúdo da cláusula oitava, constante do contrato, que os apelantes referem.
Não nos parece, porém, que sejam correctas as afirmações por eles expendidas neste âmbito.
Como bem referem os Réus recorridos, nas respectivas contra-alegações, os apelantes confundem o direito de recusar a outorga da escritura pública, quando nesse acto se verifique existirem quaisquer ónus ou encargos incidentes sobre o bem, com o direito de se recusarem a comparecer para a sua celebração.
Efectivamente, convocados os promitentes compradores para a escritura, é seu dever nela comparecerem, como é correspectivo dever da promitente vendedora, nesse acto notarial comprovar a inexistência de oneração.
Diga-se, aliás, que no acto notarial da escritura, compete ao Notário assegurar a sua legalidade, da qual é garante nos termos da lei, e por isso, é obrigado a advertir os outorgantes da existência e consequências de ónus, assistindo, só aí, aos promitentes compradores, recusar-se a celebrá-la (cfr. artigo 50.º, nº 3 do Código do Notariado).
Portanto, é um facto incontornável, que à celebração da escritura obsta apenas a existência, no momento da celebração, de quaisquer ónus ou encargos, e é isso que resulta da cláusula 8.ª do contra promessa de compra e venda.
Aliás, é inerente à natureza do contrato promessa ser deferido para o futuro o contrato definitivo, precisamente porque à data da promessa não é obrigatório sequer que o bem ao promitente vendedor pertença (como nem era o caso).
Torna-se, pois, patente que não incidindo sobre a promitente vendedora qualquer obrigação de, antecipadamente à celebração da escritura, cancelar os ónus não assistia aos promitentes compradores o direito de, antecipadamente, se recusarem a nela comparecerem.
Coisa diferente seria, se os AA. tivessem comparecido na escritura marcada para o dia 13 de Junho de 2005 e aí verificassem que sobre a fracção incidia ónus irremovível.
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c)- falta de notificação para a celebração da escritura pública

Referem a este propósito que o Autor C… tenha alguma vez recebido qualquer carta da parte dos R.R. ou que, por estes, tenha alguma vez sido interpelado judicial ou extrajudicialmente para outorgar a escritura em causa e mesmo notificado da resolução do contrato.
Também aqui, pensamos, salvo o devido respeito, que não assiste razão aos apelantes.
Vejamos.
Dúvidas não existem de que aquelas notificações feitas pela promitente-vendedora aos promitentes-compradores convocando-os para a escritura pública de compra e venda a realizar no dia 13/06/2005, pelas 14h30m, no Cartório têm carácter receptício e, como tal, encontram-se sujeitas ao regime jurídico estatuído no artigo 224.º do Código Civil.
Tal preceito consagra, como se sabe a teoria da recepção, em função da qual a declaração negocial que tenha um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder, temperada pela teoria do conhecimento, uma vez que, ainda que aquela declaração não seja recebida pelo seu destinatário ou ainda que o venha a ser posteriormente, a declaração negocial torna-se também eficaz logo que se torne conhecida do declaratário independentemente da sua recepção.
Acontece que, a declaração negocial é também eficaz quando só por culpa do destinatário não foi por ele recebida.
Ora, a este propósito escreve o Professor Mota Pinto[12] “o contrato está perfeito quando a resposta, contendo a aceitação, chega à esfera de acção do proponente, isto é, quando o proponente passa a estar em condições de a conhecer. Concretizando algo mais: quando a declaração de aceitação foi levada à proximidade do destinatário de tal modo que, em circunstâncias normais, este possa conhecê-la, em conformidade com os seus usos pessoais ou os usos do tráfico (v.g., apartado, local de negócios, casa); uma enfermidade, uma ausência transitória da casa ou do estabelecimento são riscos do destinatário. Não será preciso tanto, todavia, se, por qualquer meio, foi dele conhecida
Isto dito, fazendo o cotejo da factualidade apurada e, bem assim do teor do contrato-promessa celebrado junto aos autos a fls. 6 a 11, a Autora B… e o Autor C… indicaram nele residirem na mesma morada, mais concretamente, na … n.º ..–.ª Hab. .., Porto.
A promitente-vendedora remeteu para ambos os Autores as cartas datadas, respectivamente, de 15/03/2002 e 27/03/2002, para aquela morada, mas estas foram devolvidas.
Acontece que, pese embora tal devolução verifica-se do teor da certidão junta aos autos a fls. 178 a 220, que tendo a promitente-vendedora instaurado acção especial para fixação judicial de prazo contra os aqui Autores, indicou como residência de ambos a morada que por eles tinha sido indicada no contrato-promessa, sendo que, aí não foram citados.
Todavia, tendo a ali Ré B…, sido citada para os termos daquela acção, não na morada indicada no contrato promessa, mas naquela para a qual a promitente-vendedora veio a enviar as ulteriores cartas datadas, respectivamente, de 19/05/2005, 24/05/2005, 16/06/2005 e 29/06/2005 (cfr. alíneas K a O da matéria apurada), endereçadas a ambos os Autores, forçoso é concluir que a boa fé contratual reclamava, face ao quadro factual, que a promitente vendedora tivesse enviado, como enviou, aquelas cartas, não para a morada que os Autores indicaram naquele contrato-promessa como sendo a residência de ambos, mas para a morada onde a Autora B… foi citada para os termos daquela acção judicial.
Na verdade, tendo-se frustrado a citação de ambos os Autores no âmbito daquela acção judicial na referida morada indicada no contrato-promessa, era licito à Ré I…, SA, como ao comum do cidadão, extrair a ilação de que os Autores já ali não residiam, mas antes na morada onde a B… fora citada para os termos daquela acção.
Por outro lado, tendo os Autores B… Autor C… indicado, no contrato-promessa que celebraram, residirem na mesma morada, evidentemente que era legítimo à promitente-vendedora “I…” concluir, como concluiu, que ambos os Autores residiam, efectivamente, na mesma morada onde aquela B… fora citada para os termos daquela acção especial para fixação judicial de prazo e que, por conseguinte, tivesse enviado, como enviou, para essa morada as referidas cartas, as quais, de resto, foram sempre endereçadas a ambos os promitentes-compradores, ou seja, a ambos os aqui Autores para a referida morada, sem que, nas ulteriores respostas que se vieram a verificar, a Autora B… tivesse dito algo em contrário.
Como assim, se entretanto, a Autora B… mudou de residência e já não residia, como pretende não residir, na morada para onde foram remetidas as cartas datadas de 19 de Maio e de 24 de Maio de 2005, endereçadas, reafirma-se, para ambos os Autores, e, bem assim, se o Autor C… nunca residiu naquela morada, aquando do envio das mesmas pela promitente-vendedora, evidentemente que a não recepção daquelas cartas lhes é, única e exclusivamente imputável.
Desde logo, ao Autor C…, porque ao declarar, como declarou, no contrato-promessa que celebrou com a promitente-vendedora, a fls. 7, que tinha a mesma residência da Autora B…, não cuidou em informar a promitente vendedora da eventual alteração da sua morada logo que tal se verificou e, à Autora B…, porque para além de não ter o cuidado em comunicar à promitente-vendedora a alteração da morada que indicou no contrato-promessa celebrado, uma vez citada para os termos daquela acção especial para fixação de prazo na nova morada, caso dela se tivesse mudado, como afirma ter acontecido, não cuidou em indicar à promitente-vendedora esta nova alteração de morada para que pudesse nela ser contactada.
Diante do exposto e tendo por base o que acima se referiu nos termos do disposto no n.º 2 do art. 224º do Código Civil, ainda que ambos os Autores não tenham recebido aquelas cartas (o que não se encontra demonstrado nos autos), tal facto não lhes pode deixar de ser imputado e, por conseguinte, as notificações que aquelas cartas encerravam se têm por eficazes, sendo que, a aplicabilidade do nº 2 do citado preceito não está dependente de qualquer convenção de domicílio como defendem os recorrentes.
É preciso não esquecer como já supra se referiu num contrato as partes não assumem apenas obrigações principais, as obrigações que caracterizam essencialmente o tipo contratual e lhe correspondem.
Assumem ainda frequentemente obrigações secundárias ou acessórias que têm por finalidade criar condições para o cumprimento daquelas ou assegurar a integral satisfação do interesse visado por aquelas. Só o conjunto de todas as obrigações, principais, secundárias e acessórias permitirá cumprir o plano contratual e alcançar a composição de interesses que a partes tiveram presentes na negociação e em vista com a celebração do contrato.
Ora, estas obrigações não principais não necessitam de estar expressas no contrato, mas devem de resultar claramente da necessidade de salvaguardar e fazer cumprir os interesses e as finalidades subjacentes ao contrato. Nos casos de contratos cujo cumprimento é relegado para futuro e cujas obrigações dependem de uma série de procedimentos instrumentais, paralelos ao contrato mas indispensáveis para a criação de condições para o seu cumprimento, esses deveres secundários ou acessórios assumem especial relevância.
Por outro lado, o contrato e a relação negocial que lhe dá origem constituem uma relação especial entre as partes, na qual estas têm de estar de boa fé. Ao negociarem e contratarem as partes vinculam-se a uma relação mútua que provoca a interpenetração dos interesses e objectivos de cada uma. No seu espírito estará normalmente, se ambas estiverem de boa fé, a convicção de que a relação sempre cumprida e através desse cumprimento será alcançada a satisfação dos interesses recíprocos.
Como assim, decorrentes daquelas obrigações acessórias e norteados pelo princípio da boa fé, sempre se impunha aos Autores recorrentes que tivessem agido de outra forma e informassem a Ré, no contexto do programa negocial a que se vincularam, das suas moradas correctas se alteração delas se tivesse ocorrido, não assumindo uma atitude de passividade quanto a esta circunstância, para dela poderem tirar proveito em momento próprio.
Alegam ainda a este propósito que o Autor C… não mandatou ou passou procuração à Autora para o representar e para receber notificações ou responder às cartas ou interpelações dos Réus.
Evidentemente que este argumento é de todo irrelevante face ao que atrás se deixou afirmado, pois que, a resposta dada à questão colocada ex ante, ou seja, saber se o Autor C… havia sido notificado da carta expedida pela Ré I…, SA datada de 16/06/2005 e de todas as restantes, esvazia-o de conteúdo.
Ora, tendo-se concluído como se concluiu que ainda que ambos os Autores não tenham recebido aquelas cartas (o que não se encontra demonstrado nos autos), tal facto não lhes pode deixar de ser imputado e, por conseguinte, as notificações que aquelas cartas encerravam se têm por eficazes, de nada releva o argumento que os Autores apelantes trazem à liça.
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d)- interpelação admonitória

Neste segmento recursório defendem os Autores que jamais se poderiam considerar as cartas de 19 de Maio de 2005 e 24 de Maio de 2005 como interpelações admonitórias por falta do elemento cominatório.
Evidentemente que as cartas indicadas pelos apelantes datadas de 19/05/2005 e 24/05 do mesmo ano não são cartas admonitórias nem o tribunal recorrido isso afirmou, pois que, tal como resulta da decisão recorrida, apenas atribuiu, como contendo tais características, à carta enviada em 16/06/2005.
E essa contém, de facto, todos os requisitos legais fixados para a interpelação admonitória, na medida em que encerra: a) a intimidação dos Autores para o cumprimento; b) a fixação de um termo peremptório para o cumprimento–até 10 de Julho de 2005; e c) a comunicação de que a obrigação se terá definitivamente por não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo.[13]
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2º- Litigância de má fé

a)- questão prévia

Com o desiderato de ver sufragada a revogação da douta Sentença, no que concerne à sua condenação como litigantes de má fé, os ora apelantes procederam à junção de dois documentos em sede de Alegações de recurso.
A junção de documentos nos Tribunais Superiores, juntamente com as alegações de recurso, assume carácter excepcional, só sendo legalmente admissível verificado que esteja o condicionalismo a que aludem os artigos 693.º-B e 524.º do Código de Processo Civil, a saber:
a) quando a apresentação do documento não tenha sido possível até ao encerramento da discussão em 1ª instância (nº 1 do art. 524.º) ;
b) quando os documentos se destinam a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior (nº 2 do art. 524.º);
c) quando a junção se torne necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância (2ª parte, do nº 1, do artigo 693.º-B).[14]
Efectivamente, não estando em causa uma situação enquadrável na parte final do artigo 693º-B, preceito que se refere precisamente à junção de documentos com a alegação de recurso de apelação, esta só é possível nas situações excepcionais a que se refere o artigo 524.º e no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento da 1ª instância.
Por isso e não se tratando de documentos destinados a fazer prova de factos posteriores aos articulados, só se a necessidade da sua junção resultasse duma ocorrência posterior ao encerramento da discussão da causa é que estaria legitimada a sua apresentação com as alegações, conforme estabelece o nº 2 do artigo 524.º.
Ora, nada disso ocorre na situação sub júdice, aliás, nem os recorrentes aduzem qualquer fundamento para a sua junção dentro dos condicionalismos atrás referidos, pois que, como resulta das respectivas alegações a sua junção vem na sequência da questão referente à sua condenação como litigantes de má fé.
Por outro lado para além de taus documentos datarem de Junho de 2005, sempre a questão da sua admissibilidade tinha de assentar na alegação e, com base nela, a correspondente formulação de um juízo negativo de não impertinência ou desnecessidade, tudo com referência e a aferir pela vocação e aptidão do documento apresentado para fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa (artigo 523.º, nº 1 do CPCivil).[15]
Com efeito, a função dos documentos (prova documental) é, como claramente inculca a norma do n.º 1 do citado artigo 523.º, servir de meios de prova de factos que, de entre os alegados, possam suportar o direito exercitado na acção ou os fundamentos invocados na defesa.
Assim, a junção de documentos na fase de recurso só colhe justificação-só não é impertinente e desnecessária–quando os mesmos visem a modificação da fundamentação de facto da decisão recorrida ou quando o objecto da decisão coloque ex novo a necessidade de fazer a prova de factos com cuja utilização pelo julgador a parte não podia anteriormente contar.
No caso, e como atrás se referiu o documento não foi oferecido para prova de qualquer facto determinado ou para modificação de qualquer facto integrador da fundamentação de facto da decisão recorrida.
Cumpre, aliás, salientar que não obstante os Autores terem invocado os factos a tais documentos respeitantes na P.I. (instaurada no dia 26 de Setembro de 2005) jamais cuidaram de os juntar aos autos, como poderiam, aliás deveriam, ter feito, se entendiam que os mesmos eram relevantes para a boa decisão da causa, coisa que poderiam também ter feito a seguir à contestação quando nela forma confrontados com o pedido da sua condenação como litigantes de má fé.
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Em consequência, recusa-se a junção dos citados documentos nº 1 junto com as alegações recursivas e ordena-se o seu desentranhamento, condenando-se os recorrentes em multa que se fixa em 1 (uma) UC nos termos do art. 543.º, nº 1 do CPC e do art. 27º nº 1 e 3 do Regulamento das Custas Processuais.
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Dissentem os Autores da sua condenação como litigantes de má fé estribados essencialmente no facto de terem sido induzidos em erro pelo Registo Nacional de Pessoas Colectivas.
Quid iuris?
A lei enuncia no art. 456.º, nº 2 do CPCivil, as situações que qualifica como litigância de má-fé, considerando para esse efeito que litiga de má fé, quem:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
A lei especifica, assim, os comportamentos processuais susceptíveis de infringir os deveres de boa fé processual e de cooperação.
Os comportamentos processuais previstos no citado normativo passaram a ser sancionados quer sejam dolosos, quer se devam a negligência grave da parte ou do seu representante ou mandatário, podendo, por isso, fundar-se em erro grosseiro ou culpa grave.
Na análise deste instituto cumpre ter presente o seu enquadramento e inserção no sistema, no sentido de conseguir conciliar a faculdade de usar dos meios judiciais para fazer valer os “supostos” direitos, com a responsabilidade por lide temerária.
Alberto dos Reis[16] refere a este respeito: “Dizemos “supostos”, porque nunca se pôs, nem poderia pôr, como condição para o exercício do direito de acção ou de defesa que o autor ou o réu seja realmente titular do direito substancial que se arroga. Seria, na verdade, absurdo que se enunciasse esta regra: só pode demandar ou defender-se em juízo “ quem tem razão “; ou, por outras palavras, só é licito deduzir no tribunal pedidos ou contestações objectivamente fundados.
Só na altura em que o tribunal emite a sentença, é que vem a saber-se se a pretensão do autor é fundada, se a defesa do réu é conforme ao direito. De modo que exigir, como requisito prévio para a admissibilidade da acção ou da defesa, a demonstração da existência do direito substancial, equivalia, ou a cair numa petição de princípio, ou a fechar a porta a todos os interessados: aos que não têm razão e aos que a têm.
O Estado tem, pois, de abrir o pretório a toda a gente, tem de pôr os seus órgãos jurisdicionais à disposição de quem quer que se arrogue um direito, corresponda ou não a pretensão à verdade e à justiça”.
E na análise do instituto, nas considerações gerais, refere ainda, com mais propriedade: “[…]uma coisa é o direito abstracto de acção ou de defesa, outra o direito concreto de exercer actividade processual. O primeiro não tem limites; é um direito inerente à personalidade humana. O segundo sofre limitações, impostas pela ordem jurídica; e uma das limitações traduz-se nesta exigência de ordem moral: é necessário que o litigante esteja de boa fé ou suponha ter razão”.[17]
Pedro de Albuquerque[18] no seu estudo sobre litigância de má fé, salienta que: “[a] proibição de litigância de má fé apresenta-se, assim, como um instituto destinado a assegurar a moralidade e eficácia processual, porquanto com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça. O dolo ou má fé processual não vicia vontades privadas nem ofende meramente interesses particulares das partes envolvidas. Também não se circunscreve a uma violação sem mais do dever geral de actuar de boa fé. A virtualidade específica da má fé processual é outra diversa e mais grave: a de transformar a irregularidade processual em erro ou irregularidade judicial”.
A actual lei, como se referiu, passou a sancionar a litigância dolosa e a litigância temerária ou com negligência grave.
A opção legislativa mostra-se justificada no preâmbulo da lei-DL 29-A/95 de 12/12 - onde se dispõe:
Como reflexo e corolário do princípio da cooperação, consagra-se expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos”.
Pedro de Albuquerque[19] , salienta a este respeito, que: “[a] proibição de litigância de má fé assenta assim, de acordo com o preâmbulo, e na configuração que assume na lei actualmente em vigor, num princípio de natureza puramente processual: o princípio da cooperação que viria a ficar consignado no art. 266º CPC“.
Os art. 456º e seg. do CPC apenas dizem respeito a ofensas cometidas no exercício da actividade processual a posições também elas processuais ou ao processo em si mesmo.
Trata-se de uma ilicitude baseada na violação de posições e deveres processuais que, a serem atingidos, geram de imediato uma ilicitude sancionável independentemente da existência ou lesão de qualquer ilícito de direito substantivo.[20]
Contudo, apenas a actuação com culpa grave ou erro grosseiro e a lide dolosa, quando a violação é intencional ou consciente são susceptíveis de configurar a litigância de má-fé.
No geral concorda-se com o teor das considerações a este respeito vertidas na sentença recorrida.
Na verdade, se os Autores dúvidas tinham dúvidas sobre se a sociedade com quem contrataram era uma sociedade anónima, como efectivamente o é, ou se uma sociedade por quotas, o próprio teor daquele contrato-promessa que celebraram fornecia-lhes elementos, designadamente, o nº de contribuinte, a sede dessa sociedade, o nome e morada do Presidente do Conselho de Administração, que lhas permitia esclarecer.
Poder-se-ia ainda condescender que perante a resposta dada pelo Registo Nacional de Pessoas Colectivas os Autores tivessem ficado com alguma dúvida.
Todavia, para além da a promitente vendedora, entretanto redenominada para “I…, S.A.”, ter instaurado contra os Autores acção especial para fixação judicial de prazo, no âmbito da qual ambos foram citados, deixando assim de ter qualquer dúvida que a sociedade com quem contrataram no âmbito do contrato-promessa objecto dos autos era uma sociedade, sendo que, na respectiva petição inicial dessa acção são facultados elementos identificativos em relação à sociedade ali Autora, designadamente, o seu número de pessoa colectiva e sede que permitiam aos aqui Autores, ali Réus, certificar-se da natureza jurídica daquela sociedade e da sua existência jurídica, o certo é que em resposta à carta datada de 29 de Junho de 2005, junta aos autos a fls. 78, a promitente-vendedora “I…”, respondeu aos Autores advertindo-os que “no que respeita à alegada falta de existência jurídica da nossa empresa, cabe-nos esclarecer que a anterior sociedade E… sofreu alteração de denominação social, o que não se vê que possa ferir qualquer direito de V. Exªs, facto que foi objecto de registo, sob a matrícula …/……, que facilmente poderão confirmar junto da Conservatória de Registo Comercial do Marco de Canaveses”.
Ou seja, antes de terem intentado a presente acção judicial os Autores tinham ou podiam ter na sua posse se para tanto tivessem diligenciado, todos os elementos referentes à sociedade com quem tinha contratado.
Do exposto conclui-se que a conduta processual dos Autores merece censura como litigantes de má fé, nos termos do art. 456º/1/2 a) do CPCivil.
Parece-nos, contudo, que o montante da multa a este respeito fixado se mostra, ainda assim, algo exagerado levando em linha de conta a sua conduta ante as tentativas feitas junto do Registo Nacional de Pessoas Colectivas e que a nosso ver se mostraram exíguas face à todos os elementos que nessa altura os Autores já possuíam.
Destarte, parece-nos, adequado fixar e 5 UC o montante de tal multa em vez das 7 UC em eu o tribunal recorrido a fixou.
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Procedem, assim, em parte e neste segmento recursório as conclusões formuladas pelos Autores recorrentes.
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IV- DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente por provada e consequentemente revoga-se, em parte, a decisão recorrida no segmento referente à condenação dos Autores como litigantes de má fé fixando-se a respectiva multa em apenas 5 UC, mantendo-se quanto ao mais, conforme decidido.
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Custas da apelação por Autores e Réus na proporção do decaimento artigo 527.º, nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 6 de Outubro de 2014.
Manuel Domingos Fernandes
Caimoto Jácome
Macedo Domingues
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[1] Cfr. Almeida Costa, Contrato Promessa, Uma síntese do Regime Actual, separata da Revista da Ordem dos Advogados, Ano 50, I, pág. 41 e Acs. do STJ de 12/03/91 in BMJ nº 405, pág. 434 e Ac. da Relação do Porto de 19/01/93, in CJ tomo I, pág. 203.
[2] Como se sabe a oponibilidade erga omnes da promessa com eficácia real determina a invalidade ou ineficácia dos actos jurídicos realizados em sua violação, surge, portanto, um direito real de aquisição que prevalece sobre todos os direitos pessoais ou reais referentes à coisa desde que não se encontrem registados antes do registo do contrato promessa, sendo que, a alienação do imóvel não impede a execução específica.
[3] Cfr. Galvão Telles, “Direito das Obrigações”, 6ª edição, 83.
[4] 1. À promessa de transmissão ou constituição de direitos reais sobre bens imóveis, ou móveis sujeitos a registo, podem as partes atribuir eficácia real, mediante declaração expressa e inscrição no registo.
2. Deve constar de escritura pública a promessa a que as partes atribuam eficácia real; porém, quando a lei não exija essa forma para o contrato prometido, é bastante documento particular com reconhecimento da assinatura da parte que se vincula ou de ambas, consoante se trate de contrato-promessa unilateral ou bilateral”.
[5] Aprovado pelo Dec. Lei n.º 224/84, de 6/7 actualizado pela Lei 125/2013, de 30/8.
[6] O Registo Provisório de Aquisição–Comunicação feita na F.D.U.C., no Congresso de Direitos Reais, em 29/11/03, in ww.fd.uc.pt/cenor/textos/registoprovisoriodeaquisicao.pdf.
[7] Vd. Parecer proferido no processo n.º RP 296/2000.DSJ-CT, recolhido na base de dados da DGRN–Direcção Geral dos Registos e do Notariado–Publicações–BRN, II caderno, 10/2001, in http://www.dgrn.mj.pt/BRN -1995-2001/htm.
[8] In www.dgsi.pt.
[9] In www.dgsi.pt.
[10] In BMJ nº 435/883
[11] Proc. 08A3800, in www.dgsi.pt.
[12] In Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª ed., págs. 441 e 442.
[13] Cfr. Ac. STJ. de 28/02/1992, B.M.J., 414º, pág. 492.
[14] Os casos em que a sua junção se torna necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância são apenas aqueles em que, pela fundamentação da sentença, ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes de a decisão ter sido proferida.
[15] Cfr. neste sentido Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora pág. 515.
[16] In CPCivil Anotado Vol. II, págs. 258/259.
[17] Obra citada pág. 261.
[18] Responsabilidade Processual por Litigância da Má Fé Abuso de Direito e Responsabilidade Civil em Virtude de Actos Praticados no Processo, Almedina, pág. 56.
[19] Obra citada pág. 51.
[20] Pedro Albuquerque, obra citada pág. 52.