Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
79/13.5PASJM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NUNO PIRES SALPICO
Descritores: CRIME DE INJÚRIA
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DE FACTOS
Nº do Documento: RP2023060779/13.5PASJM.P1
Data do Acordão: 06/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No crime de injúrias a alteração de factos não é substancial quando os factos ocorrem entre os mesmos sujeitos, na mesma ocasião, sendo idêntica a atitude ofensiva à honra, tratando-se do mesmo crime em discussão, embora se apurem nomes diferentes.
II - A alteração de nomes, significa, por definição, uma “nova” discussão sobre a carga ofensiva, assim como sobre a oportunidade e o contexto em que foram proferidas; sendo a relevância típica inequívoca, existe, por isso, importante quebra do contraditório na falta comunicação prevista no artigo 358.º do Código de Processo Penal.
III - Para a definição do que sejam factos irrelevantes e da aplicabilidade, ou não, do regime previsto no artigo 358.º do Código de Processo Penal, o critério será o da relevância típica dessa alteração; também não se pode perder de vista, que o modo de execução do delito, por regra, tem, não só relevância típica, como também pode integrar a estratégia de defesa (com consequências na realização do tipo), na qual podem orbitar aspetos relativos ao espaço ou mesmo ao tempo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc.Nº79/13.5PASJM.P1
X X X
Acordam em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

No processo comum com intervenção do Tribunal Singular do 2º Juízo do Tribunal judicial de São João da Madeira, realizado julgamento foi proferida sentença julgando:
Pelo exposto, decide-se:
1. Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, na forma consumada, e concurso real de um crime de furto, previsto e punido pelo art. 203º/1 do Código Penal – 3 (três) meses de prisão - e dois crimes de injúria previstos e punidos pelo disposto no art. 181º/1do Código Penal – com 1 (um) mês e meio de prisão cada um -, na pena única de 5 (cinco) meses de prisão.
2. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelos demandantes civis e, consequentemente, condenar o arguido/demandado civil no pagamento àqueles da quantia de €300,00 (trezentos euros) a cada um, a título de danos não patrimoniais pela prática dos crimes de injúria;
3. Absolver o arguido/demandado do restante pedido civil.
* Custas na parte crime pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) U.C.´s – arts. 513º e 514º do Código de Processo Penal e 8º/5 do Regulamento das Custas Processuais.”
*
Não se conformando com a decisão, o arguido AA veio interpor recurso, com os fundamentos constantes da motivação e com as seguintes conclusões:
Motivando a impugnação da matéria de facto assim:
II – Do vício da insuficiência da matéria de facto dada como provada para a decisão:
O Douto Tribunal ad quo deu como provado no ponto 2) da Sentença o seguinte:
“Uma vez no seu interior, o arguido retirou e levou consigo 30,00€ (trinta euros), em notas e moedas, que se encontravam dentro de uma carteira guardada no móvel da sala comum”
Sucede que, no entender do arguido/recorrente, não foi efetuada prova quanto à efetiva ocorrência do furto, já que não existe nos autos prova objetiva quanto ao valor que alegadamente teria sido furtado.
Com efeito, o Assistente BB, ouvido em declarações, e relativamente aos factos ocorridos no dia 14/02/2014, referiu que apenas presenciou que o arguido saltou o muro da casa dos seus pais, mas não presenciou o furto propriamente dito, por isso, não pode testemunhar sobre a quantia que terá sido alegadamente furtada.
Acresce ainda que, o Assistente BB referiu ainda que, quando questionou a sua mãe, CC, sobre a quantia que foi furtada referiu que a sua mãe não disse que tinha sido 30,00€, disse que tinha sido menos, tendo dito que teria sido furtada apenas “umas moedas”.
Depoimento de BB, gravado em CD – Sessão de Julgamento de 16/01/2014, com Início: 10:36:36h e Fim: 11:03:56h (por referência à Acta de Audiência de Julgamento, gravação com referência: 20140116104235_110095_65127):
(…)
Minutos 01:23m a 04:44m:
Srª. Drª Juiz: E então o senhor vive onde? Vive com os seus pais?
BB: Vivo na casa dos meus pais.
Srª. Drª Juiz: Vive com os seus pais? Portanto, na mesma morada que o seu pai aqui deu Rua ..., ....
BB: Sim.
Srª. Drª Juiz: Pronto. E então diga lá. (…)
Srª. Drª Juiz: Pronto. Eu quero saber o que é que o senhor sabe que tenha presenciado dos factos que estão aqui.
BB: Presenciado, foi ele avançar o muro de minha casa.
Srª. Drª Juiz: Sim. E o que é que fez depois?
BB: E depois mais tarde eu falei com o meu pai e perguntei o que é que ele tinha lá roubado e o meu pai disse que ele parece que tinha roubado à minha mãe cerca de 30€.
Srª. Drª Juiz: Pronto. Então vamos por partes, isso aconteceu quando? Tem ideia?
BB: Sei que foi uma parte de tarde, foi à tarde, talvez 2, 3 horas da tarde, em fevereiro. Acho que foi em fevereiro.
Srª. Drª Juiz: Do ano passado?
BB: Sim, sim.
Srª. Drª Juiz: E o senhor viu-o de onde? O senhor estava onde?
BB: Eu passei de carro, eu passei de carro. Eu estava a trabalhar, mas tive de sair cá fora e passei de carro na minha rua que eu gosto de passar, porque ele anda lá sempre a tocar à campainha ou para avançar e a minha mãe como está sozinha eu nunca estou descansado. E passei lá de carro foi quando eu presenciei ele a avançar.
Srª. Drª Juiz: Então e não foi logo ver o que se passava? Se tem receio pela sua mãe está sozinha não tratou logo de ver o que é que se estava a passar?
BB: Ora bem eu quando eu passei com o carro e ele avançou, mas eu já tinha passado a rua porque eu vi pelo retrovisor e fui dar a volta ao quarteirão. Fui dar a volta ao quarteirão e eu tenho a chave de casa, abri mas ele já não estava lá.
Srª. Drª Juiz: Quando parou e foi lá dentro ele já não estava lá?
BB: Já não estava lá.
Srª. Drª Juiz: Então quem é que estava?
BB: Estava a minha mãe.
Srª. Drª Juiz: Só estava a sua mãe?
BB: E eu disse assim o AA entrou aqui e disse o AA entrou aqui e tirou dinheiro? E a minha mãe disse que sim. E eu perguntei quanto é que ele tinha tirado e a minha mãe falou não disse os 30€ disse menos. Depois mais tarde é que ela deve ter falado com o meu pai e eu perguntei ao meu pai e o meu pai disse que foram 30€, mas a minha mãe deve ter falado menos. Sei que foi menos, disse que foi pouca coisa, mas eu não me acreditei.
Srª. Drª Juiz: Mas ela disse um valor ou disse só pouca coisa?
BB: Foi umas moedas, disse assim umas moedas, mas eu não me acreditei porque sempre que ele vai ao porta-moedas tudo o que tiver aquilo desaparece tudo e a minha mãe tem sempre notas no porta-moedas.
(…)
Por outro lado, o ofendido DD, ouvido em declarações a este propósito, referiu que teria sido furtado a quantia de 30,00€, contudo também esta testemunha aludiu que “não estava em casa” na altura dos factos, sendo que a única pessoa que estaria em casa na altura dos factos teria sido a sua esposa, CC.
Depoimento da Testemunha DD, gravado em CD – Sessão de Julgamento de 16/01/2014, com Início: 10:37:46 e Fim: 10:41:47 (por referência à Acta de Audiência de Julgamento, gravação com a referência 20140116103745_110095_65127):
(…)
Minutos 0:46m a 03:54m:
Meritíssima Juiz: Sr. DD conhece aqui o sr. AA?
Testemunha: Sim, sim.
Meritíssima Juiz: É da sua família, ele?
Testemunha: É filho de uma sobrinha minha, foi lá criado em casa, até aos 16 anos, passaram todos por lá (…)
Sra. Procuradora: olhe sr. DD, nós estamos por aqui pelos factos que aconteceram no ano passado, o AA, sabe, a última vez que viu o AA foi quando?
Testemunha: O que se passou?
Sra. Procuradora: Não, quando viu o AA pela última vez? O AA não está cá em Portugal, pois não?
Testemunha: Segundo me chegou aos ouvidos, já há bastante tempo, ele está no Brasil.
Sra. Procuradora: Antes disso, ele foi, alguma coisa que fez o qual o sr. saiba que está cá?
Testemunha: São tantas coisas. Mas vamos a esta que é o que interessa.
Sra. Procuradora: Do ano passado?
Testemunha: Ele em fevereiro do ano passado, ele saltou o muro, porque ele é como as cabras, nunca entra pelo portão salta sempre. Saltou lá dentro, eu não estava em casa e foi direito a carteira da tia, porque ele sabe onde está tudo, e tirou 30€ que era o que lá estava, o que lá tinha. Tirou e saiu pela porta fora e disse para a semana quero mais aqui 20€, ainda por cima.
Sra. Procuradora: Mas disse a quem?
Testemunha: Como?
Sra. Procuradora: Mas a quem é que o AA disse isso?
Testemunha: A dizer à tia. Passou pela tia como se nada fosse.
Sra. Procuradora: Então o sr. DD não estava em casa?
Testemunha: Não, não estava, quando cheguei a casa, depois contaram-me da parte da tarde, fui almoçar, contaram-me a novidade. Já entrou ele, levou 30€, saltou o portão. O meu filho.
Sra. Procuradora: Mas quem é que lhe contou isso?
Testemunha: A minha esposa que me contou. Eles estavam todos lá na conversa sobre isso.
Sra. Procuradora: Porque ela estava em casa, quando o AA foi lá, foi?
Testemunha: Estava. Estava. Mas ele não liga nada, ele passa, roubava e andava. Ele até já roubou eu a dormir, infelizmente. Ele viu a saltar o muro, o meu filho pensou ficou na dúvida logo. Quando viu a saltar o muro, há problemas aqui. Era o que nós estávamos a discutir, quando ele chegou.
(…)
Por último, acresce referir que a única testemunha presencial dos factos ocorridos, CC, não foi ouvida.
Assim, atento os factos supra aludidos, não existe, no entender do arguido, nenhuma prova
direta sobre a ocorrência do furto, já que não foi produzida prova direta sobre a quantia que teria sido alegadamente furtada, apenas e tão-só mera prova indireta, sendo certo que, a prova produzida e que consta nos autos é díspar a este propósito, conforme se aludiu.
Ninguém assistiu ao referido furto, nem foi produzida qualquer outra prova direta, violando-se assim, o princípio do in dúbio pro reo e da livre apreciação da prova constante no artigo 127.º do CPP.
Atente-se que o Tribunal, só poderá decidir pela condenação do Arguido quando, pela prova produzida, consiga com o grau de certeza exigível, fazê-lo segundo o conceito de “prova para além da dúvida razoável”.
Assim, para que haja condenação em processo penal, exige-se um juízo de certeza e não um juízo de mera probabilidade.
Aliás, o STJ no Ac. de 07/11/1997 (proc. n.º 763/96) entende que “1- a determinação do valor, ainda que aproximado, do material objecto de subtracção, é indispensável para se poder proceder ao correcto enquadramento jurídico-penal das condutas dos arguidos e à fixação das respectivas punições. 2- Não tendo essa determinação sido feita, mas podendo e devendo tê-lo sido, verifica-se o vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão”.
E no Acórdão de 02/06/1999, o mesmo STJ refere que “A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada existe quando os factos provados são insuficientes para justificar a decisão assumida, ou quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que essa matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso submetido à apreciação do Tribunal, ou seja, no cumprimento de descoberta da verdade material, que lhe é imposto pelo normativo do art. 340.º do CPP, o tribunal podia e devia ter ido mais longe e, não o tendo feito, ficaram por investigar factos essenciais, cujo apuramento permitiria alcançar a solução legal e justa”.
Verifica-se, assim, nesta parte, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal, porquanto, da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos que, podendo e devendo terem sido indagados, seriam necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação (e da medida desta) – Cfr. entre outros os Acórdãos do STJ de 6/4/2000, in BMJ n.º 496, pág. 169 e de 13/1/1999, in BMJ n.º 483, pág. 49, citado no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 08-02-2017.
Na sequência de tudo o que foi dito, constatamos que não foi apurada qual a quantia furtada, logo não se pode sequer supor que terá havido ou não furto, pelo que recorrendo, ao in dúbio pro reo, deverá o Arguido ser absolvido da prática do crime de furto simples – o que ora se requer.
III – Do não preenchimento do crime de injúrias p. e p. no artigo 181.º, n.º 1 do CP, no que se reporta aos factos ocorridos no dia 27/12/2012:
O Douto Tribunal ad quo deu como provado, no ponto 4 da Sentença, que o Arguido proferiu a seguinte expressão em voz alta “Oh velha do caralho”, e que tal expressão preenche a previsão normativo do estatuído no artigo 181.º, n.º 1 do CP.
A Assistente deduziu acusação particular, relativamente a estes factos, tendo referido que o mesmo teria proferido a seguinte expressão “sua puta, velho do caralho”.
Sucede que, salvo o devido respeito, entende o Arguido que a expressão constante da matéria de facto dada como provada não preenche a previsão normativa e o elemento objetivo do crime de injúria estatuído no artigo 181.º, n.º 1 do C.P., essencialmente por não imputar à assistente qualquer facto ou juízo de desvalor.
Isto porque a expressão “velha” não corresponde a qualquer insulto ou juízo de desvalor, e
o arguido não disse para a assistente “vai para o caralho” ou outra idêntica, apenas utilizou a expressão “caralho”, sendo que, no entender do arguido, tal expressão “velha do caralho” pode ser considerada como uma mera manifestação de descontentamento, e quando muito uma manifestação de falta de civismo ou educação (cfr. Acórdãos do TRL de 17/12/1997 e de 5/5/2004, o Acórdão do STJ de 21/12/2006 ou o Acórdão do TRE de 21/7/2011).
Entende o recorrente, que os factos imputados ao arguido não são aptos a integrar a prática
do crime de injúria, porque a afirmação produzida deve ser entendida, não como uma injúria, mas antes como, expressão incluída num contexto de desentendimento que representa a afirmação de algum desagrado por uma determinada situação.
No fundo, tal expressão proferida, em público, num contexto de discussão, não pode ter outro sentido que não a de manifestação de desagrado, não assumindo carácter injurioso.
Na verdade, uma coisa é a grosseria, a má educação, a utilização de linguagem desbragada ou obscena e outra, bem diversa, é que tal comportamento, eticamente reprovavelmente e moralmente censurável, traduza um atentado à personalidade moral do interlocutor.
Com efeito, há que ter em consideração que “a ofensa à honra ou consideração não é suscetível de confusão com a ofensa às normas de convivência social, ou com atitudes desrespeitosas ou mesmo grosseiras, ainda que direcionadas a pessoa identificada, distinção que importa ter bem presente porque estas últimas, ainda que possam gerar repulsa social, não são objeto de sanção penal” (cfr. Acórdão do TRC de 06.01.2010, proferido no Proc. n°862/08.3TAPBL.C1).
No acórdão da Relação de Lisboa de 12/10/2000, decidiu que: «Tanto a doutrina como a jurisprudência são, desde há muito e de forma unânime, restritivas na avaliação do desvalor da ofensa considerando “que nem tudo aquilo que alguém considera ofensa à dignidade ou uma desconsideração deverá considerar-se difamação ou injúria punível” (cfr. Professor Beleza dos Santos, in «Algumas Considerações Sobre Crimes de Difamação e de Injúria» RU, Ano 92, p, 167) ou ainda “que nem todo o facto que envergonha e perturba ou humilha cabe na previsão das normas dos artigos 180° e 181°, tudo dependendo da intensidade ou perigo da ofensa”.
Conclui-se, assim, no entender do arguido, que a expressão por si utilizada é inócua, isto é,
deixa intocada a honra da assistente, importando ter em mente que o bem jurídico a que alude a incriminação a que se vem fazendo referência, não é por qualquer forma atingido, não se olvidando que o direito penal visa a tutela de bens jurídicos, pelo que qualquer conduta que não os afete é atípica, isto é, não é punível.
Por todos estes motivos, impõe-se a absolvição do arguido – o que ora se requer para todos os devidos efeitos legais.
IV - Da errada apreciação e valoração da prova produzida na audiência de julgamento e da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada:
Nos termos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, al. a) e n.º 4, do C.P.P., considera-se que foram incorretamente julgados, na medida em que da transcrição da matéria de facto dada como provada verifica-se que há factos como provados cuja redação enferma de erros, existindo, também factos que carecem totalmente de prova, designadamente:
- Artigos 2.º, 3.º, 7.º, 8.º, 9.º e 10.º da matéria de facto dada como provada, os quais deverão ser dados como não provados ou ver a redação alterada no sentido que se deixará
sumariamente explicitado supra.
Veja-se, então, escalpelizando:
Artigos 2.º e 3.º da matéria de facto dada como provada:
Facto provado no artigo 2.º: Uma vez no seu interior, o arguido retirou e levou consigo 30,00€ (trinta euros), em notas e moedas, que se encontravam dentro de uma carteira guardada no móvel da sala comum.
Facto provado no artigo 3.º: O arguido agiu deliberada e conscientemente, com o propósito de se apropriar da referida quantia monetária pertencente a DD, bem sabendo que a mesma não lhe pertencia e que agia contra a vontade do respectivo proprietário.
Relativamente a essa matéria, foi produzida prova dos depoimentos das testemunhas, BB e DD, em audiência de julgamento.
Sucede que, no entender do arguido/recorrente, não foi efetuada prova quanto à efetiva ocorrência do furto, já que não existe nos autos prova objetiva quanto ao valor que alegadamente teria sido furtado.
Com efeito, o Assistente BB, ouvido em declarações, e relativamente aos factos ocorridos no dia 14/02/2014, referiu que apenas presenciou que o arguido saltou o muro da casa dos seus pais, mas não presenciou o furto propriamente dito, por isso, não pode testemunhar sobre a quantia que terá sido alegadamente furtada.
Acresce ainda que, o Assistente BB referiu ainda que, quando questionou a sua mãe, CC, sobre a quantia que foi furtada referiu que a sua mãe não disse que tinha sido 30,00€, disse que tinha sido menos, tendo dito que teria sido furtada apenas “umas moedas”.
Depoimento de BB, gravado em CD – Sessão de Julgamento de 16/01/2014, com Início: 10:36:36h e Fim: 11:03:56h (por referência à Acta de Audiência de Julgamento, gravação com referência: 20140116104235_110095_65127):
(…)
Minutos 01:23m a 04:44m:
Srª. Drª Juiz: E então o senhor vive onde? Vive com os seus pais?
BB: Vivo na casa dos meus pais.
Srª. Drª Juiz: Vive com os seus pais? Portanto, na mesma morada que o seu pai aqui deu Rua ..., ....
BB: Sim.
Srª. Drª Juiz: Pronto. E então diga lá. (…)
Srª. Drª Juiz: Pronto. Eu quero saber o que é que o senhor sabe que tenha presenciado dos factos que estão aqui.
BB: Presenciado, foi ele avançar o muro de minha casa.
Srª. Drª Juiz: Sim. E o que é que fez depois?
BB: E depois mais tarde eu falei com o meu pai e perguntei o que é que ele tinha lá roubado e o meu pai disse que ele parece que tinha roubado à minha mãe cerca de 30€.
Srª. Drª Juiz: Pronto. Então vamos por partes, isso aconteceu quando? Tem ideia?
BB: Sei que foi uma parte de tarde, foi à tarde, talvez 2, 3 horas
da tarde, em fevereiro. Acho que foi em fevereiro.
Srª. Drª Juiz: Do ano passado?
BB: Sim, sim.
Srª. Drª Juiz: E o senhor viu-o de onde? O senhor estava onde?
BB: Eu passei de carro, eu passei de carro. Eu estava a trabalhar, mas tive de sair cá fora e passei de carro na minha rua que eu gosto de passar, porque ele anda lá sempre a tocar à campainha ou para avançar e a minha mãe como está sozinha eu nunca estou descansado. E passei lá de carro foi quando eu presenciei ele a avançar.
Srª. Drª Juiz: Então e não foi logo ver o que se passava? Se tem receio pela sua mãe está sozinha não tratou logo de ver o que é que se estava a passar?
BB: Ora bem eu quando eu passei com o carro e ele avançou, mas eu já tinha passado a rua porque eu vi pelo retrovisor e fui dar a volta ao quarteirão. Fui dar a volta ao quarteirão e eu tenho a chave de casa, abri mas ele já não estava lá.
Srª. Drª Juiz: Quando parou e foi lá dentro ele já não estava lá?
BB: Já não estava lá.
Srª. Drª Juiz: Então quem é que estava?
BB: Estava a minha mãe.
Srª. Drª Juiz: Só estava a sua mãe?
BB: E eu disse assim o AA entrou aqui e disse o AA entrou aqui e tirou dinheiro? E a minha mãe disse que sim. E eu perguntei quanto é que ele tinha tirado e a minha mãe falou não disse os 30€ disse menos. Depois mais tarde é que ela deve ter falado com o meu pai e eu perguntei ao meu pai e o meu pai disse que foram 30€, mas a minha mãe deve ter falado menos. Sei que foi menos, disse que foi pouca coisa, mas eu não me acreditei.
Srª. Drª Juiz: Mas ela disse um valor ou disse só pouca coisa?
BB: Foi umas moedas, disse assim umas moedas, mas eu não me acreditei porque sempre que ele vai ao porta-moedas tudo o que tiver aquilo desaparece tudo e a minha mãe tem sempre notas no porta-moedas.
(…)
Por outro lado, o ofendido DD, ouvido em declarações a este propósito, referiu que teria sido furtado a quantia de 30,00€, contudo também esta testemunha aludiu que “não estava em casa” na altura dos factos, sendo que a única pessoa que estaria em casa na altura dos factos teria sido a sua esposa, CC.
Depoimento da Testemunha DD, gravado em CD – Sessão de Julgamento de 16/01/2014, com Início: 10:37:46 e Fim: 10:41:47 (por referência à Acta de Audiência de Julgamento, gravação com a referência 20140116103745_110095_65127):
(…)
Minutos 0:46m a 03:54m:
Meritíssima Juiz: Sr. DD conhece aqui o sr. AA?
Testemunha: Sim, sim.
Meritíssima Juiz: É da sua família, ele?
Testemunha: É filho de uma sobrinha minha, foi lá criado em casa, até aos 16 anos, passaram todos por lá (…)
Sra. Procuradora: olhe sr. DD, nós estamos por aqui pelos factos que aconteceram no ano passado, o AA, sabe, a última vez que viu o AA foi quando?
Testemunha: O que se passou?
Sra. Procuradora: Não, quando viu o AA pela última vez? O AA não está cá em Portugal, pois não?
Testemunha: Segundo me chegou aos ouvidos, já há bastante tempo, ele está no Brasil.
Sra. Procuradora: Antes disso, ele foi, alguma coisa que fez o qual o sr. saiba que está cá?
Testemunha: São tantas coisas. Mas vamos a esta que é o que interessa.
Sra. Procuradora: Do ano passado?
Testemunha: Ele em fevereiro do ano passado, ele saltou o muro, porque ele é como as cabras, nunca entra pelo portão salta sempre. Saltou lá dentro, eu não estava em casa e foi direito a carteira da tia, porque ele sabe onde está tudo, e tirou 30€ que era o que lá estava, o que lá tinha. Tirou e saiu pela porta fora e disse para a semana quero mais aqui 20€, ainda por cima.
Sra. Procuradora: Mas disse a quem?
Testemunha: Como?
Sra. Procuradora: Mas a quem é que o AA disse isso?
Testemunha: A dizer à tia. Passou pela tia como se nada fosse.
Sra. Procuradora: Então o sr. DD não estava em casa?
Testemunha: Não, não estava, quando cheguei a casa, depois contaram-me da parte da tarde, fui almoçar, contaram-me a novidade. Já entrou ele, levou 30€, saltou o portão. O meu filho.
Sra. Procuradora: Mas quem é que lhe contou isso?
Testemunha: A minha esposa que me contou. Eles estavam todos lá na conversa sobre isso.
Sra. Procuradora: Porque ela estava em casa, quando o AA foi lá, foi?
Testemunha: Estava. Estava. Mas ele não liga nada, ele passa, roubava e andava. Ele até já
roubou eu a dormir, infelizmente. Ele viu a saltar o muro, o meu filho pensou ficou na dúvida logo. Quando viu a saltar o muro, há problemas aqui. Era o que nós estávamos a discutir, quando ele chegou.
(…)
Por último, acresce referir que a única testemunha presencial dos factos ocorridos, CC, não foi ouvida.
Assim, atento os factos supra aludidos, não existe, no entender do arguido, nenhuma prova
direta sobre a ocorrência do furto, já que não foi produzida prova direta sobre a quantia que teria sido alegadamente furtada, apenas e tão-só mera prova indireta, sendo certo que, a prova produzida e que consta nos autos é díspar a este propósito, conforme se aludiu.
Ninguém assistiu ao referido furto, nem foi produzida qualquer outra prova direta, pelo que não se pode dar como provado os factos vertidos nos artigos 2.º e 3.º, sob pena de violação do princípio do in dúbio pro reo e da livre apreciação da prova constante no artigo 127.º do CPP.
Atente-se que o Tribunal, só poderá decidir pela condenação do Arguido quando, pela prova produzida, consiga com o grau de certeza exigível, fazê-lo segundo o conceito de “prova para além da dúvida razoável”.
Assim, para que haja condenação em processo penal, exige-se um juízo de certeza e não um juízo de mera probabilidade.
Na sequência de tudo o que foi dito, constatamos que não foi apurada qual a quantia furtada, logo não se pode sequer supor que terá havido ou não furto.
Assim, em suma, a prova produzida supra identificada, impõe (e não apenas permite ou aconselha) “decisão diversa da recorrida”, concluindo-se que inexiste, meios probatórios seguros, que permitam dar como provado que o arguido furtou a quantia de 30,00€, razão pela qual, em obediência ao in dúbio pro reo, os factos dados como provados nos artigos 2.º e 3.º deverão ser dados como não provados e consequentemente o arguido absolvido do crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal – o que ora se requer para todos os devidos efeitos.
Artigos 7.º, 8.º, 9.º, e 10.º da matéria de facto dada como provada:
Facto provado no artigo 7.º: No dia 28 de Dezembro de 2012, quando, na Rua ..., em São João da Madeira, o assistente BB, que é filho de CC, se dirigiu ao arguido para lhe dizer que deixasse de perseguir a sua mãe e exigir-lhe dinheiro, o arguido, dirigindo-se-lhe, disse em voz alta: “filho da puta, eu mato-te!”.
Facto provado no artigo 8.º: O assistente BB é pessoa séria e trabalhadora, sendo como tal considerado no meio onde vive, tendo-se sentido vexado e humilhado pelo sucedido.
Facto provado no artigo 9.º: O arguido proferiu em ambas as situações descritas as palavras referidas em plena via pública, bem sabendo que assim ofendia os assistentes, os humilhava, causava-lhes medo, inquietação e mau-estar, o que quis e logrou.
Facto provado no artigo 10.º: O arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que praticava factos punidos pela lei penal.
Relativamente a essa matéria, a única prova produzida resulta do depoimento do próprio
Assistente BB, prestado em sede de audiência de julgamento.
Sucede que, no entender do arguido/recorrente, não foi efetuada com grau de certeza
objetiva, prova quanto às concretas expressões proferidas pelo mesmo, uma vez que o
Assistente referiu diversas expressões, todas dispares entre si.
Senão vejamos:
a) No auto de denúncia, o Assistente disse que o arguido terá afirmado “que é que tu
queres o filho da puta, mato-te já”.
b) No ponto 2) da Acusação particular deduzida pelo Assistente BB, junta aos autos a
13/06/2013 já consta outra expressão: “que é que queres, cabrão? Eu fodo-te todo… eu mato-te”.
c) Por sua vez, na audiência de julgamento, quando questionado pela Meritíssima Juiz ad quo, a primeira expressão que o assistente refere que o arguido tenha utilizado já é outra também diversa das anteriores: “o que é que queres, mato-te já, não sei o que não sei que mais”.
d) Mas a disparidade de expressões utilizadas continua, no seu próprio depoimento em sede de julgamento, após insistência da Meritíssima Juiz, o assistente alude à seguinte expressão: “o que é que tu queres ó filho da curta, mato-te já”.
Depoimento de BB, gravado em CD – Sessão de Julgamento de
16/01/2014, com Início: 10:36:36h e Fim: 11:03:56h (por referência à Acta de Audiência de Julgamento, gravação com referência: 20140116104235_110095_65127):
(…)
Minutos 08:30m a 12:52m:
Srª. Drª Juiz: Olhe depois o senhor fez alguma coisa? Foi falar com ele, fez alguma coisa?
BB: Ele, ah quando ele fez a espera à minha mãe e à minha prima entre o natal e o ano novo depois passado 2 dias ou que eu fui ter com ele. Fui ter com ele para falar nisso, que ele tinha de deixar a minha mãe de vez em paz e ele ainda começou aos insultos “o que é que queres, mato-te já, não sei o que não sei que mais”.
Srª. Drª Juiz: Então, mas tente lembrar-se, exatamente isso foi mais o menos em que altura?
BB: Foi em ..., mais ao menos em que altura? Foi passado prai 2 ou 3 dias mais ou menos.
Srª. Drª Juiz: Da situação?
BB: De ele ter feito a espera à minha mãe e à prima dela para lhe tirar dinheiro da carteira entre o natal e o ano novo.
Srª. Drª Juiz: Entre o natal e o ano novo. Isso aconteceu antes ou depois daquela situação de o dinheiro ter desaparecido, de ele ter ido lá buscar dinheiro a casa?
BB: Não, de ele ter avançado o muro?
Srª. Drª Juiz: Sim.
BB: Isso de avançar o muro foi prai em fevereiro. Avançar o muro foi depois.
Srª. Drª Juiz: Portanto, antes dessa situação de ele avançar o muro aconteceu essa conversa
é isso?
BB: Sim, sim, passado 2 dias de ele ter tentado tirar dinheiro à
minha mãe quando a minha mãe ia tomar o pequeno-almoço com minha prima, passado
cerca de 2 dias eu fui ter com ele para dizer que aquilo tinha de acabar.
Srª. Drª Juiz: Pronto e nessa altura o que é que exatamente ele lhe disse se recorda.
BB: Recordo, foi insultos.
Srª. Drª Juiz: Que insultos?
BB: Agressão física.
Srª. Drª Juiz: Mas isso agressão física não é nada. Eu queria que me dissesse exatamente as palavras que se recorda que ouviu.
BB: “o que é que tu queres ó filho da curta, mato-te já” mais o
menos isso, ele tem a mania do filho da curta.
Srª. Drª Juiz: Foi só isso?
BB: Foi, foi isso. Eu peguei eu disse eu vou tratar do teu caso na polícia e não paro mais e ele não ligou nada “vai lá, vai lá”.
Srª. Drª Juiz: Pronto, é que o que está aqui dito que ele disse nessa altura foi uma coisa um
bocadinho diferente disso que o senhor está a dizer.
BB: O que é que ele disse?
Srª. Drª Juiz: O que está aqui escrito, não sei, não sei o sr. é que sabe o que é que ele disse,
eu não estava lá, a srª doutora não estava lá, ninguém estava lá, só estava o senhor e ele.
Portanto, o que está aqui dito que ele terá dito não é exatamente isso que o senhor está adizer, está o “eu mato-te” sim é verdade, mas depois está outra coisa ou outras coisas e eu
gostava de saber se o senhor se recorda se ele disse mais alguma coisa. Foi isto?
BB: O que me lembro é isso e mais insultos por meio que eu quis esquecer.
Srª. Drª Juiz: Pronto, mas os mais insultos é que eu precisava de saber quais foram, se se recorda quais foram. Se não se recorda, olhe paciência. Já foi há algum tempo.
BB: Ele disse mato-te já, põe-te mas é a andar, mato-te já não sei o que.
Srª. Drª Juiz: Pronto. O que eu tenho aqui é “o que é que queres cabrão? Eu fodo-te todo,
eu mato-te”.
BB: Prontos, é isso.
Srª. Drª Juiz: Prontos é isso não.
BB: Olhe é isso, o que eu me lembrei agora foi isto.
Srª. Drª Juiz: Pronto, mas isto que eu disse foi dito ou não se lembra de todo que tenha sido dito?
BB: Lembro, lembro.
Srª. Drª Juiz: Agora que eu relembrei lembra-se? Ele disse a palavra cabrão ou não tem memória nenhuma que ele tenha dito a palavra cabrao?
BB: Eu acho que foi filho da curta.
Srª. Drª Juiz: Pronto, acha que foi filho da puta não foi? Mas não é da curta, ele disse mesmo filho da puta foi?
BB: Exato.
Srª. Drª Juiz: Pronto, não se recorda da palavra
BB: Não tenho a certeza, quer dizer, eu tenho a certeza que ele me chamou filho da puta.
Srª. Drª Juiz: Isso tem.
BB: Mas agora do cabrão
Srª. Drª Juiz: Cabrão não tem a certeza?
BB: Cabrão não tenho a certeza.
Srª. Drª Juiz: Pronto e o mato-te já ou eu mato-te. Ele falou em matar?
BB: Sim sim.
Srª. Drª Juiz: Pronto, muito bem, chega.
(…)
Ou seja, o assistente não se lembra da concreta expressão utilizada, tendo, inclusive, nos autos, apresentado versões completamente diversas das expressões utilizadas, tendo inclusive, e perante tantas discrepâncias, a Meritíssima Juiz ad quo acabado por ter de lhe
referir a expressão usada.
Da prova produzida decorre, ao contrário do que consta na Sentença que não foi conseguido lograr apurar com grau de certeza exigível, segundo o conceito de “prova para além da dúvida razoável”, a concreta expressão utilizada pelo arguido, atentas as inúmeras discrepâncias no depoimento do assistente.
Ademais, na acusação particular, consta que o Arguido/recorrente injuriou o Assistente BB, utilizando a expressão “cabrão”, contudo a Douta Sentença deu como provado que, o Recorrente chamou-lhe “filho da puta”, sem que tenha havido alteração substancial/ não substancial dos factos.
Na verdade, e na dúvida, o Douto Tribunal ad quo deveria apenas ter dado como não provado que o arguido tenha utilizado a expressão constante da acusação particular: “que é
que queres, cabrão? Eu fodo-te todo… eu mato-te”.
Assim, em suma, a prova produzida supra identificada, impõe (e não apenas permite ou aconselha) “decisão diversa da recorrida”, concluindo-se que inexiste, meios probatórios seguros, que permitam dar como provado os factos constantes do artigo 7.º, 8.º, 9.º e 10.º, razão pela qual, em obediência ao in dúbio pro reo, os factos dados como provados nesses artigos deverão ser dados como não provados e consequentemente o arguido absolvido do crime de injúria p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal – o que ora se requer para todos os devidos efeitos.

1) O arguido vem interpor recurso da douta sentença proferida pelo Douto Tribunal ad quo e pelo qual foi, a final, condenado, por discordar da mesma e por entender que ocorre, nulidade da Sentença nos termos do Art.º 379 nº 1, al. b) do CPP; vício da insuficiência da matéria de facto dada como provada para a decisão; não preenchimento do crime de injúrias p. e p. no artigo 181.º, n.º 1 do CP, no que se reporta aos factos ocorridos no dia 27/12/2012; errada apreciação e valoração da prova produzida na audiência de julgamento e da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e por mera cautela e hipótese académica, errada escolha e determinação da medida da pena.
Nulidade da Sentença nos termos do Art.º 379 nº 1, al. b) do CPP:
2) No ponto 2) da acusação particular deduzida pelo Assistente BB, consta que o recorrente injuriou o Assistente BB, utilizando a expressão “que é que queres, cabrão? Eu fodo-te todo… eu mato-te», contudo a Douta Sentença condenou-o por factos diversos dos descritos na acusação particular, dando como provado que, o Recorrente chamou-lhe “filho da puta, eu mato-te!”.
3) Tal facto constitui alteração substancial dos factos descritos na acusação particular, sendo que tal alteração não foi comunicada pelo Tribunal ad quo ao Recorrente.
4) Ainda que fosse a alteração dos factos não substancial, sempre estaria o Tribunal a quo
obrigado a dar cumprimento ao artigo 358.º ou 359.º do CPP, comunicando essas alteração ao recorrente, por forma a que este pudesse exercer a sua defesa e o direito que lhe assiste ao contraditório, dado ser aquela uma formalidade processual que pretende evitar as denominadas “decisões surpresa”.
5) A Sentença recorrida é nula, nos termos do disposto no artigo 379, n° 1, al. b) dado que
condenou o Arguido/recorrente por factos diversos dos descritos na acusação, ao dar como provado, no ponto 7) da Sentença que o mesmo injuriou o Assistente BB, utilizando a expressão “filho da puta”, sem que tenha feito a comunicação ao arguido da alteração dos factos, em violação do disposto nos artigos 358° e 359° do CPP – nulidade esta que ora se requer para todos os devidos efeitos legais.
Do vício da insuficiência da matéria de facto dada como provada para a decisão:
6) Entende o recorrente, no que respeita ao facto dado provado no ponto 2) da Sentença, não foi efetuada prova quanto à efetiva ocorrência do furto, já que não existe nos autos prova objetiva quanto ao valor que alegadamente teria sido furtado.
7) O Assistente BB, ouvido em declarações, e relativamente aos factos ocorridos no dia 14/02/2014, referiu que apenas presenciou que o arguido saltou
o muro da casa dos seus pais, mas não presenciou o furto propriamente dito, por isso, não pode testemunhar sobre a quantia que terá sido alegadamente furtada e que quando questionou a sua mãe, CC, sobre a quantia que foi furtada referiu que a sua mãe não disse que tinha sido 30,00€, disse que tinha sido menos, tendo dito que teria sido furtada apenas “umas moedas” (cfr. Depoimento de BB, gravado em CD – Sessão de Julgamento de 16/01/2014, com Início: 10:36:36h e Fim: 11:03:56h (por referência à Acta de Audiência de Julgamento, gravação com referência: 20140116104235_110095_65127), Minutos 01:23m a 04:44m, supra transcrito e que se dá aqui por integralmente reproduzido).
8) O ofendido DD, ouvido em declarações a este propósito,
referiu que teria sido furtado a quantia de 30,00€, contudo também esta testemunha aludiu que “não estava em casa” na altura dos factos, sendo que a única pessoa que estaria
em casa na altura dos factos teria sido a sua esposa, CC (cfr. Depoimento da Testemunha DD, gravado em CD – Sessão de Julgamento de 16/01/2014, com Início: 10:37:46 e Fim: 10:41:47 (por referência à Acta de Audiência de Julgamento, gravação com a referência 20140116103745_110095_65127), Minutos 0:46m a 03:54m, supra transcrito e que se deixa aqui integralmente reproduzido).
9) A única testemunha presencial dos factos ocorridos, CC, não foi ouvida.
10) Nenhuma prova direta sobre a ocorrência do furto, já que não foi produzida prova direta sobre a quantia que teria sido alegadamente furtada, apenas e tão-só mera prova indireta, sendo certo que, a prova produzida e que consta nos autos é díspar a este propósito.
11) Ninguém assistiu ao referido furto, nem foi produzida qualquer outra prova direta, violando-se assim, o princípio do in dúbio pro reo e da livre apreciação da prova constante no artigo 127.º do CPP.
12) Atente-se que o Tribunal, só poderá decidir pela condenação do Arguido quando, pela prova produzida, consiga com o grau de certeza exigível, fazê-lo segundo o conceito de “prova para além da dúvida razoável” – o que in casu não ocorreu.
13) Verifica-se o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal, porquanto, da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos que, podendo e devendo terem sido indagados, seriam necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação (e da medida desta).
14) Na sequência de tudo o que foi dito, constatamos que ninguém assistiu ao furto, não foi apurada qual a quantia furtada, nem foi produzida qualquer outra prova direta, logo não se pode sequer supor que terá havido ou não furto, pelo que recorrendo, ao in dúbio pro reo, deverá o Arguido ser absolvido da prática do crime de furto simples – o que ora se requer.
Do não preenchimento do crime de injúrias p. e p. no artigo 181.º, n.º 1 do CP, no que se reporta aos factos ocorridos no dia 27/12/2012:
15) O Douto Tribunal ad quo deu como provado, no ponto 4 da Sentença, que o Arguido
proferiu a seguinte expressão em voz alta “Oh velha do caralho”, e que tal expressão preenche a previsão normativo do estatuído no artigo 181.º, n.º 1 do CP, mas a Assistente deduziu acusação particular, relativamente a estes factos, tendo referido que o mesmo teria proferido a seguinte expressão “sua puta, velho do caralho”.
16) Entende o Arguido que a expressão constante da sentença não preenche a previsão normativa e o elemento objetivo do crime de injúria estatuído no artigo 181.º, n.º 1 do C.P., essencialmente por não imputar à assistente qualquer facto ou juízo de desvalor, isto porque a expressão “velha” não corresponde a qualquer insulto ou juízo de desvalor, e o arguido não disse para a assistente “vai para o caralho” ou outra idêntica, apenas utilizou a expressão “caralho”, sendo que, no entender do arguido, tal expressão “velha do caralho” pode ser considerada como uma mera manifestação de descontentamento, e quando muito uma manifestação de falta de civismo ou educação.
17) Entende o recorrente, que os factos imputados ao arguido não são aptos a integrar a prática do crime de injúria, porque a afirmação produzida deve ser entendida, não como uma injúria, mas antes como, expressão incluída num contexto de desentendimento que representa a afirmação de algum desagrado por uma determinada situação.
18) Uma coisa é a grosseria, a má educação, a utilização de linguagem desbragada ou obscena e outra, bem diversa, é que tal comportamento, eticamente reprovavelmente e moralmente censurável, traduza um atentado à personalidade moral do interlocutor.
19) Conclui-se, assim, no entender do arguido, que a expressão por si utilizada é inócua, isto é, deixa intocada a honra da assistente, importando ter em mente que o bem jurídico a que alude a incriminação a que se vem fazendo referência, não é por qualquer forma atingido, não se olvidando que o direito penal visa a tutela de bens jurídicos, pelo que qualquer conduta que não os afete é atípica, isto é, não é punível, pelo que impõe-se a absolvição do arguido – o que ora se requer para todos os devidos efeitos legais.
Da errada apreciação e valoração da prova produzida na audiência de julgamento e da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada:
20) Nos termos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, al. a) e n.º 4, do C.P.P., considera-se que foram incorretamente julgados, na medida em que da transcrição da matéria de facto dada como provada verifica-se que há factos como provados cuja redação enferma de erros, existindo, também factos que carecem totalmente de prova, designadamente:
Artigos 2.º, 3.º, 7.º, 8.º, 9.º e 10.º da matéria de facto dada como provada, os quais deverão ser dados como não provados ou ver a redação alterada no sentido que se deixará sumariamente explicitado supra.
21) No que respeita aos Artigos 2.º e 3.º da matéria de facto dada como provada e considerando que a prova produzida respeita aos depoimentos de BB e DD, o recorrente entende que não foi efetuada prova quanto à efetiva ocorrência do furto, já que não existe nos autos prova objetiva quanto ao valor que alegadamente teria sido furtado.
22) Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor das conclusões constantes dos pontos 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º e 14.º. por uma questão de economia processual.
23) A prova produzida supra identificada, impõe (e não apenas permite ou aconselha) “decisão diversa da recorrida”, concluindo-se que inexiste, meios probatórios seguros, que permitam dar como provado que o arguido furtou a quantia de 30,00€, razão pela qual, em obediência ao in dúbio pro reo, os factos dados como provados nos artigos 2.º e 3.º deverão ser dados como não provados e consequentemente o arguido absolvido do crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal – o que ora se requer para todos os devidos efeitos.
24) No que respeita aos Artigos 7.º, 8.º, 9.º, e 10.º da matéria de facto dada como provada e considerando que a prova produzida resulta do depoimento do próprio Assistente BB, prestado em sede de audiência de julgamento, entende o recorrente que não foi efetuada com grau de certeza objetiva, prova quanto às concretas expressões proferidas pelo mesmo, uma vez que o Assistente referiu diversas expressões, todas dispares entre si.
25) Ou seja, no auto de denúncia, o Assistente disse que o arguido terá afirmado “que é que tu queres o filho da puta, mato-te já”; no ponto 2) da Acusação particular deduzida pelo Assistente BB, junta aos autos a 13/06/2013 já consta outra expressão: “que é que queres, cabrão? Eu fodo-te todo… eu mato-te”.
26) Na audiência de julgamento, quando questionado pela Meritíssima Juiz ad quo, a primeira expressão que o assistente refere que o arguido tenha utilizado já é outra também diversa das anteriores: “o que é que queres, mato-te já, não sei o que não sei que mais”;
mas a disparidade de expressões utilizadas continua, no seu próprio depoimento em sede de julgamento, após insistência da Meritíssima Juiz, o assistente alude à seguinte expressão: “o que é que tu queres ó filho da curta, mato-te já” (cfr. Depoimento de BB, gravado em CD – Sessão de Julgamento de 16/01/2014, com Início: 10:36:36h e Fim: 11:03:56h (por referência à Acta de Audiência de Julgamento, gravação com referência: 20140116104235_110095_65127), minutos 08:30m a 12:52m supra transcritos e que se dão aqui por integralmente reproduzidos).
27) O assistente não se lembra da concreta expressão utilizada, tendo, inclusive, nos autos,
apresentado versões completamente diversas das expressões utilizadas, tendo inclusive, e perante tantas discrepâncias, a Meritíssima Juiz ad quo acabado por ter de lhe referir a expressão usada.
28) Da prova produzida decorre, ao contrário do que consta na Sentença que não foi
conseguido lograr apurar com grau de certeza exigível, segundo o conceito de “prova para
além da dúvida razoável”, a concreta expressão utilizada pelo arguido, atentas as inúmeras
discrepâncias no depoimento do assistente.
29) Na acusação particular, consta que o Arguido/recorrente injuriou o Assistente BB, utilizando a expressão “cabrão”, contudo a Douta Sentença deu como provado que, o Recorrente chamou-lhe “filho da puta”, sem que tenha havido alteração substancial/ não substancial dos factos, pelo que, na dúvida, o Douto Tribunal ad quo deveria apenas ter dado como não provado que o arguido tenha utilizado a expressão constante da acusação particular: “que é que queres, cabrão? Eu fodo-te todo… eu mato-te”.
30) Assim, em suma, a prova produzida supra identificada, impõe (e não apenas permite ou aconselha) “decisão diversa da recorrida”, concluindo-se que inexiste, meios probatórios seguros, que permitam dar como provado os factos constantes do artigo 7.º, 8.º, 9.º e 10.º, razão pela qual, em obediência ao in dúbio pro reo, os factos dados como provados nesses artigos deverão ser dados como não provados e consequentemente o arguido absolvido do crime de injúria p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal – o que ora se requer para todos os devidos efeitos.
31) Sem prescindir, por mera cautela, e hipótese académica, sempre será de se considerar, no que respeita a escolha e determinação da medida da pena, que a Meritíssima Juiz do tribunal recorrido, ao optar pela aplicação da pena de prisão, em vez da pena de multa, violou o disposto no artigo 70.º e 40.º do Código Penal, tendo, assim, infringido os princípios da proporcionalidade e da proibição do excesso.
32) O Douto Tribunal recorrido que, concluiu e justificou a opção pela aplicação da pena de prisão, pelo facto de o arguido ter antecedentes criminais e não ter comparecido na audiência de julgamento – o que salvo o devido respeito, é manifestamente insuficiente para fundamentar a aplicação da pena de prisão, ao invés da pena de multa.
33) O Tribunal só podia ter sido valorado o antecedente criminal, no que respeita ao crime
de roubo (único antecedente criminal por crime do mesmo tipo), e ainda assim, tratam-se de factos ocorridos há mais de 10 anos, aquando dos factos em causa nos presentes autos, tendo essa pena sido declarado extinta (cfr. ponto 11, a) dos factos dados como provados).
34) Entende o Recorrente que, no caso concreto, não foi devidamente fundamentada a opção pela pena de prisão, ao invés da pena de multa, e também quanto à prevenção geral e especial devem também ser relevados e ponderados, que os antecedentes criminais do recorrente são por crimes de diferente natureza, por crimes praticados há vários anos e não recentemente e porque as penas se mostram extintas pelo seu cumprimento e que ao contrário do aludido na sentença, a culpa não é intensa, atento o reduzido quadro de gravidade das situações e o reduzido prejuízo com as mesmas ocasionado.
35) Atentos os factos supra descritos, verifica-se que, tanto razões de prevenção geral, como de prevenção especial desaconselham, em concreto, a escolha e aplicação da pena de prisão, sendo certo que as finalidades de punição se mostram adequadas e suficientemente realizadas com a aplicação ao Arguido/recorrente de uma pena de multa.
36) Em resumo, decidindo como decidiu a sentença recorrida violou os princípios da presunção da inocência e do in dubio pro reu e, entre o mais, os artigos 70º, 71º, 227º, nº1 alíneas a), b) e c) e nº 3 do Código Penal e os artigos 127 e 379º do C.P.P.
Nestes termos e nos mais de direito, que V.ªs Ex.ªs suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, tudo com as consequências legais, com o que farão, como sempre, JUSTIÇA.
*
O Digno Procurador apresentou contra-motivação sustentando em síntese o seguinte:
O recorrente veio sustentar:
1) A nulidade da sentença nos termos do Art.º 379 nº 1, al. b) do CPP;
2) O vício da insuficiência da matéria de facto dada como provada para a decisão;
3) O não preenchimento do crime de injúrias p. e p. no artigo 181.º, n.º 1 do CP, no que se reporta aos factos ocorridos no dia 27/12/2012;
4) A errada apreciação e valoração da prova produzida na audiência de julgamento e a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
5) E discordando dos critérios da escolha e determinação da medida da pena. Salvo o devido respeito, afigura-se-nos que não assiste razão ao arguido.
Por economia processual dá-se aqui por integralmente reproduzida a matéria de facto considerada provada e não provada na sentença recorrida, bem como a respectiva motivação de facto.
O arguido começa por invocar a existência de nulidade da sentença nos termos do art.º 379 nº 1, al. b) do CPP, alegando que o Tribunal ad quo condenou-o por factos diversos dos descritos na acusação particular, no que respeita ao crime de injúria ocorrido no dia 28/12/2012 na pessoa do Assistente BB. Refere que foi dado como provado no ponto 7) da Douta Sentença que “No dia 28 de Dezembro de 2012, quando, na Rua ..., em São João da Madeira, o assistente BB, que é filho de CC, se dirigiu ao arguido para lhe dizer que deixasse de perseguir a sua mãe e exigir-lhe dinheiro, o arguido, dirigindo-se-lhe, disse em voz alta: “filho da puta, eu mato-te!”. Sucede que, no ponto 2) da Acusação particular deduzida pelo Assistente BB, junta aos autos a 13/06/2013 consta o seguinte: “De seguida, o arguido sem que nada o fizesse prever, proferiu as seguintes palavras: «que é que queres, cabrão? Eu fodo-te todo… eu mato-te»”. Ou seja, continua o recorrente, na acusação particular, consta que o Arguido/recorrente injuriou o Assistente BB, utilizando a expressão “cabrão”, contudo a Douta Sentença deu como provado que, o Recorrente chamou-lhe “filho da puta”. Tal facto constitui alteração substancial dos factos descritos na acusação particular, sendo que tal alteração não foi comunicada pelo Tribunal ad quo ao Recorrente. Fosse a alteração dos factos substancial ou mesmo não substancial, sempre estaria o Tribunal a quo obrigado a dar cumprimento ao artigo 358.º ou 359.º do CPP, comunicando essa alteração ao Arguido/recorrente, por forma a que este pudesse exercer a sua defesa e o direito que lhe assiste ao contraditório, dado ser aquela uma formalidade processual que pretende evitar as denominadas “decisões surpresa”. Ora, verifica-se que no ponto 2 da acusação particular deduzida pelo assistente BB contra o arguido é referido que “De seguida, o arguido sem que nada o fizesse prever proferiu as seguintes palavras: “O que é que queres cabrão? (…)”. Na sentença proferida foi considerado provado no ponto 7 que: “No dia 28 de Dezembro de 2012, quando, na Rua ..., em São João da Madeira, o assistente BB, que é filho de CC, se dirigiu ao arguido para lhe dizer que deixasse de perseguir a sua mãe e exigir-lhe dinheiro, o arguido, dirigindo-selhe, disse em voz alta: “filho da puta (…)”. Sobre a alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, dispõe o art. 359.º, do Código de Processo Penal que: “1 - Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa. 2 - Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa. 3 - O disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.” Sobre a alteração substancial dos factos descritos na acusação ou pronúncia estatui o art. 359.º, do Código de Processo Penal que: “(…)
.” Decorre do art. 379.º, do Código de Processo Penal que: “É nula a sentença (…) b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º; (…) 2 - As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º” Como refere Paulo Pinto de Albuquerque no “Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem” – 2.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, Lisboa 2008, págs. 966 e 967, em caso de alteração não substancial dos factos realizada na sentença recorrida, sem observância do disposto no art. 358.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ou em caso de alteração substancial dos factos realizada na sentença recorrida, sem observância do disposto no art. 359.º, do Código de Processo Penal, o tribunal de recurso deve ordenar a reabertura da audiência de julgamento, no primeiro caso, para cumprimento do disposto no art. 358.º, n.º 1, no segundo, para cumprimento do disposto no art. 359.º, n.º 2 e 3, não sendo possível a reabertura da audiência de julgamento com o mesmo tribunal, o julgamento deve ser repetido, dando-se então cumprimento ao disposto no art. 358.º, n.º 1 ou 359.º, n.º 2 e 3, consoante o caso. Como pode ler-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04.03.2020 proferido no processo n.º 127/18.2GAVFR.P1 “I - A alteração substancial dos factos pressupõe uma diferença de identidade, de grau, de tempo ou espaço, que transforme o quadro factual descrito na acusação em outro diverso, ou manifestamente diferente no que se refira aos seus elementos essenciais ou materialmente relevantes de construção e identificação factual, e que determine a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis. II - “Alteração não substancial” constitui uma divergência ou diferença de identidade que não transformem o quadro da acusação em outro diverso no que se refere a elementos essenciais, mas apenas, de modo parcelar e mais ou menos pontual, e sem descaracterizar o quadro factual da acusação, e que, de qualquer modo, não têm relevância para alterar a qualificação penal ou para a determinação da moldura penal; a alteração, para ser processualmente considerada, tem de assumir relevo para a decisão da causa.” No caso em apreço, na acusação particular o arguido é acusado pelo assistente de lhe ter chamado “cabrão”, o que foi considerado não provado na sentença, tendo sido antes considerado provado que o arguido chamou ao assistente “filho da puta”. Da acta de 27.01.14 da leitura da sentença proferida não consta que tenha sido feita ao arguido comunicação da alteração da expressão injuriosa dita pelo arguido ao assistente. Esta alteração é não substancial na medida em que o crime é o mesmo, estando em causa a mesma moldura penal.
No entanto, como a propósito se refere no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18.05.22 proferido no processo n.º 1582/17.3JAPRT.P1, “não é qualquer alteração que faz surgir o dever de comunicação. Como é sabido a acusação (ou a pronúncia, tendo havido instrução) deduzida define e fixa o objeto do processo não podendo o tribunal, em regra, atender a factos que não foram objeto da acusação, estando a sua atividade, quer a cognitiva, quer a decisória, limitada; vinculada tematicamente à acusação [3]. A observância da limitação temática produzida pela acusação que se estende à qualificação jurídica, salvas as exceções consignadas legalmente [4], constitui uma exigência da salvaguarda de um efetivo direito de defesa do arguido.
Daí o artigo 379º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Penal, cominar com a nulidade a sentença que condene por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e condições previstos nos arts. 358º e 359º do Código de Processo Penal.
Mas, então, se não é qualquer alteração que faz surgir o dever de comunicação, quando é que se impõe tal comunicação? Dos nºs 1 e 3, do artigo 358º, extrai-se que em cada caso concreto se deve equacionar se a omissão da comunicação impede a possibilidade de defesa eficaz do arguido, ou se, pelo contrário, não tem impacto negativo na estratégia de defesa, posto que ali se refere que em qualquer dos casos a comunicação apenas terá lugar se relevar para a decisão da causa. Está em causa, fundamentalmente, assegurar elementares direitos de defesa do arguido, evitando que ele seja surpreendido com uma condenação por factos que não constavam da acusação (ou pronúncia) ou suportada por uma qualificação jurídica distinta da que nela constava. Sobre a relevância desta afirma-se no Acórdão do TC n.º 279/95, de 31.05.1995, que «um exercício eficaz do direito de defesa não pode deixar de ter por referência um enquadramento jurídico-penal preciso» e a salvaguarda das garantias de defesa passa por proporcionar ao arguido a possibilidade de se pronunciar sobre as questões que, direta ou indiretamente, se repercutem na pretensão punitiva do Estado, como sucederá com a alteração da qualificação jurídica dos factos que lhe são imputados.” No caso em apreço, parece-nos que a aludida alteração não teve um impacto negativo na estratégia de defesa, não sendo relevante para a decisão da causa. Assim, ao contrário do alegado pelo arguido, afigura-se-nos que o tribunal não estava obrigado a comunicar a alteração mencionada, não sendo assim a sentença nula nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal. Em segundo lugar, o arguido refere que a sentença recorrida enferma do vício da insuficiência da matéria de facto dada como provada para a decisão. Refere o arguido que “O Douto Tribunal ad quo deu como provado no ponto 2) da Sentença o seguinte: “Uma vez no seu interior, o arguido retirou e levou consigo 30,00€ (trinta euros), em notas e moedas, que se encontravam dentro de uma carteira guardada no móvel da sala comum”. Sucede que, no entender do arguido/recorrente, não foi efetuada prova quanto à efetiva ocorrência do furto, já que não existe nos autos prova objetiva quanto ao valor que alegadamente teria sido furtado. Acresce ainda que, o Assistente BB referiu ainda que, quando questionou a sua mãe, CC, sobre a quantia que foi furtada referiu que a sua mãe não disse que tinha sido 30,00€, disse que tinha sido menos, tendo dito que teria sido furtada apenas “umas moedas”. Ora, salvo o devido respeito, é irrelevante o montante do dinheiro subtraído já que o arguido foi acusado e condenado pela prática de um crime de furto simples, previsto e punido pelo art. 203.º, n.º 1, do Código Penal (não obstante ter saltado o muro e haver escalamento, como o valor subtraído foi de diminuto valor por não ter excedido uma unidade de conta avaliada no momento da prática do facto, não funcionava a qualificativa do art. 204.º, n.º 2, al. e), do Código Penal, tendo em conta o disposto no n.º 4, do mesmo normativo conjugado com a al. c) do art. 202.º, do mesmo diploma. Pelo que nesta parte também não assiste razão ao arguido. Invoca em terceiro lugar o arguido que não está preenchido o crime de injúrias p. e p. no artigo 181.º, n.º 1 do CP, no que se reporta aos factos ocorridos no dia 27/12/2012. Diz o arguido que “O Douto Tribunal ad quo deu como provado, no ponto 4 da Sentença, que o Arguido proferiu a seguinte expressão em voz alta “Oh velha do caralho” e que essa expressão “não preenche a previsão normativa e o elemento objetivo do crime de injúria estatuído no artigo 181.º, n.º 1 do C.P., essencialmente por não imputar à assistente qualquer facto ou juízo de desvalor. Isto porque a expressão “velha” não corresponde a qualquer insulto ou juízo de desvalor, e o arguido não disse para a assistente “vai para o caralho” ou outra idêntica, apenas utilizou a expressão “caralho”, sendo que, no entender do arguido, tal expressão “velha do caralho” pode ser considerada como uma mera manifestação de descontentamento, e quando muito uma manifestação de falta de civismo ou educação (…), concluindo o arguido que “a expressão por si utilizada é inócua, isto é, deixa intocada a honra da assistente (…)”. Entendemos que não assiste razão ao arguido. Sobre o crime de injúria, dispõe o art. 181.º, do Código Penal que: “1. Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias.” Como a propósito refere Paulo Pinto de Albuquerque no “Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Universidade Católica Editora, Lisboa 2008, págs. 495 e segs., e 500 e segs., o bem jurídico protegido pelos crime de difamação e injúria é a honra que inclui a reputação e o bom nome que a pessoa goza na comunidade e a dignidade inerente a qualquer pessoa, independentemente do seu estatuto social. Trata-se de crimes de dano, quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido e de mera actividade, quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção. O tipo objectivo inclui a imputação de um facto ofensivo da honra a outra pessoa, a formulação de um juízo ofensivo da honra de outra pessoa ou a reprodução daquela imputação ou deste juízo. O tipo subjectivo admite qualquer tipo de dolo. Ora, como bem refere a Mma. Juiz na fundamentação de direito – integração jurídico criminal dos factos, que damos aqui por integralmente reproduzida, “(…) De igual forma atenta contra a honra e consideração de uma pessoa a expressão vernácula “oh velha do caralho”, não apenas pelo seu conteúdo objectivamente depreciativo, de mais a mais no contexto em que é proferida – na sequência de uma recusa insistente de dinheiro e acompanhada de um empurrão -, como pela humilhação que representa para quem a ouve que, sendo no caso idosa (81 anos de idade), vê exposta de forma ofensiva e agressiva a sua avançada idade. De resto, o arguido proferiu tais expressões sabendo que ofendia os assistentes e com intenção de os ofender na sua honra e consideração, o que logrou, deixandoos vexados e humilhados.” Assim, não se compreende como o arguido considera a expressão mencionada dirigida à assistente como inócua e não integrante do crime de injúria. Invoca o arguido em quarto lugar uma errada apreciação e valoração da prova produzida na audiência de julgamento e a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, referindo que carecem totalmente de prova os factos considerados provados nos artigos 2.º, 3.º (respeitantes ao crime de furto), 7.º, 8.º (respeitantes ao crime de injúria ao assistente), 9.º (respeitantes aos crime de injúria aos assistentes) e 10.º (respeitante aos crimes de furto e de injúria), transcrevendo parte dos depoimentos prestados pelo assistente BB e pela testemunha DD. Como se refere também a propósito no já citado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18.05.22 proferido no processo n.º 1582/17.3JAPRT.P1 e que se nos afigura ter inteira aplicação no caso em apreço, “Como é sabido a matéria de facto pode ser sindicada de dois modos: 1º no âmbito restrito, mediante a arguição dos vícios decisórios previstos no art. 410º, nº 2, do Código Processo Penal (diploma a que pertencem as disposições que, doravante, vierem a ser citadas sem indicação de origem), cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo, por isso, admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar, ainda que se trate de elementos existentes nos autos e até mesmo provenientes do próprio julgamento, a chamada revista alargada; 2º) na impugnação ampla, com base em erro de julgamento, nos termos do art. 412º, nºs 3, 4 e 6, caso em que a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência. Vejamos, pois, este modo de sindicância da matéria de facto, único invocado pela recorrente. Nos termos do art. 428º, nº 1, as Relações conhecem de facto e de direito e de acordo com o artigo 431º “Sem prejuízo do disposto no artigo 410º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do nº 3, do artigo 412º; ou c) Se tiver havido renovação da prova.” Por outro lado, dispõe o art.412º, nº 3 que “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.”. No nº 4 que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.” E no nº 6 “No caso previsto no nº 4 o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa Quanto a esta última modalidade de impugnação impõe-se pois ao recorrente o dever de especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa. Tal ónus tem de ser observado para cada um dos factos impugnados, devendo ser indicadas em relação a cada facto as provas concretas que impõem decisão diversa e bem assim tem de ser referido qual o sentido em que devia ter sido produzida a decisão. Posto isto, cabe referir que o reexame da matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento, mas apenas sindicar aquele que foi efetuado, despistando e sanando os eventuais erros procedimentais ou decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso [11] . Com efeito, o recurso da matéria de facto não representa um novo julgamento (o que só ocorre nos casos restritos de renovação da prova em segunda instância, nos termos do art. 430º). A impugnação da matéria de facto constitui um meio de reparar eventuais vícios de julgamento em primeira instância, tendo sempre em atenção que neste último o tribunal dispõe da oralidade e da imediação como princípios basilares na recolha dos elementos probatórios e, por isso, em melhores condições de avaliar a validade e a credibilidade de um documento, ou de um depoimento, quer de um declarante, quer de uma testemunha, quer mesmo de um arguido. O juízo de credibilidade das provas oralmente produzidas depende logicamente do carácter, da postura e da integridade moral de quem as presta, não sendo tais qualidades apreensíveis mediante leitura, exame e análise das peças processuais onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto com as pessoas. Daí que, por regra, o tribunal de recurso deva adotar o juízo valorativo formulado pelo e no tribunal a quo [12].” No caso dos presentes autos, salvo o devido respeito, as transcrições que o arguido efectuou não bulem com as considerações expendidas pela Mma. Juiz na motivação da sentença que nos dispensamos de transcrever, não havendo aqui como referido no citado Acórdão para outra situação mas que como já referido tem inteira aplicação no caso concreto “motivos objetivos que justifiquem a modificação da matéria de facto impugnada e determinem o afastamento do raciocínio lógico desenvolvido pelo tribunal a quo”, afigurando-se-nos que os factos que o recorrente pretende impugnar “foram corretamente julgados e a prova criticamente apreciada, com respeito pelo princípio geral da livre apreciação da prova e da convicção do julgador, posto que a factualidade dada como provada e não provada foi sustentada pela concatenação de toda a prova produzida. Daí que não se vislumbram razões para sobrepor o juízo interpretativo do recorrente referente àquela prova, ao que foi alcançado na decisão impugnada, nem se mostram incumpridas as regras da experiência comum, entendendo-se assim que a decisão da matéria de facto se deverá manter inalterada, respeitando a convicção pessoal do julgador no âmbito do uso do principio que vigora neste domínio, o da livre apreciação da prova vertido no art.127º, não nos merecendo aquela qualquer reparo ou censura.” A sentença recorrida “efetuou um exame critico, exaustivo e consistente às provas produzidas, tendo o tribunal a quo formado a sua livre convicção, quanto ao modo como os factos ocorreram, no sentido dado como provado. Ora, a decisão recorrida só seria de alterar se fosse notório que as provas não conduziriam àquela decisão, o que, in casu, não sucedeu, ou seja, se a prova indicada pelo recorrente infirme ou invalide, de modo inequívoco e inabalável, a decisão que foi tomada pelo julgador. Ao caso é irrelevante se a interpretação que o recorrente faz da prova é diversa da interpretação do julgador [13]. O tribunal acreditou na versão dos factos dada como provada, conjugando todos os elementos de prova produzidos (…) à luz das regras da experiência comum, não se vislumbrando, pois, desconformidades entre a prova produzida e a perceção que dela foi feita, nem tão pouco violação das regras e/ou dos princípios de direito probatório. No essencial, o recorrente limita-se a questionar a convicção adquirida pelo tribunal recorrido, sendo consabido que o tribunal superior, no recurso da matéria de facto, só pode alterar o decidido pela primeira instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida. Em regra, essa decisão diversa apenas ocorrerá quando o tribunal der como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha ou declarações de um arguido e o mesmo nada sobre ele declarou ou referiu o contrário do que foi dado provado, quando não foi feita qualquer prova sobre o facto dado como provado, se dá como provado um facto com base em provas insuficientes para a sua prova, nomeadamente com violação das regras de prova e em todas as demais situações em que, fora do contexto da livre convicção (limitado pelas regras da experiência comum e prova vinculada), resulta evidente ou é flagrante que o tribunal errou, no julgamento da matéria de facto, em função das provas produzidas.” A sentença ora posta em crise está “devidamente fundamentado, aí se procedendo à indicação e apreciação crítica da prova produzida, como resulta da respetiva motivação, fazendo-se uma análise detalhada de todos os meios de prova considerados (…) , tudo ponderado de acordo com as regras da experiência comum, como impõe o citado art. 127º, segundo o qual, “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. Rege, aqui, o princípio da livre apreciação da prova, segundo o qual o tribunal aprecia toda a prova produzida e examinada com base exclusivamente na livre apreciação da prova e na sua convicção pessoal, sem critérios legais predeterminantes de valor probatório, salvas as exceções legalmente previstas (exemplo, prova pericial). Por isso, o juiz é livre de relevar, ou não, elementos de prova que sejam submetidos à sua apreciação e valoração. Quando a prova seja, exclusiva ou essencialmente, declarativa, ao tribunal de recurso cabe aferir se os juízos de racionalidade, de lógica e de experiência confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar. Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida deve ser modificada. Contudo, a liberdade conferida ao julgador na apreciação da prova não visa criar um poder arbitrário e incontrolável, nem a valoração da prova é uma operação emocional ou intuitiva [14]. Posto isto, vigorando o princípio da livre apreciação da prova, a mera valoração da prova feita pelo recorrente em sentido diverso do que lhe foi atribuído pelo julgador não constitui, só por si, fundamento para se concluir pela sua errada apreciação. O recorrente mais não faz do que manifestar a sua discordância sobre o modo como o tribunal avaliou a prova, divergindo da interpretação dada pelo julgador. (…)” Assim, ao contrário do alegado pelo arguido, nenhuma censura nos merece a referida factualidade considerada provada. Em quinto lugar, o arguido põe em causa o entendimento do tribunal recorrido ao optar pela pena de prisão em relação a qualquer dos crimes em concurso, em vez da pena de multa, tendo dessa forma sido violado o disposto nos artigos 70.º e 40.º do Código Penal e sido infringidos os princípios da proporcionalidade e da proibição do excesso, considerando insuficiente a opção pela aplicação da pena de prisão pelo facto de o arguido ter antecedentes criminais e não ter comparecido na audiência de julgamento. Só podia ter sido valorado o antecedente criminal no que respeita ao crime de roubo (único antecedente criminal por crime do mesmo tipo, cuja pena está extinta), e ainda ter-se em conta que os factos ocorreram há mais de 10 anos. Diz ainda o arguido que a decisão sobre a pena de prisão, ao invés da pena de multa não foi devidamente fundamentada por crimes e ao contrário do aludido na sentença, a culpa não é intensa, atento o reduzido quadro de gravidade das situações e o reduzido prejuízo com as mesmas ocasionado. Conclui o arguido referindo que tanto as razões de prevenção geral, como as de prevenção especial desaconselham, em concreto, a escolha e aplicação da pena de prisão, sendo certo que as finalidades de punição se mostram adequadas e suficientemente realizadas com a aplicação ao Arguido/recorrente de uma pena de multa. Afigura-se-nos que também quanto à pena aplicada ao arguido não lhe assiste razão. Ao contrário do alegado pelo arguido, a sentença recorrida também nessa parte está devidamente fundamentada. Concordamos integralmente com as considerações efectuadas pela Mma. Juiz quanto à fixação da pena de prisão em detrimento da pena de multa que por isso damos por integralmente reproduzidas. Pelo que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida.
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Neste tribunal de recurso o Digno Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu, Em síntese, alega o recorrente que: - a sentença recorrida é nula por não se ter dado cumprimento ao artigo 358.º do Código de Processo Penal, no que concerne ao crime de injúria por que foi condenado e em que é ofendido o assistente BB; - e padece, também, do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, do artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal; - acresce que não se encontra preenchido o tipo legal do crime de injúria do artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal, no que se reporta aos factos ocorridos no dia 27/12/2012, em que é ofendida a assistente EE; - houve, ainda, errada apreciação e valoração da prova produzida na audiência de julgamento; - bem como errada escolha e determinação da medida das penas.
O Ministério Público na primeira instância respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência. Antecipamos que se entende que deverá proceder a primeira objeção do recorrente, no que diz respeito à nulidade da sentença sob censura.
Vejamos: Começa o arguido AA por referir que o tribunal recorrido deu como provado factualismo que não constava do libelo acusatório. Na verdade, consta da factualidade provada, mais concretamente do ponto 7, que “no dia 28 de dezembro de 2012, quando, na Rua ..., em São João da Madeira, o assistente BB, que é filho de CC, se dirigiu ao arguido para lhe dizer que deixasse de perseguir a sua mãe e exigir-lhe dinheiro, o arguido, dirigindo-se-lhe, disse em voz alta: “filho da puta, eu mato-te!”. Porém, na acusação particular deduzida pelo assistente BB contra o arguido AA consta que as expressões que este lhe dirigiu, nas circunstâncias de tempo e lugar referidas, foram as seguintes: “Que é que queres cabrão? Eu fodo-te todo…eu mato-te”. A censura do recorrente afigura-se-nos pertinente, uma vez que efetivamente a factualidade dada como assente no que diz respeito à expressão “filho da puta” não consta da acusação particular deduzida pelo assistente BB e acompanhada pelo Ministério Público. Ora, dispõe o artigo 379.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal que: “é nula a sentença que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º». Com esta cominação visa-se a salvaguarda da estrutura acusatória do processo penal, consagrada no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, o qual dispõe: “o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório”. Por força da referida estrutura acusatória do processo, o juiz de julgamento encontra-se tematicamente vinculado, em relação ao objeto do processo (thema decidendum), aos poderes de cognição (thema probandum) e aos limites da decisão, pela acusação ou pela pronúncia, o que constitui, para o arguido, uma garantia de defesa. Tal implica, nomeadamente, a proibição de condenação por factos diversos dos da acusação ou pronúncia, sem o arguido ter podido contraditar os respetivos fundamentos. É à luz da preservação das garantidas de defesa constitucionalmente reconhecidas (artigo 32.º, n.º 1, da CRP), que se justificam os cuidados postos pelo legislador nas situações de alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, quer a nível substancial (artigo 359.º do CPP), quer não substancial (artigo 358.º), equiparando a esta última a alteração da qualificação jurídica dos factos ( cfr. o n.º 3 do artigo 358.º). A definição de “alteração substancial de factos” mostra-se consignada na alínea f) do artigo 1.º do Código de Processo Penal, como sendo “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”.
Não fornecendo a lei a definição de alteração não substancial, a sua delimitação terá que ser definida por contraposição com a alteração substancial, ou seja, aquela que «consubstanciando embora uma modificação dos factos constantes da acusação ou da pronúncia, não tem por efeito a imputação de um crime diverso, nem a agravação nos limites máximos das sanções aplicáveis» (Oliveira Mendes, in “Código de Processo Penal Comentado”, Almedina, 2016, 2ª edição, pág. 1081). “O instituto da alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia visa assegurar as garantias de defesa ao arguido.
O que a lei pretende é que este não venha a ser censurado jurídicocriminalmente com violação do princípio do acusatório, sem que tenha tido a possibilidade de adequadamente se defender” (cfr. o Acórdão da Relação de Guimarães de 24/10/2016, Processo n.º 1386/11.7TABCL.G1, disponível em www.dgsi.pt). Por isso, a modificação dos factos constantes da acusação ou da pronúncia só integra o conceito normativo da “alteração não substancial de factos” quando tiver relevo para a decisão da causa e implique uma limitação dos direitos de defesa do arguido. No caso concreto, como se viu, foi aduzida à sentença factualidade nova que não constatava da acusação particular. Estamos, segundo nos parece, perante uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação com relevo para a decisão da causa. Ora, a lei exige, como condição de admissibilidade de tal factualidade adicional, que ao arguido seja comunicada a alteração e que se lhe conceda, se ele o requerer, o tempo necessário para a preparação da defesa (artigo 358.º, n.º 1, do Código de Processo Penal). No caso dos autos, da leitura das atas das audiências de discussão e julgamento não resulta, em parte alguma, que tal alteração tenha sido comunicada ao arguido. Salienta-se que na ata de 27-01-2014, apenas consta que nos termos do artigo 358.º, n.º 1 do Código de Processo Penal foi comunicada a seguinte alteração não substancial dos factos descritos nas acusações: “o arguido deu um encontrão à assistente EE”. O artigo 379.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, como se disse, comina com nulidade a sentença que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º. Nesse pressuposto, impõe-se declarar a nulidade da sentença recorrida, devendo o tribunal a quo ordenar a reabertura da audiência para dar cumprimento à comunicação a que se reporta o artigo 358.º do Código de Processo Penal. Se tal nulidade vier a ser declarada, ficará prejudicada a apreciação das demais questões enunciadas. Sem embargo e por mera cautela, dir-se-á que entendemos não assistir razão ao arguido nessas outras questões, como o demonstra a Senhora Magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância na sua bem elaborada resposta ao recurso, que no que concerne às demais questões colocadas sufragamos e que aqui damos por reproduzida. Em conclusão, a douta sentença recorrida padece, em nosso entender, da nulidade estatuída no artigo 379.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, já que dela constam como provados factos que não constavam da acusação, com relevo para a decisão da causa, sem que se tivesse dado cumprimento ao n.º 1 do artigo 358.º do Código de Processo Penal. Entendemos, pois, que deverá ser concedido provimento ao recurso interposto pelo arguido nesta parte, declarando-se a nulidade da sentença recorrida com o consequente reenvio do processo, a fim de ser reaberta a audiência para cumprimento da comunicação a que se reporta o artigo 358.º do Código de Processo Penal, com vista à eventual concessão de prazo para a defesa do arguido, devendo atender-se, ainda, ao teor da informação constante do ofício junto aos autos a 15-12-2022 (referência 124977688), em ordem a apurar se o arguido renunciou, ou não, ao principio da especialidade.
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Cumprido o preceituado no artigo 417º número 2 do Código Processo Penal, não obstante as respostas dos arguidos, nada veio a ser acrescentado de relevante no processo.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.
II.
Objeto do recurso e sua apreciação.
O objecto do recurso está limitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, in http://www.dgsi.pt: “Como decorre do artigo 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões (…)”, sem prejuízo da eventual necessidade de conhecer oficiosamente da ocorrência de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410º, do Código de Processo Penal nas decisões finais (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95).
São as conclusões da motivação que delimitam o âmbito do recurso. Se ficam aquém a parte da motivação que não é resumida nas conclusões torna-se inútil porque o tribunal de recurso só pode considerar as conclusões e se vão além também não devem ser consideradas porque são um resumo da motivação e esta é inexistente (neste sentido, Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, 2015, págs. 335 e 336).
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Deste modo integram o objeto do recurso
- nulidade por insuficiência para a decisão da matéria de facto;
- erro na apreciação da matéria de facto.
- violação do princípio de in dúbio pro reo;
- Não verificação do crime de injúria na pessoa da assistente EE.
- nulidade da sentença por falta de comunicação da alteração de factos.
- medida da pena.
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Do enquadramento dos factos.

O Tribunal de 1ª Instância proferiu a seguinte sentença:
“O Ministério Público deduziu acusação para julgamento em processo comum, por Tribunal singular, contra:
AA, filho de FF e de GG, natural de São João da Madeira, nascido a .../.../1985, solteiro, sem profissão conhecida, residente na Rua ..., ..., 1º Dtº, São João da Madeira,
imputando-lhe a prática em autoria material, sob a forma consumada de um crime de furto simples, previsto e punido pelo art. 203º/1, em conjugação com o art. 204º/2,e) e 4 e 202º/c), todos do Código Penal.
* BB e EE constituíram-se assistentes e deduziram acusação particular contra o arguido pela prática de dois crimes de injúria previstos e punidos pelo disposto no art. 181º do Código Penal, na pessoa de cada um deles.
* Pelos assistentes foi ainda deduzido contra o arguido pedido de indemnização civil de €1.000,00 cada um.
* O arguido não deduziu contestação.
* A audiência de julgamento decorreu na ausência do arguido e com observância de todas as formalidades legais.
* Mantém-se a validade e regularidade da instância.
*II- Fundamentação de facto
A) Factos provados
1. No dia 14 de Fevereiro de 2013, cerca das 14h30, o arguido dirigiuse à residência de DD, sita na Rua ..., ..., em São João da Madeira, e após saltar o muro que cerca a residência, com uma altura de cerca de 1,50m, entrou na moradia pela porta da cozinha, que se encontrava aberta, tal como habitualmente e era do conhecimento do arguido.
2. Uma vez no seu interior, o arguido retirou e levou consigo 30,00€ (trinta euros), em notas e moedas, que se encontravam dentro de uma carteira guardada no móvel da sala comum.
3. O arguido agiu deliberada e conscientemente, com o propósito de se apropriar da referida quantia monetária pertencente a DD, bem sabendo que a mesma não lhe pertencia e que agia contra a vontade do respectivo proprietário.
4. No dia 27 de Dezembro de 2012, cerca das 11 horas, encontrando-se a assistente EE na cidade de São João da Madeira por ocasião do Natal, e quando, acompanhada da sua prima CC, se dirigia pela via pública a um confeitaria, o arguido interpelou esta última de forma insistente para que lhe desse dinheiro, dizendo “anda lá, dá-me dinheiro”; porque a assistente lhe disse que aquela não tinha dinheiro, o arguido deu-lhe um encontrão e disse em voz alta: Oh velha do caralho.”
5. O arguido continuou a seguir a assistente e a sua prima até à confeitaria, tendo aquelas desistido de ali entrar; o arguido acabou por se afastar com a chegada de outras pessoas que se prontificaram a ajudar a assistente e a sua prima.
6. A assistente EE tem 81 anos de idade, é pessoa considerada no meio onde vive, tendo-se sentido vexada e humilhada com o sucedido.
7. No dia 28 de Dezembro de 2012, quando, na Rua ..., em São João da Madeira, o assistente BB, que é filho de CC, se dirigiu ao arguido para lhe dizer que deixasse de perseguir a sua mãe e exigir-lhe dinheiro, o arguido, dirigindo-selhe, disse em voz alta: “filho da puta, eu mato-te!”.
8. O assistente BB é pessoa séria e trabalhadora, sendo como tal considerado no meio onde vive, tendo-se sentido vexado e humilhado pelo sucedido.
9. O arguido proferiu em ambas as situações descritas as palavras referidas em plena via pública, bem sabendo que assim ofendia os assistentes, os humilhava, causava-lhes medo, inquietação e mauestar, o que quis e logrou.
10. O arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que praticava factos punidos pela lei penal.
11. O arguido foi já anteriormente julgado e condenado nos seguintes processos:
a. por acórdão transitado em julgado em 26/4/2004, no P.º Comum Colectivo 639/03.2GAVNG, da 1ª Vara de Competência mista de Gaia, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na execução por 1 ano e 6 meses, com a condição de sujeitar-se a acompanhamento pelo IRS, pela prática em 14/4/2003, de um crime de roubo previsto e punido pelo disposto nos arts. 210º/1 e 73º/1, a) e b) e art. 4º do D.L. 401/82, de 23/9; em 19/11/2007 veio essa pena a ser declarada extinta na sequência de relatório social favorável;
b. por sentença proferida em 25/1/2007, transitada em julgado a 9/2/2007, no âmbito do Processo Comum Singular nº 420/06.7PASJM, do 3º Juízo do Tribunal de São João da Madeira, na pena de 90 dias de multa, pela prática em 2/5/2006 de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo disposto no art. 3º/2 do D.L. 2/98, de 3/1; a pena foi declarada extinta pelo cumprimento, por decisão de 23/5/2007;
c. por sentença proferida em 26/9/2007, transitada em julgado a 15/11/2007, no âmbito do Processo Comum Singular nº 313/06.8PASJM, do 4º Juízo do Tribunal de São João da Madeira, na pena de 7 meses de prisão suspensa na execução por 1 ano, pela prática em 2/4/2006 de um crime de ofensa à integridade física previsto e punido pelo disposto no art. 143º/1 do Código Penal; a pena foi declarada extinta pelo cumprimento, por decisão de 15/1/2009;
d. por sentença proferida em 31/8/2009, transitada em julgado a 30/9/2009, no âmbito do Processo Comum Singular nº 761/09.1PASJM, do 3º Juízo do Tribunal de São João da Madeira, na pena de 4 meses de prisão com a obrigação de entregar €200,00 ao CAT ..., pela prática em 28/8/2009 de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo disposto no art. 3º/2 do D.L. 2/98, de 3/1; a pena veio a ser substituída por 120 horas de trabalho a favor da comunidade;
e. por sentença proferida em 16/11/2009, transitada em julgado a 2/2/2010, no âmbito do Processo Comum Singular nº 1145/08.4PASJM, do 4º Juízo do Tribunal de São João da Madeira, na pena de 190 dias de multa, em cúmulo jurídico, pela prática em 6/11/2008, em concurso real, de um crime de ameaça agravada previsto e punido pelo disposto nos arts. 153º e 155º/1, a) do Código Penal, e um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo disposto no art. 143º/1 do Código Penal.
12. O arguido foi criado desde os 2/3 anos e até cerca dos 9/10 anos na casa referida em 1., por DD e a esposa, CC.
13. Não compareceu na audiência de julgamento.
* B) Factos não provados
De entre os factos constantes das acusações particulares e pedidos de indemnização civil, com relevo para a decisão, não resultou provado que:
a. O arguido tivesse chamado à assistente EE “sua puta”;
b. O arguido tivesse chamado ao assistente BB “cabrão” e lhe tivesse dito “eu fodo-te todo”;
c. Os insultos dirigidos aos assistentes tivessem sido proferidos repetidamente;
d. A expressão dirigida ao assistente BB tivesse sido proferida na presença de terceiros.
* C) Motivação
No que concerne aos factos ora dados como provados, fundamo-nos essencialmente no depoimento testemunhal de DD, e nas declarações tomadas aos assistentes EE e BB; todos eles nos mereceram credibilidade pela forma desapaixonada e consistente como descreveram as situações que presenciaram, praticamente lamentando que o arguido, seu parente (primo), tivesse enveredado por este tipo de condutas Assim, DD deu conta da habitualidade com que o arguido entrava na sua casa saltando por cima do muro para depois ir tirar dinheiro a si ou à sua mulher; explicou que embora já tivessem apresentado outras queixas, a sua mulher foi desistindo das mesmas porque foi ela quem criou o arguido quando era mais pequeno; pelo assistente BB, filho desta testemunha com CC, foi confirmado que a sua mãe era há muito perseguida e pressionada pelo arguido para que lhe desse dinheiro, sendo que aquela nunca quis avançar com processos por medo de que ele fosse preso; deu o mesmo ainda conta de ter visto o arguido saltar o muro de sua casa (onde vive com os pais) quando estava a passar de carro, dando a volta ao quarteirão; quando lá chegou, já o arguido tinha saído levando consigo o dinheiro guardado pelos pais num armário, facto que era do conhecimento de AA. A assistente EE, por sua vez, de forma muito espontânea e genuína relatou o sucedido no dia 27 de Dezembro. Ambos os assistentes procuraram ser rigorosos nas declarações prestadas, rejeitando mesmo expressões que nas acusações vinham imputadas ao arguido e não aludindo a terceiros, além da referida CC na primeira das duas situações de injúria, que tivessem presenciado o sucedido ou a uma repetição dos insultos, razão pela qual se considerou essa matéria não provada. Quanto aos elementos pessoais do arguido e respectivo passado criminal, relevaram as declarações da testemunha e assistentes, seus familiares, e ainda o respectivo Certificado de Registo Criminal actualizado constante de fls. 92 e sgs..
* III- Fundamentação de Direito.
A) da integração jurídico-criminal dos factos Vem o arguido acusado da prática de um crime de furto simples previsto e punido pelo art. 203º/1, em conjugação com o art. 204º/2,e) e 4 e 202º/c), todos do Código Penal. Preceitua aquele normativo que quem com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. Trata-se, pois, de um tipo legal de crime que tutela essencialmente o bem jurídico património. O tipo objectivo deste crime consiste na subtracção de coisa móvel alheia, enquanto o tipo subjectivo pressupõe para além do dolo geral, um dolo específico que se traduz na ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa. Comecemos por decompor o tipo objectivo deste crime. O objecto do furto é necessariamente uma coisa móvel alheia e para melhor compreendermos cada um desses conceitos, devemos articulá-los com as ideias de subtracção e de apropriação da coisa. Assim, a coisa tem de ter uma componente corpórea, tem de se poder tocar, agarrar, no fundo, tem de ter a aptidão de poder ser subtraída e apropriada. Nesta senda, para se poder subtrair algo de outrem e fazê-lo seu ou de outra pessoa, tem essa coisa de ser móvel, ou seja, tem de poder ser deslocada, movida ou autonomizada de um todo. Finalmente, a coisa móvel tem de ser alheia, ou seja, o seu proprietário ou detentor deve ser alguém diferente daquele que pratica a infracção, não fazendo sentido haver subtracção com intenção de apropriação por parte de quem já usufrui das utilidades da coisa. Entende-se, por seu turno, que a coisa móvel alheia é subtraída quando se verifica uma quebra no domínio do facto que sobre ela era exercida pelo seu anterior detentor. Paulo Pinto de Albuquerque define a subtracção como a aquisição de um poder de facto de disposição sobre a coisa alheia, com a concomitante cessação ou ablação desse poder de facto pelo seu legítimo possuidor ou detentor1. Já a intenção de apropriação que pertence ao tipo subjectivo do crime, traduz a vontade de passar à posição jurídica de proprietário, ou seja, exprime a intenção de excluir o seu poder fáctico e, ao mesmo tempo, a sua própria vontade de domínio completo sobre uma coisa alheia. Esta intenção há-de ser ilegítima e a ilegitimidade traduz-se no conhecimento pelo agente do carácter alheio da coisa. 1 In Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2.ª Edição actualizada, Universidade Católica Portuguesa, pág. 632.
A consumação do crime de furto não exige, porém, que a intenção de apropriação se concretize, bastando que exista. Assim, o agente pratica-o mesmo que não se aproprie do bem, basta que ao agir, tenha em vista o resultado apropriativo. O crime de furto é, pois, um crime de resultado cortado relativamente a este elemento, pois para haver consumação basta a existência de uma intenção no momento da subtracção, não se exigindo a concretização do almejado resultado apropriativo. Já a consumação formal do crime ocorre com a subtracção e este sim é um elemento fundamental à perfectibilização do crime. No Acórdão da Relação de Coimbra de 15 de Fevereiro de 20062 conclui-se que a lei não exige a consumação material, isto é, o aproveitamento do ilícito praticado, nem o pleno sossego ou um estado de tranquilidade, ainda que transitório, da coisa na posse do agente. Feita esta breve análise do quadro legal, volvamos aos factos. Resultou provado que o arguido se apoderou efectivamente de notas e moedas no montante de €30,00 que pertenciam a DD, fazendo-as suas, sabendo não lhe pertenciam, assim consumando o crime de furto na sua vertente objectiva. Actuou ainda de forma livre e consciente, bem sabendo que actuava contra a vontade do legítimo dono do dinheiro, o que quis, assim agindo com dolo directo – art. 14º/1 do Código Penal. Agiu ainda com plena consciência da ilicitude, sabendo pois estar a praticar factos punidos pela lei penal. Nestes termos, não pode deixar de ser condenado pela prática do crime de furto simples previsto e punido pelo disposto no art. 203º/1 do Código Penal.
* A conduta do arguido, por ter comportado a entrada em habitação por escalamento (saltou o muro), preencheria ainda, em abstracto, a qualificativa prevista nos arts. 204º/2,e) e 202º/e), do Código Penal; porém, uma vez que o montante subtraído foi de apenas €30,00, portanto inferior a €102,00 (unidade de conta à data da prática dos factos), não pode o mesmo 2 Relatado por Brízida Martins, processo n.º 3867/05, disponível em www.dgsi.pt.
deixar de considerar-se diminuto nos termos do art. 202º/c), daí decorrendo a desqualificação da conduta nos termos do nº 4 do art. 204º do Código Penal.
* Vem ainda o arguido acusado particularmente da prática de dois crimes de injúria, um na pessoa do assistente BB e outro na pessoa da assistente EE. Reza o art. 181º do Código Penal que comete o crime de injúria quem injuriar outra pessoa imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivas da sua honra ou consideração. Segundo o art. 25º/1 da Constituição da República Portuguesa a integridade moral da pessoa é inviolável. Referindo-se o art. 26º a outros direitos pessoais, dispõe no nº 1 que “a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação”. Exposto o direito nas suas linhas essenciais, avancemos. O bem jurídico tido primordialmente em vista pelo nosso legislador penal nesta matéria é o da honra, entendida enquanto bem jurídico complexo, posto que abrange quer a imagem que cada um forma de si próprio, repercutida nomeadamente no apego a valores de probidade e honestidade que não se deseja ver manchados, quer a sua reputação, imagem ou consideração exterior3 . Sobre o que deve considerar-se ofensivo importará reter que a resposta há-de procurar-se no âmbito do sentimento vigente numa determinada sociedade e das regras que devem nortear a vida social, ou seja, será ofensivo o facto ou a imputação que encerrem em si uma reprovação ético-social4. No domínio dos elementos subjectivos do tipo, dir-se-á que a injúria é um crime doloso e que, face à actual norma incriminadora, está hoje afastada a exigência de qualquer dolo específico; basta uma actuação dolosa, entendida esta em alguma das modalidades definidas no art. 14º do Código Penal. Assim é que para a verificação do elemento subjectivo do tipo não se exige que o agente queira ofender a honra e a consideração alheias, mas tão só que, com o seu comportamento, saiba que pode lesar o bem jurídico protegido com a norma e que, consciente desse risco, dessa perigosidade, não se abstenha de agir.5 Ora, postas estas premissas de direito, afiguram-se-nos também verificados todos os elementos típicos deste crime de injúria nas situações descritas nas acusações. Com efeito, resultou provado que o arguido dirigiu ao assistente, em voz alta, na via pública, a seguinte expressão: “filho da puta, eu mato-te!”. Para além do conteúdo ameaçador da expressão – “eu mato-te” -, é patente um conteúdo injurioso, por manifestamente ofensivo da honra e consideração devida a qualquer pessoa, na parte em que o arguido apelidou o assistente de “filho da puta”. “Filho da puta”, porque sendo a actividade de prostituição socialmente muito desconsiderada, marginal e licenciosa, todo aquele que tiver com a mesma qualquer associação, é também socialmente mal visto e desconsiderado; por outro lado, é objectivamente ofensivo da honra de uma pessoa dizer-se que a sua mãe é uma prostituta, vulgarmente conhecida em calão, por “puta”, quando essa pessoa se tem a si e à sua progenitora como pessoas honestas e probas. De igual forma atenta contra a honra e consideração de uma pessoa a expressão vernácula “oh velha do caralho”, não apenas pelo seu conteúdo objectivamente depreciativo, de mais a mais no contexto em que é proferida – na sequência de uma recusa insistente de dinheiro e acompanhada de um empurrão -, como pela humilhação que representa para quem a ouve que, sendo no caso idosa (81 anos de idade), vê exposta de forma ofensiva e agressiva a sua avançada idade. De resto, o arguido proferiu tais expressões sabendo que ofendia os assistentes e com intenção de os ofender na sua honra e consideração, o que logrou, deixando-os vexados e humilhados. 5 Vide acórdão da Relação de Coimbra de 12/7/2000, já citado, pág. 47.
Actuou, pois, em ambas as situações com dolo directo – art. 14º/3 do Código Penal. Estão, por isso, também quanto aos crimes de injúria, verificados todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal. Pelo exposto, cometeu o arguido, em autoria material e concurso real com o crime de furto, os crimes de injúria, de que vinha também acusado – art. 30º/1 do Código Penal.
* B) Das consequências jurídicas dos crimes.
1. Da escolha e determinação da medida das penas.
Efectuado o enquadramento jurídico dos factos dados como provados, cumpre agora determinar as consequências jurídicas da prática dos mesmos pelo arguido. Assim, caberá em primeiro lugar expor as molduras penais aplicáveis para, depois, de acordo com os concretos elementos do caso em apreço, escolher e determinar a medida concreta das penas parcelares a aplicar ao arguido, procedendo em seguida a cúmulo jurídico das mesmas e fixação de uma pena única. Vejamos então as molduras penais em jogo. O crime de furto é punível com prisão até 3 (três) anos ou pena de multa que pode ir de 10 a 360 dias (art. 47º/1 do Código Penal); Os crimes de injúria são puníveis com pena de prisão até 3 (três) meses ou multa até 120 (cento e vinte) dias. O artigo 70º Código Penal apresenta como critério de escolha da pena, quando ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa de liberdade e pena não privativa de liberdade, a preferência por esta última sempre que realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. No caso concreto em apreço são acentuadas exigências de prevenção geral relativamente ao crime de furto, tendo em conta o alarme social gerado e a frequência com que verificamos estar a ser praticado nos tempos mais recentes, ocasionando sentimentos de insegurança na população em geral.
No caso, com a agravante de estarmos perante pessoas idosas que ajudaram o arguido quando criança e agora se vêm pelo mesmo perseguidos e ameaçados por dinheiro. O que reforça neste particular as exigências de prevenção especial de integração, que são de per se particularmente elevadas no caso em mãos. Com efeito, não apenas o arguido revela assim uma personalidade fria e atitude moralmente censurável “mordendo a mão que lhe deu de comer”, como essa personalidade se tem vindo a revelar ao longo dos anos avessa à interiorização do dever-ser ético jurídico. É que o arguido conta já com cinco condenações criminais, uma das quais pela prática do crime de roubo, em pena de 7 meses de prisão suspensa na execução, por factos praticados no ano 2004, quando tinha apenas 19 anos – agora tem 28; entretanto, sofreu ainda duas condenações, uma em multa e outra em prisão suspensa na execução, pela prática do crime de condução sem habilitação legal, e ainda uma outra em prisão suspensa na execução pela prática do crime de ofensa à integridade física e, por fim, uma pena de multa pela prática dos crimes de ameaça agravada e ofensa à integridade física. Acresce que não compareceu na audiência de julgamento, tendo-se mostrado totalmente alheado do processo. Demonstra assim o arguido estar socialmente desintegrado, tendo uma personalidade renitente à interiorização do dever-ser ético jurídico e sem qualquer sensibilidade aos efeitos das penas não detentivas. Neste quadro, e não obstante estarmos aqui diante situações de menor gravidade pelo reduzido prejuízo com as mesmas ocasionado, afigura-se-nos que apenas a condenação em prisão será suficiente para satisfazer as elencadas exigências preventivas. Como assim, opta-se em relação a qualquer dos crimes em concurso pela prisão como a pena necessária à promoção e salvaguarda dos bens jurídicos protegidos pelos tipos legais de crime em questão, bem assim como para dar satisfação às exigências geral e especial preventivas. Efectuada que está a escolha das penas, passemos então à determinação da respectiva medida concreta. A determinação da medida concreta da pena far-se-á em função da culpa do agente e tendo em conta as exigências de prevenção geral e especial de futuros crimes, tendo em atenção todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o arguido e que não façam parte do tipo de crime – art. 71º do Código Penal. Analisando o caso concreto, resulta em relação ao furto, como mediano o grau de ilicitude revelado no facto, atendendo a que o arguido actuou em plena luz do dia, escalando muro da casa onde residiam o ofendido e mulher, e entrando pela porta que sabia estar aberta; apropriando-se, porém, de uma pequena quantia de dinheiro, de apenas €30,00. Em relação aos crimes de injúria, acentua-se a ilicitude pelo facto de terem as expressões injuriosas sido proferidas contra uma mulher idosa (de 81 anos) em contexto de agressão física (empurrão), no caso da assistente EE e de ameaça (“eu mato-te”), no caso do assistente BB. No mais, actuou o arguido sempre com dolo directo, o que eleva a intensidade da sua culpa. Em seu desfavor ainda as anteriores condenações, três em penas de prisão, duas de 7 meses, uma de 4 meses, todas suspensas na execução, a primeira, embora por factos de há 9 anos atrás, respeitante ao mesmo tipo de crime que o ora ajuizado (um roubo), e as demais a crimes de ameaça, ofensa à integridade física e condução sem habilitação legal. Por outro lado, alheou-se por completo do presente processo, tendo estado ausente do julgamento. Ou seja, o seu percurso deixa muito a desejar em matéria de integração social. Assim, por tudo o exposto e tendo em conta os critérios do artigo 70º/1, e artigo 47º/1, do Código Penal, sendo intensa a culpa, mediana a ilicitude, elevadas as exigências geral preventivas, e acentuadas as especial preventivas, reputam-se como justas as seguintes penas: - 3 (três) meses de prisão para o crime de furto; - 1 (um) mês e meio de prisão para o crime de injúria na pessoa da assistente EE; - 1 (um) mês e meio de prisão para o crime de injúria na pessoa do assistente BB.
* 2. Do cúmulo jurídico das penas.
Nos termos do disposto no art. 77º/1 do Código Penal, caberá agora encontrar uma pena única, na qual sejam considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do arguido. Segundo o preceituado no nº 2 do art. 77º do Código Penal, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. Assim a pena resultante do cúmulo jurídico das penas individuais acima fixadas será encontrada no caso concreto sob apreciação dentro da moldura com o limite mínimo de 3 meses de prisão e máximo de 6 meses de prisão. Considerando os factores concretos acima enunciados para efeitos de determinação das penas individuais, com especial atenção ao passado criminal do arguido e personalidade revelada nos factos que correspondendo a três situações espácio-temporalmente distintas, duas em dias seguidos (27 e 28 de Dezembro de 2012) e a terceira, cerca de dois meses depois reiterando o mesmo tipo de condutas censurado pelo assistente, reputamos como justa e adequada a pena única de 5 (cinco) meses de prisão.
* 3. Da substituição da pena de prisão.
Estabelece o disposto no art. 43º do Código Penal que a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. Entendemos que, atendendo ao alheamento do arguido em relação a este processo conjugado com o seu passado criminal e a escassa ressonância ético-jurídica que parece denotar, adoptando comportamentos criminais e de agressividade para com familiares, alguns idosos (DD e mulher, e a assistente EE) e que já o ajudaram quando criança, a execução da prisão se mostra agora necessária para o afastar do cometimento de futuros crimes. A verdade é que, por cinco vezes, tantas quantas foi submetido a julgamento por ilícitos criminais, veio a ser condenado em penas de multa ou de prisão suspensa na execução, sem que tenham as mesmas surtido no arguido o efeito desejado de se afastar da prática de crimes. Considerando esta mesma atitude do arguido, de desprezo pelo Tribunal e pelas penas que lhe têm sido aplicadas, afastamos desde logo o cumprimento da pena de prisão mediante permanência na habitação, por dias livres ou em regime de semi-detenção – arts. 44º, 45º e 46º, do Código Penal -, por estarmos em crer ser de facto a privação da liberdade necessária para alcançar a abstenção da prática de crimes. Do mesmo modo afastamos a prestação de trabalho a favor da comunidade, que teria sempre que ser consentida – art. 58º/5 do Código Penal -, sendo certo que uma das penas de prisão em que foi condenado – 4 meses – foi substituída por 120 dias de prestação de trabalho a favor da comunidade, mostrando-se ainda por cumprir integralmente, conforme certidão extraída do processo 1145/08.4PASJM, deste Juízo, junta antecedentemente. E é esta mesma ordem de razões que nos leva a rejeitar mais uma suspensão da execução da pena nos termos do art. 50º do Código Penal. O arguido já demonstrou que se trata de pena que nada determina na sua conduta futura, porquanto, mesmo depois de condenado em penas de prisão suspensas na execução, cometeu crimes e do mesmo tipo (o caso das ofensas à integridade física). Nestes termos, somos a concluir que apenas a prisão será adequada a realizar as finalidades da pena, em particular as de prevenção especial de ressocialização do arguido.
* 4. Dos pedidos de indemnização civil.
BB e EE deduziram pedidos de indemnização civil contra o arguido, de condenação do mesmo no pagamento de uma indemnização de €1.000,00 cada um, a título de danos não patrimoniais ocasionados com as situações ocorridas de injúria. Não foram os pedidos contestados. Atentos os factos provados, cumpre agora decidir. Importa referir antes de mais que o pedido de indemnização civil deduzido em processo penal tem que ser fundado na prática de um crime e que a responsabilidade civil daí emergente será fixada tendo em conta o crime cometido e o montante indemnizatório pedido. O art.129º Código Penal dispõe que a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil. Como princípio geral da responsabilidade por factos ilícitos, dispõe o art. 483º do Código Civil que são pressupostos cumulativos daquela (1) a existência de um facto voluntário, (2) a ilicitude da conduta, (3) a imputação subjectiva do facto ao agente (4) a existência de um dano, (5) o nexo de causalidade entre o facto e o dano. Verificados que estejam os pressupostos determinativos da responsabilidade civil, nasce a obrigação de indemnização a cargo do lesante nos termos dos artigos 562º, 564º, nº1 e 566º Código Civil. Assim, tendo em conta os referidos pressupostos no confronto com a matéria de facto dada como provada nestes autos, não podemos senão concluir pela verificação de responsabilidade do arguido/demandado pelos prejuízos causados aos demandantes com as suas condutas criminosas, no que tange às injúrias. Com efeito, ficou provado que, como consequência dos insultos que dirigiu a um e outro dos assistentes, em plena via pública, estes sentiram-se vexados e humilhados. Tais factos foram já supra configurados como ilícitos geradores de responsabilidade criminal, podendo por isso fundar também a responsabilidade civil que os demandantes imputam ao demandado. Na fixação da indemnização por danos não patrimoniais, deve atender-se, como nos diz o art. 496º do Código Civil, aos danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo o seu montante calculado segundo critérios de equidade e tendo ainda em atenção as circunstâncias enunciadas no art. 494.º do Código Civil, quais sejam, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso. A doutrina e a jurisprudência, quase unanimemente, fazem uma interpretação concretizadora desta postulada “gravidade” limitando a indemnização àqueles casos que tenham efectiva relevância ética e moral por ofenderem profundamente a personalidade física ou moral, designadamente as ofensas à honra, à reputação, à liberdade pessoal, à integridade física e saúde, e aos demais direitos de personalidade, etc.6 Assim, não serão indemnizáveis os simples incómodos ou pequenos desgostos, sendo no entanto objecto de reparação aqueles danos morais naturais cuja reparação pecuniária se destina a compensar, embora indirectamente, os sofrimentos físicos, morais e desgostos e que, por serem factos notórios, não necessitam de ser alegados nem quesitados, mas só pedidos.7 A gravidade do dano mede-se por um padrão objectivo, embora atendendo às particularidades de cada caso, e não à luz de factores subjectivos, como uma sensibilidade exacerbada ou requintada, e tudo segundo critérios de equidade8 , devendo ter-se ainda em conta a comparação com situações análogas decididas em outras decisões judiciais9 e que a indemnização a arbitrar tem uma natureza mista: a de compensar esses danos e a de reprovar ou castigar, no plano civilístico, a conduta do agente10 . Transportando as considerações que acabamos de tecer para o caso em apreço, atendendo a que: - se tratou de duas situações ocorridas em plena luz do dia, uma na presença de outra pessoa, mas com possibilidade de serem assistidas por terceiros, o que faz necessariamente potenciar os sentimentos de vexame; - no caso da assistente, não é despiciendo considerar tratar-se de pessoa idosa – com 81 anos – acompanhada de outra pessoa também idosa, tendo sido vítimas também de contacto físico com um empurrão, o que potencia o sentimento de insegurança da vítima; - o arguido manteve a perseguição às idosas e só abandonou o local quando apareceram outras pessoas; 6 Cfr. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, pg. 572, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/10/73, BMJ 230º, pg. 107; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/6/91, BMJ 408º, pg. 538; Vaz Serra, “Reparação do Dano Não Patrimonial”, BMJ 83º, pg. 69 e sgs. 7 Vaz Serra, RLJ, anos 105º e 108º, pág. 37 sgs. e 223; acórdão do STJ de 27/12/69, BMJ, 141º, pág. 331; acórdão do STJ de 22/11/78, BMJ 204º, pág. 262. 8 Cfr. A. Varela, ob. cit., pág. 576; Vaz Serra, RLJ, ano 109º, pág. 115. 9 Acórdãos do STJ de 2/11/76, de 23/10/79, de 22/1/80, de 13/5/86, in BMJ 261º, pág. 236, 290º, pág. 390, 239º, pág. 237, 357º, pág. 399. 10 Cfr. A. Varela, ob. cit., pág. 529 e 534; acórdão do STJ de 26/6/91, BMJ 408º, pág. 538.
- no caso do assistente, usou expressão ameaçadora a par da injúria, ocasionando medo; - é desconhecida a situação económica do arguido; tudo sopesado, entendemos, por um lado, merecerem os danos referidos a tutela do direito, por não se tratar de simples incómodos, antes interferindo com o equilíbrio biopsíquico dos demandantes; por outro, reputamos de equitativa e compensatória desses danos uma indemnização pelo montante de €300,00 (trezentos euros) cada um. *** IV- DECISÃO (…).
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Cumpre apreciar.
O recorrente centra o objeto do recurso na impugnação da decisão da matéria de facto.
Sobre a demarcação dos conceitos de erro de interpretação da prova, e insuficiência para a decisão da matéria de facto na apreciação da prova, traçando os limites de cada uma destas categorias, para que a sua análise não se confunda e sobreponha.
Os Tribunais superiores de forma pacífica e mantida vêm estabelecendo a destrinça entre a arguição da categoria de vícios que incidam sobre a decisão e dos vícios que inquinem o julgamento. A este propósito o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/03/2011 proferido no processo nº288/09.1GBMTJ.L1-5 sustentou que “a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410º, nº2, do C.P.P., no que se convencionou chamar de «revista alargada»; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º, nºs3, 4 e 6, do mesmo diploma; No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº2 do referido artigo 410º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento.” Ora, os vícios previsto no nº2 do citado art.410 ( concretamente na alínea a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; na alínea b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e na alínea c) Erro notório na apreciação da prova) são vícios da decisão sobre a matéria de facto “vícios da decisão e não de julgamento, não confundíveis nem com o erro na aplicação do direito aos factos, nem com a errada apreciação e valoração das provas ou a insuficiência destas para a decisão de facto proferida -, de conhecimento oficioso, que hão-de derivar do texto da decisão recorrida por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum.”
No elenco dos vícios da decisão, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorre quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal, podendo fazê-lo, não investigou toda a matéria de facto relevante, acarretando a normal consequência de uma decisão de direito viciada por falta de suficiente base factual, ou seja, os factos dados como provados não permitem, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do julgador. Dito de outra forma, este vício ocorre quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito e quando não foi investigada toda a matéria de facto contida no objeto do processo, com relevo para a decisão, cujo apuramento conduziria à solução legal;
Só existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando se faz a formulação incorreta de um juízo em que a conclusão extravasa as premissas ou quando há omissão de pronúncia pelo tribunal, sobre os factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão.
Como se observou no Ac. do S.T.J. de 20-4-2006 (proc.º n.º 363/03, rel. Cons.º R. Costa):
“A insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem - absolvição, condenação, existência de causa de exclusão de ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. – e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ser apurados na audiência vista a sua importância para a decisão, por exemplo, para a escolha ou determinação da pena.” (cfr. no mesmo sentido o Ac. do STJ de 23-10-1997, proc.º 97P318, rel. Dias Girão, também reproduzido no Ac. do STJ de 18-3-2004, proc.º n.º 03P3566, Rel. Simas Santos).
Como vem referido no Ac. do TRC de 30.03.2011, proc. nº 10/10.OPECTB.C1, www.dgsi.pt, este é um vício que se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para fundamentar a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão esta que é do domínio do princípio da livre apreciação da prova, insindicável em reexame restrito à matéria de direito, e é precisamente com esta última referência que se constata não se verificar o vício arguido pelo recorrente.
Diversamente, a impugnação da matéria de facto prevista no art.412º nº3 do CPP, consiste na apreciação, tal como sustentou o acórdão que temos vindo a citar”, “que não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs3 e 4 do art. 412º do C.P. Penal. A ausência de imediação determina que o tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida e não apenas se a permitirem [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º]”.
Portanto, traçados os contornos do quadro dogmático dos diversos vícios que poderão compor o objecto de recurso, cabe primeiramente apreciar os vícios reportados no art.410º nº2 do CPP.
No invocado vício de insuficiência da decisão da matéria de facto previsto no art.410º nº2 respeita à alínea a) do CPP, quanto à matéria do furto em que o arguido foi condenado, diversamente do que sustenta o recorrente, não se vislumbra qual o parâmetro de insuficiência decisório, dado que no elenco dos factos provados, parece ter o Tribunal ter apreciado o essencial da lide, sendo vício que se lhe não pode apontar. Depois, a alegação deste vício é feita com recurso a elementos externos à própria fundamentação, o que como se viu, coloca o vício arguido noutra sede do objeto de recurso, não se verificando a invocada nulidade. Concretamente, a invocação da nulidade da decisão padece dos problemas recenseados, dado que o recorrente, situa a questão na insuficiência da prova e da fundamentação, enquadramento que excede os limites da apreciação. Confunde-se a alegada insuficiência de prova e fundamentos, com a matéria dada como apurada.
O recorrente pretende, afinal, suscitar a reapreciação ampla da prova, cuidando, inclusivamente, de cumprir os já supra referidos ónus de especificação previstos no artigo 412.º, n.º3 e 4, do C.P.P.
Portanto, não padecendo a sentença de quaisquer dos vícios previstos no art.410º do CPP, nesta parte deve improceder o recurso.
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Cumprindo agora apreciar a impugnação nos termos do art.412º nº3 do CPP, a qual constitui o ponto central do objecto do recurso, estabelecendo os pressupostos dos poderes de cognição do Tribunal Superior
Como realçou o STJ, no acórdão de 12-06-2008, Proc. nº 07P4375 (in www.dgsi.pt) a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações:
- a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e ás concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;
- a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o «contacto» com as provas ao que consta das gravações;
- a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, restrita á indagação ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo á sua correcção se for caso disso;
- a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b), do nº 3, do citado artº 412º).
Com efeito, no Acórdão da Relação de Évora, de 1 de Abril do corrente ano (processo n.º 360/08-1.ª, www.dgsi.pt) sustentou-se «Impor decisão diversa da recorrida não significa admitir uma decisão diversa da recorrida. Tem um alcance muito mais exigente, muito mais impositivo, no sentido de que não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto. É necessário que o recorrente desenvolva um quadro argumentativo que demonstre, através da análise das provas por si especificadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados, é impossível ou desprovida de razoabilidade. É inequivocamente este o sentido da referida expressão, que consubstancia um ónus imposto ao recorrente

Não basta ao recorrente formular discordância quanto ao julgamento da matéria de facto para que o tribunal de recurso tenha de fazer «um segundo julgamento», com base na gravação da prova.
O poder de cognição do Tribunal da Relação, em matéria de facto, não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento e faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação. O recurso com esses fundamentos apenas constitui remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância [cfr. Germano Marques da Silva, in Forum Iustitiae, Ano I, Maio de 1999].
Com efeito, «o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros» [cfr, neste sentido, Ac. do STJ de 15-12-2005, Proc. nº 05P2951 e Ac. do STJ de 9-03-2006, Proc. nº 06P461, acessíveis em www.dgsi.pt]
O Tribunal de recurso apreciando os fundamentos da impugnação da matéria de facto e os meios de prova indicados nos termos do art.412º nº3 do CPP (quando conste do objecto de recurso), deve aferir se o Tribunal “a quo” apreciou e interpretou os meios de prova conforme os padrões e as regras da experiência comum (a regra da experiência expressa aquilo que normalmente acontece, é uma regra extraída de casos similares), não extraindo conclusões estranhas ou fora dos depoimentos, subsistindo sempre um plano de convencimento do Tribunal a quo, segundo a livre convicção do julgador que não cabe a este Tribunal de recurso reformular.
Em sede de apreciação da prova rege o princípio da livre apreciação, expressamente consagrado no artigo 127.º do C.P.P.
Este princípio impõe que a apreciação da prova se faça segundo as regras da experiência comum e em obediência à lógica. E se a convicção do Tribunal “a quo” se estribou nestes pressupostos, como já se enfatizou, o Tribunal “ad quem” não pode sindicar ou sobrepor outra convicção.
Com as limitações que decorrem da falta de mediação e da impugnação parcelar dos factos, o Tribunal de recurso somente poderá alterar a decisão de facto quando se “imponha” (usando a expressão legal), ou seja, quando o processo decisório de reconstituição do acontecer histórico da 1ª Instância se fundou fora da razoabilidade em juízos destituídos de lógica, ou distintos dos padrões da experiência comum.
Quanto às alegadas incongruências e concretas divergências enfatizadas pelo recorrente, entende este que se dê como não provados os factos respeitantes ao cometimento do furto, sustentando não existir prova direta, devendo prevalecer os parâmetros do in dúbio pro reo; o arguido também impugna as injúrias e subsidiariamente a densidade das injúrias apuradas, cometidas sobre a ofendida.
Quanto ao cometimento do furto dos 30€ respeitante aos pontos 1 a 3 dos factos provados, o Tribunal de recurso ouvidos os depoimentos, designadamente as declaraçõe3s do assistente BB (filho de DD e CC) referiu este que passou de carro junto a casa (porque a mãe está sozinha em casa e o depoente não está descansado) e nesse momento viu o arguido a saltar o muro. Quando lá chegou já não encontrou o arguido, perguntou à mãe, e ela confirmou que o arguido tirou “mas foi pouca coisa”, contudo, o depoente não acreditou, pois, a sua mãe receando que o arguido vá preso, por regra desconsidera e minimiza as condutas do mesmo (esta parte do depoimento não releva, como é óbvio, para o que terá dito a sua mãe CC, mas apenas na atitude subjetiva do assistente BB). Mais tarde perguntou ao pai o que o arguido “roubou” e este disse-lhe que o arguido tinha tirado 30€. O assistente também referiu que o arguido tinha sempre esta atitude, sabendo onde os pais depoente guardam o dinheiro.
Portanto, este assistente presenceia diretamente o escalonamento furtivo do arguido dos muros da sua casa, essa circunstância associada ao desaparecimento do montante confirmado pela testemunha DD (pai do BB), nesse período do dia, segundo as regras da experiência comum, tornam a hipótese da acusação exclusiva sobre a causalidade da subtração do montante em causa, não existindo os invocados parâmetros de dúvida que o arguido pretende suscitar. Sobre o quantum subtraído, o depoimento da testemunha DD revelou-se objetivo e escorreito, sem que houvesse qualquer sinal de exagero, mostrando-se credível.
Portanto, este Tribunal de recurso ouvidas as declarações do assistente e da testemunha DD concorda com o resultado probatório que foi realizado pelo Tribunal a quo, não existindo qualquer erro manifesto, ditado em qualquer desconformidade na formulação lógica ou pelas regras da experiência comum, que imponham alteração de convicção, devendo deste modo improceder a impugnação movida à decisão da matéria de facto.
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Sobre os trâmites da convicção do Tribunal “A Quo”, para além de não se identificar qualquer perspetiva de dúvida, por si só determina o afastamento do “in dúbio pro reo”, também, não se evidenciando quebras no seu raciocínio lógico, nem o uso indevido das regras da experiência comum.
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No que concerne às dúvidas suscitadas sobre a subsunção do crime de injúria na pessoa da assistente EE, relativamente ao ponto 4 e 5 dos factos provados importa atender aos elementos objetivos e subjetivos do crime.
Quanto aos elementos objetivos, é necessário que o agente "impute a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos de sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo" (do ofendido).
Antes de mais, é pertinente determinar o que seja ofensa à honra e consideração de outra pessoa.
No sentido de honra, o Prof. GIUSEPPE MAGGIORE, ensina com precisão: "«Honra» é a estima devida a um homem pelas suas virtudes morais (honradez, integridade, virtudes, carácter, etc.)." (Ver "DERECHO PENAL - Parte especial", vol. IV - Delitos en particular - pág. 390, Bogotá, l986), definindo igualmente o decoro (que nós equiparamos a "consideração" de harmonia com a expressão legal), nos seguintes termos: "«Decoro» - o mesmo que dignidade - é menos que honra, e com mais precisão, é o quanto de honra e honorabilidade de que o homem necessita, ou crê necessitar, para viver em sua condição de modo comveniente. Portanto, a honra refere-se às qualidades essenciais, e o decoro, às extrínsecas. Por esta razão, o decoro deve medir-se com todas aquelas graduações e matizes devidos à especial situação social do sujeito passivo." (Ver ob. e Vol. cit., pág. 391).
No ensinamento do DR. NELSON HUNGRIA, a honra interna consiste no "sentimento da nossa dignidade própria.", e à honra externa (para nós "consideração"), "como o apreço e respeito de que somos ou nos tornamos merecedores perante os nossos concidadãos.", mais à frente acrescenta "... a honra é um bem precioso, pois ela está necessariamente condicionada à tranquila participação do indivíduo nas vantagens da vida em sociedade." (Ver "COMENTÁRIO AO CÓDIGO PENAL", Vol VI, pág. 39, 4ª ed., Rio de Janeiro, 1958).
O mesmo autor, a seguir exemplifica: "Assim, se um indivíduo chamar a outro «cachorro», «canalha», está ofendendo a sua dignidade; se lhe chama «ignorante», «burro», ofende-lhe apenas o decoro." (Ver ob. cit. pág. 9l).
No entendimento do Acórdão da Relação do Porto de 3/11/88 com alguns decénios mas cuja linha se mantém "A honra tem a ver com a integridade moral de cada um, refere-se à proibidade, ao carácter, rectidão por parte da essência da personalidade humana, ao passo que, a consideração se refere à reputação social, ao nome, ao crédito e à confiança adquirida. (Ver "C.J." Ano de l988, Tomo V, pág. 221).
Temos de concluir que a dimensão pessoal da honra, encerra um património axiológico complexo (onde orbitam a lealdade, a retidão, o chamado carácter que se relaciona com o valor dos compromissos e posições assumidas), com projeção individual da dignidade para consigo e para com os outros (aqui a honra toca os conceitos da “consideração” [esta dependendo do valor atribuído por terceiros à pessoa]), como afirmação do seu valor intrínseco, de quem procede “sempre” segundo um dever-ser, de respeito consigo próprio (que garante a sua independência económica), de aprumo pessoal; de não interferir no património alheio; de respeito pelo interesse público; de respeito com a pessoa do outro, seja nos comentários, referências ou juízos depreciativos (os deveres-ser atendíveis, serão somente os que possuam uma dimensão normativa, excluindo-se códigos éticos à margem do socialmente aceite, e com atualidade. Assim como, estão excluídos os preceitos obsoletos de uma honra pretérita, ou claramente desproporcional. Também estão excluídas as honras punitivas com resultados violentos associadas de certos grupos ou etnias) que o sujeito pretende cumprir, consistindo um plano de afirmação pessoal e social de que não abdica, assim pretendendo ser reconhecido e identificado perante os outros e perante si próprio, que lhe dá dimensão humana devida e cuja tutela legal pretende salvaguardar.
Apurado o sentido de honra e consideração, importa então, averiguar os termos em que se discute a ofensa à honra e consideração do ofendido.
Para se determinar se a imputação é ofensiva da honra ou consideração das pessoas atingidas, há ainda a ponderar diversas questões.
Existem expressões que objectivamente consideradas, quando dirigidas a outrem, são injuriosas, pois chocam com os mais elementares princípios de auto-estima e sensibilidade da pessoa humana.
Fazem parte do género humano, e é intrínseco à sua natureza um mínimo de integridade moral, um espólio de "deveres-ser", caracterizando o homem como ser social.
Quanto ao elemento subjetivo, a jurisprudência tem entendido que na verificação do elemento subjetivo do tipo (dolo do agente), basta o dolo genérico, isto é, não é necessária a intenção específica de injuriar. Basta à verificação do dolo típico conhecer o significado e querer dirigir determinada expressão ofensiva da honra do visado.
Justifica-se que assim seja, uma vez que, embora o agente possa não ter a intenção específica (diremos dolo direto) de atingir a honra com determinada expressão que se escreveu, por ter outras motivações imediatas, não obstante pratica o crime em toda a sua gravidade (exceto se estiver no exercício de um interesse legítimo e provar a verdade das suas afirmações).
A doutrina analisa ainda o dolo sob as seguintes vertentes: O Prof. MAGGIORE sustenta que: "o elemento psíquico consiste no dolo: consciência e vontade de ofender a honra e o decoro de uma pessoa presente. Isto é, é necessário que o agente sabendo, pronuncie uma palavra injuriosa ou cometa um acto injurioso, e que ademais conheça a presença do injuriado." (Ver ob. cit. pág. 394). Ora, existem expressões e imputações que, em certas circunstâncias, violentam sempre o amor próprio do homem, ou fazem perigar a sua sociabilidade (ofensa ao decoro), e isto ninguém tolera, pois o perigo de isolamento social é sanção que nenhum ser humano suporta.
Por isso, quando se imputa um facto, ou se dirige uma palavra a alguém, susceptível de atingir os aspetos atrás referidos, aí a prova do dolo é redundante (extraída de presunções de facto).
O Prof. EUGÉNIO CUELLO CALÓN, a este respeito, ensinava: "quando as palavras pronunciadas ou os atos efetuados são naturalmente injuriosos, deve presumir-se o ânimo de injurias de injuriar a menos que se prove o contrário". (Ver "DERECHO PENAL", Tomo II,(PARTE ESPECIAL), 11ª Ed., pág. 605, Barcelona, l944), note-se que esta presunção de que se fala, constitui, simplesmente, uma presunção de facto na apreciação da prova. No mesmo sentido, ensina o Prof. MAGGIORE: "só é verdade que a prova do dolo pode parecer supérflua, quando se trata de expressões ou gestos que tenham um sentido inequívoco e absolutamente injurioso." (Ver Ob. cit., pág. 394).
Na análise que se faça das palavras ou expressões que foram dirigidas pelo arguido à assistente EE com 81 anos de idade, conforme ponto 4 dos factos provados, têm de ser ponderadas no perfil do caso concreto, considerando o grau de educação dos intervenientes; a classe social do ofendido e agente do crime; o grau de confiança entre os intervenientes, "uma dada palavra ou um dado ato pode ter ou não carácter injurioso, conforme as condições de lugar, ou ambiente, qualidade das pessoas ou natureza das suas relações, modo com que se profere a palavra; intenção do agente." (Ver DR. NELSON HUNGRIA, Ob. cit. pág. 92). No mesmo sentido se pronuncia o PROF. CUELLO CALÓN, nos seguintes termos: "Mas o animus injuriandi não deve deduzir-se somente do sentido gramatical das frases pronunciadas (...), também tem de tomar-se em conta os antecedentes do caso, a ocasião, qualidade e cultura dos ofensores e agravados." (Ver ob. cit. pág. 609)
Por fim, é relevante esclarecer que é de rejeitar a noção de honra média. Todo o homem é adequado ou possível objeto de uma ofensa à honra. Como salienta HAFTER (citado por Nelson Hungria in ob. cit. pág. 93), "Os pontos sensíveis que o indivíduo apresenta do ataque, são porém diferentes".
Portanto, é perigoso e profundamente erróneo, pretender estabelecer um padrão de honra. É dado assente entre os filósofos do Direito, que a posse de valores morais, éticos e até estéticos, não depende da sabedoria ou condição social dos homens, pois a sensibilidade aos valores é algo que depende de cada um, é revelado pela faculdade emocional-intuitiva de cada homem.
O facto de certa pessoa ser de condição social inferior, sendo também inculta, é compatível com uma formação moral sólida, em contrapartida, existem os chamados "sábios maus", na expressão de JOHANNES HESSEN, na sua "FILOSOFIA DOS VALORES", trad. Portuguesa, Coimbra, 1980.
Estas considerações servem para assentar, que existem certas expressões que, por si só, têm uma pesada carga ofensiva, pelo que, nesse caso, o dolo (intenção de ofender), é quase imanente a essas expressões. Porém, a análise desse facto, não deve ser desacompanhado do circunstacialismo que o rodeou, para além de que a honra do ofendido, tem de ser aferida caso a caso.
Assim, se a liberdade de expressão é um direito fundamental consagrado no art.37º do CRP, por sua vez, o direito à honra ao bom nome e reputação também o é, cfr.art.26º nº1 da lei Fundamental; não podendo, sem mais, o exercício daquele, atingir, violar ou sobrepor-se a este.
Sobre a importância das expressões dirigidas - “Oh velha do caralho” - que o arguido dirigiu ostensivamente à assistente EE, têm as mesmas uma carga desvaliosa bem expressiva e ofensiva, a qual dispensa todos os considerandos que pretendam explicitar o quanto é ofensiva. Longe de apenas integrar “linguagem vulgar ou grosseira”, ou como pretende o arguido “falta de civismo ou de educação”, é uma expressão claramente insultuosa e muito ofensiva da honra da assistente. Aliás, as declarações prestadas por esta em audiência de julgamento, ilustram e demonstram cabalmente esta realidade. Portanto, o crime de injúria consumou-se, também nesta parte improcedendo as conclusões do recurso.
O arguido pela densidade do ataque injurioso que desferiu, quis diretamente maltratar a honra e consideração da ofendida (dolo direto).
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Ainda na impugnação à matéria de facto, o recorrente, vem sustentar a nulidade da sentença que decorre do apuramento de factos novos, sem que haja sido cumprido o disposto no art.358º do CPP, cfr.art.379º nº1 alínea b) do CPP, concretamente no que concerne ao ponto 7 dos factos provados, quando se apura que o arguido dirigiu ao assistente BB a expressão “filho da puta”, em detrimento da expressão “cabrão” a qual não se apura, e sem que o Tribunal haja comunicado à defesa essa alteração de factos.
Embora o recorrente sustente, sem razão, tratar-se que uma alteração substancial de factos, quando, diversamente, os factos ocorrem entre os mesmos sujeitos, na mesma ocasião, sendo idêntica a natureza da atitude ofensiva à honra, tratando-se do mesmo crime em discussão, “apenas” apurando-se nomes diferentes.
Mas se esta alteração é manifestamente não substancial, contudo, não é a mesma irrelevante, dado que, a alteração de nomes, significa, por definição, uma “nova” discussão sobre a carga ofensiva, assim como sobre a oportunidade e o contexto em que foram proferidas, sendo relevância típica inequívoca, existe, por isso importante quebra do contraditório na falta comunicação prevista no art.358º do CPP, o que determinará a nulidade da sentença nessa parte cfr.art.379º nº1 alínea b) do CPP.
A Jurisprudência tem entendido não existir uma alteração de factos sujeita ao regime do art.358º do CPP, quando a factualidade dada com provada na sentença respeite a alterações de factos relativos a aspetos não essenciais, manifestamente irrelevantes para a verificação da factualidade típica ou da ocorrência de circunstâncias agravantes, cfrAc.STJ de 16/10/1995; o mesmo se passa quando a alteração versa apenas sobre a descrição do contexto temporal e do ambiente físico em que a ação do arguido se desencadeou cfr.Ac.TC nº387/2005 de 13/07/2005. Se o critério será a relevância típica para se considerar a alteração de factos como sujeita ao regime do art.358º do CPP; também, não se pode perder de vista, que o modo de execução do delito, por regra tem, não só relevância típica, como também pode integrar a estratégia de defesa (com consequências na não realização do tipo), na qual podem orbitar aspetos relativos ao espaço ou mesmo ao tempo. Não estando integrados na estratégia de defesa, e não tendo relevância típica, o regime do art.358º não se aplica.

Esta circunstância determina que o restante objeto de recurso (quanto à apreciação da prova produzida nos pontos 7 a 9 dos factos provados escolha e medida da pena) não possa ser apreciado, sem que o Tribunal “A Quo” cumpra previamente as formalidades do art.358º do CPP quanto ao ponto nº7 do elenco dos fatos provados, no que toca à expressão (filho da puta).
Como resulta dos fundamentos expostos, o recurso apenas merece provimento parcial, quanto à sobredita nulidade, circunstância que impede por ora a apreciação da prova produzida nos pontos 7 a 9 dos factos provados, assim como da escolha e medida da pena.

DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso parcialmente procedente quanto à nulidade da sentença quando apreciou e julgou provado o ponto 7 dos factos provados no que concerne à expressão “filho da puta”, sem que previamente houvesse sido cumprida a comunicação expressa no nº1 do art.358º do CPP; mais se negando provimento à restante parte do recurso, à exceção da apreciação da prova produzida nos pontos 7 a 9 dos factos provados e da pretendida alteração da escolha e medida da pena, cujo conhecimento não se procede agora, devendo previamente o Tribunal “A Quo” proceder à reabertura da audiência de julgamento para cumprimento das comunicações respeitantes ao nº1 do art.358º do CPP quanto à expressão “filho da puta” constante da matéria do ponto 7 dos factos provados.

Notifique.

Sumário.
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Porto, 7 de Junho 2023.
(Elaborado e revisto pelo 1º signatário)
Nuno Pires Salpico
Paula Natércia Rocha
Pedro Afonso Lucas