Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1091/11.4TBVLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FÁTIMA ANDRADE
Descritores: ERRO DE JULGAMENTO
Nº do Documento: RP201809241091/11.4TBVLG.P1
Data do Acordão: 09/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 680-A, FLS 41-61)
Área Temática: ARTº 615º DO CPC
Sumário: I - As causas de nulidade da sentença estão taxativamente previstas no artigo 615º do CPC.
II - Não configura nulidade de sentença o erro de julgamento da matéria de facto a ser reapreciado nos termos do artigo 662º do CPC.
III - Nem configura tal nulidade o eventual erro de julgamento derivado de errada subsunção dos factos ao direito ou mesmo de errada aplicação do direito.
IV - Impugnada a decisão da matéria de facto com base em meios de prova sujeitos à livre apreciação, com cumprimento dos requisitos previstos no art. 640º do NCPC, cumpre à Relação proceder à reapreciação desses meios de prova, sobre os mesmos formando a sua própria convicção nos termos do art. 662º.
V - Estando em causa muro divisório e não provada a propriedade exclusiva do mesmo a favor dos respetivos confrontantes, nem afastada a presunção de comunhão de tal muro nos termos do nº 3 do artigo 1371º, presume-se o mesmo muro comum.
VI - Sendo o muro comum e tendo o mesmo menos do que cinco decímetros de espessura, é permitido a qualquer dos consortes edificar sobre a parede ou muro comum e nele introduzir traves ou barrotes em toda a sua largura – conforme decorre do artigo 1373º nºs e 1 e 2 (a contrario) do CC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 1091/11.4TBVLG.P1
3ª Secção Cível
Relatora – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade
Adjunto - Juíza Desembargadora Fernanda Almeida
Adjunto - Juiz Desembargador António Eleutério
Tribunal de Origem do Recurso – T J Comarca de Porto Este – Jz. Local Cível de Paredes
Apelantes (RR)/ B... e C... (recurso principal)
Apelantes (AA)/ D... (recurso subordinado)
Apelados (RR e AA)

Sumário (artigo 663º n.º 7 do CPC).
.............................................................
.............................................................
.............................................................
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório
D... instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum contra B... e C..., peticionando pela procedência da ação a condenação dos RR. a:
- reconhecer que o A. é dono e legítimo possuidor do muro divisório que delimita o imóvel do A. identificado nos autos e o imóvel onde habitam os RR., e que o devem deixar livre de pessoas e bens;
- demolir a cornija da casa até ao limite do muro divisório do A. em toda a sua extensão, bem como a retirarem o esferovite e o capoto que ocupa o muro divisório referido;
- pagar ao A., a título de danos morais, a quantia de € 2.500,00.
Para tanto alegou em suma (considerando já o articulado de aperfeiçoamento da p.i. que veio a ser junto aos autos na sequência do convite para o efeito formulado pelo tribunal, na parte em que o mesmo foi considerado) ser proprietário do prédio identificado no artigo 1º da petição inicial, por via da aquisição derivada (por partilha) bem como originária (por usucapião). Prédio este que alegou confrontar a poente com o imóvel onde habitam os RR. e a seu favor registado, dividindo ambos os imóveis um muro mandado construir pelos pais do A. entre 68 e 72 na sequência de licença de construção emitida no âmbito do processo camarário nº ..../68.
Do total de 50 metros de comprimento deste muro, sendo o mesmo em 40 metros divisório do prédio dos RR. para o prédio do A. em 19 metros e nos restantes metros para o prédio de uma irmã do A..
Muro sobre o qual os RR. colocaram a cornija da sua casa e posteriormente esferovite e capoto, nos termos descritos na p.i..
Tendo a atuação dos RR. causado ao A. alteração no comportamento diário que não consegue dormir, configurando danos morais cuja indemnização peticiona.
Regularmente citados, vieram os RR. deduzir contestação, na qual e em suma alegaram (considerando já a resposta dada ao articulado de aperfeiçoamento da p.i. apresentado pelo A.) a propriedade do muro em questão por ter sido pelos mesmos construído no limite do seu prédio, junto a um muro baixo de pedra que delimitava a extrema do prédio confinante.
Impugnaram o demais alegado pelo autor.
Deduziram ainda reconvenção, na qual alegaram ter construído o muro em causa nos autos, à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição de ninguém, na convicção do exercício de um direito próprio.
Mais alegaram ter sido o A. quem, há bem pouco, destruiu o muro que paralelamente ao muro dos RR. estava edificado e que delimitava o terreno do A. do terreno dos RR./reconvintes. Apropriando-se assim do muro dos reconvintes.
Termos em que concluíram pela total improcedência da ação e na procedência da reconvenção, na condenação do A. a:
- respeitar o direito real de propriedade dos RR.;
- demolir a obra realizada sobre o muro propriedade dos RR./reconvintes e respetiva restituição aos donos no estado em que se encontrava antes da obra.
Respondeu o A. impugnando o alegado pelos RR. e assim concluindo pela procedência da ação e pela improcedência da reconvenção.
*
Foi realizada tentativa de conciliação, sem sucesso.
Proferido despacho saneador, foi no âmbito do mesmo:
- admitido o pedido reconvencional;
- declarado não ser admissível o alegado no articulado que respondeu ao convite ao aperfeiçoamento, na parte em que excedeu o mesmo, como tal não sendo considerada nem a “matéria que extravasa tal convite” nem os pedidos introduzidos e “não formulados inicialmente”.
- foram selecionados os factos assentes e organizada base instrutória, com os factos sujeitos a prova.
A. e RR. requereram a realização de prova pericial.
Apresentado o relatório pericial (por requerimento de 18/06/14 a fls. 229 e segs.), ao mesmo apresentou o A. reclamação e solicitou esclarecimentos, prestados conforme por requerimento de 25/02/2015 a fls. 248/249.
Na sequência de novo pedido dirigido ao Sr. perito e após várias diligências veio a ser apresentado relatório pericial complementar em 14/03/2016 junto a fls. 288 e segs..
*
Realizada audiência final, prestou nesta o Sr. perito esclarecimentos no decurso dos quais lhe foi solicitado novo complemento ao seu relatório, oportunamente junto aos autos em 03/05/2017 a fls. 462 e segs..
Finda a produção da prova, foi proferida sentença julgando-se a ação parcialmente procedente e, em consequência:
A) Reconhece-se que o A. e os RR. são comproprietários, em partes iguais, do muro divisório entre os prédios identificados em A) e C) dos factos provados;
B) Condenam-se os RR. a demolir a cornija da casa na parte que ultrapasse o limite interno do muro, atento o prédio identificado em A, dos factos provados, na extensão em que tal se verifique;
C) Absolvem-se os RR. dos demais pedidos formulados pelo A.;
D) Absolvem-se os AA. dos demais pedidos reconvencionais formulados pelos RR./Reconvintes.”
*
Do assim decidido apelaram os RR. e o A. subordinadamente.
Apelação dos Réus.
Apelaram os RR. oferecendo alegações e formulando as seguintes
Conclusões:
“1. Entendem também os Réus que a proporção de decaimento para efeitos de custas estabelecida na sentença de que ora se recorre está incorreta, pelo que nos termos do artigo 616.º/1 e 3 do CPCivil, entendem que deverá a mesma ser reformada nesta parte.
2. O objeto desta ação dirige-se à declaração de propriedade sobre o muro divisório, sendo certo que decidindo o Tribunal a quo aplicar a presunção de compropriedade não deu razão nem ao Autor, nem ao Réu, devendo o decaimento ser estabelecido em partes iguais.
3. Perante a sentença proferida pelo Tribunal a quo, vêm os recorrentes impugnar a decisão sobre a matéria de facto, versando ainda este recurso sobre a matéria de direito.
4. Nos termos do artigo 640.º, 1, al. a) do CPC, os recorrentes entendem que a matéria de facto dada como provada sob os pontos E), H), I), K), M), e a matéria de facto dada como não provada sob o ponto 19) se encontra incorretamente julgada.
5. Porquanto a factualidade considerada assente na sentença e supra indicada não tem suporte na prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento que o Tribunal a quo - na fundamentação daquela decisão - reputou determinante para a formação da sua convicção.
6. Assim, quanto ao ponto E) da matéria de facto dada como provada, os Recorrentes consideram-no incorretamente julgado na parte em que se refere o comprimento do muro que limita o prédio do Autor para a via pública como sendo de 10 metros.
7. Na motivação da decisão de facto relativamente ao ponto E), não surge qualquer referência a prova produzida quanto ao comprimento do muro frontal, nem qualquer fundamento para esta decisão de facto, não existindo prova testemunhal nesse sentido, e existindo, isso sim, prova documental plantas referentes a um pedido de licenciamento da casa do Autor apresentadas na Câmara Municipal ..., a fls. 175 dos autos que confirma que o comprimento desse muro frontal é superior a 12 metros.
8. Pelo que, não existindo prova produzida quanto ao comprimento exato do muro frontal, na matéria de facto dada como provada deverá deixar de constar essa medida, devendo este ponto da matéria de facto passar a ter a seguinte formulação:
O muro que limita o prédio identificado em A) para a via pública (hoje R. da ...) foi construído em granito.
9. Quanto ao ponto H) da matéria de facto dada como provada, os Recorrentes não se conformam com a descrição efetuada do posicionamento dos muros, pois não se produziu prova que confirmasse que o muro de granito do A. encastrava no muro divisório e praticamente encostava ao murete dos Réus, nem existe fundamentação na sentença recorrida para esta decisão.
10. A prova produzida - fotografias junta como doc. 1 de requerimento apresentado pelos Réus, via Citius, em 10 de maio de 2016 e fotografias a fls. 481 e ss. vai no sentido que existia o muro divisório entre os dois prédios, ao qual encostava tanto o murete do Réu como o muro em granito do Autor.
11. Nenhuma prova foi produzida no sentido de que o muro em granito do Autor praticamente encostava ao pequeno murete dos Réus, sendo visível nessas fotografias que o murete dos Réus encostava apenas e só no muro divisório. Da mesma forma, o muro em granito que delimitavam prédio do Autor encostava também no muro divisório.
12. Assim o ponto H) da matéria de facto dada como provada deverá passar a ter a seguinte formulação: Antes do indicado em G), o muro em granito, que delimitava o prédio do Autor com a via pública, e o pequeno murete, que se situava na parte do terreno onde habitam os RR., encostavam no muro divisório em mecan.
13. Quanto ao ponto I) da matéria de facto dada como provada, os Recorrentes consideram-no incorretamente julgado, porquanto entendem que este ponto faz uma descrição errada do muro em mecan do Autor, visto que da prova produzida decorre que no momento em que o Autor faz esta alteração, fá-la respeitando o muro divisório, começando a construir o seu muro frontal a partir precisamente do limite do muro divisório, respeitando e reconhecendo a propriedade do Réu quanto a esse muro divisório.
14. Neste sentido, a conjugação das fotografias que constituem o doc. 2 do requerimento apresentado pelos Réus, via citius, dia 10 de maio de 2016, e também as fotografias que constituem o doc. 6, 7 e 8 da Contestação (fotografias originais juntas em ADJ a fls. 481 e ss), com a planta de Projeto de arranjos exteriores, no âmbito do Projeto de licenciamento da casa do Autor, junta aos autos a fls. 175, resulta evidente que quando o Autor ergueu o muro em mecan para a via pública, encostou esse muro ao muro divisório referido, tendo construído uma coluna (pilar) cujo limite exterior encosta no limite interior do muro divisório (visto da perspetiva do prédio do Autor), delimitando a sua propriedade pelo pilar referido, e reconhecendo a propriedade dos Réus relativamente ao muro divisório.
15. Também nesse sentido, os depoimentos de E... e do Eng.º F....
16. Assim o ponto I) da matéria de facto dada como provada deverá passar a ter a seguinte formulação: quando o Autor ergueu o muro em mecan para a via pública, encostou esse muro ao muro divisório referido, tendo construído uma coluna (pilar) cujo limite exterior encosta no limite interior do muro divisório (visto da perspetiva do prédio do Autor), delimitando a sua propriedade pelo pilar referido, e reconhecendo a propriedade dos Réus relativamente ao muro divisório.
17. Quanto ao ponto K) da matéria de facto dada como provada, os Recorrentes consideram-no incorretamente julgado, porquanto este ponto foi dado como provado com base no depoimento de G..., mãe do A, que a própria sentença considera que não é credível, e que tem uma “óbvia vontade de corroborar a versão do Autor”.
18. Mais, foi produzida prova que permite esclarecer que não é possível este pedido ter sido feito visto que os RR. sempre estiveram convencidos de que aquele muro lhes pertencia, exercendo relativamente a ele atos demonstrativos da respetiva propriedade.
19. Assim, construíram a garagem de sua casa sobre o muro divisório_ cfr. Conclusão do Relatório do Perito junto aos autos a 3 de maio de 2017: “…até que o muro existente fica completamente debaixo da casa dos Réus”; sempre caracterizaram o muro de acordo com a sua casa, pintando-o e apresentando-o perante todos como se fosse seu: fotografia doc. 2 do requerimento apresentado pelos Réus, via citius, dia 10 de maio de 2016 e docs. 4 e 5 Contestação (cujos originais foram juntos em ADJ e constam de fls. 481 e ss dos autos) e depoimento de E..., H... (irmão e testemunha do Autor), e I....
20. Tendo sempre demonstrado a sua propriedade relativamente aquele muro, não faz qualquer sentido que fossem solicitar à mãe do Autor se podiam colocar a cornija da casa em cima do muro, também carecendo de sentido que tivessem pedido autorização, reconhecendo que não eram proprietários, e perante resposta negativa, tivessem realizado a obra na mesma (para quê o pedido então??)….
21. Assim o ponto K) da matéria de facto dada como provada deverá passar a ter a seguinte formulação: O R. colocou a cornija da casa em cima do muro atrás referido.
22. Quanto ao ponto M) da matéria de facto dada como provada, os Recorrentes consideram-no incorretamente julgado, porquanto entendem que resulta da prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento, nomeadamente do Relatório Pericial junto aos autos no dia 3 de maio de 2017, a sobreposição da garagem em relação ao muro é progressiva, acabando por ser total_ cfr. também fotografias que constam do Relatório Pericial, junto aos autos no dia 14 de março de 2016, onde é visível a sobreposição na parte do muro que confronta com o prédio do Autor (fotografias 5 e 6) e a sobreposição total na parte do muro que confronta com o prédio da irmã do Autor (fotografias 12 e 14).
23. O facto é que esta ocupação existe, independentemente de ser na parte do muro divisório que confronta com o Autor ou com o terreno vizinho, da irmã do Autor, e essa ocupação total do muro divisório é essencial enquanto sinal que exclui a presunção de compropriedade do muro.
24. Nesta parte é nula a sentença nos termos do art. 615.º, n.º1, d) do CPCivil, porquanto a Mma. Juiz deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar.
25. Assim o ponto M) da matéria de facto dada como provada deverá passar a ter a seguinte formulação: O R. marido levou a cabo a construção duma garagem anexa à habitação, que ocupa de forma progressiva o muro divisório dos prédios identificados em A) e C) até que o muro existente fica completamente debaixo da garagem dos Réus.
26. Quanto ao ponto 19) da matéria de facto dada como não provada, entendem os Recorrentes que este ponto deveria ter sido considerado provado, com base na prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento.
27. Assim, foi produzida prova no sentido de que o muro divisório se encontra no limite e no interior do prédio dos Réus, estando os prédios em cotas de altura diferentes, o dos Réus num plano inferior e o do Autor num plano superior, e o muro construído no plano inferior._ planta de arranjos exteriores do projeto de licenciamento de casa do Réu, a fls. 175 dos autos e fotografias de fls. 419 e 420.
28. Entendem os Recorrentes que a sentença de que ora se recorre é contraditória porquanto reconhece o plano inclinado da rua onde se encontram os prédios do Autor e Réus, reconhece o declive existente entre os terrenos, mas afirma não se ter provado a existência de um socalco entre os prédios, que leve a que o muro ou esteja construído no terreno de cima ou no debaixo.
29. É que, estando casas construídas nesses dois terrenos, é evidente que essas casas não podem estar em planos inclinados. Logo, a inclinação reconhecida nos terrenos tem que ser colmatada, o que implica a existência de um socalco entre um terreno e outro, como se analisa aliás das fotografias de fls. 419 e 420, e resulta dos depoimentos de H..., J..., ambas testemunhas do Autor, e de E... e I..., K... e Eng. F....
30. Por outro lado, foi produzida prova no sentido de que o próprio Autor reconheceu que o muro divisório se encontrava no prédio dos Réus, como decorre da planta de arranjos exteriores (fls. 175) e planta “vermelhos e amarelos” (fls. 209) e da conjugação da planta de arranjos exteriores com as fotografias de fls. 331.
31. Foi o próprio Autor que num primeiro momento, precisamente na altura em que fez a primeira alteração ao seu muro frontal, edificando o pilar, respeitando o muro divisório como sendo propriedade dos Réus, fez os projetos para a sua casa, nos quais não incluiu o muro existente em causa nos presentes autos (depoimento de L...).
32. Foi ainda produzida prova no sentido da existência de um muro antigo, do lado da casa do Autor, paralelo ao muro divisório em causa nestes autos.
33. Reconhecendo a sentença recorrida a existência desse muro antigo, não entendem os Recorrentes como é que face às fotografias de fls. 481 e às fotografias de fls. 422 pode o Tribunal a quo retirar que se trata de um muro antigo que “foi aproveitado como base para a construção do muro em blocos também aí visualizado”.
34. É que em todas as fotografias de fls. 3, 4, 5 e 6 do Relatório da empresa M..., junto aos autos a fls. 421 se analisa os resquícios do muro antigo, sendo perfeitamente visível nas fotografias de fls. 5 e 6 que esse muro antigo se encontrava ao lado do muro em causa nos presentes autos, aliás do lado do prédio do Autor, e não por baixo.
35. No sentido de existir um muro antigo ao lado (do lado do prédio do Autor) do muro em causa nestes autos vai o depoimento de K..., N... e I... e E....
36. Por outro lado, resulta da prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento que foram os Réus a construir o muro em causa nos presentes autos.
37. Nesse sentido, os depoimentos de K..., N..., I....
38. Não compreendem os Recorrentes a fundamentação que leva a desconsiderar os depoimentos destas testemunhas que viram ou construíram aquele mesmo muro, e que aliás viviam na casa do prédio que agora é do Autor, outrora arrendada à mãe daqueles.
39. É que, por um lado, como já se analisou supra, não resulta das fotografias que o muro está construído em cima de pedras antigas, e não ao lado; por outro lado, a eventual falta de sentido dos Réus terem construído um muro novo ao lado (do lado do seu terreno) corresponde uma muito maior falta de sentido dos antepassados do Autor terem construído um muro novo do lado do prédio dos Réus, bem como padece de total ausência de sentido o facto dos antepassados do Autor terem construído um muro, já lá existindo outro, numa altura em que iriam viver para outra casa, arrendando o prédio agora propriedade do Autor.
40. Será mais credível alguém que diz que construiu o muro quando ia construir casa para viver naquele prédio, ou alguém que diz que começou a construir o muro apesar de ir mudar de casa?? Salvo o devido respeito, não tem sentido que perante a perspetiva de mudar de casa, os pais do Autor fizessem um muro novo.
41. A casa nova da mãe do Autor estava em construção, e foi requerido o seu licenciamento em 1973 (Proc. de licenciamento ..../73 cujas cópias se encontram juntas aos autos a fls. 455 e ss).
42. Segundo o depoimento de J... a nova casa da mãe do Autor estava em construção quando ele, na sua versão, viu a construir o muro.
43. Sendo certo que o licenciamento de vedação com muro data de 1968, faz todo o sentido que esse licenciamento do muro tenha sido requerido para vedação do terreno onde se implantaria a casa nova da mãe do Autor, como aliás decorre da análise da planta que se encontra junta a esse requerimento de licenciamento de muro de 1968 (fls. 455 e 457), consolidada aliás pela fotografia aérea do local junta pelos Réus em Audiência de Discussão e Julgamento de 9 de maio de 2017.
44. O certo é que em 1976, a casa implantada no prédio que hoje é do Autor foi arrendada aos pais de K... e N..., conforme decorre dos seus depoimentos, pelo que os pais do Autor já haviam mudado para a sua nova casa antes dessa data.
45. Concluindo, por estes motivos entendem os Recorrentes que o ponto 19) da matéria de facto dada como não provada deveria ter sido considerado provado, com base na prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento.
46. Quanto à matéria jurídica, entendem os Recorrentes que decidiu mal a sentença da qual se recorre porquanto aplicou a presunção de compropriedade do n.º2 do artigo 1371º do C. Civil, não reconhecendo, que os Réus apresentaram prova que ilide tal presunção (art.º 350º, n.º 2, do C. Civil.), e que existem sinais que excluem tal presunção (artigo 1371.º, n.º 3, al. a), n.º4 e n.º5 do Código Civil.), no sentido de que o muro é propriedade exclusiva dos Réus, e que lhes assiste o direito de exigirem que o Autor respeite o seu direito de propriedade e que o Autor proceda à demolição da obra realizada sobre o muro divisório e respetiva restituição aos donos no estado em que se encontrava antes da obra.
47. Sem prescindir, mesmo que se considerasse que decidiu bem a sentença no sentido de aplicar a presunção de compropriedade, declarando a compropriedade do muro divisório em causa nos presentes autos, a verdade é que não se pode deixar de verificar que a obra realizada pelo Autor sobre o muro é manifesto abuso de direito, pois o Autor excedeu manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito que lhe assistiria enquanto comproprietário.
48. Sendo assim, é ilegítimo o exercício desse direito enquanto comproprietário, nos termos do artigo 334.º do Código Civil, cabendo-lhe, nos termos do art. 483.º do CCivil, demolir a obra realizada sobre o muro divisório.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO:
DEVERÃO V. EX.AS DAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO DE MATÉRIA DE FACTO, DETERMINANDO A MODIFICAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO CONSIDERADA PROVADA NOS PONTOS E), H), I), K), M) E CONSIDERADA NÃO PROVADA NO PONTO 19) NA SENTENÇA DE QUE ORA SE RECORRE E, CONSEQUENTE DECISÃO, NO SENTIDO DO RECONHECIMENTO DO DIREITO DE PROPRIEDADE DOS RÉUS EM RELAÇÃO AO MURO DIVISÓRIO EM CAUSA NOS PRESENTES AUTOS.
NÃO OBSTANTE O REQUERIDO, SE V. EX.AS ENTENDEREM NÃO DAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO NESSA PARTE E ENTENDEREM MANTER A DECISÃO NO SENTIDO DE DECLARAR A COMPROPRIEDADE DO MURO DIVISÓRIO, O QUE SÓ A TÍTULO DE MERO RACIOCÍNIO ACADÉMICO SE ADMITE, DEVERÃO V. EX.AS, CONSIDERADAS TODAS AS CIRCUNSTÂNCIAS SUPRA DESCRITAS, E DETERMINAR A DEMOLIÇÃO DA OBRA REALIZADA SOBRE O MURO UMA VEZ QUE A MESMA REPRESENTA ABUSO DE DIREITO.
REQUER-SE AINDA A REFORMA DA SENTENÇA QUANTO A CUSTAS, NOS TERMOS DO ARTIGO 616.º/1 E 3 DO CPCIVIL.”
Apresentou o A. contra-alegações, em suma tendo concluído pela total improcedência do recurso quer no que respeita a custas, quer no que respeita à decisão de facto e de direito face ao bem decidido pelo tribunal a quo, cuja manutenção pugnou.

Apresentou ainda o A. recurso subordinado, oferecendo alegações e formulando as seguintes
Conclusões:
“a) Da prova produzida em julgamento e dos documentos juntos ficou demonstrado que o muro divisório foi construído pelos pais do autor.
b) Assim o ponto 4 (4 dcnrpsf) deve constar duma alínea a acrescentar, al Q) donde conste: Em finais de 1968 o pai do A procedeu á construção do referido muro de vedação.
c) Assim, também, o ponto 6 (6 dcnrpsf) deve constar duma alínea a acrescentar, al R) donde conste: Esse muro divisório foi construído no imóvel referido em A)- ponto 6 da base instrutória.
d) Os testemunhos de O..., de P..., de Q... foram suficientemente convincentes, coerentes e imparciais pata tal conclusão.
e) Ao dar como provado que o muro em pedra em tempos construído pelos pais do autor a limitar com a estrada, e que o autor sustenta ter sido construído em simultâneo com o muro dos autos), estava encastrado neste, logo nos termos do artigo 1371 nº. 3, são sinais suficientes para afastar a presunção da propriedade e atribuir a propriedade do dito muro ao autor, em exclusividade.
f) Subsidiariamente, se o tribunal a quo decide pela compropriedade do muro, então os réus devem demolir, todas as construções que ultrapassem a linha divisória do mesmo.
Muro e não só a cornija.
Nestes termos e nos melhores do Direito,
Requerem a V. Exa, que deem provimento ao recurso de matéria de facto, determinando a modificação de facto considerada não provada nos pontos 4 e 6 para provada, considerando o muro divisório do autor, face ao provado na al. H) dos factos provados ou, caso se mantenha a sentença ora posta em crise nos factos provados e não provados, sejam os RR condenados a demolirem as construções sitas para além da linha divisória, na direção do imóvel do autor.
Dando provimento ao aqui se recorre, Farão Inteira Justiça.”
***
Por decisão de fls. 590, foi indeferida a reforma da sentença quanto a custas pretendida, pelos motivos na mesma constantes.
*
Os recursos, principal e subordinado, foram admitidos como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
***
II- Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelos apelantes serem questões a apreciar:
1) Recurso (principal) dos RR..
i- reforma do decidido quanto a custas [conclusão 1];
ii- erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto, tendo por objeto:
- os pontos E), H), I), K), M) dos factos provados, cuja alteração de redação propõem [vide conclusões 4ª a 25ª]
- e o ponto 19) dos factos não provados cuja introdução nos factos provados pugnam [vide conclusões 26ª a 45ª].
Certo sendo que as conclusões têm a função de delimitar o objeto do recurso.
Neste âmbito sendo ainda apreciadas – como questão prévia - as nulidades de sentença suscitadas por omissão de pronúncia nos termos do artigo 615º nº 1 al. d) [vide conclusão 24ª] e (ainda que de forma indireta) nulidade da sentença por contradição [vide conclusão 28ª].
iii- erro na aplicação do direito [vide conclusões 45ª e segs.].
2) Recurso (subordinado) do autor.
i- erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto: tendo por objeto os pontos 4) e 6) dos factos não provados, cuja transição para os factos provados o recorrente pugna [vide conclusões a) a d) as quais delimitam o objeto do recurso].
ii- erro na aplicação do direito [vide conclusões e) e f) ].
***
***
III- Fundamentação
Foram dados como provados os seguintes factos:
“Factos assentes por acordo:
A) O prédio urbano composto por casa de habitação, sito na R. ..., nº. ., da dita freguesia ..., a confrontar do nascente com S..., sul com Rua ..., do norte com T... e poente com B..., descrito na Conservatória de Registo Predial de Paredes sob o nº. 1459, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 512, está registado a favor do autor pela AP 06/291294 (A. dos factos assentes);
B) O dito prédio veio a mão do A, por escritura pública de partilha por óbito de U..., celebrada no dia 25 de Novembro de mil novecentos e noventa e quatro, no Cartório Notarial de Paços Ferreira (B. dos factos assentes);
C) Este imóvel confronta com o imóvel descrito na Conservatória de Registo Predial de Paredes sob o nº. 2102/98 e inscrito na matriz sob o artigo 1883, propriedade dos réus e onde estes habitam (C. dos factos assentes);
Factos demonstrados por produção de prova:
D) Em 1968, o pai do A. requereu junto da Câmara Municipal ..., a licença para a construção de um muro de vedação com 50 metros de comprimento, dos quais 10 metros de comprimento confinam com a via pública (ponto 2. da base instrutória);
E) Os 10 metros do muro que limita o prédio identificado em A) para a via pública (hoje R. da ...) foram construídos em granito (ponto 3. da base instrutória);
F) O muro divisório entre os prédios identificados em A) e C) começa na R. da ... (ponto 7 da base instrutória);
G) O A. procedeu à demolição do muro em granito que limitava com o caminho público, hoje R. ..., referido em E) e ergueu um novo muro em mecan (ponto 8. da base instrutória);
H) Antes do indicado em G), o muro em granito na parte inferior encastrava com o muro divisório em mecan, e praticamente encostava a um pequeno murete, que se situava na parte do terreno onde habitam os RR. (ponto 9. da base instrutória);
I) Quando o A. ergueu o muro em mecan para a via pública, encastrou esse muro ao muro divisório referido, tendo construído uma sapata mais larga, e uma pequena coluna (pilar) ligeiramente desviada desse muro divisório (ponto 10. Da base instrutória);
J) Em 2009 o A. demoliu novamente o muro frontal e reconstruiu-o (ponto 12. da base instrutória);
K) O R. solicitou à mãe do A. se podiam colocar a cornija da casa em cima do muro atrás referido (ponto 13. da base instrutória);
L) Os RR. construíram a parede mestra da casa ligeiramente paralela a esse muro divisório, na parte que confronta com a R. da ..., em que a parede se separa do dito muro divisório em cerca de 20 cm, cuja distância vai diminuindo em direção à Travessa ... e se extingue no início da construção da garagem dos RR. (ponto 15. da base instrutória);
M) O R. marido levou a cabo a construção duma garagem anexa à habitação, garagem essa que ocupa parcialmente o muro divisório dos prédios identificados em A) e C) - ponto 16. da base instrutória;
N) Tendo como “zero” a parte do muro divisório dos prédios do A. e dos RR. que se inicia na Rua ..., a beirada da casa dos RR., implantada no prédio identificado em C), sobrepõe-se relativamente ao muro a partir da profundidade de 2 metros, de modo progressivo, até atingir 19 cm de sobreposição aos 9 metros de profundidade;
O) O muro divisório entre os prédios identificados em A) e C) tem uma largura de 0,15 metros;
P) Correu termos no Tribunal Judicial de Paredes, sob o nº 7/1983, o processo de inventário obrigatório por óbito de U..., nos termos constantes de fls. 361 a 374 dos autos e que se dão por integralmente reproduzidas, no qual o prédio inscrito na matriz sob o artigo 512, freguesia ..., concelho de Paredes, omisso na Conservatória do Registo Predial de Paredes, foi relacionado como verba nº 15, adjudicado em comum e proporção dos respetivos quinhões e o respectivo mapa de partilha objeto de sentença homologatória.”
O tribunal a quo deu ainda como não provada a seguinte factualidade:
“1) No fim da década de 1960, os pais do A. procederam à construção do muro da parte sul e poente do seu prédio, que incluía o do A. e das suas irmãs, os das letras A, B e C do documento junto a fls. 121 (ponto 1. da base instrutória);
2) A licença indicada em D) dos factos provados referia-se a um muro com 15 cm de largura e 150 cm de altura, divisório (ponto 2. da base instrutória);
3) O restante muro divisório foi construído em mecan (cada bloco de mecan é de 50x24x5) - ponto 3. da base instrutória;
4) Em finais de 1968, o pai do A. procedeu à construção do referido muro de vedação (ponto 4. da base instrutória);
5) Parte deste muro de vedação, em cerca de 18,50 metros de comprimento (a distância em que o prédio identificado em A) confronta com o identificado em C), 15 cm de largura e 150 cm de altura, é o atual muro divisório entre o imóvel dito em A) e o dito em C) - ponto 5. da base instrutória;
6) Esse muro divisório foi construído no imóvel referido em A) – ponto 6. da base instrutória;
7) O muro divisório termina na Travessa ... e acompanhava toda a propriedade dos pais do A, a poente/norte, pois além do prédio referido em A) acrescia o lote, que hoje é propriedade da irmã do autor, T..., sito a norte do terreno dito em A), (correspondente à letra B do documento de fls. 121) e a norte/nascente deste parte do lote da irmã S... (correspondente à letra C do documento de fls. 121) – ponto 7. da base instrutória;
8) O referido em G) dos factos provados ocorreu em meados de 2002 (ponto 8. Da base instrutória);
9) O A. pretendia colocar uma grade no muro frontal (ponto 10. da base instrutória);
10) Em 2005 os RR. pintaram os muros de cor amarela, pretenderam pintar o topo do muro divisório, na R. da ..., dessa cor, o que o A. não o permitiu (ponto 11. da base instrutória);
11) O indicado em J) dos factos provados ocorreu em finais de Janeiro de 2009, face à alteração dos projetos e porque o autor pretendeu colocar uma máquina giratória para a construção da sua nova casa no terreno referido em A) - ponto 12. da base instrutória;
12) Quando solicitou o indicado em K) dos factos provados, o R. invocou que era uma exigência camarária (ponto 13. da base instrutória);
13) Em 1989/1992, por mera tolerância, o A. e demais herdeiros permitiram ao R. tal construção (ponto 14. da base instrutória);
14) O indicado em M) dos factos provados ocorreu em 1995 e o R. solicitou ao A. se podia colocar uma esferovite e capoto na parte da garagem, que passou a ocupar cerca de 5 cm do muro em cerca de um metro de comprimento, a fim de a mesma evitar que entrasse humidade, pois não conseguia construir uma caixa-de-ar, dada a largura do terreno não o permitir (ponto 16. da base instrutória);
15) O A. permitiu tal obra (ponto 17. da base instrutória);
16) As sucessivas afirmações públicas proferidas pelos RR. contra o A. têm-lhe causado inúmeros desgostos e perturbações psicológicas (ponto 18. da base instrutória);
17) O A. não consegue dormir, com graves alterações no seu comportamento diário (ponto 19. da base instrutória);
18) Os RR. tomaram posse do terreno supra identificado em C) no início da década de setenta (ponto 20. da base instrutória);
19) A delimitar o seu terreno dos terrenos com ele confinantes, no limite e sempre no interior do seu prédio, os RR. edificaram um muro que encontra e encastra com o [seu] muro [frontal] que delimita o seu prédio da via pública hoje denominada Rua da ..., que ali dista cerca de vinte centímetros da parede da casa dos réus, à vista e com o conhecimento de todos, sem a oposição de quem quer que fosse, na convicção de exercerem um direito próprio (pontos 21. a 25. da base instrutória).”
*
*
Conhecendo.
Não obstante e logo como primeira questão terem os RR. suscitado a questão da reforma da decisão quanto a custas, na medida em que o conhecimento dos demais fundamentos do recurso poderá vir a influenciar o nesta sede decidido, será esta questão apreciada a final.

Cumpre portanto apreciar do alegado erro imputado à decisão de facto tanto pelos RR. no seu recurso principal, como pelo Autor no recurso subordinado que interpôs.
*
Do recurso dos RR..
a) Da questão prévia relativa às invocadas nulidades da sentença.
As causas de nulidade da sentença estão previstas de forma taxativa no artigo 615º do CPC, nas quais e conforme é de forma linear aceite, se não inclui quer os erros de julgamento da matéria de facto ou omissão da mesma, a serem reapreciados nos termos do artigo 662º do CPC, quando procedentes e pertinentes, quer o erro de julgamento derivado de errada subsunção dos factos ao direito ou mesmo de errada aplicação do direito [cfr. Ac. STJ de 30/05/2013, Relator Álvaro Rodrigues, e Ac. STJ de 23/03/2017, Relator Manuel Tomé Gomes, ambos in www.dgsi.pt/jstj sobre a distinção entre nulidade da sentença versus erro de julgamento].
Analisando os fundamentos avocados pelos recorrentes para fundamentarem as por si apelidadas nulidades de sentença, resulta claro que estas se fundam no que os recorrentes entendem ser uma errada apreciação da prova produzida que a seu ver impunha decisão diversa [uma vez mais vide conclusões 22) a 24) e 26) a 45) do recurso dos RR.].
Claramente está em causa, pois, não nulidade da sentença por omissão de apreciação de questão a apreciar ou ainda contradição entre os fundamentos da decisão, mas antes e tão só erro de julgamento.
Improcedem portanto as invocadas nulidades da sentença, nos termos invocados pelos recorrentes RR..

b) Do erro da decisão de facto.
Na reapreciação da decisão de facto, importa ter presente os seguintes pressupostos:
1- Estando em causa a impugnação da matéria de facto, obrigatoriamente e sob pena de rejeição deve o recorrente especificar (vide artigo 640º n.º 1 do CPC):
“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
No caso de prova gravada, incumbindo ainda ao recorrente [vide n.º 2 al. a) deste artigo 640º] “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Sendo ainda ónus do recorrente apresentar a sua alegação e concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – artigo 639º n.º 1 do CPC - na certeza de que estas têm a função de delimitar o objeto do recurso conforme se extrai do n.º 3 do artigo 635º do CPC.
Pelo que das conclusões é exigível que no mínimo das mesmas conste de forma clara quais os pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, sob pena de rejeição do mesmo.
2- Na reapreciação da matéria de facto – vide nº 1 do artigo 662º do CPC - a modificação da decisão de facto é um dever para a Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente impuser diversa decisão.
Cabendo ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis.
Sem prejuízo de e quanto aos factos não objeto de impugnação, dever o tribunal de recurso sanar mesmo oficiosamente e quando para tal tenha todos os elementos, vícios de deficiência, obscuridade ou contradição da factualidade enunciada, tal como decorre do disposto no artigo 662º n.º 2 al. c) do CPC.
*
***
Tendo presentes estes considerandos e analisadas as conclusões dos recorrentes, bem como o corpo das suas alegações, conclui-se terem sido observados pelos mesmos os ónus de alegação e impugnação sobre si incidentes, pelo que cumpre reapreciar a decisão de facto tendo por referência os pontos impugnados constantes das respetivas conclusões que delimitam o objeto do recurso, ou seja os pontos da matéria de facto E), H), I), K), M) e 19) dos factos não provados[1],[2].
*
Para a reapreciação da decisão de facto relembrando ainda que o princípio da livre apreciação das provas continua a ser a base, nomeadamente quando em causa estão documentos sem valor probatório pleno; depoimentos das testemunhas ou de parte [vide art.ºs 341º a 396º do Código Civil (C.C.) e 607.º, n.ºs 4 e 5 e ainda 465º (quanto à confissão prestada em depoimento de parte, esta irretratável) do C.P.C.], cabendo ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis [cfr. Ac. STJ de 11/02/2016, Relator Abrantes Geraldes in www.dgsi.pt/jstj].
Fazendo ainda apelo [vide António S. Geraldes in “Recursos no Novo Código do Processo Civil, 2ª ed. 2014, anotação ao artigo 662º do CPC, págs. 229 e segs. que aqui seguimos como referência] ao:
- uso de presunções judiciais – “ilações que a lei ou julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido” (vide artigo 349º do CC), sem prejuízo do disposto no artigo 351º do CC, enquanto mecanismo valorativo de outros meios de prova;
- ou extraindo de factos apurados presunções legais impostas pelas regras da experiência em conformidade com o disposto no artigo 607º n.º 4 última parte (aqui sem que possa contrariar outros factos não objeto de impugnação e considerados como provados pela 1ª instância);
- levando em consideração, sem dependência da iniciativa da parte, os factos admitidos por acordo, os provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito por força do disposto no artigo 607º n.º 4 do CPC (norma que define as regras de elaboração da sentença) ex vi artigo 663º do CPC (norma que define as regras de elaboração do Acórdão e que para o disposto nos artigos 607º a 612º do CPC remete, na parte aplicável).
Por fim relembrando que na dúvida acerca da realidade de um facto ou da repartição do ónus da prova, deve o tribunal resolver a mesma contra a parte à qual o facto aproveita, tal como decorre do disposto nos artigos 414º do CPC e 346º do C.C..
Será com base nos considerandos acima expendidos quanto aos poderes do tribunal na reapreciação da matéria de facto e por referência à prova produzida – pericial, documental e testemunhal - que será reapreciada a decisão da matéria de facto.
*
*
Foram ouvidos na íntegra os depoimentos prestados e gravados, bem como analisada a prova pericial e documental oferecida aos autos.
*
Dos depoimentos prestados resulta, em primeira linha e tal como realçado pelo tribunal a quo a declarada já longa inimizade entre A. e RR. extensível aos demais familiares nos autos ouvidos como testemunhas.
Num segundo plano e confirmando em suma as versões tanto de A. como RR., vieram as respetivas testemunhas afirmar a propriedade exclusiva do muro em causa nos autos, em suma afirmando respetivamente que viram ou ouviram dizer que os pais do A. ou os RR. construíram este mesmo muro – ou seja o muro mais antigo onde o atual se encontra implantado - em terreno da exclusiva propriedade (de cada um deles), conforme igualmente o tribunal a quo deu nota.
As versões contraditórias, por sua vez não encontraram sustentação bastante na variada prova documental oferecida aos autos.
Não obstante A. e RR. terem junto aos autos documentos intitulados como “Relatório de Peritagem de Prédio Urbano” (por requerimento de 27/04/2016 a fls. 318 a 320) subscrito pela testemunha do A. V..., e “Relatório de Peritagem” (por requerimento de 22/01/2014 a fls. 164 a 172) e “Relatório de Peritagem Fotográfica” (por requerimento de 04/04/2017 a fls. 419 a 425) ambos subscritos pela testemunha dos RR. F..., técnico da M..., é de referir que os mesmos assumem a natureza de meros documentos particulares da autoria de terceiros, cuja valor probatório é assim apreciado livremente pelo tribunal, pois não têm valor confessório em relação à parte que deles se quer prevalecer (vide artigo 376º do CC a contrario).
Prova pericial foi efetivamente nos autos produzida, conforme resulta do relatório supra, mas da mesma não se extraem as conclusões necessárias à factualidade posta em crise, certo que também esta é apreciada livremente pelo tribunal, em conjunto com a demais prova produzida (vide 389º do CC).
Assim o Sr. Perito – W... - também ouvido em sede de audiência de discussão e julgamento em esclarecimentos, aos quesitos do autor respondeu:
“1) O muro divisório referido nos autos, nos quesitos 1 a 7, começa na R. da ... e termina no imóvel referido na letra C) do documento de fls. 121, sito na Travessa ...?
Resposta: Não. O muro em causa começa na Rua ..., mas desconhece-se onde termina, uma vez que no local existem várias construções que impedem a franca visualização no que diz respeito ao fim desse muro, razão pela qual o Perito não consegue responder com exatidão. (Ver fotografias n.ºs 1 a 14)
2) Este muro é um muro contínuo, constituindo uma construção única?
Resposta: Prejudicado pela resposta ao anterior quesito.
3) Construído na mesma data?
Resposta: O Perito desconhece.
4) Este muro tem a sua construção entre 1968/1972?
Resposta: O Perito desconhece.
5) Este muro tem cerca de 50m de comprimento? 15 cm de largura? 150cm de altura? No caso negativo, qual o seu comprimento, largura e altura?
Resposta: Aquando da vistoria ao local, a parte visível do muro, permite identificar a existência de um muro de blocos de cimento não revestidos, cuja parte inferior foi erigida em época anterior à parte do muro que se sobrepõe. As características dos blocos de cimento são o testemunho da construção em diferentes datas.
A parte visível do muro ancestral possui o comprimento cerca de 18,50 metros, a largura de 0,15 metros e a altura cerca de 1,40 metros.
A parte do muro de construção mais recente que encima o muro mais antigo, possui o comprimento cerca de 9,0 metros, a largura de 0,15 metros e a altura cerca de 1,25 metros. (Ver fotografias n.ºs 1 a 14).”
E aos quesitos do R. respondeu:
a) Averiguar a existência de vestígios de outro muro antigo encostado ao que atualmente se vê a delimitar os prédios dos aqui réus e autor;
Resposta: Aquando da vistoria ao local não foi visível qualquer vestígio de outro muro antigo encostado ao muro que atualmente se vê a delimitar os prédios do Autor e Réu.
O local onde está implantado o muro em causa denota ter sido alterado ao longo do tempo, em resultado das obras da envolvente. Por isso só com recurso à realização de ensaios destrutivos/sondagens poderá eventualmente ser possível identificar vestígios das fundações do muro antigo, caso exista.” [vide relatório de fls. 229 e segs. junto em 18/06/2014]
Estas respostas foram mantidas na sequência dos esclarecimentos pedidos no processo (vide fls. 248/249 junto por requerimento de 25/02/2015), bem como no relatório complementar de fls. 288 e segs. junto em 14/03/2016.
A fls. 462 dos autos (em 03/05/2017), o Sr. Perito em resposta ao pedido de verificação sobre se o muro em causa está erigido sob a beirada da moradia propriedade dos Réus e em caso afirmativo em que secção e extensão, após medições concluiu nos termos que de forma resumida constam em N) dos factos provados, das medições resultando que a sobreposição progressiva aos 6 metros corresponde a 12,0 centímetros, mas aos 7 metros já tem uma sobreposição de 16,0 centímetros implicando avançar já para lá do próprio muro, conforme se extrai da largura de tal muro provada e indicada em O) dos factos provados.
Assim e com relevo para a factualidade questionada por RR. e também A., extrai-se das respostas dadas a verificação pelo Sr. perito de que o muro em causa foi erigido, encimando um muro mais antigo. No mesmo sentido tendo sido o depoimento da testemunha F... (técnico da M... que elaborou os relatórios a pedido dos RR. acima já mencionados).
A data de construção ou até o seu comprimento que o A. alegou respetivamente ter sido construído entre 68 e 72 e ter 50 metros [40 metros de muro divisório e 10 de frente no limite para a via pública] – visando por esta via o autor fazer a conexão deste muro ao pedido de licença de construção apresentado pelo seu pai em julho de 1968 e cuja certidão juntou aos autos a fls. 453/454 em 26/04/2017, a que respeita também a planta de fls. 455 – não foi possível de confirmar pelo Sr. Perito, conforme resulta das respostas pelo mesmo dadas. Tanto por escrito como nos esclarecimentos que prestou em audiência.
Tão pouco resultou da demais prova produzida.
As testemunhas do A. U... (irmão); G... (mãe do autor e tia do R.) e X... (cunhado) afirmaram a continuidade do muro para lá do limite atual da propriedade do autor justificado com o facto de na sua construção o pai do A. ser dono de todo o terreno que em partilhas foi dividido entre nomeadamente o A. e sua irmã (casada com a testemunha X...) e estas, juntamente com as testemunhas J... e P..., asseveraram a construção do muro (primitivo) pelo pai do A. [estes dois últimos tendo afirmado ter visto essa mesma construção], delimitando assim a sua propriedade ainda que referindo que o muro foi sendo feito aos poucos e não de uma só vez.
Em sentido contrário – afirmando que esse mesmo muro primitivo foi construído pelos RR. - depuseram E... (com base no que ouviu dizer a seu pai aqui R., referindo este a data de 77 para a construção do muro); I..., irmã do R. que afirmou saber da construção do muro, tal como Y... igualmente irmão, tendo contudo afirmado não se lembrar da construção do muro (o mais antigo); K... - cunhado do R. e N... amigo do R., dando-se bem com todos, afirmaram inclusive ter ajudado a construir o muro na década de 70 – talvez 76.
Perante a contradição testemunhal e num contexto já referido de inimizade [com exceção das testemunhas N... dos RR. e P... e J... dos AA. que declararam estar de bem com todos] aliado ao facto de simultaneamente referirem também as testemunhas dos RR. que existiam dois muros paralelos (assim o disseram Y..., N... confirmando aliás a versão dos RR. apresentada aquando da contestação), impunha-se que outros elementos probatórios nomeadamente documentais sustentassem a versão das partes (A. e ou RR).
Ora os elementos documentais juntos aos autos não são suscetíveis de credibilizar a versão de uma das partes e nomeadamente a dos RR. por contraponto à do A. no que concerne ao limite do seu terreno e assim à implantação do muro em causa.
Nem, acrescenta-se desde já, o contrário.
Para além da prova pericial cujo resultado foi neste ponto inconclusiva; os documentos elaborados pelas testemunhas V... (a pedido do A.) e F... (a pedido dos RR.) porque baseados nas informações prestadas pelas partes pouco acrescentam ao caso para além do apurado.
A este propósito de referir que a testemunha F... concluiu pelas fotos juntas aos autos com o seu relatório a fls. 419 e segs. (requerimento de 04/04/2017) que o muro divisório foi construído sob um muro de alvenaria mais antigo, o que se confirma nomeadamente pela visualização da foto 12 de fls. 419. Por demonstrar tendo ficado a propriedade deste muro mais antigo.
Mais concluiu que o muro frontal novo de 2009 [vide ponto J) dos factos provados] cuja foto se encontra junta ao relatório pericial a fls. 291 (junto em 14/03/2016) e também (num outro ângulo) a fls. 169 (foto 4) do 1º denominado “Relatório de Peritagem” junto com o requerimento de 22/01/2014 elaborado pela testemunha em menção – por contraponto à situação anterior confirmada pela testemunha E... e situada em 2005, evidenciada nas fotos 2 e 3 de fls. 169 – passou a fazer frente até ao limite exterior do muro em causa. Quando antes (em 2005) terminava encostado ao muro que separa os dois terrenos.
A visualização das fotos permite-nos também extrair a mesma conclusão quanto ao muro novo. Sendo certo que e quanto ao muro antigo (de 2005), das fotos de fls. 484 evidencia-se que então este muro [a que se alude em G) dos factos provados] estava unido, encastrado ao muro divisório, para tanto tendo o A. construído um pilar/coluna mais alta na parte de união do muro frontal àquele muro divisório.
Anteriormente a 2005 e de acordo com as fotos de fls. 483 (originais das fotos de fls. 52 juntas com a contestação, onde se encontra na 1ª a filha dos RR. E..., ouvida como testemunha) é possível verificar, tal como o tribunal a quo o deu como apurado que o muro frontal do A. era em granito e na parte inferior encastrava no muro divisório em questão – assim o evidencia não só a foto de fls. 483 como também a foto de fls. 486. Do outro lado de igual forma encastrando o pequeno murete situado no prédio dos RR. – tanto o muro do lado do A. como o murete dos RR. não estão meramente encostados, conforme as fotos o evidenciam.
O assim apurado, não nos permite porém daqui extrair a definição dos limites das propriedades e assim da propriedade do próprio muro.
Conforme explicou em audiência a testemunha F..., a conclusão por si expressa no relatório de fls. 164 e segs. junto com o requerimento de 22/01/2014 de que este muro de vedação está “para além do limite da propriedade do Promotor” ou seja do aqui A., partiu para além do mais do pressuposto de que pela antiguidade do muro e sua construção numa altura em que só existia uma casa, o muro seria construído por quem primeiro quer delimitar o terreno, ou seja os RR..
Este pressuposto, contudo, não se verifica. De acordo com as testemunhas, no prédio hoje pertencente ao A. existiu uma primeira casa da mãe do A., então apenas existindo um “barraco” no prédio hoje dos RR. onde mais tarde viria a ser construída a casa dos RR..
Convocou também a testemunha as plantas constantes do licenciamento da casa do A. e juntas por requerimento de 07/04/2014, nomeadamente a planta junta a fls. 214 dos autos e o levantamento topográfico de fls. 205 – este datado de julho de 2005 – e os limites nestes indicados, já que nestes não está representado para além dos próprios limites indicados como sendo a propriedade do autor.
Da sua análise, contudo não se extrai o reconhecimento pelo autor de que o muro em causa está para além dos limites do seu prédio.
Finalmente foi ainda convocada a inclinação do terreno para e por via desta justificar que estando o terreno dos RR. a uma cota inferior o muro serve de sustentação das terras do terreno a uma cota superior e assim evidencia estar implantado em terreno dos RR..
Analisado o levantamento topográfico e aliás conforme as testemunhas F... e Q... o confirmaram, ambas as habitações se situam numa rua com desnível gradual.
Do levantamento topográfico junto a fls. 205 – indicando os pontos sempre a cota do terreno ao nível do chão, conforme o explicou o autor do levantamento, a testemunha Q... - verifica-se que a cota do terreno do A. se situa à frente (junto à estrada) entre 100.36 e 99.32 (esta última cota na parte confrontante com os RR.) e na parte traseira entre 100.48 e 99.50 (esta última cota na parte confrontante com os RR.).
Por sua vez a cota do terreno dos RR. à frente (junto à estrada) oscila entre sensivelmente os 99.32 (onde termina a indicação do limite do terreno do A.) e os 98.57. Consta, contudo, deste mesmo levantamento uma outra cota medida à esquina frontal da casa dos RR. [sita no limite mais próximo da estrada, do lado em que confronta com o A.] de 99,50. Precisamente a mesma cota que no mesmo alinhamento é indicada no terreno do A. na parte traseira (do lado em que confronta com os RR.). A meio dessa mesma linha longitudinal, do lado do A. estando medido 99.49 até atingir junto à estrada no mesmo sentido os referidos 99,32.
As cotas mencionadas implicam que longitudinalmente os terrenos se encontram entre si na parte confrontante sensivelmente à mesma cota, na sua quase totalidade. Havendo apenas um desnível de 99,50 para 99,32 entre a dita esquina da casa dos RR. e o limite da estrada que e conforme resulta das fotos de fls. 52 se resume a pouco mais de meio metro de largura de acordo com este mesmo levantamento topográfico.
Valem estes considerandos para afastar a pelos RR. alegada prova de que entre o prédio do A. e dos RR. existe um socalco, consequência necessária do desnível de cotas existente entre os prédios.
O desnível gradual existe entre ambos os prédios. O socalco no limite divisório não ficou, perante os elementos do levantamento topográfico, cabalmente demonstrado. Daqui se não podendo inferir contradição alguma na fundamentação do tribunal a quo a este propósito.
Analisada assim a prova produzida e revertendo agora à factualidade que os RR. pretendem ver alterada, temos que na al. E) a alteração proposta respeita apenas à eliminação da medida do muro inicial em granito.
Na verdade não consta a medição feita de tal muro, nem a mesma resulta da prova documental. E a menção dos 10 metros vinha pelo A. sustentada no pedido de licenciamento de 68 que e conforme já se deu nota, não ficou demonstrado respeitar a este mesmo muro.
Como tal, assiste razão aos RR. neste ponto, passando a al. E) dos factos provados a ter a redação proposta pelos mesmos que aqui se reproduz:
«E) O muro que limita o prédio identificado em A) para a via pública (hoje R. da ...) foi construído em granito (ponto 3. da base instrutória);»
Em segundo lugar, pugnaram os RR. pela alteração da al. H) e I) dos factos provados, visando, para além do mais, alterar a menção ao encastre do muro em mecan no muro divisório referido em F).
Conforme acima já deixámos expresso as fotografias evidenciam uma união/encastre do muro tanto antes de 2005 como depois, da frente no muro divisório e portanto nesta parte, não assiste razão aos recorrentes.
A união/encastre é evidenciada pelas fotos acima referidas, sendo notório após 2005 o acabamento uniforme desde o muro frontal até limite exterior (mais próximo da propriedade dos RR.) do muro divisório. Onde por sua vez unia o murete pertença dos RR..
Assim, a al. H) passará a ter a seguinte redação, sendo certo que o muro em granito é o mencionado em G) e como tal é desnecessária a repetição da sua descrição (procedendo parcialmente neste ponto a pretensão dos RR.):
«H) Antes do indicado em G), o muro em granito na parte inferior encastrava no muro divisório em mecan, onde e no limite exterior do mesmo encastrava um pequeno murete, que se situava na parte do terreno onde habitam os RR. (ponto 9. da base instrutória);»
Por sua vez na al. I), para além da questão do encastre que pelos mesmos motivos acima referidos se mantém, naturalmente que o último segmento proposto, para além de não demonstrado é conclusivo e como tal não pode ser introduzido na factualidade provada.
Da foto de fls. 484 resulta que o A. construiu então uma coluna pilar fazendo com a mesma a união/encastre ao muro frontal construído em mecan. Não se detetando qualquer desvio em relação ao muro divisório, nem a construção da sapata, será esta menção eliminada.
Assim a al. I) passará a ter a seguinte redação:
«I) Quando o A. ergueu o muro em mecan para a via pública, construiu uma pequena coluna (pilar) através da mesma fazendo o encastre entre o muro de mecan e o muro divisório (ponto 10. Da base instrutória)»
Relativamente à al. K) pugnaram os RR. pela sua eliminação dos factos provados.
Afigura-se-nos que lhes assiste razão. O tribunal a quo fundou-se para o efeito no depoimento da mãe do autor, única testemunha que o referiu. Sendo certo que o seu depoimento foi considerado parcial e que nenhum outro elemento de prova o sustentou, tendo o filho U... se limitado a dizer que a mãe nada autorizou – não que essa autorização foi pedida e negada, afigura-se-nos insuficiente a prova produzida para um muito elevado grau de probabilidade se concluir que tais factos ocorreram.
Consequentemente decide-se eliminar a al. K) dos factos provados e passar a mesma para os factos não provados.
Relativamente à al. M) não assiste razão aos RR..
Convocam os RR. em 1º lugar o relatório pericial complementar junto aos autos a 14/03/2016 a fls. 288 e segs. e fotos 5 e 6 do mesmo.
Destas fotos resulta a sobreposição parcial apurada, não a total.
Invocam anda o relatório pericial junto aos autos a fls. 462 e segs. em 03/05/2017 e medições ali indicadas.
Contudo estas respeitam ao que consta na al. N) dos factos provados e não se confunde com o apurado em M).
Em resumo, improcede neste ponto a alteração pretendida quanto à al. M) dos factos provados.
Finalmente e quanto ao ponto 19) dos factos não provados, é evidente por tudo o que acima já expusemos que de tal matéria não foi feita prova cabal.
Relembra-se que embora não exigida na formação da convicção do julgador uma certeza absoluta, por via de regra não alcançável, quanto à ocorrência dos factos que aprecia, é necessário que da análise conjugada da prova produzida e da compatibilização da matéria de facto adquirida, extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras da experiência (vide artigo 607º nº 4 do CPC) se forme no espírito do julgador a convicção de que com muito elevado grau de probabilidade tais factos ocorreram.
É esta elevada probabilidade da ocorrência dos factos dados como não provados que na análise da prova produzida e assim analisada se entende, no contexto acima assinalado, não lograram os RR. demonstrar.
E a dúvida sobre a realidade de um facto deve ser resolvida contra a parte onerada com a prova do mesmo (artigo 414º do CPC), em função da prova produzida.
***
Do recurso subordinado do Autor
1) Do erro da decisão de facto.
Tendo presentes todos os considerandos já supra expendidos quer sobre os poderes do tribunal na reapreciação da decisão de facto quer sobre a prova produzida e acima já assinalada, cumpre apreciar a pretensão do A..
Em causa os pontos 4) e 6)[3] dos factos não provados que o mesmo pugna passem para a factualidade apurada, convocando para o efeito o depoimento das testemunhas J..., P... e Q....
Pelos mesmos motivos que o ponto 19) dos factos não provados não foi introduzido na factualidade provada, também estes dois pontos não merecem censura quanto ao decidido.
Da análise da prova que acima já deixámos feita, resulta que os limites divisórios da propriedade de A. e RR. nomeadamente por referência ao muro em questão ficaram por apurar, desde logo porquanto a própria autoria da construção do mesmo e data reportada a 1968 pelo autor igualmente se não apurou.
Deste factos não foi feita prova cabal que permita com o elevado grau de probabilidade concluir que tais factos ocorreram.
Pelo que improcede in totum a pretensão do A..
***
3) Do erro na aplicação do direito.
Em função do acima enunciado cumpre apreciar de direito, tendo presente que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, não obstante e sem prejuízo do limite imposto pelo artigo 609º quanto ao objeto e quantidade do pedido, não estar o tribunal vinculado às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito [vide artigo 5º nº 3 do CPC].
Conforme consta do relatório supra elaborado peticionaram A. e RR. o reconhecimento do direito de propriedade sobre o muro divisório que delimita as propriedades de cada um deles onde entre si confinam e na procedência deste pedido ou no seu pressuposto, a condenação à demolição das obras realizadas por cada um deles, nos termos indicados supra.
Não tendo sido provada factualidade demonstrativa da propriedade exclusiva do muro em causa quer por A. quer pelos RR., foram os mesmos condenados a reconhecer a compropriedade desse mesmo muro.
Em sede de recurso, os RR. pugnaram pela alteração da factualidade provada tendente nomeadamente a fazer a prova necessária a tal propriedade na sua esfera jurídica.
De igual forma o tendo feito o A..
Conforme resulta do acima decidido em sede de reapreciação de facto não teve vencimento a sua pretensão.
Nos termos do disposto no artigo 1371º do CC, sob a epígrafe presunção de compropriedade, encontra-se estabelecido:
“1. A parede ou muro divisório entre dois edifícios presume-se comum em toda a sua altura, sendo os edifícios iguais, e até à altura do inferior, se o não forem.
2. Os muros entre prédios rústicos, ou entre pátios e quintais de prédios urbanos, presumem-se igualmente comuns, não havendo sinal em contrário.
3. São sinais que excluem a presunção de comunhão:
a) A existência de espigão em ladeira só para um lado;
b) Haver no muro, só de um lado, cachorros de pedra salientes encravados em toda a largura dele;
c) Não estar o prédio contíguo igualmente murado pelos outros lados.
4. No caso da alínea a) do número anterior, presume-se que o muro pertence ao prédio para cujo lado se inclina a ladeira; nos outros casos, àquele de cujo lado se encontrem as construções ou sinais mencionados.
5. Se o muro sustentar em toda a sua largura qualquer construção que esteja só de um dos lados, presume-se do mesmo modo que ele pertence exclusivamente ao dono da construção.”
Do confronto com a factualidade provada conclui-se, tal como o tribunal a quo, que nenhuma prova foi feita quer da exclusiva propriedade do muro por parte quer de A. quer de R., nem tão pouco dos sinais indicados no nº 3 que excluem a presunção de comunhão estabelecida no nº 1 para os muros divisórios entre os dois prédios.
Estando em causa muro divisório e não provada a propriedade exclusiva do mesmo a favor dos respetivos confrontantes nem afastada a presunção de comunhão de tal muro nos termos do nº 3 do artigo 1371º, presume-se o mesmo muro comum.
Consequentemente tem esta pretensão quer dos RR. quer do A., manifestada no seu recurso subordinado, de ser julgada improcedente.
Sendo o muro divisório comum e tendo o mesmo menos do que cinco decímetros de espessura, é permitido a qualquer dos consortes edificar sobre a parede ou muro comum e nele introduzir traves ou barrotes em toda a sua largura – conforme decorre do artigo 1373º nºs e 1 e 2 (a contrario) do CC.
O muro divisório em causa nos autos tem 1,5 decímetros [vide O) dos factos provados], logo podia qualquer consorte sobre o mesmo construir.
Ainda, nos termos do artigo 1374º do CC a qualquer dos consortes é permitido altear a parede ou muro comum, contanto que o faça à sua custa, ficando a seu cargo todas as despesas de conservação da parte alteada (vide nº 1 do artigo citado).
Da conjugação destes dois normativos resulta que as obras que tiverem sido feitas em respeito pelo limite do muro encontram apoio legal.
Da factualidade provada não resulta que o A. tenha efetuado qualquer construção para além do limite do muro comum e sobre o qual em toda a sua espessura poderia edificar nos termos supra referidos.
A implicar a improcedência da pretensão recursiva dos RR. manifestada na conclusão 47. Sendo a questão do abuso de direito ali aludida questão só agora colocada, sempre resulta claro da factualidade provada que em nada encontra a mesma apoio porquanto enquadrada pelos normativos legais acima referidos.
Por outro lado quanto ao recurso subordinado do A., de igual forma e pelos mesmos fundamentos resulta improcedente a sua pretensão de lhe ver reconhecida a propriedade exclusiva do muro.
E sendo o muro comum, as construções que respeitam a sua espessura que é inferior a 5 decímetros, pelos motivos já acima aludidos encontram apoio legal, conforme já referido.
Consequentemente e sem prejuízo das alterações introduzidas na decisão de facto, sem relevo contudo para a subsunção jurídica, improcedem quer o recurso principal dos RR. quer o recurso subordinado dos AA..
Mantendo-se a decisão recorrida.
*
A manutenção do decidido, importa por último analisar a questão das custas suscitada pelos RR. recorrentes.
O tribunal a quo decidiu fixar as custas na proporção de 1/3 para o A. e 2/3 para os RR., tendo-o justificado com base no decaimento das partes, já que os pedidos formulados não têm um valor económico unitário.
Decorre do artigo 527º do CPC que dá causa à ação a parte vencida e na proporção do vencimento (nºs 1 e 2).
Dos pedidos analisados resulta que A. e RR. ficaram ambos vencidos no que à declaração de propriedade exclusiva concerne. Mas, acrescidamente, os RR. ficaram vencidos no que respeita à pretensão de demolição de obra manifestada pelo A. ainda que parcialmente. Ao invés e no pedido inverso formulado pelos RR., decaíram os mesmos na totalidade.
Justifica-se portanto e na inexistência de valor definido para cada um dos pedidos por referência à utilidade económica imediata dos mesmos, a diferenciação estabelecida pelo tribunal a quo em sede de custas.
Assim se concluindo pela improcedência da pretensão manifestada pelos RR..
*
***
III. Decisão.
Em face do exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente as apelações deduzidas, consequentemente se mantendo a decisão recorrida.
Custas do recurso pelos recorrentes e da ação nos termos definidos pelo tribunal a quo.
***
Porto, 2018-09-24
Fátima Andrade
Fernanda Almeida
António Eleutério
______________
[1] Cujo teor aqui se relembra:
«E) Os 10 metros do muro que limita o prédio identificado em A) para a via pública (hoje R. da ...) foram construídos em granito (ponto 3. da base instrutória);
(…)
H) Antes do indicado em G), o muro em granito na parte inferior encastrava com o muro divisório em mecan, e praticamente encostava a um pequeno murete, que se situava na parte do terreno onde habitam os RR. (ponto 9. da base instrutória);
I) Quando o A. ergueu o muro em mecan para a via pública, encastrou esse muro ao muro divisório referido, tendo construído uma sapata mais larga, e uma pequena coluna (pilar) ligeiramente desviada desse muro divisório (ponto 10. Da base instrutória);
(…)
K) O R. solicitou à mãe do A. se podiam colocar a cornija da casa em cima do muro atrás referido (ponto 13. da base instrutória);
(…)
M) O R. marido levou a cabo a construção duma garagem anexa à habitação, garagem essa que ocupa parcialmente o muro divisório dos prédios identificados em A) e C) - ponto 16. da base instrutória;»
(e dos factos não provados)
«19) A delimitar o seu terreno dos terrenos com ele confinantes, no limite e sempre no interior do seu prédio, os RR. edificaram um muro que encontra e encastra com o [seu] muro [frontal] que delimita o seu prédio da via pública hoje denominada Rua ..., que ali dista cerca de vinte centímetros da parede da casa dos réus, à vista e com o conhecimento de todos, sem a oposição de quem quer que fosse, na convicção de exercerem um direito próprio (pontos 21. a 25. da base instrutória).»
[2] Pugnando os recorrentes pela alteração da redação dada às als. E), H), I), K) e M), nos seguintes termos:
“E) O muro que limita o prédio identificado em A) para a via pública (hoje R. da ...) foi construído em granito.
(…)
H) Antes do indicado em G), o muro em granito, que delimitava o prédio do Autor com a via pública, e o pequeno murete, que se situava na parte do terreno onde habitam os RR., encostavam no muro divisório em mecan.
I) quando o Autor ergueu o muro em mecan para a via publica, encostou esse muro ao muro divisório referido, tendo construído uma coluna (pilar) cujo limite exterior encosta no limite interior do muro divisório (visto da perspetiva do prédio do Autor), delimitando a sua propriedade pelo pilar referido, e reconhecendo a propriedade dos Réus relativamente ao muro divisório.
(…)
K) O R. colocou a cornija da casa em cima do muro atrás referido.
M) O R. marido levou a cabo a construção duma garagem anexa à habitação, que ocupa de forma progressiva o muro divisório dos prédios identificados em A) e C) até que o muro existente fica completamente debaixo da garagem dos Réus.
E pela introdução nos factos provados do ponto 19) dos factos não provados, cuja redação acima já consta na nota 1.
[3] Cujo teor aqui se relembra:
«4) Em finais de 1968, o pai do A. procedeu à construção do referido muro de vedação (ponto 4. da base instrutória);
(…)
6) Esse muro divisório foi construído no imóvel referido em A) – ponto 6. da base instrutória;»