Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4018/16.3T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DOMINGOS MORAIS
Descritores: TIR
RETRIBUIÇÃO ESPECÍFICA
CÁLCULO
PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE DA RETRIBUIÇÃO
Nº do Documento: RP201805304018/16.3T8VFR.P1
Data do Acordão: 05/30/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL (2013)
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 277, FLS 41-48)
Área Temática: .
Legislação Nacional: CLª 74ª Nº7 DO CCT
Sumário: I - O n.º 7 da cl.ª 74.ª do CCT, celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no BTE n.º 9, 1.ª série, de 08.03.1980, prevê o pagamento da denominada retribuição específica – que acresce à retribuição normal ou de base –, tendo em conta as características e condições em que os trabalhadores motoristas de TIR prestam a sua actividade. Tal retribuição não tem a ver com a efectiva realização de trabalho extraordinário e a referência a «trabalho extraordinário», na referida cláusula, tem a ver, tão só, com o modo de cálculo da mesma e nada mais.
II - O disposto no artigo 7.º, n.º 4, alínea a), da Lei n.º 23/2012, de 25.06, em vigor desde 01.08.2012, não se aplica ao cálculo da retribuição específica, prevista na Cl.ª 74, n.º 7 do respectivo CCT.
III - A retribuição específica integra o conceito de retribuição a que alude o artigo 258.º do CT/ 2009.
IV - A Lei n.º 23/2012 de 25.06 deixou intocável o princípio da irredutibilidade da retribuição, consagrado no artigo 129.º, n.º 1, al. d) do CT/2009.
V - A aplicação do artigo 268.º do CT/2009 (na redacção dada pela Lei n.º 23/2012), à Clª 74ª, nº 7 do CCT, implica a violação do referido princípio.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 4018/16.3T8VFR.P1
Origem: Comarca Aveiro SMFeira Juízo Trabalho J1.
Relator - Domingos Morais – registo 756
Adjuntos – Paula Leal Carvalho
Rui Penha

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I.Relatório
1. – B..., nos autos identificado, intentou acção comum emergente de contrato individual de trabalho, na Comarca Aveiro.SMFeira.Juízo Trabalho J1., contra
- C..., S.A., alegando, em resumo, que:
O A. foi admitido ao serviço da Ré, em 02 de janeiro de 2012, mediante contrato escrito denominado “contrato de trabalho a termo certo” por período de 6 meses renovável por iguais períodos caso não fosse denunciado pelas partes – doc. 1-, mas que por força das suas renovações se transformou em contrato por tempo indeterminado, para exercer as funções de motorista de pesados afeto ao transporte nacional e internacional rodoviário de mercadorias.
Tendo sido afeto, desde a sua admissão, ao serviço internacional rodoviário de mercadorias.
Como contrapartida pelo exercício da sua atividade profissional, o autor auferia no recibo, mensal e ultimamente, o salário base de €560,00 ilíquidos, acrescido da retribuição específica da Clª 74ª do CCTV aplicável, no valor de €315,01 e de € 134,00 a título de pagamento do vulgarmente, denominado Prémio TIR (verbas que fazem parte integrante da retribuição do A.) –cfr. docs. 4 e ss.-, acrescido de férias, de subsídio de férias e subsídio de Natal.
A ré pagava ainda ao autor, em substituição do pagamento dos direitos contemplados na cláusula 47.ª e 47ª-A do CCTV aplicável (dormidas e refeições), €0,058 por cada quilómetro percorrido em serviço.
As relações laborais entre A. e R. encontram-se reguladas pelas disposições do CCTV para o sector, celebrado entre a FESTRU- Federação dos Sindicatos dos Transportes Rodoviários e Urbanos – e outros, e a ANTRAM- Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias -, publicada no BTE, 1ª. Série nº 9 de 08.03.80, e suas sucessivas alterações, tendo sido a última publicada no BTE, nº 30, de 15.08.97;
O autor prestou serviços à ré no estrangeiro quer de condução efetiva, quer em situação de imobilidade à espera de atribuição de cargas ou com vista a efetuar os descansos legais com vista a poder ter horário legal para conduzir ou ainda, com vista a respeitar as proibições de condução de viaturas pesadas aos fins-de-semana nos países em que essa condução é proibida nesses dias, sempre deslocado, pelo menos num total de 15 sábados (15x €69,59=€1.043,85), 13 Domingos (59x €69,59= €904,00) e 3 feriados (3 x €69,59,00 = €208,77).
O que perfaz um total de €2.156,62 em divida para com o autor.
O autor também não gozou (porque a ré nunca lhos deu a gozar, em violação do nº 6, da clª 41ª do CCT aplicável ao sector) os descansos complementares (assim designados na convenção coletiva presumivelmente por lapso, pois mais correto seria descanso compensatório) que lhe eram devidos por ter trabalhado nos dias atrás apontados os quais deveriam ter sido gozados imediatamente a seguir ao dia de descanso trabalhado.
Tem, pois, direito, pelo não gozo desses descansos complementares, à quantia de €1.078,31, referente a 31 dias (28 de descanso semanal e 3 de feriados) de descanso complementar remunerado que deveria ter gozado e não gozou, e que agora reclama.
Também não gozou o descanso mínimo de 24 horas a que se refere a cláusula 20ª do CCT, pelo que, atendendo ao quadro do artigo 42 desta peça e aos fins-de-semana aí indicados, se reclama o pagamento de 13 dias de descanso que o autor tinha o direito de ter gozado mas que a ré nunca lhos deu a gozar, num total de €452,34 (€34,80 X 13).
Por carta datada de 26.10.2015, enviada à ré registada com A/R, o autor rescindiu o seu contrato de trabalho com produção de efeitos práticos reportados a 25.12.2015, data em que cessou a relação laboral.
Terminou, pedindo:
“Deve a presente acção ser julgada provada e procedente, condenando-se a ré a pagar ao autor a quantia global de €5.819,84, acrescida dos juros de mora à taxa legal até efectivo e integral pagamento.”.
2. - Frustrada a conciliação na audiência de partes, a ré contestou, por excepção, e impugnando, parcialmente, os factos alegados na petição inicial, bem como os critérios de cálculo das prestações devidas.
E reconvindo, concluiu:
“Nestes termos e nos melhores de Direito, devem as excepções invocadas ser julgadas procedentes e, em consequência:
a) Ser a presente acção julgada improcedente, por não provada; e
b) Ser o A. condenado a pagar à Ré o montante de 9.226,01 €.”.
3. – Foi admitido o pedido reconvencional, fixado o valor à causa em € 15.045,85; e proferido o despacho saneador.
4. - Realizada a audiência de discussão e julgamento e decidida a matéria de facto, o Mmo Juiz proferiu a seguinte decisão:
“Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a acção, por provada e, em consequência, condeno a Ré a pagar ao autor a quantia de € 2.495,77 acrescida de juros de mora desde a citação até integral e efectivo pagamento, absolvendo a Ré na parte restante.
Mais julgo improcedente, por não provado, o pedido reconvencional pedido pela R., absolvendo o A. do mesmo.
Mais condeno autor e ré no pagamento das custas na proporção de 1/3 para o A. e 2/3 para a R., sem prejuízo da isenção de que o autor beneficia.”.
5. - O autor, inconformado, na parte em que decaiu, apresentou recurso de apelação, concluindo:
“1- Tendo-se provado que o autor prestou à ré serviço em 15 sábados, 13 domingos e 3 feriados, num total de 31 dias de descanso, apurado está o número de dias de descanso compensatório a que o autor tinha direito a descansar, nos termos da Cl.ª 41ª, n.º 6 do CCTV, correspondendo-lhe outros tantos dias de descanso compensatório.
2- O Tribunal a quo ao dar como não provado que o autor não tenha gozado os descansos compensatórios a que tinha direito (cfr. Parágrafo 2 dos “factos não provados”) com base unicamente no depoimento de uma contabilista da ré (que nem sequer sabia aquilo que era da sua área, como foi o caso da forma como eram calculadas as ajudas de custo pagas ao autor) que apenas “esclareceu” que o autor sempre descansou 45 horas e gozou as folgas e dias de descanso obrigatório, fê-lo por errada apreciação da prova e ao arrepio da regra do ónus da prova constante no art.º 342.º, n.º 2 do CC.
3- Esclarecer que o autor descansou sempre 45 horas não é o mesmo que provar que o autor gozou o descanso compensatório a que tinha direito, além de que ao dizer que o autor sempre gozou “as folgas e dias de descanso obrigatório” a testemunha em causa contradiz claramente os dias de fins de semana e feriados que se provaram ter o autor trabalhado.
4- Não era ao autor que incumbia fazer a prova do não gozo desses dias, até porque seria uma espécie de prova diabólica, como se o trabalhador tivesse de fazer a prova, por exemplo, de que a ré não lhe pagava os salários; pelo contrário, era à ré que incumbia provar em concreto os dias de descanso compensatório que lhe deu a gozar, pois estamos perante factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito ao descanso compensatório invocado pelo autor.
5- Não basta, para fazer essa prova, dizer-se que “o autor sempre descansou 45 horas e gozou todas as folgas e dias de descanso obrigatório”, como argumenta a M.ª Juíza a quo, até porque, além de contraditório com os factos provados (pois provou-se que o autor trabalhou para a ré 15 sábados, 13 domingos e 3 feriados), as 45 horas a que a testemunha se estará a referir é o descanso obrigatório imposto na legislação europeia que obriga o motorista a ter uma pausa de condução semanal daquele número de horas.
6- Por cada fim-de-semana passado no estrangeiro, o autor tinha direito a descansar 2 dias correspondentes a esse fim de semana, acrescido de outros dois dias referentes ao fim de semana da chegada, e de 24 horas de descanso previstas no n.º 3 da Cl.ª 20.ª, n.º 3 do CCTV, o que perfaz uma média de 5 dias de descanso, mas não foi isso, seguramente, o que resultou da prova produzida pela ré.
7- Assim, o facto dado como provado no 2.º parágrafo dos “factos não provados” devia ter sido, pelo contrário, dado como provado; não se tendo decidido assim, há errada apreciação da prova e violação clara da regra do ónus da prova tipificada no art.º 342.º, n.s 1 e 2 do CC., bem como do incerto na clª 41.ª, n.º 6 do CCTV.
8- No nosso sistema jurídico vigora o Princípio da Irredutibilidade da retribuição, consagrado no art. 129.º, n.º 1, al. d) do C.T., segundo o qual, só em casos excecionais, a entidade patronal poderá diminuir a retribuição ao Autor.
9- É jurisprudência unânime que a retribuição específica, vulgarmente designada por Cl.ª 74.ª, por força do seu pagamento regular e periódico, independentemente do trabalho extraordinário efetivamente prestado e não se destinando a suportar, in concreto, quaisquer despesas, criando no trabalhador a legítima expectativa do seu recebimento, é retribuição (cfr. art. 258.º do C.T.).
10- Tendo reduzido o pagamento dessa retribuição específica de €349,20 para €254,40 e depois aumentando-a para €315,01, após ter pago aquele primeiro valor durante 7 meses e tê-lo feito incluir no cálculo dos duodécimos que a ré pagou ao A. nos subsídios de férias e de Natal, há uma clara diminuição da retribuição do trabalhador e, consequentemente, uma clara violação do Princípio da Irredutibilidade da retribuição (cfr. art. 129.º, n.º 1, al. d) do C.T.). 11- Não há qualquer facto, no elenco dos factos provados, que prove que essa redução do valor tenha ocorrido por erro, lapso, engano, reestruturação ou reforma na empresa, ou por qualquer outro motivo.
12- Não basta a ré dizer, na sua contestação, que o pagamento da Cl.ª 74.ª, feito durante 7 meses, ocorreu por engano, pois carecia de demonstrar que o pagamento ao autor era diferenciado dos demais colegas, e que o avisou desse engano durante a constância da relação laboral.
13- Pelo contrário, a ré considerou o valor de €349,20 da Cl.ª 74.ª, acrescido da retribuição base, para calcular o montante dos duodécimos do pagamento dos subsídios de férias e de Natal de 2012 e seguintes.
14- Não tendo decidido, o M.º Juiz a quo, pela ilegalidade de retribuição e consequente violação do Princípio da Irredutibilidade da retribuição, violou o disposto nos arts. 129.º, n.º 1, al. d), 258.º e 264.º, n.º 2, todos do C.T.
Termos em que deve revogar-se a decisão proferida na 1.ª instância, substituindo-se a mesma por douto acórdão que leve aos factos provados o parágrafo 2.º dos factos não provados e determine o pagamento do descanso compensatório e o pagamento das diferenças da retribuição específica da Cl.ª 74.ª reclamadas pelo autor, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA”.
6. - A ré contra-alegou, concluindo:
“Termos em que deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida, dessa forma se fazendo JUSTIÇA.”
7. - O M. Público emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso de apelação.
8. - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. - Fundamentação de facto
1. - Na 1.ª instância foi proferida a seguinte decisão sobre a matéria de facto:
“A] De facto.
1. Factos provados:
- A R. exerce a actividade de transportes rodoviários pesados de mercadorias em serviço nacional e internacional.
- O A. foi admitido ao serviço da Ré, em 02 de Janeiro de 2012, para exercer as funções de motorista de pesados afecto ao transporte nacional e internacional rodoviário de mercadorias, mediante contrato escrito denominado “contrato de trabalho a termo certo” por período de 6 meses renovável por iguais períodos caso não fosse denunciado pelas partes (Cfr. Doc. junto a Fls. 10 e ss para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
- Por força das suas renovações, o contrato transformou-se de contrato a termo em contrato por tempo indeterminado,
- O A. foi afecto, desde a sua admissão, ao serviço internacional rodoviário de mercadorias.
- No exercício da actividade para que foi contratado era responsável pela distribuição do material que transportava.
- Em caso de avaria ou acidente tomava as providências necessárias para apreciação das autoridades competentes.
- Competia-lhe zelar, sem execução, pelo bom estado de funcionamento, conservação e limpeza da viatura e proceder à verificação directa dos níveis de óleo, água, combustível, estado de pressão dos pneumáticos;
- Fazia, ainda, serviços de condução de viaturas pesadas, transportando mercadorias, entre Portugal e diversos países da Europa, e assegurava os trâmites necessários nas alfândegas dos países quando tal fosse necessário.
- A realização desses transportes forçava-o a deslocar-se frequentemente ao estrangeiro, onde permanecia durante vários dias, e por vezes, semanas consecutivas.
- Tinha como dias de descanso o Sábado e o Domingo.
- E tinha o direito a um descanso mínimo de 24 horas a gozar imediatamente antes do início de cada viagem.
- O local de trabalho era nas instalações da ré, local onde depositava a viatura em férias e se deslocava quando iniciava ou chegava de viagem.
- Desde a sua admissão que exercia essa profissão, conduzindo normalmente viaturas pesadas de mercadorias, propriedade da Ré, sob as suas ordens, autoridade e fiscalização.
- Era esta quem lhe indicava qual a mercadoria a transportar, o traçado rodoviário e os destinos a atingir, dentro de prazos e horários por ela pré-estabelecidos.
- De acordo com as intenções dos seus clientes, que ela própria angariava.
- Como contrapartida pelo exercício da sua actividade profissional, o autor auferia no recibo, mensal e ultimamente, o salário base de € 560,00 ilíquidos, acrescido da retribuição específica da Clª 74ª do CCTV aplicável, no valor de € 315,01 e de € 134,00 a título de pagamento do vulgarmente, denominado Prémio TIR, acrescido de férias, de subsídio de férias e subsídio de Natal.
- Essas verbas eram devidas até ao último dia do mês a que respeitassem, devendo ser pagas dentro do horário de trabalho.
- A ré pagava ainda ao autor, em substituição do pagamento dos direitos contemplados na cláusula 47.ª e 47ª-A do CCTV aplicável (dormidas e refeições), €0,058 por cada quilómetro percorrido em serviço.
- O A. encontra-se sindicalizado no Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal – doc. 2 -, por sua vez, filiado na FESTRU, agora designada por FECTRANS.
- Ao Serviço da Ré, conduzindo viaturas desta (camião e reboque), o autor efectuou inúmeras viagens ao estrangeiro e, com base nelas (de acordo com as ordens e instruções da ré e em conformidade com os CMR´s), elaborava os respectivos relatórios de viagem e os registos de abastecimento de gasóleo nos locais onde abastecia.
- Os quais entregava à empresa ao fim de cada viagem, para efeitos de controlo, como faziam todos os seus colegas.
- Tendo efectuado serviço às ordens da ré, por sua imposição (que lhe ordenou que fizesse as correspondentes viagens, ou indicava os locais e datas de descarga ou carga das mercadorias que o A. havia de transportar), nos diversos Sábados, Domingos, feriados e dias de descanso, que a seguir se descriminam.
- Permanecendo sempre ao serviço e disposição da ré (que lhe indicava previamente, mediante instruções e ordens do chefe de tráfego, o serviço a efectuar e conhecia todo o serviço que o autor efectuava, nunca se opondo a que ele o efectuasse mesmo para além do horário de trabalho, nos seus dias de descanso e feriados).
- Não podia abandonar a viatura, dedicar-se à sua vida particular, estar com os amigos, dormir no aconchego do seu lar, porque se encontrava, sempre restringido aos locais de carga, descarga ou trânsito com vista à satisfação dos interesses da ré, factos do perfeito conhecimento da ré.
- Efectuava ainda a guarda da viatura e a sua manutenção em boas condições, estando em permanente disponibilidade ao serviço do empregador.
- O autor prestou serviços à ré no estrangeiro quer de condução efectiva, quer em situação de imobilidade à espera de atribuição de cargas ou com vista a efectuar os descansos legais com vista a poder ter horário legal para conduzir ou ainda, com vista a respeitar as proibições de condução de viaturas pesadas aos fins-de-semana nos países em que essa condução é proibida nesses dias, num total de 15 sábados, 13 Domingos e 3 Feriados, mais concretamente nos dias que constam dos Quadros do artigo 42º da petição inicial, para os quais se remete e aqui se consideram integralmente reproduzidos.
- Por carta datada de 26.10.2015, enviada à ré registada com A/R, o autor fez cessar o seu contrato de trabalho com produção de efeitos práticos reportados a 25.12.2015.
- Quando foi admitido ao serviço da ré, esta pagava-lhe a quantia de €349,20 a título do pagamento da retribuição específica a título de Clª 74.ª.
- Pagamento desse valor que foi efectuado até Julho de 2012 inclusive.
- A partir de agosto de 2012, o valor dessa retribuição específica passou para a quantia mensal de € 254,40.
- E em setembro de 2014 o valor passou para a quantia mensal de €315,01.
- A título de Cl. 74ª, quando o autor cessou a sua relação laboral com a ré, esta pagou-lhe em 31.12.2015 a quantia de €1.544,78.
- A Ré nunca prestou ao A. qualquer formação.
- As prestações a título de Cl. 74ª eram incluídas e pagas nas férias, subsídio de férias e de Natal do A..
- Assim tendo sucedido durante todo o período de tempo que durou o contrato entre A. e Ré.
- A Ré pagava ao A. ajudas de custo quando efectuava deslocações ao estrangeiro.
- As ajudas de custo eram sim pagas de forma a compensar o A. pelas despesas suportadas no estrangeiro.
- Durante o ano de 2015, a Ré pagou ao A., sob a rubrica “ajudas de custo internacionais”, o montante total de 7.347,03 € (cfr. doc. juntos a Fls. 80 e ss para os quais se remete e aqui se dão por reproduzidos na íntegra).
- Até 31 de Julho de 2012 a Ré pagava ao A. o valor de 349,20 € a título de retribuição prevista no n.º 7 da cláusula 74ª do CCT, e a partir de 1 de Agosto de 2012 passou a pagar a esse título o montante de 254,40 €.
- A Ré ministra, várias vezes por ano, formação aos seus trabalhadores.

2. Factos não provados:
- As quatro refeições diárias (pequeno almoço, almoço, jantar e ceia) custam, nos países da Europa por onde o A. fazia as suas viagens (Espanha, França, Alemanha, Bélgica, entre outros), entre €40,00 a €50,00, sendo uma média de €10,00 para cada o pequeno-almoço e ceia e €18,00 para cada almoço e jantar.
- O autor também não gozou (porque a ré nunca lhos deu a gozar) os descansos complementares que lhe eram devidos por ter trabalhado nos dias atrás apontados.
- O A. não gozou o descanso mínimo de 24 horas após aqueles fins-de-semana.
- Para além disso, foi expressamente acordado entre o A. e a Ré, aquando da admissão deste como trabalhador ao serviço daquela, que o pagamento do referido montante mensal a título de ajudas de custo pelas deslocações ao estrangeiro se destinava ainda ao pagamento do trabalho suplementar eventualmente prestado nos dias de descanso semanal e feriados que coincidissem com essas deslocações.
- Durante os anos em que esteve ao serviço da Ré, o A. foi convocado para várias acções de formação.
- Mas recusou-se sempre a comparecer às mesmas.”.

III. – Fundamentação de direito
1. - Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC, aplicáveis por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) e artigo 87.º do CPT, e salvo questões de conhecimento oficioso, o objecto dos recursos está delimitado pelas conclusões dos recorrentes.
Mas essa delimitação é precedida de uma outra, qual seja a do reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal recorrido, isto é, o tribunal de recurso não pode criar decisões sobre matéria nova, matéria não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.

2. - Objecto do recurso
- Da alteração da matéria de facto
- Do descanso compensatório.
- Da irredutibilidade da retribuição

3.Da alteração da matéria de facto
3.1. - Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil (CPC), o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Para o efeito da alteração da decisão de facto, o artigo 640.º, do novo CPC, dispõe:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de poder proceder à respectiva transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)”.
3.2. – No corpo das suas alegações de recurso, o recorrente aborda, em simultâneo, “A QUESTÃO DO PAGAMENTO DOS DESCANSOS COMPENSATÓRIOS E A ALTERAÇÃO DO 2.º PARÁGRAFO DOS FACTOS NÃO PROVADOS.”.
E em relação à “alteração do 2.º parágrafo dos factos não provados” limita-se a discordar da motivação da Mma Juiz para dar esse facto como não provado, quer pelo regime do ónus da prova, quer pela inconsistência do depoimento da testemunha D..., sem especificar qual o concreto meio de prova constante do processo ou de registo ou gravação, que impunha decisão sobre o ponto da matéria de facto impugnado diversa da recorrida.
Essa especificação é um dos requisitos essenciais para o Tribunal de recurso poder conhecer da impugnação sobre a decisão da matéria de facto.
Assim, incumprido o disposto nas alíneas b) do n.º 1, do artigo 640.º do CPC, rejeita-se a apreciação do recurso de apelação sobre a modificabilidade da matéria de facto pretendida pelo recorrente.

4. - Do descanso compensatório.
Na sentença recorrida ficou consignado:
“No que concerne à situação pedida pelo A. e referente ao pagamento das quantias devidas a título de descansos complementares (cfr. Cl. 41ª, nº 6 do CTTV) e às 24 horas não gozadas (Cl. 20ª do CCTV aplicável): Preceitua a cláusula 41.º, n.º 5 e n.º 6, do CCTV, que «se o trabalhador prestar serviço em qualquer dos seus dias de descanso semanal, terá direito a descansar obrigatoriamente 1 dia completo de trabalho num dos 3 dias úteis seguintes por cada dia de serviço prestado, independentemente do disposto nos nºs 1 e 2 desta cláusula» e que «por cada dia de descanso semanal ou feriado em serviço no estrangeiro o trabalhador, além do adicional referido nos nºs 1 e 2 desta cláusula, tem direito a 1 dia de descanso complementar, gozado seguida e imediatamente à sua chegada».
Ora, compulsado o manancial fáctico não provado, conclui-se que não resultou provado que aqueles dias não tenham sido gozados. Nestes termos, não podem ser atribuídos ao autor quaisquer direitos a este título. Igual raciocínio se adopta para o peticionado a título das 24 horas não gozadas, pois que nada resultou provado quanto a este âmbito, não tendo sido feita prova de que o A. não gozou tais horas.”.
Em sede de recurso, o autor alegou:
2- O Tribunal a quo ao dar como não provado que o autor não tenha gozado os descansos compensatórios a que tinha direito (cfr. Parágrafo 2 dos “factos não provados”) com base unicamente no depoimento de uma contabilista da ré (que nem sequer sabia aquilo que era da sua área, como foi o caso da forma como eram calculadas as ajudas de custo pagas ao autor) que apenas “esclareceu” que o autor sempre descansou 45 horas e gozou as folgas e dias de descanso obrigatório, fê-lo por errada apreciação da prova e ao arrepio da regra do ónus da prova constante no art.º 342.º, n.º 2 do CC.
Apreciemos.
Sobre esta matéria, e alterando a sua anterior doutrina, pronunciou-se o STJ, no acórdão de 03.07.2014, no sentido de que:
O pedido de pagamento do descanso compensatório não gozado, entroncando embora na prestação de trabalho suplementar, pressupõe a alegação e prova, pelo demandante - enquanto facto constitutivo do direito exercitado, no art. 342.º, n.º 1, do Código Civil -, não apenas de que prestou trabalho nessas circunstâncias, mas também de que, na sua decorrência, não lhe foram dados a gozar os descansos compensatórios devidos.”.
[cf., no mesmo sentido, acórdão do TRP, de 12.05.2014, proc. n.º 723/11.9TTBRG.P1].
Acolhendo este entendimento, atento o disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Cód. Civil, e não tendo o autor provado que não lhe foram dados a gozar os descansos compensatórios devidos, nesta parte, improcede a sua pretensão.

5. - Da irredutibilidade da retribuição
5.1. - Na sentença recorrida ficou consignado:
“Outra questão prende-se com os montantes pedidos pelo A. a título de diferenças não pagas pela Cl. 74ª: Pretende o A. que lhe seja paga determinada quantia a título de Cl. 74ª, por diferenças não pagas. Invoca para tanto o A. que até determinado momento lhe foi efectuado um pagamento de determinado valor, tendo após havido redução desse pagamento. Invoca o A., para justificar as diferenças de montantes peticionadas, a violação do princípio da irredutibilidade da retribuição.
Cumpre a este propósito trazer à colação os factos apurados a este respeito.
São eles:
“- Quando foi admitido ao serviço da ré, esta pagava-lhe a quantia de €349,20 a título do pagamento da retribuição específica a título de Clª 74.ª.
- Pagamento desse valor que foi efectuado até Julho de 2012 inclusive.
- A partir de agosto de 2012, o valor dessa retribuição específica passou para a quantia mensal de € 254,40.
- E em setembro de 2014 o valor passou para a quantia mensal de €315,01.
- A título de Cl. 74ª, quando o autor cessou a sua relação laboral com a ré, esta pagou-lhe em 31.12.2015 a quantia de €1.544,78.”
Efectivamente a R. alterou, nos moldes apurados e acima transcritos o montante que foi pagando ao A. a título de cláusula 74ª, justificando que (explicação que se tem por pertinente) efectivamente, por lapso, durante certo período pagou mais do que o que a lei exigia, repondo os valores correctos assim que se apercebeu.
Ora, assim sendo, inexistiu qualquer violação do princípio da irredutibilidade da retribuição legal, como invocado pelo A., pois os montantes pagos a mais, não integram qualquer retribuição legal, mas antes um engano por parte da R. que foi corrigido em determinado momento.
Não pode deixar de se mencionar, de resto, que o A. se conformou com tal reposição do montante correcto, reposição a que agora vem chamar de redução da retribuição, em violação da lei. A R., quando se apercebeu do erro, passou a pagar os valores legalmente exigidos, que o A. aceitou. Não tem pois o A. direito a ver pagas quaisquer diferenças pecuniárias a este título.”.
Em sede de recurso, o autor alegou o que consta dos pontos 8 a 14 das conclusões de recurso.
Por sua vez, a ré contra-alegou:
“Não se compreende o porquê de o Recorrente vir discorrer tão largamente sobre o facto de o pagamento do montante imposto pela cláusula 74ª, n.º 7 do CCT configurar verdadeira retribuição.
É que tal caráter nunca foi posto em causa, e aliás é por o ter que a ora Recorrida sempre computou esse montante no pagamento dos subsídios de férias e de Natal a todos os seus trabalhadores – e, portanto, também ao ora Recorrente.
Simplesmente, o montante que estava a ser pago a este título não era o correto, por lapso do então departamento de contabilidade da ora Recorrida.
Vem o Recorrente alegar que a Ré, ora Recorrida, não alegou nem provou que se tenha enganado, mas tal é rotundamente falso: a Ré alegou na sua contestação que se enganou na forma de cálculo do montante devido nos termos da cláusula n.º 74ª do CCT, e mais, explicou de forma exaustiva a forma de cálculo correta.”.
Sobre esta questão está provado o seguinte:
“- Quando foi admitido ao serviço da ré, esta pagava-lhe a quantia de €349,20 a título do pagamento da retribuição específica a título de Clª 74.ª.
- Pagamento desse valor que foi efectuado até Julho de 2012 inclusive.
- A partir de agosto de 2012, o valor dessa retribuição específica passou para a quantia mensal de € 254,40.
- E em setembro de 2014 o valor passou para a quantia mensal de €315,01.
- A título de Cl. 74ª, quando o autor cessou a sua relação laboral com a ré, esta pagou-lhe em 31.12.2015 a quantia de €1.544,78.”.
5.2. - Quid iuris?
Efectuados os respectivos cálculos, constatamos que as alterações que a ré levou a cabo, quanto ao valor da retribuição específica a título de Cl.ª 74.ª, foram ao abrigo do artigo 7.º, n.º 4, alínea a), da Lei n.º 23/2012, de 25.06, em vigor desde 01.08.2012.
Ora, sobre a não aplicação do citado normativo ao cálculo da retribuição específica prevista na Cl.ª 74, já se pronunciou este Tribunal da Relação em sentido unânime, como por exemplo, no acórdão de 07.04.2014, proc. 104/13.0TTOAZ.P1, in www.dsgi.pt, nos seguintes termos:
“1. O nº 7 da clª 74ª do CCT celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no BTE nº 9, 1ª série, de 08.03.1980, prevê uma retribuição – que acresce à retribuição normal ou de base – que é «especial», tendo em conta as características e condições em que os trabalhadores motoristas de TIR prestam a sua actividade. Tal retribuição não tem a ver com a efectiva realização de trabalho extraordinário e a referência a «trabalho extraordinário» na referida cláusula prende-se, tão só, com o modo de cálculo da mesma e nada mais.
2. A prestação especial prevista na referida cláusula integra o conceito de retribuição a que alude o artigo 258º do C. do Trabalho de 2009.
3. A suspensão operada pelo artigo 7º, nº4 da Lei nº23/2012 de 25.06 apenas se reporta ao pagamento da remuneração a título de trabalho suplementar, e nada mais, mantendo-se a clª 40ª do CCT intocável no que respeita ao cálculo da «retribuição especial» prevista na clª74ª, nº7 da convenção colectiva de trabalho.”.
4. A Lei nº23/2012 de 25.06 deixou intocável o princípio da irredutibilidade da retribuição consagrado no artigo 129º, nº1, al. d) do CT/2009.
5. A aplicação do artigo 268º do CT/2009, na redacção dada pela Lei nº23/2012, à clª74ª, nº7 do CCT implica a violação do referido princípio”.
(cf., ainda, o acórdão do TRP de 17.03.2014, proc. n.º 365/13.4TTVNG.P1, confirmado pelo acórdão do STJ de 24.02.2015, ambos in www.dgsi.pt).
Assim, temos que entre agosto de 2012 e agosto de 2014 a diferença a favor do autor é de € 2.370,00 (€ 349,20 - € 254,40 x 25 meses).
E entre setembro de 2014 e dezembro de 2015, a diferença é de € 547,04 (€349,20 - €315,01 x 16 meses), no total de € 2.917,04.
Dado que apenas está provado que a ré pagou ao autor, em 31.12.2015, a quantia de €1.544,78, a título de Cl. 74ª, deve-lhe a diferença no montante de € 1.372,26.
Procede, assim, parcialmente, o recurso do autor.

IV.Decisão
Atento o exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
1) Julgar a apelação do autor, parcialmente, procedente, e, consequentemente, revogar a sentença recorria nessa parte, a qual é substituída pelo presente acórdão que condena a ré:
a) A pagar ao autor o montante de € 1.372,26 a título da Cl.a 74.ª do CCT aplicável, acrescido dos respectivos juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
2 – No mais, mantem-se a sentença recorrida.
As custas são a cargo do autor e da ré, na proporção do decaimento.

Porto, 2018-05-30
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha