Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
278/22.9T8STS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA ALMEIDA
Descritores: EMPREITADA DE CONSUMO
REPARAÇÃO DOS DEFEITOS
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP20230605278/22.9T8STS.P1
Data do Acordão: 06/05/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 5.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Consistindo a defesa da Ré em mera apreciação jurídica da factualidade alegada pelos AA., esta defesa não é excetiva porque não depende da demonstração de factos novos (impeditivos, modificativos ou extintivos), mas apenas da aplicação do direito aos factos alegados pelos demandantes.
II - Não incorre em nulidade, nos termos do art. 615.º, n.º 1 al. d) CPC (omissão de pronúncia), a sentença que não conhece um dos fundamentos jurídicos esgrimidos pela defesa.
III - O art. 5.º, n.º 1, do DL 67/2003, de 8.4 (entretanto revogado), aplicável às empreitadas de consumo, dispunha poder o consumidor exercer os direitos previstos no artigo anterior (eliminação dos vícios, redução do preço ou resolução do contrato), quando a falta de conformidade se manifestasse dentro do prazo de dois ou de cinco anos, a contar da entrega do bem, consoante se tratasse, respetivamente, de coisa móvel ou imóvel. Estes prazos são de garantia, pois fixam o lapso durante o qual a manifestação de uma falta de conformidade faz surgir na esfera do consumidor os respetivos direitos.
IV - No caso de se ter verificado reparação dos defeitos pelo empreiteiro, em consequência de denúncia anterior, ocorre a suspensão da contagem daqueles prazos (art. 5.º, n.º 7), sendo esta uma exceção ao disposto no art. 328.º CC invocado pela Ré.
V - Se o dono da obra não pretende manter a coisa com a desconformidade verificada, mas a repara, e pretende obter do empreiteiro o valor dessa reparação, é de verdadeira indemnização que se trata.
VI - O direito em causa – indemnização em dinheiro pelos custos dos trabalhos de eliminação dos defeitos – surge a par dos restantes expressamente previstos, de redução do preço, eliminação dos defeitos pelo empreiteiro e resolução do contrato, sendo independente dos demais, nomeadamente da resolução, uma vez que o incumprimento definitivo de uma obrigação de eliminação dos defeitos pelo empreiteiro confere ao credor o direito a ser indemnizado pelos prejuízos causados por esse incumprimento (art. 798.º CC), o que, neste caso, corresponde ao custo das obras de eliminação dos defeitos ou de reconstrução, entretanto efetuadas ou a realizar pelo dono da obra, ou por terceiro contratado por este.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 278/22.9T8STS.P1



Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:


RELATÓRIO
AUTORES: AA, e mulher, BB, Residentes na Rua ..., ..., ..., Santo Tirso.
RÉ: A..., LDA., sociedade comercial com sede na Rua ..., ... ..., Santo Tirso.


Por via da presente ação declarativa, pretendem os AA. obter a condenação da Ré a pagar-lhes a quantia de €19.766,10, com juros de mora até pagamento integral, invocando para tanto contrato de empreitada celebrado com a Ré relativamente a obras em moradia dos primeiros, concluída em princípios (janeiro ou fevereiro) de 2017, a qual apresenta defeitos que foram denunciados à Ré, sem êxito, em setembro de 2018, obrigando os AA. a efetuar por si as reparações necessárias. É o valor destes que reclamam da demandada.

Contestando, a Ré defendeu-se por exceção perentória de caducidade afirmando que, tendo a obra sido concluída e entregue em dezembro de 2012, a propositura da ação, em janeiro de 2022, ultrapassou o prazo de cinco anos previsto no art. 5.º do DL 67/2003, de 8.4.
Ademais, os defeitos invocados teriam sido percetíveis no momento da conclusão da obra, pelo que a denúncia dos mesmos apenas poderia ocorrer até final de dezembro de 2013. Mesmo a considerar terem os defeitos surgido em princípios de 2017, a denúncia dos mesmos deveria ter ocorrido até fevereiro de 2018.
Subsidiariamente, argumenta que, para que os AA. tivessem efetuado a reparação a expensas suas, teriam que ter resolvido o contrato com a Ré.
No mais, impugnam os factos invocados pelos AA.

Não foi exercido contraditório.

Em despacho saneador não foi conhecida a exceção perentória invocada.

Realizado julgamento, veio a ser proferida sentença, datada de 21.12.2022, a qual julgou a ação procedente, condenando a Ré no pedido.
Foram aí dados como provados os seguintes factos:
1. Há mais de vinte anos que os Autores AA e mulher BB habitam no prédio urbano composto por moradia de r/c e primeiro andar e logradouro sito na Rua ..., ..., Santo Tirso, à vista de toda a gente, com a convicção de exercerem um direito de propriedade.
2. A Ré é uma sociedade comercial que se dedica à construção civil.
3. No início do ano de 2009, os Autores contactaram o gerente da Ré solicitando um orçamento para a realização de obras no primeiro andar da sobredita moradia.
4. Em decorrência do mencionado em 3), em 11/09/2009, o gerente da Ré entregou um orçamento aos Autores, consignando:
a) valor da empreitada: €25.800,00, acrescido de IVA;
b) trabalhos no interior:
- Picar tijoleira nas paredes da cozinha e no chão;
- Abrir rocos para o eletricista e picheleiro e gás;
- Fazer instalação da água quente e fria na cozinha de cima;
- Arrumar todo o vazadouro;
- Tapar tudo;
- Assentar tijoleira no chão da cozinha e no hall de entrada;
- Aplicar resina em todas as paredes e tetos;
- Engrossar as paredes e aplicar mega fino e tetos;
- Pintar as paredes do quarto teto casa de banho e hall de entrada sala e cozinha;
- Aplicar verniz na madeira;
- Fornecer pedras de granito para as soleiras e peitoris;
- Fornecer tijoleira para o chão cozinha e hall
c) trabalhos no exterior:
- Fornecer e assentar pedra para a frente da casa;
- Fornecer três pilares de pedra para a frente da casa;
- Fazer cobertura para a frente da casa em pinho;
- Colocação de telha/painel sandwich na cobertura nova;
- Picar chão na frente da casa;
- Endireitar o chão;
- Fornecer tijoleira e assentar;
- Lavar a casa por fora e aplicar capoto em duas frentes;
- Arear por fora e pintar;
- Retirar alumínio e estores da casa;
- Colocar novo igual ao de baixo;
- Colocar estores novos;
- Colocação de vigas de madeira na parte de trás no comprimento todo a largura de três e vinte;
- Colocação de vidro por cima das vigas;
- Rebentar a rampa e arrumar todo o vazadouro;
- Assentar calçada na rampa;
- Rebocar e arear os muros da frente;
- Assentar chapins de três cm no muro da frente;
- Pintar o muro da frente.
5. Em 22/09/2009, os Autores declararam aceitar o predito orçamento e o gerente da Ré declarou aceitar proceder à realização dos anteditos trabalhos.
6. Na data mencionada em 5), os Autores pagaram ao gerente da Ré, em numerário, a quantia de 6.000,00€ (seis mil euros), com referência ao orçamento enunciado em 4).
7. O gerente e os funcionários da Ré iniciaram os sobreditos trabalhos no final do mês de setembro de 2009, sendo que o descrito em 4) foi efetivado até ao dia 19/12/2012.
8. Nos anos de 2010 a 2012, os Autores pagaram ao gerente da Ré, em numerário, as seguintes quantias:
a) €6.000,00 em 01/04/2010;
b) €5.000,00 em 26/01/2011;
c) €5.000,00 em 17/10/2012;
d) €3.000,00 em 26/10/2012;
e) €800,00 em 18/12/2012.
9. Em 2013/2014, os Autores declararam comunicar ao gerente da Ré a existência de fissuras no capoto aplicado pela mesma no primeiro andar da predita habitação.
10. Na sequência do mencionado em 9)[1], os funcionários da Ré, entre os anos de 2013 e 2014, designadamente, procederam a trabalhos de reparação do predito capoto.
11. Nos anos de 2014 a 2016, os Autores declararam comunicar ao gerente da Ré a existência de vidros partidos colocados por cima das vigas de madeiras indicadas em 4) e a infiltração de água pelo painel sandwich aplicado pela mesma.
12. Na sequência do referido em 11), no ano de 2014, os funcionários da Ré procederam à substituição de seis vidros.
13. Entre dezembro de 2017 e janeiro de 2018, no primeiro andar da sobredita habitação verificou-se a existência de:
- diversas rachadelas nas paredes exteriores da habitação, onde havia sido colocado o capoto referido em 4);
- desnível pontual da calçada efetivada pelo gerente e pelos funcionários da Ré;
- fissuras nas paredes interiores,
- os vidros da cobertura efetuada nas traseiras da habitação, fornecidos e aplicados pelo gerente e funcionários da Ré, foram partindo;
- entrada de água entre o painel sandwich fornecido e aplicado pelo gerente e funcionários da Ré.
14. Em 15/09/2018, o advogado dos Autores remeteu uma missiva com registo postal para a sede da Ré, consignando a exposição do indicado em 13) e “interpelando” a mesma para proceder à correção dos defeitos no prazo de 15 dias.
15. Em consequência da existência de entrada de água entre o painel sandwich fornecido e aplicado pela Ré, entre os anos de 2021 e 2022, os Autores declararam solicitar à B..., Lda que procedesse à substituição da cobertura em painel sandwich.
16. No circunstancialismo referenciado em 15), os funcionários da B..., Lda procederam ao fornecimento e aplicação da antedita cobertura em painel sandwich.
17. Em 18/10/2022, a B..., Lda emitiu a fatura n.º 2022/199 no valor de 20.331,90€ (vinte mil, trezentos e trinta e um euros e noventa cêntimos), com referência ao enunciado em 16), a qual foi paga pelos Autores.
18. Em consequência das fissuras no capoto referidas em 13), no início do ano de 2022, os Autores declararam solicitar à C..., Lda que procedesse à reparação do capoto.
19. No circunstancialismo referenciado em 15), os funcionários da C..., Lda procederam à retirada e colocação de novo capoto.
20. Em 26/10/2022, a C..., Lda emitiu a fatura n.º 1 no valor de 4.428,99€ (quatro mil, quatrocentos e vinte e oito euros e noventa e nove cêntimos), com referência ao citado em 19), a qual foi paga pelos Autores.
21. No quarto de casal do primeiro andar da predita moradia, existem diversas fissuras irradiando da periferia do vão da janela.
22. Para reparar o indicado em 21), é necessário o rebaixamento do reboco periférico por picagem, aplicação de tela de fibra de vidro já com emulsão acrílica (ou friso quartzolit) e pintura de acabamento com duas demãos, com o custo de 80,53€, acrescido de IVA.
23. Na cozinha /cave da predita habitação existem diversas fissuras irradiando da periferia do vão da janela.
24. Para reparar o mencionado em 23), é necessário o rebaixamento do reboco periférico por picagem, aplicação de tela de fibra de vidro de preferência já com emulsão acrílica (friso quartzolit) e pintura de acabamento com duas demãos, com o custo de 80,53€, acrescido de IVA.
25. A rampa de acesso à garagem da antedita habitação apresenta assentamento em local pontual numa área de 0,6 m2.
26. Para reparar o enunciado em 25), é necessário o levantamento dos cubos e reposição após regularização da camada de assentamento, com o custo de 4,03€, acrescido de IVA.

Deram-se como não provados os seguintes factos:
27. No primeiro andar da sobredita habitação verifica-se a existência de:
- Os azulejos da cozinha foram cortados pelos funcionários da Ré e ficou exposto o interior da parede junto aos passadores de água;
- O furo da ventilação do esquentador encontra-se torto;
- As portas de madeira interiores encontram-se amolgadas;
- Vestígios de tinta escorrida, manchas de tinta em paredes de diversas divisões.

Desta sentença recorre a Ré, visando a sua revogação, com base nos argumentos que assim conclui:
A) A Ré, ora Recorrente, deduziu no seu articulado (a contestação) uma excepção peremptória inominada que, a seu ver, era impeditiva do alegado direito dos Autores, nos termos que supra ficaram transcritos (cfr artigos 32.º a 46.º da contestação)
B) Excepção que deve ser dada como provada, porquanto, nem no momento processual em que o devia fazer, nem em qualquer outro momento, os Autores vieram impugnar a referida excepção.
C) Atento os termos da sentença recorrida, é bom de ver que o Tribunal a quo não apreciou nem decidiu da invocada exceção invocada nos autos pela apelante na contestação.
D) Nem em tal decisão o Tribunal a quo formulou qualquer consideração ou juízo decisório a esse propósito, tendo-se limitado à mais completa e resoluta omissão.
E) O que é concordante, aliás, com a circunstância da factualidade atinente e pressuposta a tal matéria não ter merecido qualquer atenção por parte do Tribunal a quo que, simplesmente a ignorou também no seu julgamento da matéria de facto.
F) Ora, tal exceção invocada pela apelante na sua contestação e imputada aos Autores, ora apelados constituía questão que devia ter sido apreciada e decidida nos autos e na sentença recorrida. (cfr. artigo 608º, nº 1 e 2 do CPC.)
G) Ao assim não ter ocorrido, como é manifesto que não ocorreu, a sentença recorrida é nula, por ter deixado de apreciar questão que devia apreciar (no caso, a matéria de exceção invocada pelo apelante na sua contestação) e nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d) do CPC.
H) De cuja nulidade da sentença a apelante se prevalece para todos os efeitos legais.
I) Entre os demais, mas para o que aqui interessa, o Tribunal a quo, deu como provados os seguintes factos:
9. Em 2013/2014, os Autores declararam comunicar ao gerente da Ré a existência de fissuras no capoto aplicado pela mesma no primeiro andar da predita habitação.
10. Na sequência do mencionado em 3), os funcionários da Ré, entre os anos de 2013 e 2014, designadamente, procederam a trabalhos de reparação do predito capoto.
11. Nos anos de 2014 a 2016, os Autores declararam comunicar ao gerente da Ré a existência de vidros partidos colocados por cima das vigas de madeiras indicadas em 4) e a infiltração de água pelo painel sandwich aplicado pela mesma.
12. Na sequência do referido em 11), no ano de 2014, os funcionários da Ré procederam à substituição de seis vidros.
13. Entre dezembro de 2017 e janeiro de 2018, no primeiro andar da sobredita habitação verificou-se a existência de:
- diversas rachadelas nas paredes exteriores da habitação, onde havia sido colocado o capoto referido em 4);
- Desnível pontual da calçada efetivada pelo gerente e pelos funcionários da Ré;
- fissuras nas paredes interiores,
- Os vidros da cobertura efetuada nas traseiras da habitação, fornecidos e aplicados pelo gerente e funcionários da Ré, foram partindo; - entrada de água entre o painel sandwich fornecido e aplicado pelo gerente e funcionários da Ré;
14. Em 15/09/2018, o advogado dos Autores remeteu uma missiva com registo postal para a sede da Ré, consignando a exposição do indicado em 13) e “interpelando” a mesma para proceder à correção dos defeitos no prazo de 15 dias.
J) Dessa forma, e como resulta dessa sequência, nos anos de 2013/2014, teriam sido denunciadas fissuras no capoto, que teriam sido reparadas no mesmo período, vindo depois, em 15/09/2018, a ser denunciadas, de novo, fissuras na cobertura de capoto.
K) Sucede, porém, que não devia ter sido dado como provado que, na sequência da denúncia em 2014, o capoto foi reparado, nem em momento algum foi feita prova que as fissuras denunciadas em Setembro de 2018 fossem defeitos novos que só aí tenham surgido.
NO QUE RESPEITA ÀS FISSURAS NA COBERTURA DO CAPOTO
L) As fissuras na cobertura de capoto denunciadas em 2014, não foram reparadas.
M) O que resulta cristalino do depoimento da Autora BB gravado em CD, com duração de 00h13m01s, no dia 21/11/2022, com início de gravação às 10h34m50s e fim de gravação às 10h48m20s, e que supra ficou transcrito
N) Como se vê, as fissuras no capoto foram denunciadas em 2014, não tendo sido reparadas, ou o defeito na aplicação do capoto reconhecido – foi apenas pintado – não tendo, repete-se sido produzida prova que as fissuras alegadamente denunciadas em Setembro de 2018, fossem defeitos novos que só aí tivessem surgido.
O) Deste modo, o ponto 10 dos factos dados como provados, deve ser alterado passando a figurar na sua redacção o seguinte texto:
10. Na sequência do mencionado em 3), os funcionários da Ré, entre os anos de 2013 e 2014, designadamente, procederam a trabalhos de pintura da parede exterior.
P) Como deve ser aditado ao elenco dos factos dados como não provados um novo ponto com a seguinte redacção:
Não se provou que as fissuras mencionadas em 3) dos factos provados tenham sido reparadas.
QUANTO ÀS ALEGADAS INFILTRAÇÕES DE ÁGUA NO PAINEL SANDWICH
Q) Resulta da prova produzida em audiência de julgamento que a denúncia de infiltração de água pelo painel sandwich ocorreu pelo menos em 2014.
R) Veja-se a este propósito o depoimento da testemunha dos Autores CC, com depoimento gravado em CD, com duração de 00h35m55s, no dia 12/10/2022, com início de gravação às 14h17m28s e fim de gravação às 14h50m30s, e que supra ficou transcrito
S) Depoimento do qual resulta, como se vê, as infiltrações de água com origem no painel sandwich fornecido e aplicado pela Ré/Recorrente não se iniciaram, ou tornaram visíveis entre Dezembro de 2017 e Janeiro de 2018 (facto provado 13), mas, outrossim em 2014.
T) E que as infiltrações de água pelo painel sandwich não têm o seu início em 2017, mas logo em 2014, resulta igualmente das declarações de parte prestadas pela Autora BB, que supra ficaram transcritas.
U) Aliás, o que neste aspecto em particular (entrada de água pelo painel sandwich) toca, os factos dados como provados no ponto 13, está mesmo em contradição com o facto dado como provado no ponto 11 (Nos anos de 2014 a 2016, os Autores declararam comunicar ao gerente da Ré a existência de vidros partidos colocados por cima das vigas de madeiras indicadas em 4) e a infiltração de água pelo painel sandwich aplicado pela mesma).
V) E, não obsta a esta conclusão que as testemunhas dos AA, tenham procurado, em partes dos seus depoimentos em que não foram espontâneos, e em que se contradisseram, terem procurado situar a origem dos defeitos, ou pelo menos a sua visibilidade, no inverno de 2017/2018.
W) Em alguns casos contrariando o seu depoimento espontâneo anteriormente prestado, como é o caso da testemunha CC, que primeiro não tem dúvida nenhuma em afirmar que a cobertura da garagem nunca ficou em condições, chovendo na garagem pelo menos desde a data do seu casamento em 2014, para minutos à frente, claramente orientado nesse sentido, vir afirmar que a entrada de água na garagem ocorreu no inverno de 2017/2918.
X) Deste modo impõe-se que a redacção do ponto 13 dos factos provados seja alterada, passando a ter a seguinte redacção:
13.Entre dezembro de 2017 e janeiro de 2018, no primeiro andar da sobredita habitação verificou-se a existência de fissuras nas paredes interiores, como se verificou um desnível pontual da calçada efetivada pelo gerente e pelos funcionários da Ré.
EM SUMA,
Y) Resulta da prova produzida em audiência de julgamento que, pelo menos no que respeita aos factos em que os AA sustentam o seu pedido, a alegada denúncia dos AA datada, de Setembro de 2018, mais não faz que vir repetir os defeitos já enunciados em 2014.
Z) Nesta data, Setembro de 2018, o direito de agir dos AA, relativamente aos defeitos verificados no capoto e no painel sandwich, estavam já extintos, caducidade que foi expressamente invocada na contestação oferecida pela Ré.
AA) Ora, a alegada denúncia dos (mesmos) defeitos em Setembro de 2018, não tem a virtualidade de fazer renascer o direito de agir dos Autores, que, pelo menos desde 2017 estavam extintos por caducidade.
BB) E, deste modo, na data da propositura da acção, dia 26 de Janeiro de 2022, havia já caducado o direito de agir dos Réus, caducidade que foi expressamente arguida na contestação oferecida pela Ré.
CC) A caducidade - que expressamente se arguiu na contestação - constitui uma excepção peremptória, (artigo 579.º do Código de Processo Civil).
DD) Importando a absolvição do pedido formulado pelo Autor nos termos do n.º 3 do artigo 576.º do C.P.C.
EE) Deste modo, se alguma obrigação persiste para a Ré, então é cristalino que se trata de uma obrigação natural (artigo 402º do CC)
FF) E, como é sabido, o cumprimento das obrigações naturais não é judicialmente exigível (artigo 402º do CC)
GG) A decisão recorrida procede a uma errada aplicação da norma ínsita no artigo 5º-A do Decreto-lei 67/2003 de 8 de Abril (aplicável à relação jurídica sub judice) ao não considerar extintos por caducidade o direito que os Autores pretenderam fazer valer na presente acção.
HH) Razão pela qual deverá ser alterada a decisão proferida nos presentes autos, proferindo-se decisão que julgue procedente a invocada excepção da caducidade e, em consequência, declare extinto o direito de agir dos AA.

Os AA. apresentaram contra-alegações, opondo-se à procedência do recurso e ampliando o objeto do mesmo, nos termos seguintes:
I. Bem andou o Tribunal a quo ao condenar a Recorrente no pagamento de € 19.766,10, devidos pela reposição pelos Autores, com a ajuda de terceiros, da conformidade do imóvel em decorrência de defeitos indexados à obra da Recorrente.
II. Considerando provados os alegados defeitos da obra, a tempestividade com que procederam à denúncia dos mesmos, e consequente titularidade pelos Autores, como consumidores, do direito de exigir a redução do preço do contrato celebrado.
III. Resultando do próprio processo todos os elementos – que são notórios e incontestáveis – que impunham tal decisão.
IV. A percetibilidade, pelos Autores das desconformidades e imperfeições existentes no capoto, no painel sandwich e até na calçada apenas foi possível no decorrer do final de 2017, estando aqueles em tempo para o fazer, visto que o prazo de garantia corresponde a 5 anos após a conclusão da obra.
V. E, tendo procedido à denúncia em Setembro de 2018, mais uma vez nenhum prazo extrapolaram, tendo em conta que o prazo exigido para a denúncia dos defeitos corresponde a um ano a contar da verificação dos mesmos.
VI. Pelo que não merece censura a decisão proferida pelo Tribunal a quo, ao considerar que efetivamente os Autores titulavam o direito à
redução do preço e exerceram-no tempestivamente.
VII. Entendendo V/as Exas. dar procedência à pretensão da Recorrente, o que não entendemos ser devido e nos referimos por mera cautela de patrocínio, requer-se a ampliação do presente recurso, que versa também sobre a matéria de facto.
VIII. Tendo em conta que, é desde logo certo que não corresponde à verdade que a obra tenha sido concluída e entregue em 19/12/2012.
IX. Pois a prova testemunhal produzida nos autos permite concluir que pelo menos na véspera de casamento da filha dos Autores – 5 de Outubro de 2014 – a obra ainda se encontrava inacabada.
X. Nessa data, ainda se encontravam dispostos andaimes em redor da habitação, e os trabalhadores da Recorrente ainda executavam vários trabalhos, os quais não correspondiam a reparações de defeitos ou até a retoques finais, pelo contrário, correspondiam somente à conclusão do serviço acordado no contrato de empreitada.
XI. Pelo que deveria outrossim ter sido dado como provado que: - A obra foi concluída e entregue em 2014; e que - O gerente e os funcionários da Ré iniciaram os sobreditos trabalhos no final do mês de setembro de 2009, sendo que o descrito em 4) foi efetivado até 2014.
XII. Tendo em conta que as testemunhas, de forma espontânea e coesa, indicam que a obra se prolongou durante muito tempo, referindo inclusive que os trabalhadores da Recorrente não prestavam serviço de forma contínua, ou que, pelo menos, não terminavam e aperfeiçoavam uma tarefa antes de prosseguir para a seguinte, daí a inconclusividade de tantas partes da obra.
XIII. E as mesmas testemunhas revelam que em 2014 ainda existiam trabalhos a ser executados pela Recorrente, rapidamente identificando a véspera do casamento da filha dos Autores, o que se compreende dada a relevância desta data nas suas vidas.
XIV. Constatavam aí a preocupação dos Autores e da sua filha, causada pela aproximação de um evento tão importante, sem que estivessem as obras devidamente concluídas para que pudessem lá habitar.
XV. Assim o revelam o depoimento prestado pelo Sr. CC em audiência de julgamento de 12/11/2022 concretamente entre os minutos 00:02:34 e 00:04:16 correspondentes ao ficheiro inserto no CD da gravação da dita audiência; o depoimento prestado por DD na mesma audiência, entre os minutos que para aqui relevam 00:07:12 e 00:08:23 do ficheiro do CD da gravação; do depoimento da Sra. EE, entre os minutos 00:03:33 e 00:04:35 do CD; do depoimento prestado pelo Sr. FF, entre no minuto 00:03:50 corresponde ao ficheiro áudio inserto no CD em apreço.
XVI. Ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, considerando que os serviços prestados em 2014 corresponderam a retoques finais e reparações de uma obra que já estava concluída há dois anos, tal não pode proceder, tendo em conta que os trabalhados executados correspondiam sim à conclusão da obra, na medida em que se
encontravam a concluir partes que estavam inacabadas, nomeadamente o capoto.
XVII. E ainda se assim não fosse, não poderia desconsiderar-se que os muros envolventes da habitação não estavam prontos, sendo que a construção de um muro jamais pode ser encarada como um retoque final ou um ajuste, fazendo este serviço parte do trabalho principal.
XVIII. Atente-se, neste sentido, ao depoimento prestado pela Autora em audiência de julgamento datada de 21/11/2022, entre os minutos 00:02:40 e 00:03:30 correspondentes aos minutos insertos no CD da gravação da mesma.
XIX. O que impõe questionar: como pode considerar-se a obra concluída se em 2012 não estava concretizado tudo aquilo que foi acordado entre as partes mediante a celebração do contrato?
XX. Os Autores procederam atempadamente ao pagamento do preço, pagando sempre os serviços prestados com antecedência à sua realização, pelo que a prova documental, nomeadamente, a fatura relativa ao último pagamento e que remete a 18/12/2012 não deve ser encarada como a conclusão da obra, nada impedindo que fosse
pago um serviço naquela data, apesar de este vir a ser realizado mais tarde.
XXI. Estando o serviço pago, deveria a Recorrente diligenciar por prestar os serviços e entregar a obra conforme o previsto, o que esta só veio a concretizar em 2014.
XXII. Esta alteração da matéria de facto, com o aditamento dos factos supra mencionados, permitiria ademais da melhor sustentação da decisão do Tribunal a quo, a existência de maior certeza e segurança jurídica, inexistindo qualquer margem para desconsiderar o prazo de garantia de 5 anos, pois, assim, o prazo de garantia iniciou-se somente em 2014, decorrendo este até 2019, estando os Autores mais do que em tempo para verificar as desconformidades e denunciá-las.
XXIII. Pois, tal como evidenciado pelo Douto Tribunal, estavam em causa defeitos ocultos, que não eram detetáveis através de um exame diligente, pelo que nada impedia os Autores de os verificar somente em 2017 e não na data de conclusão da obra, em 2014, uma vez que todo o circunstancialismo da situação pode determinar que o dever de verificação que lhes incumbia seja preterido para um momento posterior à entrega da obra.
XXIV. O que sucedeu, tendo em conta que os Autores só verificaram os defeitos, a sua gravidade e urgência em serem reparados no final de 2017.
XXV. Mais se refere que, produzida a alteração da matéria de facto por que se pugna, perde ainda mais o sentido do alegado pela Recorrente no sentido de as denúncias em apreço serem uma repetição das concretizadas em 2014, visto que não poderia estar em causa a reparação de defeitos se a obra se encontrava por terminar.
XXVI. Assim, em 2014 estava em causa a conclusão da obra e o cumprimento do contrato celebrado.
XXVII. Razão pela qual sempre haveria de se considerar tempestiva a ação, procedendo a condenação da Recorrente no pagamento do preço relativo à reposição da conformidade do imóvel com o apoio de terceiros.

Objeto do recurso:
- da nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
- da pretendida alteração da matéria de facto;
- dos direitos do dono da obra perante as desconformidades desta.

Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia
A Ré inicia a sua exposição recursiva invocando um vício interno da sentença respeitante aos limites mínimos da decisão: a nulidade por omissão de pronúncia.
Trata-se da situação prevista no 615.º, n.º 1 d) CPC que respeita aos temas que o juiz deve apreciar.
Tal normativo constitui o contraponto do disposto no art. 608.º, n.º 2 que impõe que a sentença resolva as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.
As questões que as partes submetem à apreciação são aquelas que constituem o pedido e a causa de pedir, isto é, o objeto da ação, e, bem assim, as que integram a defesa excetiva.
As exceções podem ter natureza dilatória, reportando-se a factos que obstam à apreciação do mérito da ação, e natureza perentória, as que importam a absolvição total ou parcial do pedido e se baseiam em factos novos, alegados pelo R., que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico pretendido pelo A. (arts. 571.º e 576.º a 579.º CPC).
A Ré alega tratar-se de defesa por exceção (que qualifica de inominada) a alegação que deixou espelhada na contestação segundo a qual, tratando-se de contrato de empreitada para consumo, ao qual se aplica o revogado diploma acima citado, o direito do dono da obra a ver-se inteirado do que despendeu em reparação de vícios depende da prévia resolução do negócio, o que não ocorreu in casu.
A defesa que assim se invoca constitui um facto novo impeditivo, modificativo ou extintivo da pretensão dos AA.?
É óbvio que não!
Desde logo, a Ré não alega qualquer facto novo. Limita-se a aplicar aos factos alegados pelo A. o direito que entende ser-lhe aplicável. Isto é, a Ré alega que, sendo o regime jurídico do incumprimento da empreitada de consumo aquele cuja interpretação considera a mais correta – com invocação de uma decisão jurisprudencial que a sustentaria -, então não assiste aos AA. o direito que invocam e tal direito não lhes assiste não porque a Ré invoque um qualquer facto (impeditivo, modificativo ou extintivo) mas porque de acordo com a sua interpretação da lei o pedido dos AA. estará dependente da prévia resolução por estes do contrato de empreitada.
Trata-se, evidentemente, de mera apreciação jurídica que tem como escopo observar que, a ser verdade o invocado pelos AA., por força da simples aplicação da lei (e não da demonstração de factos alegados pela Ré), o direito que invocam lhes não assiste.
Não tendo a Ré invocado factos novos, mas aplicado o direito que, na sua ótica, merecem os factos alegados pelos AA., cabia ao tribunal conhecer dessa argumentação jurídica sob pena de omissão de pronúncia?
A resposta é novamente negativa.
O art. 608.º, n.º 2 CPC, impõe se resolvam na sentença todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, mas já Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol., V, p. 143) explicitava que “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação” não significa considerar todos os argumentos jurídicos ou soluções plausíveis de direito, pela simples razão de que o julgador não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5.º, n.º 3).
Embora Anselmo de Castro (Direito Processual Civil, Vol. II, p. 142) estenda a noção de questões a todas as vias de fundamentação jurídica que as partes tenham exposto, a jurisprudência tem seguido o caminho indicado pelo primeiro jurista. Veja-se, por ex., o ac. STJ, de 3.10.2017, Revista n.º 2200/10.6TVLSB.P1.S1 - 1.ª Secção: A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia.
Também assim o Ac. STJ, de 12.10.2017, Revista n.º 235/07.5TBRSD.C1.S1 - 7.ª Secção: Não incorre em vício de omissão de pronúncia o acórdão da Relação que deixou de apreciar um dos argumentos aduzidos pela recorrente em benefício da pretendida modificação da matéria de facto.
Conclui-se, por isso, que consistindo a defesa da Ré em mera apreciação jurídica da factualidade alegada pelos AA., esta defesa não é excetiva porque não depende da demonstração de factos novos (impeditivos, modificativos ou extintivos), mas apenas da aplicação do direito aos factos constantes da pi.
Pelo exposto, julga-se improcedente a argumentação relativa à repontada nulidade.


FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentos de facto
A Ré pretende a alteração do ponto 10 dado como provado por entender não ter sido efetuada prova de que, em 2014, tenha a mesma procedido à reparação do capoto, afirmando ter apenas efetuado a respetiva pintura.
A primeira observação relativa ao ponto 10 é a que respeita ao lapso evidente que do mesmo consta quando remete para o ponto 3 quando é manifesto pretender referir-se ao ponto 9.
É, pois, de considerar efetuada esta correção.
Quanto à natureza da intervenção levada a cabo pela Ré no capoto, em 2014, invoca a recorrente as declarações de parte da própria A. e, neste tocante, disse esta que em 2014 foi efetuada pintura para que a situação ficasse bonita para o casamento, mas “ainda não ficou acabado”.
Todavia, verificamos ser o próprio legal representante da Ré, GG, quem, nas suas declarações, afirmou expressamente “a parte do capoto, fui lá, disse lá que ia resolver o problema, fiz o recobrimento do capoto com massa e rede e arranjei a parede”, isto através dos seus funcionários.
Sendo o próprio representante da Ré a afirmar ter feito a reparação do capoto, não se vê como pode a Ré pretender, de boa fé, a alteração deste ponto de facto.
Improcede, por isso, o pretendido.
É, ainda, pedido pela recorrente que, do ponto 13, relativo aos defeitos verificados, entre dezembro de 2017 e janeiro de 2018, se retirem os seguintes: rachadelas nas paredes exteriores, no local do capoto; vidros partidos na cobertura das traseiras e entrada de água pelo painel sandwich.
Vejamos sobre a entrada de água pelo painel sandwich.
No ponto 13 diz-se que este defeito se verificou entre dezembro de 2017 e janeiro de 2018.
Todavia, no ponto 11, já se havia dado como provado que, nos anos de 2014 a 2016, já os AA. denunciaram à Ré “a infiltração de água pelo painel sandwich.
Sendo assim, cabe perguntar: o defeito só surgiu em finais de 2017, ou surgiu antes, tanto que foi denunciado à Ré, desde 2014 a 2016?
Quanto a estes factos, a sentença apoiou-se nos seguintes depoimentos e declarações: da Autora BB e das testemunhas CC, DD, HH e II.
A A. disse que entrava água forte e feio, na cobertura aquilo era um mar de água, mas aquilo nunca ficou bem, aquilo foi uma obra sempre aldrabada porque nem as chapas estavam encaixadas e eu queixei-me e ele andou por lá a chegar silicone por cima e nós tornámo-nos a queixar, passou o inverno e aquilo continuava a entrar água e nós queixávamo-nos e ele dizia, “eu venho aqui e torno a chegar…” e a minha filha disse-lhe que não.
Por sua vez, CC, genro dos AA., quando perguntado quando foi concluída a garagem (local onde foi aplicada a telha sandwich), disse que, quando estava lá casado, aquilo já estava concluído, ou seja, as chapas já estavam colocadas, mas desde início eu sempre disse que aquelas chapas estavam mal colocadas e sempre faltou meter o remate, quando se casou (5.10.2014) já conseguia meter os carros lá, mas chovia na mesma.
Já a filha dos AA., DD, quanto à cobertura com as chapas, aí em 2016/2017, disse que entrava humidade com a geada, durante a noite, pingava nos carros e ele foi lá chamado e, quando já estava grávida (a criança nasceu a .../.../2018), foi lá pôr silicone. Nesse Inverno, de 2017/2018, as fissuras no capoto, que o representante da Ré havia tapado com a massa, apareceram muito maiores e, como chovia, mais água entrava na garagem. Aludiu à existência de vidros partidos na cobertura.
A testemunha HH nada adiantou quanto ao tempo de verificação dos vícios.
Já II que fez os portões na frente da casa e nova cobertura para substituir a anterior (já em 2022), alude a problemas estruturais da mesma, com sinais de infiltrações, mas nada disse quanto ao tempo da ocorrência do vício relativo às infiltrações.
Os depoimentos de FF, irmão da A., e de EE, que foi sua cunhada, também não referem o momento em que se iniciaram as infiltrações, tendo o primeiro referido os vidros partidos (situação diferente das infiltrações), ao tempo da gestação do sobrinho-neto. O mesmo, quanto à segunda testemunha.
Aqui chegados verificamos que dos depoimentos da A., filha e genro, o que resulta é que, desde o início, ocorreram infiltrações na cobertura revestida com painel sandwich, as quais, obviamente, terão aumentado progressivamente, mas não apenas em finais de 2017, começos de 2018.
Ainda que assim se não compreendem-se estes testemunhos, como se sustenta em contra-alegações, a verdade é que cabia aos AA. a demonstração inequívoca de que as infiltrações ocorreram apenas nessa época e, na verdade, não cumpriram tal desiderato que surge mesmo infirmado pelo que consta do ponto 11 onde se deu como provado que, de 2014 a 2016, os AA. já denunciaram à Ré a infiltração de água pelo painel sandwich.
O mesmo sucede quanto aos vidros da cobertura: já anteriormente existiam vidros partidos (veja-se o ponto 11), mas isso continuou a suceder e a preocupação terá aumentado com a possibilidade da presença de uma criança no local.
Por esta razão, impõe-se a alteração do ponto 13 que passa a ter a seguinte redação:
13. Entre dezembro de 2017 e janeiro de 2018, no primeiro andar da sobredita habitação verificou-se a existência de diversas rachadelas nas paredes exteriores da habitação, onde havia sido colocado o capoto referido em 4). Também ocorreu desnível pontual da calçada efetivada pelo gerente e pelos funcionários da Ré, fissuras nas paredes interiores, tendo aumentado a quantidade de vidros partidos na cobertura efetuada nas traseiras da habitação, fornecidos e aplicados pelo gerente e funcionários da Ré. Aumentou a infiltração de água entre o painel sandwich fornecido e aplicado pelo gerente e funcionários da Ré.
Os factos relevantes são, assim, os fixados em primeira instância, a que acrescem as alterações agora introduzidas.
Em ampliação de recurso sobre a matéria de facto, os AA. pretendem a alteração dos factos no tocante à data da conclusão da obra que dizem ter ocorrido em 2014 (sem precisão da época ou mês), sendo que o consignado a este respeito na sentença foi que os trabalhos foram executados até ao dia 19.12.2012.
Recorde-se que, na petição inicial, os AA. haviam afirmado coisa distinta, porquanto no art. 11 escreveram o seguinte: “…somente em janeiro e fevereiro de 2017 é que foram efetuadas as últimas intervenções do imóvel”, dizendo que o grosso tinha ficado concluído em outubro de 2014.
É consabido que a alteração do juízo factual alcançado em primeira instância apenas pode ser objeto de crítica quando se revela manifestamente desconforme com a margem de adequação e aceitabilidade que sempre ocorre quando se avalia a prova, nomeadamente a que tem índole subjetiva, como sucede com a prova testemunhal.
Somente visível desadequação dos factos apurados ou não apurados com toda a prova – documental e testemunhal – impõe diferente ponderação quanto a estes.
Foi o que sucedeu acima, quando avaliamos a impugnação de facto suscitada pela Ré: os próprios factos provados, pelo seu conteúdo, permitiam a imediata perceção de que as alterações visadas pela demandada tinham razão de ser. Desde logo, a não coincidência com o que seu como provado em 11 e o que constava em 13.
No caso da data da conclusão da obra, resulta evidente, até dos depoimentos prestados pela A., sua filha e genro, acima já mencionados, existir da parte dos AA. uma contínua demanda do enquadramento da situação dentro dos períodos temporais adequados para exclusão da defesa excetiva invocada de caducidade.
É isso que resulta, desde logo, da circunstância de a obra ter sido paga em diversas tranches, tendo a primeira tido lugar com a sua adjudicação, em setembro de 2009, e ocorrendo a última em dezembro de 2012.
Não seria expectável que, efetuado o pagamento por etapas, naturalmente coincidentes com o evoluir da obra - que demorou tempo significativo, atenta a pouca monta e quantidade dos trabalhos (para realizar obras num imóvel que ascenderam a €25.800,00, a Ré tomou mais de três anos) – os donos da obra procedessem ao pagamento do preço total e a mesma só ficasse concluída dois ou cinco anos após. Por essa razão, em 2013/2014, os funcionários da Ré, ante a denúncia de defeitos pelos AA., procederam a reparações de determinados vícios e, até 2016, à eliminação de outros (embora não totalmente, como sucedeu com as infiltrações de água pelo painel sandwich).
Assim, em 2014, a intervenção da Ré não ocorreu no âmbito da execução inicial dos trabalhos, mas de reparação dos defeitos que foram sucedendo.
Não é de boa fé afirmar-se que a obra se vai protelando no tempo, com cada reparação efetuada na sequência de defeitos, como se a intervenção inicial do empreiteiro o vinculasse indefinidamente.
Sendo certo caber à Ré a obrigação de executar trabalhos conformes com a finalidade que lhes compete, já cabe aos donos da obra denunciar os vícios em tempo e suscitar os mecanismos judiciais também de forma atempada. Só essa atuação satisfaz a necessidade de segurança que o comércio jurídico impõe.
Ora, o doc. 3 referenciado na sentença a respeito da prova do facto 7 (a obra foi concluída em dezembro de 2012), além de conter o orçamento inicial, escrito a computador, mostra notas manuscritas relativas aos dias concretos dos pagamentos, o último dos quais datado de 19.12.2012, este logo seguido da descrição também manuscrita “garantia de cinco anos da construção em conformidade com este orçamento”.
Não é crível que, não estando a obra finda, naquela data, se lançasse ali a referência ao período de garantia cujo dies a quo então se iniciava.
O que resulta do depoimento da A., seu genro e filha, é que, desde o início, a obra apresentou defeitos que foram sendo denunciados à Ré e que esta não escamoteava, procedendo a reparações que não resolviam os problemas (como o silicone para tentar travar as infiltrações), que se avolumavam, designadamente o relativo às infiltrações. Porém, isso em nada altera a data da conclusão da obra, com ou sem defeitos.
Impor-se-ia aos AA. que, face à contestação da Ré, com defesa por caducidade, explicitassem exatamente a razão pela qual, estando o preço completamente pago em 2012, e tendo-o sido faseadamente, ainda assim não estava concluído este ou aquele trabalho (e qual), razão pela qual a não teriam nessa época aceite, o que não foi feito.
Sendo assim, é de manter o ponto 7 dos factos provados, improcedendo o pretendido na ampliação do objeto do recurso.
Todavia, na sequência do que acabou de se observar, afigura-se-nos óbvio padecer a matéria de facto de uma correção, face ao alegado pelos AA. no art. 9.º e ao mencionado pela filha e pelo genro da A.: a Ré, face à denúncia de que entrava água através do painel sandwich, foi procurando resolver a situação com silicone, mas sem sucesso, de tal modo que, já numa última denúncia desse defeito e perante a intenção do legal representante da Ré de voltar a colocar o mesmo material, a filha da A. o recusou pela ineficácia.
Sendo assim, o ponto 12 passa a ter a seguinte redação:
12. Na sequência do referido em 11), no ano de 2014, os funcionários da Ré procederam à substituição de seis vidros e, nesse ano e nos anos seguinte, até 2017, foi sendo colocado silicone no painel sandwich, mas sem êxito no que toca à infiltração de água.


Fundamentos de direito
A sentença recorrida efetuou correto enquadramento da relação contratual que ocorreu entre AA. e Ré.
Trata-se de um contrato de empreitada de consumo, à época disciplinado pelo DL 67/2003, de 8.4 (entretanto revogado pelo DL 84/2021, 18.10).
As relações de consumo, no domínio da empreitada, têm também previsão na Lei de Defesa dos Consumidores (Lei 24/96).
A relação de empreitada de consumo “é aquela que é estabelecida entre alguém que destina a obra encomendada a um uso não profissional e outrem que exerce com caráter profissional uma determinada atividade económica, a qual abrange a realização da obra em causa, mediante remuneração (art. 2.º, n.º1, da L.D.C, e art. 1º-B, a), do DL n.º 67/2003)”[2].
Deste modo, a responsabilidade contratual do empreiteiro pelos defeitos da obra, nas empreitadas para consumo, rege-se pelas disposições previstas no CC para o contrato de empreitada e pelas regras especiais que resultam da Lei do Consumo e do DL 67/03, não sendo aplicáveis as normas do CC que sejam incompatíveis com as normas constantes destes dois diplomas[3].
No domínio do diploma de 2003, ao invés de defeito da obra, alude-se a falta de conformidade desta com o contrato, estabelecendo-se que se presume tal não conformidade – presunção a ilidir pelo empreiteiro, mediante prova do contrário - quando ocorram os factos-índice contidos no art. 2.º, que estabelece assim:
1 - O vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda.
2 - Presume-se que os bens de consumo não são conformes com o contrato se se verificar algum dos seguintes factos:
a) Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo;
b) Não serem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado;
c) Não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo;
d) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.
3 - Não se considera existir falta de conformidade, na acepção do presente artigo, se, no momento em que for celebrado o contrato, o consumidor tiver conhecimento dessa falta de conformidade ou não puder razoavelmente ignorá-la ou se esta decorrer dos materiais fornecidos pelo consumidor.
Carlos Ferreira de Almeida entende que conformidade consiste numa “relação deôntica entre duas entidades, a relação que se estabelece entre algo como é e algo como deve ser”[4], podendo afirmar-se que a falta de conformidade abrange a noção de vício da coisa.
A desconformidade é a divergência que existe entre a qualidade que o bem tem e a qualidade que o bem devia ter. É um conceito amplo e unitário que abrange as situações de defeito e de incumprimento parcial e desconformidades de obra, referidos nos arts. 1208.º e 1218.º, n.º 1, CC.
Na situação vertente, os defeitos verificados demonstram a não conformidade da obra com o contratado, desde logo porque com a obra levada a efeito a Ré não satisfez os critérios de uso específico da mesma acordado entre as partes e nem o seu uso habitual para o tipo de bem em causa, havendo falta de qualidade ou insuficiente desempenho relativamente a outras obras do mesmo tipo.
Recorde-se ter a sentença condenado a Ré a pagar aos AA. a quantia de € 19.776, 10, relativa aos defeitos do painel sandwich e do capoto.
Provado a este respeito está o seguinte: diversas rachadelas nas paredes exteriores da habitação, onde havia sido colocado o capoto, ao nível do primeiro andar, verificadas em finais de 2017/princípios de 2018, no local onde, já em 2013/2014, a Ré havia procedido a trabalhos de reparação.
Quanto ao painel sandwich, verificou-se a existência de infiltrações, desde 2014-2016, situação que foi piorando.
É, pois, inequívoca a existência de defeitos.
A defesa da Ré, que a mesma apelida de caducidade, é a que resulta do decurso do prazo de cinco anos estabelecido no art. 5.º daquele DL.
Afirma que, tendo a obra sido concluída em início de dezembro de 2012, o prazo de garantia de cinco anos, previsto no art. 5.º do citado DL e no art. 1224.º, n.º 2, CC, teria decorrido até dezembro de 2017.
A primeira observação que se impõe respeita à qualificação desta defesa como excetiva, por via de caducidade.
Repare-se que o art. 5.º, n.º 1, dispunha poder o consumidor exercer os direitos previstos no artigo anterior[5], quando a falta de conformidade se manifestar dentro de um prazo de dois ou de cinco anos a contar da entrega do bem, consoante se trate, respetivamente, de coisa móvel ou imóvel.
O prazo é de garantia, pois fixa o lapso durante o qual a manifestação de uma falta de conformidade faz surgir na esfera do consumidor os respetivos direitos.
Mas, para além deste prazo de garantia, ainda correm os prazos para denúncia dos defeitos (ou faltas de conformidade) já detetados (um ano, art. 5.º- A, n.º 2) e para o exercício dos direitos do dono da obra consumidor (três anos após a denúncia, art. 5.º- A, n.º 3)
Assim, como expõe Cura Mariano (cit. p. 293), “nas relações de consumo, após o dia da entrega da obra, o prazo máximo para o exercício dos direitos do dono da obra (…) é de (…) 9 anos (5 anos + 1 ano + 3 anos) para os bens imóveis”.
No caso de se terem verificado já trabalhos de reparação dos defeitos em causa, em consequência de denúncia anterior, ocorre a suspensão da contagem daqueles prazos (art. 5.º, n.º 7), sendo esta uma exceção ao disposto no art. 328.º CC invocado pela Ré.
Quer isto dizer que, quanto às partes que foram reparadas, inicia-se uma nova contagem de todos os prazos, após a realização desses trabalhos.
Ora, na situação vertente, não é exercido nenhum dos direitos previstos no art. 4.º: nem reparação ou substituição, nem redução do preço, nem resolução do contrato.
Na verdade, o que é pedido é a indemnização pelo valor despendido na reparação pelos donos da obra, eles próprios, dos defeitos denunciados à empreiteira.
É falacioso afirmar-se estar-se aqui perante uma redução do preço, posto que não é efetivamente o que se passa. Redução do preço pressuporia que a coisa se mantivesse com o defeito que a desvaloriza e o empreiteiro entregasse ao dono da obra quantia equivalente a essa desvalorização.
Já se o dono da obra não mantém a coisa com a desconformidade, mas a repara e pretende obter do empreiteiro o valor dessa reparação, é de verdadeira indemnização que se trata. Neste sentido, o autor citado (p. 143 e ss.), que expressamente trata o tema da indemnização em dinheiro pelo custo dos trabalhos de eliminação dos defeitos ou de reconstrução realizados pelo dono da obra ou por terceiro contratado por este.
Tem-se admitido este direito indemnizatório (distinto do previsto no art. 1223.º CC), como constando entre os direitos atribuídos ao dono da obra, verificados que sejam os respetivos requisitos, como pode ver-se no ac. STJ, de 13.12.2022, Proc. 497/19.5T8VD,L1.S1, em cujo sumário se lê: O direito à indemnização escapa, nas empreitadas de consumo, às regras de articulação dos direitos conferidos ao dono da obra pelo C. Civil, ou seja, o direito à indemnização não deve ser encarado, nas empreitadas de consumo, com a configuração subsidiária e residual prevista no art. 1223.º do C. Civil, podendo, ao invés, o direito de indemnização ser “livremente” exercido pelo dono da obra que seja consumidor, desde que sejam observadas as exigências da boa-fé, dos bons costumes e da sua finalidade sócio-económica (desde que sejam respeitados os limites impostos pela figura do abuso de direito – art. 334.º do C. Civil). Verificando-se abundantes faltas de conformidade/defeitos na obra executada, não procede irrazoavelmente, desproporcionadamente ou contra a boa-fé o dono da obra que, ao abrigo da “flexibilidade” concedida pelo art. 4.º/5 do DL 67/2003, em face do insucesso que teve ao solicitar a reparação da obra (o empreiteiro não reconheceu o essencial dos defeitos e declarou-lhe que não procederia à sua eliminação), logo pede – sem ter convertido a mora na reparação em incumprimento definitivo na reparação – a indemnização correspondente às despesas e custos que irá ter para reparar ele próprio os defeitos.
Sendo assim, também este direito está sujeito aos prazos de garantia enunciados na lei.
As desconformidades em causa nestes autos respeitam ao capoto e às infiltrações no painel sandwich.
No tocante a estes dois problemas, tendo a obra sido entregue em dezembro de 2012, em 2013/2014, já a Ré havia procedido à reparação do capoto.
Esta intervenção posterior à entrega da obra, como vimos, constitui motivo de suspensão do prazo de garantia que se iniciou, de novo, para a obra do capoto, em 31.12.2014, decorrendo até 31.12.2019, período de tempo dentro do qual assistem aos donos da obra os direitos que vimos face a novas desconformidades do capoto.
Assim sendo, tendo-se verificado novos problemas neste segmente da obra, entre dezembro de 2017 e janeiro de 2018, ainda tal parte da construção se encontrava dentro da garantia.
No que tange às infiltrações no painel sandwich, verificamos que, entre 2014 a 2016, já os AA. denunciaram à Ré esta situação (a par do problema dos vidros partidos), tendo-se dado como provado ter a Ré intervindo em 2014, substituindo vidros, e nesse ano e seguintes, até 2017, colocando silicone no painel, mas sem evitar que a água continuasse a entrar, razão por que, em finais de 2017, a situação se agravou.
Também neste caso, se suspendeu o prazo de garantia, por força da tentativa de intervenção da Ré, sem êxito, no debelar das infiltrações.
Quer isto dizer que ainda decorria o prazo de garantia de cinco anos, para o capoto e painel sandwich, em 15.9.2018, altura em que, novamente, foram denunciadas estas desconformidades e fixado prazo para a sua eliminação, não procedendo a defesa neste tocante.
Também o prazo de denúncia – um ano após o conhecimento dos defeitos – foi respeitado, posto que, tendo os mesmos vícios sido já detetados anteriormente, e a Ré intervindo a este respeito, não obstante tal intervenção, os defeitos pioraram ou manifestaram-se novamente, em finais de 2017, sendo tempestiva a denúncia de outubro do ano seguinte.
Resta verificar o prazo de 3 anos para propositura da ação (sendo esta que interrompe a caducidade – art. 331.º, n.º 1 CC)-, desde a denúncia das desconformidades, em 15.9.2018, até à propositura da ação, em 26.1.2022.
A este respeito a sentença considerou não ter a Ré alegado especificamente a caducidade do direito de ação e, com efeito, verificando a contestação, o que nela se invoca é o decurso do prazo de 5 anos de garantia, à data da propositura da ação, e a ultrapassagem do prazo de um ano para a denúncia dos defeitos.
Em lado algum se alude à decorrência do prazo de 3 anos, desde a denúncia e até setembro de 2021, sendo certo que os AA., em recurso, se defendem desta situação, nomeadamente alegando a suspensão de prazos que decorreu das normas excecionais do Sars Cov 2, Lei 1-A/2020, de 19.3, e Lei 4-B/2021, de 4.4.
Com efeito, por força do regime excecional do art. 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03 (com a redação dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 06.04) que decretou medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e pela doença COVID-19, a contagem dos prazos de prescrição e de caducidade ficou suspensa a partir de 09.03.2020, sendo a duração máxima desses prazos prolongada pelo período de tempo em que vigorou a situação excecional.
A Lei n.º 16/2020, de 29.05, ao revogar o art 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, terminou, com efeitos a partir de 03.06.2020, com a suspensão generalizada dos prazos processuais e o art. 6.º determinou o alargamento dos prazos de caducidade e prescrição pelo tempo que haviam estado suspensos.
A suspensão veio a ser reintroduzida pelo n.º 1 do art. 6.º-B aditado à Lei n.º 1-A/2020 pela Lei n.º 4-B/2021, de 01.02, a partir de 7.4.2021.
No dia 5 de abril de 2021, foi publicada a Lei n.º 13-B/2021, de 5.4, que veio estabelecer a cessação do regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais adotado no âmbito da pandemia da doença COVID-19 e que, relativamente aos prazos de prescrição e caducidade, dispôs deixaram de estar suspensos pelo levantamento do regime da suspensão dos prazos, foram alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão.
Quer isto dizer que, mesmo a considerar-se ter a Ré invocado esta exceção, no tocante à data da propositura da ação, e sendo a caducidade incluída na disponibilidade das partes, não podendo ser conhecida oficiosamente (art. 333.º CC), verificamos que o termo daquele prazo de três anos ocorreu em setembro de 2021.
Por força das citadas normas excecionais, como o prazo de caducidade foi alargado mais de cinco meses, a ação proposta em janeiro do ano seguinte encontra-se em tempo, sendo de improceder a exceção de caducidade.
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Como vimos, a pretensão dos AA. centra-se num pedido indemnizatório relativo ao reembolso dos valores despendidos na reparação que levaram a efeito no capoto e painel sandwich, locais em que a intervenção da Ré não logrou debelar as desconformidades verificadas.
Diz a Ré que, a ser assim, esta pretensão estaria dependente de prévia resolução do contrato de empreitada.
Mas não é assim.
O direito em causa – indemnização em dinheiro pelos custos dos trabalhos de eliminação dos defeitos – surge a par dos restantes expressamente previstos, de redução do preço, eliminação dos defeitos pelo empreiteiro e resolução do contrato, sendo independente dos demais, nomeadamente da resolução. Veja-se, a este respeito, o sumário do ac. do STJ, de 17.10.2019 (Proc.1066/14.1T8PDL.S1.P1): no Decreto-Lei 67/2003 de 8 de Abril, alterado e republicado pelo Decreto-Lei 84/208 de 21 de Maio, os direitos conferidos ao consumidor são independentes uns dos outros, podendo exercê-los livremente, com respeito pelos princípios da boa-fé e dos bons costumes e da finalidade económico-social do direito escolhido (que se traduz, essencialmente, na satisfação do interesse do respectivo titular no âmbito dos limites legalmente previstos), sendo as particularidades do caso concreto que enquadrarão as possibilidades de exercício dos diferentes direitos colocados ao dispor do adquirente consumidor - art.º 4º, n.ºs 1 e 5 do Decreto-Lei 67/2003 de 8 de Abril, alterado e republicado pelo Decreto-Lei 84/208 de 21 de Maio - importando reconhecer ao consumidor, no condicionalismo concreto apurado em cada caso, o direito de proceder à realização dos trabalhos que se impõem, por terceiro por ele contratado, assistindo-lhe o direito de indemnização em dinheiro, correspondente ao custo dessas reparações, a satisfazer pelo empreiteiro.
Sendo um remédio alternativo que vem sendo admitido, tem, desde logo como pressuposto o incumprimento definitivo por parte do empreiteiro, nomeadamente o que resulta da recusa perentória deste a cumprir (a eliminar os defeitos que lhe foram denunciados), ou do não acatamento do prazo admonitório, nos termos do art. 808.º, n.º 1, CC, embora, excecionalmente, se admita que o dono da obra possa proceder à reparação ou reconstrução da obra, com recurso a terceiros, mesmo sem incumprimento definitivo, em casos de urgência, em que o empreiteiro não foi sequer interpelado à eliminação dos defeitos.
Na situação que nos ocupa, os AA. denunciaram desconformidades ao longo do tempo e, não obstante ter procurado resolvê-las, a Ré revelou-se incapaz de o fazer, pelo que quer o decurso do tempo (uma obra relativamente simples e vários anos para estar perfetibilizada) – que resulta em situação de perda objetiva de interesse dos AA. em nova intervenção por banda da Ré (art. 801.º CC) – quer a falta de resposta da Ré à interpelação de setembro de 2018, para que efetuasse as reparações em quinze dias, tornaram definitivo o incumprimento e, assim, a possibilidade de exercício pelos demandantes do direito que agora invocam.
A resolução do contrato, destruindo retroativamente todos os efeitos deste (arts. 433.º, 434.º e 289.º CC) é que se afigura absolutamente deslocada quando é certo estar o contrato parcialmente cumprido e surgindo o pedido de pagamento do valor da reparação efetuada pelo dono da obra como um sucedâneo da obrigação de eliminação dos defeitos a cargo do empreiteiro.
Não se concorda, assim, com o exposto no ac. RC, de 4.5.2020 (Proc. 4581/15.6T8VIS.C2), citado pela Ré em sede de contestação, quando parece pressupor a resolução previamente ao exercício do direito a indemnização do valor pago pelo dono da obra com a eliminação dos defeitos ou reconstrução.
Neste tocante, face àquela subsidiariedade entre as diferentes formas de tutela e ao regime geral do incumprimento das obrigações, estamos com Cura Mariano (ob. cit., p. 149) quando observa que “o dono da obra, tendo-se verificado um incumprimento definitivo das obrigações de eliminação dos defeitos ou de reconstrução por parte do empreiteiro que se recusou a realizá-las, não correspondeu a uma interpelação admonitória para o fazer, falhou no seu cumprimento, ou deixou que a realização da sua prestação perdesse interesse, deve poder optar entre o direito à redução do preço ou à resolução do contrato, nos termos do art. 1222.º do CC, ou a efetuar a reparação ou reconstrução da obra pelos seus meios, ou com recurso a terceiros, sendo o empreiteiro responsável pelo custo desses trabalhos” e logo explica porquê: “o incumprimento definitivo de uma obrigação confere ao credor o direito a ser indemnizado pelos prejuízos causados por esse incumprimento (art. 798.º CC), o que, neste caso, corresponde ao custo das obras de eliminação dos defeitos ou de reconstrução, entretanto efetuadas ou a realizar pelo dono da obra, ou por terceiro contratado por este”.
Por conseguinte, é de manter a decisão recorrida.

Dispositivo
Pelo exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação julgar o recurso improcedente e manter a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.


Porto, 5.6.2023
Fernanda Almeida
Teresa Fonseca
Augusto de Carvalho
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[1] Procedeu-se aqui à correção do lapso material constante da sentença que remetia para o ponto 3 ao invés de para o 9.
[2] J. Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 7.ª ed., p. 258.
[3] Ac. STJ, de 17.10.2019, Proc. 1066/14.1T8PDL.S1: As normas contidas na Lei de Defesa dos Consumidores constituem normas especiais relativamente às regras gerais do Código Civil, derrogando estas com as quais se revelem incompatíveis no seu campo de aplicação, que é o da relação de consumo, e como lei especial, deverá prevalecer o seu regime, a menos que a disciplina da venda de coisa defeituosa do Código Civil, se revele mais favorável para o comprador/consumidor.
[4] Direito do Consumo, Coimbra, Almedina, 2005, p. 159.
[5] Reparação ou substituição, redução adequada do preço ou resolução do contrato.