Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3559/05.2TAVNG.P3
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDA LOBO
Descritores: SUBSTITUIÇÃO DA MULTA POR TRABALHO
PRAZO
Nº do Documento: RP201702083559/05.2TAVNG.P3
Data do Acordão: 02/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 7/2017, FLS 60-65)
Área Temática: .
Sumário: É extemporâneo o requerimento apresentado pelo arguida a pretender a substituição da multa não paga, por prestação de trabalho, se formulado depois de decorrido o prazo legal que tinha para efectuar o pagamento, como decorre da conjugação das normas contidas nos artigos 48.º e 49.º C Penal e 489.º e 490.º C P Penal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 3559/05.2TAVNG.P3
1ª secção

Acordam, em conferencia, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular que corre termos na Secção Criminal – J1 da Instância Local de Vila Nova de Gaia, Comarca do Porto com o nº 3559/05.2TAVNG, foi condenada a arguida B…, como autora material de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social p. e p. no artº 107º e 105º nºs 1 e 5 da Lei nº 15/2001 de 5.6, na pena de 300 dias de multa à taxa diária de € 5,00.
Por despacho proferido em 20.04.2015, foi deferido o pedido formulado pela arguida, autorizando-se o pagamento da pena de multa em dez prestações mensais, iguais e sucessivas.
Não tendo a arguida procedido ao pagamento de nenhuma das prestações entretanto vencidas, por despacho proferido em 08.09.2015, foram declaradas vencidas todas as prestações e ordenada a notificação da arguida para proceder ao pagamento da totalidade da multa em que foi condenada, sob pena de ser fixada a prisão subsidiária correspondente.
Em 27.11.2015 a arguida requereu a substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade, alegando não ter condições económico-financeiras para proceder ao pagamento da multa, requerimento que veio a ser indeferido por despacho proferido em 29.03.2016.

Não se conformando com o referido despacho, dele veio a arguida B… interpor o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões:
1. Vem a ora recorrente condenada numa pena de multa;
2. Sendo que, após a condenação, a sua situação económica sofreu grandes alterações;
3. Ficando a mesma sem meios financeiros que lhe possibilitasse fazer face às despesas correntes do dia a dia (casa e filhos);
4. Nem, tão-pouco, à multa em que vem condenada;
5. Sendo que apresentou requerimento aos autos no sentido de substituir a pena de multa em que vinha condenada por dias de trabalho;
6. Tendo visto esse requerimento a ser indeferido com base na sua extemporaneidade;
7. No entanto não pôde a ora recorrente apresentar o requerimento noutra data;
8. Porquanto só após o referido prazo as circunstâncias às quais se alude supra se modificaram;
9. Pelo que, não poderia prever em tempo útil que tal situação se verificaria;
10. Portanto, só a partir do momento em que se apercebeu que não conseguia fazer face às suas obrigações, resolveu apresentar o pedido ora em crise;
11. Sendo imprevisível que tais circunstâncias se viessem a verificar;
12. Ademais, importa ter em conta, como já o deveria ter tido o douto Tribunal a quo, não só a letra da lei, como na verdade e em primazia, o espírito da lei;
13. Mais sendo que o mesmo sempre determinará, na interpretação conforme dos dispositivos legais supra melhor indicados, a consideração de que o requerimento efetuado pela arguida recorrente, a tempestividade do mesmo, o que sempre determinará, salvo melhor entendimento de V. Exªs. e que por essa mesma razão mais se requer, a procedência por provado do presente recurso.
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Na 1ª instância o Ministério Público respondeu às motivações de recurso, concluindo que lhe deve ser negado provimento.
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Neste Tribunal da Relação do Porto o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.P., veio a arguida responder, pugnando pela procedência do recurso.
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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
A decisão sob recurso é do seguinte teor: transcrição
«Fls. 1921: Veio a arguida B… requerer a substituição da pena de multa por trabalho.
A arguida foi notificada para proceder ao pagamento da multa a que foi condenada nestes autos em 5.3.2015 (fls. 1854) veio requerer o pagamento da multa em prestações, o que lhe foi deferido, em 20.4.2015, não tendo cumprido o plano prestacional estabelecido (cfr. fls. 1867 a 1889).
Veio mais uma vez, em 27 de Novembro de 2015 requerer que a multa a que foi condenado fosse substituída por dias de trabalho.
A Digna Magistrada do MP promoveu que tal requerimento fosse indeferido por extemporâneo.
Ora, nos termos do disposto no artº 490º e 489º nº 3 do CPP tal requerimento tem que ser efetuado nos 15 dias subsequentes à notificação para pagamento, sendo que como flui do exposto tal prazo está manifestamente ultrapassado.
Assim, indefiro, por extemporâneo, o requerido pela arguida a fls. 1921.
Notifique, advertindo a arguida que deve proceder ao pagamento da multa a que foi condenada.»
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III – O DIREITO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].
Assim, face às conclusões apresentadas pela recorrente, a única questão a apreciar consiste em saber se é, ou não, tempestivo o requerimento apresentado pela arguida para substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade da pena de multa em que foi condenada.
Segundo o n.º 2 do art. 489.º do Código de Processo Penal, o prazo para o pagamento da multa é de 15 dias a contar da notificação a realizar para esse efeito, após o trânsito em julgado da decisão condenatória.
Contudo, o n.° 1 do art. 48.° do Código Penal, dispõe que: "A requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas coletivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".
Por outro lado, o artº 490º do C.P.P. dispõe que: “O requerimento para substituição da multa por dias de trabalho é apresentado no prazo previsto nos nºs 2 e 3 do artigo anterior ...”, ou seja, no prazo de 15 dias a contar da notificação para pagamento voluntário da multa.
No que tange à natureza deste prazo, a jurisprudência dos Tribunais da Relação não tem sido uniforme.
Na verdade, existe uma orientação maioritária (primordialmente, no seio deste Tribunal da Relação do Porto e do Tribunal da Relação de Coimbra) que perfilha o entendimento de que o prazo previsto no art. 489.º, do C.P.P., tem natureza perentória, o que significa que após o seu decurso, sem que tenha sido invocado e comprovado justo impedimento, fica o condenado impedido de requerer o pagamento da pena de multa em prestações ou o seu cumprimento em dias de trabalho a favor da comunidade (cfr. neste sentido Acórdãos do TRPorto de 09.11.2011, Proc. n.º 31/10.2PEMTS.AP1, de 23.06.2010, Proc. n.º 95/06.3GAMUR-B.PI, de 10.09.2008, Proc. n.º 0843469, de 11.07.2010, Proc. n.º 0712537, de 02.05.2012, Proc. nº 524/08.1TAPVZ-A.P1; de 05.03.2014, Proc. nº 1062/07.5TAGDM-A.P1, de 12.11.2014, Proc. nº 662/09.3GCVNF-A.P1, de 19.11.2014, Proc. nº 1068/11.0TAMTS-A.P1, de 11.03.2015, Proc. nº 208/12.6GAVPA-A.P1 e de 11.05.2016, Proc. nº 53/06.8PCPRT.P1; Acórdãos do TRCoimbra de 10.02.2010, Proc. nº 104/06.6PTCBR.C1, de 13.06.2012, Proc. nº 202/10.1.GBOBR.C1, 18/03/2013, Proc. n.º 368/11.3GBLSA-A.C1, 18/09/2013, Proc. n.º 145/11.1TALSA-A.C1, de 22.01.2014, Proc. nº 247/08.1GTLRA-A.C1, de 11/02/2015, Proc. n.º 12/12.1GECTB-A.C1, de 15.04.2015, proc. nº 531/09.7GBAND.C2, e de 29.06.2016, Proc. nº 158/14.1GATBU-A.C1; Acórdãos do TRGuimarães de 12.11.2007, Proc. n.º 1995/07, de 22.10.2012, Proc. nº 171/09.0TAAVV.G1, de 04.11.2013, Proc. nº 331/10.1GCGMR-B.G1; Acórdão do TRLisboa de 17.10.2013, Proc. nº 3/11.0PFSCR-A.L1-9, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Outra corrente jurisprudencial, esta minoritária, considera que o requerimento apresentado pelo arguido além desse prazo não deverá considerar-se por intempestivo, por ser essa interpretação mais consentânea com os princípios subjacentes ao nosso processo penal, mormente, com o regime estabelecido no art. 49.º, do Código Penal, no caso de conversão da pena de multa em prisão subsidiária (neste sentido Acórdãos do TRÉvora de 11.09.2012, Proc. nº 457/07.9GBTVR.E1, de 18.09.2012, Proc. nº 597/08.7CBTVR-B.E1, de 08.01.2013, Proc. nº 179/07.0GBPSR-A.E1, de 15.10.2013, Proc. n.º 1.715/03.7PBFAR.E1, de 19.11.2015, Proc. n.º 2037/13.0TAPTM, de 23.02.2016, Proc. nº 55/11.2GAMCQ-A.E1, de 29.03.2016, Proc. nº 1357/11.3PBSTR.E1; Acórdãos do TRPorto de 28.09.2005, Proc. n.º 0414867; de 05.07.2006, Proc. n.º 0612711; de 15.06.2011, Proc. n.º 422/98.9PIVNG-AP1; de 30.09.2011, Proc. n.º 344/06.8GAVLC.P1; e de 06.06.2012, Proc. n.º 540/08.3PHPRCB.P1, de 07.07.2016, Proc. nº 480/13.4SGPRT.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Em face da disposição clara e expressa da lei, sufragamos o entendimento de que o requerimento para substituição da pena de multa por prestação de trabalho, assim como para pagamento em regime de prestações, só pode ser atendido se apresentado dentro do prazo de 15 dias previsto no art. 490º nº 1 e 489 nº 1 e 2 do Código de Processo Penal. Entendemos, pois, que o prazo referido no nº 1 do artigo 490º do Código de Processo Penal tem de ser havido como um prazo perentório, que faz precludir a possibilidade do condenado requerer aquela substituição da multa por prestação de trabalho.
Como se refere no Ac. R. Guimarães de 02.11.2011, Há que dar prevalência a penas de multa quando as mesmas sejam suficientes para satisfação das finalidades da punição, mas também se configura muito importante que os prazos legais claramente expressos na Lei sejam observados e que no caso de não o serem, sejam extraídas consequências, sob pena de jamais se lograr um sistema jurídico suficientemente seguro e eficaz”.
Da conjugação dos preceitos legais acima transcritos, entendemos ser medianamente claro que o legislador previu o cumprimento da pena de multa através de um sistema múltiplo e sucessivo de etapas:
- pagamento voluntário através de uma única entrega de quantia monetária;
- pagamento (voluntário) diferido ou em prestações da multa, após deferimento de requerimento formulado nesse sentido pelo condenado;
- substituição da pena de multa por dias de trabalho, após deferimento de requerimento formulado nesse sentido pelo condenado;
- pagamento coercivo; e
- conversão da multa em prisão subsidiária.
Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa não lhe é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser-lhe suspensa.
Como se consignou no acórdão desta Relação de 09.11.2011 «(…) na interpretação das normas jurídicas, o argumento literal, não deve ser desprezado e deve-lhe mesmo ser concedido peso decisivo, na tarefa, por vezes árdua, de procurar o sentido da norma querido pelo legislador. (…)
Por outro lado, em termos de regras de interpretação, dispõe o artigo 9º C Civil, que “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos jurídicos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, n.º1, “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”, n.º2 e, “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, nº. 3. (…)
Cremos pois que, da conjugação das normas atrás transcritas [artigos 48.º e 49.º do Código Penal, artigos 489.º e 490.º do Código Processo Penal], decorre a impossibilidade de ser atendido o requerimento apresentado pela arguida a pretender a substituição da multa não paga, por prestação de trabalho, se formulado depois de decorrido o prazo legal que tinha para efetuar o seu pagamento.
Aliás, quando a lei refere “a todo o tempo” - mesmo depois de esgotado o prazo previsto para o efeito - a lei só prevê, e expressamente, a possibilidade de pagamento da multa (artº 49º nº 2 do Cód. Penal). Com efeito, a multa pode ser paga, mesmo quando a prisão está iminente ou quando já se iniciou a respetiva execução.
Se o legislador também quisesse que o requerimento a que alude o artº 490º nº 1 pudesse ser feito a todo o tempo, seguramente que o teria dito expressamente, e não teria optado pela imposição tão clara de um prazo fixo (“o prazo é de 15 dias”).
Aliás, o Supremo Tribunal de Justiça, no AFJ n.º 7/2016, após concluir pela admissibilidade do cumprimento da multa de substituição mediante a prestação de trabalho, afirmou expressamente «Admitindo, pois, o pagamento da multa de substituição em dias de trabalho, esta modalidade de pagamento apenas pode ocorrer quando haja requerimento do condenado (cf. artigo 48.º, do CP). Deve, então, o condenado requerer, no prazo de 15 dias após a notificação para o pagamento, aquela específica modalidade de execução antes de entrar em incumprimento (cf. artigo 490.º, do CPP e artigo 489.º, n.ºs 2, do CPP 48; caso tenha sido autorizado anteriormente o pagamento em prestações poderá requerer o pagamento em dias de trabalho antes de expirar o prazo para o pagamento da prestação, ou enquanto não ocorrer uma situação de mora).»
Ou seja, o condenado só poderá requerer a substituição da multa por prestação de trabalho depois de decorrido o prazo de 15 dias para o pagamento voluntário, no caso de ter previamente requerido o diferimento do pagamento da multa ou autorizado o sistema de prestações. Nessa situação, antes de entrar em mora ou de expirar o prazo para pagamento de qualquer uma das prestações, se a situação económica do condenado se tiver alterado de forma a impossibilitar o cumprimento da pena pela modalidade requerida, poderá requerer então a substituição da pena de multa (ou da parte não paga) por prestação de trabalho a favor da comunidade.
Só assim se compreende que o artº 490º nº 1 do C.P.P. faça expressa referência ao nº 3 do artº 489º e não apenas ao nº 2 do mesmo preceito.
Como se decidiu no Ac. R. Évora de 29.03.2016[3], “uma vez que o legislador achou por bem mencionar expressamente no n º3 do artigo 489º do CPP o diferimento do prazo de pagamento e o pagamento em prestações, parece-nos que o artigo 490º nº1 do CPP é razoavelmente claro, logo no plano literal, ao dispor que “O requerimento para substituição da multa por dias de trabalho é apresentado no prazo previsto nos nºs 2 e 3 do artigo anterior…”, pois não se vislumbra outro sentido para esta referência ao prazo previsto no nº3 do artigo anterior que não seja deixar clara a possibilidade de apresentação do pedido de substituição da multa por dias de trabalho até ao novo termo do prazo para pagamento da multa, resultante do seu diferimento ou pagamento em prestações.”
Ora, no caso em apreço, resulta dos autos que:
- por sentença transitada em julgado em 22.04.2014, foi a arguia B… condenada na pena de 300 dias de multa à taxa diária de €5,00 pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social;
- em 02.03.2015, a arguida foi notificada para proceder ao pagamento da multa;
- em 24.03.2015, a arguida requereu autorização para pagamento da multa em 30 prestações mensais e sucessivas;
- em 20.04.2015, foi proferido despacho, notificado à arguida em 21.04.2015, a autorizar o pagamento da multa em 10 prestações mensais, vencendo-se a 1ª no dia 8 do mês seguinte à notificação e expressamente advertida de que a falta de pagamento de um das prestações importaria o vencimento das restantes;
- a arguida não procedeu ao pagamento de qualquer das prestações em dívida, razão por que, em 08.09.2015, foi proferido despacho declarando vencidas todas as prestações e concedendo àquela o prazo de 10 dias para pagamento da totalidade da multa, sob cominação da prisão subsidiária correspondente;
- esse despacho foi notificado à arguida em 11.09.2015;
- em 27.11.2015 a arguida requereu a substituição da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade.
Destas incidências processuais, assinala-se a atitude de manifesto desinteresse e alheamento da arguida no cumprimento da pena em que foi condenada. Decorridos quase três anos desde o trânsito em julgado da decisão condenatória, a arguida não pagou, ainda que parcialmente, a pena de multa, tendo desprezado todas as oportunidades que o tribunal lhe concedeu.
E o certo é que o requerimento que foi alvo da decisão recorrida foi apresentado quando há muito se mostravam ultrapassados os prazos a que aludem os nºs 2 e 3 do artº 489º do C.P.P.
Ora, a multa como pena criminal só poderá satisfazer eficazmente as finalidades de reprovação e de prevenção do crime se puder ser executada num prazo temporalmente próximo da respetiva decisão condenatória (antes que se perca a memória do ilícito).
A natureza perentória dos prazos estabelecidos nos arts. 489.º, n.ºs 2 e 3, e 490.º, n.º 1, do Código de Processo Penal necessariamente conduz à resposta de que o seu decurso implica a preclusão dos respetivos direitos. Se assim não fosse, a execução da pena multa ficaria na direta dependência da vontade e disponibilidade do condenado em cumprir, como cumprir e quando cumprir. Em evidente prejuízo da sua eficácia penal.
E como sustenta o Prof. Figueiredo Dias[4], “as facilidades de pagamento devem obstar, por um lado, a que a pena de multa não seja cumprida e, por outro lado, que levem a perder o seu carácter de verdadeira pena e a sua esperada eficácia penal”.
Como se refere no Ac. R. Guimarães de 12.11.2007, acima citado, “o arguido pode requerer a substituição da multa por trabalho a favor da comunidade enquanto estiver em tempo para pagar a multa. Por outras palavras, enquanto o pagamento da multa ainda não estiver em mora. Percebe-se que assim seja: está em causa uma pena criminal. A lei não pretendeu proteger relapsos. Só visou contemplar o caso daqueles que, conformando-se com a inevitabilidade do cumprimento da pena, se dispõem a cumpri-la, mas, no momento do cumprimento, estão em situação económica incompatível com o esforço exigido.
A substituição da multa por trabalho prevista no art. 48 do Cod. Penal não é uma tábua de salvação para quando estiver iminente a conversão em prisão subsidiária, ou até, depois da conversão ter sido decidida. O normal e o que a lei exige, é que o cidadão condenado mostre ativo interesse e preocupação em efetivamente cumprir a pena nos prazos fixados. Talvez seja uma noção que se está a perder, mas nada permite outro entendimento.
Naturalmente, se tiver sido permitido o pagamento em prestações, a situação económica do condenado pode, entretanto, degradar-se de modo a ficar impossibilitado de cumprir.
Nesse caso, os deveres de diligência já referidos obrigam-no a que, antes de faltar com alguma prestação, se dirija ao tribunal, requerendo que a parte da multa ainda em falta seja substituída por trabalho.”
Conclui-se, assim, pela manifesta extemporaneidade do requerimento apresentado pela arguida. Conceder-lhe agora uma nova oportunidade para cumprir (o que já vem prometendo fazer há muito, mas sem qualquer concretização), seria “desvirtuar o efeito dissuasor inerente à aplicação das penas e traduziria uma permissividade absolutamente injustificada – mormente a quem está assistido e aconselhado por defensor – com a inerente quebra da noção de sanção criminal”[5].
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pela arguida B…, confirmando consequentemente a decisão recorrida.
Custas pela arguida/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC’s – artº 8º nº 9 do RCP e tabela III anexa.
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Porto, 08 de fevereiro de 2017
(elaborado pela relatora e revisto por ambos os signatários)
Eduarda Lobo
Castela Rio
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[1] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3] Proferido no proc. nº 1357/11.3PBSTR.E1, Des. António João Latas, in www.dgsi.pt.
[4] Cfr. Figueiredo Dias, em Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 136.
[5] Cfr., neste sentido, Ac.TRP de 09.11.2011, Des. Ernesto Nascimento, in www.dgsi.pt.