Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
12984/19.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ SIMÕES
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
REGIME TRANSITÓRIO
Nº do Documento: RP2021012512984/19.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 01/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Tendo a ré/arrendatária aceitado a transição para o NRAU, o contrato que vigorava entre o senhorio e a arrendatária deixou de ser vinculístico, passando a ser do tipo com prazo certo de 5 anos e a reger-se integral e definitivamente pelas regras do NRAU, sem aplicabilidade das normas transitórias dos art.ºs 26.º, 27.º e 28.º da Lei 6/2006, na redacção da Lei 3/2012.
II – E assim o regime jurídico aplicável ao contrato não atribui ao senhorio a faculdade de denunciar o contrato de arrendamento, mas apenas a possibilidade de se opor à sua renovação, fazendo-a com a antecedência mínima prevista na lei.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pº nº 12984/19.0T8PRT.P1
Apelação
(490)
ACÓRDÃO

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO

B…, intentou a presente ação comum contra C…, com o seguinte pedido: ser reconhecido que a oposição por carta do autor à renovação do contrato de arrendamento em que a ré é titular passiva, com destino a habitação relativo à casa . do prédio sito na Rua …, n.º…, no Porto, é válida e, em consequência, a ré condenada a reconhecer que por via dela esse contrato de arrendamento cessou em 31 de maio de 2019 e, em consequência, a ré condenada a entregar imediatamente ao autor a casa . do prédio sito na Rua …, n.º…, no Porto, livre de pessoas e das suas coisas.
Alegou, para tal e em suma, que por contrato, iniciado em 1 de fevereiro de 1976, os então proprietários D… e E… cederam de arrendamento a F… que, por sua vez, lhes tomou de arrendamento, a casa . do prédio sito na Rua …, n.º…, …, no Porto, inscrita na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo 1547, com destino a habitação dos arrendatários, pelo prazo de 12 meses, com início em 1 de fevereiro de 1976 e termo em 31 de janeiro de 1977, pela renda mensal de 590$00 a pagar em casa do senhorio no 1.º dia útil do mês anterior ao que respeitar. Mais alegou que a ré foi casada com F… de quem se divorciou por sentença de 23 de fevereiro de 1995, tendo-lhe sido atribuído no divórcio o direito ao arrendamento em questão; por sua vez, o autor sucedeu aos primitivos locadores e desde há cerca de 20 anos que ocupa a posição de senhorio e a ré a posição de inquilina no arrendamento alegado.
Aduziu, ainda, que em 17 de fevereiro de 2014 dirigiu à ré carta registada com aviso de receção a comunicar a intenção de transição do contrato de arrendamento para o NRAU e proceder a atualização da renda, indicando como valor de renda mensal a quantia de €129,89, sendo o contrato com prazo certo e duração de cinco anos, informando que o valor do locado é de € 23 380,00. Carta a que a ré respondeu informando que concorda com a atualização da renda e transição do contrato de arrendamento para o NRAU.
Por fim, alegou que, com um ano de antecedência, comunicou à ré por carta registada com AR, a sua oposição à renovação do contrato a prazo certo pelo período de 5 anos, carta que a ré recebeu em 3 de março de 2018; porém a ré não procedeu à desocupação e entrega do arrendado.

A ré contestou a ação e, em suma, alegou que o autor tinha conhecimento que a ré é uma pessoa de idade avançada, praticamente analfabeta e que vive com o salário de empregada doméstica e o autor sempre a tranquilizou no sentido de não se preocupar com a comunicação enviada, que a mesma servia apenas para que fosse atualizado o valor da renda e não teve a verdadeira noção do efeito que as comunicações do autor se refletissem nas condições do contrato de arrendamento.
Mais alegou que se encontrava em situação de proteção, prevista no n.º4 do artigo 31.º da Lei 6/2006, sendo que o autor usou de má-fé, ludibriando a mesma, fazendo-a acreditar que a sua comunicação não traria nenhuma consequência para o contrato de arrendamento em vigor. Alegou, ainda, que tanto quanto se recorda na comunicação recebida do autor apenas fazia referência a que o contrato ficaria sujeito as regras do NRAU, não tendo sido fixado qualquer prazo contratual, nem feita qualquer referência ao tipo de contrato, sendo ineficaz.
Por fim, concluiu que o contrato não foi validamente transitado para o NRAU.

O autor respondeu à matéria de exceção invocada pela ré, pugnando pela improcedência da mesma.

Foi proferida sentença que:
- Por inconstitucional a alteração introduzida pela Lei 31/2012 de 14/8 no artigo 26.º, n.º4 a) da Lei 6/2006 de 27/2 ao ofender o direito do arrendatário à permanência no arrendado quando se tenha mantido por um período superior a 30 anos integralmente transcorrido à data da entrada em vigor da Lei 31/2012, julgou inválida a transição do contrato de arrendamento para o NRAU e para o tipo de arrendamento com prazo certo e a sua subsequente cessação por oposição do senhorio à sua renovação, e em consequência:
- Julgou a presente ação improcedente e absolveu a C… do pedido formulado pelo autor B…;
- Absolveu a ré do pedido de condenação como litigante de má-fé.

Inconformado, apelou o autor, apresentando alegações cujas conclusões são as seguintes:
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Foram apresentadas contra-alegações pela ré, cujas conclusões são as seguintes:
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Foram colhidos os vistos legais.

II – QUESTÕES A RESOLVER

Como se sabe, o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente importando decidir as questões nelas colocadas – e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso –, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – artºs. 635º, 639º e 663º, todos do Código Processo Civil.
Assim, em face das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:
1. Do erro na interpretação e aplicação do regime transitório, previsto na Lei nº 6/2006 de 27/02, com a redacção da Lei nº 31/2012 de 14/08, aos contratos de arrendamento, para fins habitacionais, celebrados antes da entrada em vigor do Dec-Lei nº 321-B/90 de 15/10 (RAU).
2. Da conformidade constitucional da alteração introduzida pela Lei 31/2012 de 14/08 ao disposto na al. a) do nº 4 do artº 26º da Lei nº 6/2006 de 27/02.
3. Da litigância de má fé.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Factos Assentes:
1. Por contrato iniciado em 1 de fevereiro de 1976 D… e E… cederam a F… o uso e fruição da casa . do prédio sito na Rua …, n.º…, freguesia …, no Porto, inscrita na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo 1547, mediante o pagamento da renda mensal de €590$00 (€2,94) a pagar em casa do senhorio no 1.º dia útil do mês anterior ao que respeitar, com destino a habitação dos arrendatários.
2. Pelo prazo de 12 meses, com início em 1 de fevereiro de 1976 e termo em 31 de janeiro de 1977, tudo conforme documento n.º2, junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
3. A ré foi casada com F…, de quem se divorciou por sentença de 23 de fevereiro de 1995 do 1.º juízo do Tribunal de Família do Porto, tendo-lhe sido atribuído no divórcio o direito ao arrendamento do imóvel referido em 1).
4. O autor sucedeu aos primitivos locadores e desde há cerca de 20 anos que ocupa a posição de senhorio.
5. A ré paga a renda ao autor e o autor emite os correspondentes recibos em nome da ré.
6. Com data de 17 de fevereiro de 2014 o autor dirigiu à ré, carta registada com aviso de receção, com o seguinte teor: «Ao abrigo do disposto no artigo 30.º da Lei 6/2006 de 27/2, com a nova redação dada pela Lei 31/2012 de 14 de agosto, venho comunicar-lhe a minha intenção respeitante à transição para o NRAU e à atualização da renda mensal da Casa . do prédio urbano sito na Rua,, freguesia, concelho do Porto, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 1547, de que V. Excia é arrendatária. Deste modo, indico como valor de renda mensal a quantia de €129,89 (cento e vinte e nove euros e oitenta e nove cêntimos), sendo o contrato com prazo certo e duração de 5 anos, informado V. Ex. cia que o valor do locado é de €23 380,00, pelo que, junto cópia da respetiva caderneta predial urbana.
7. Carta a que a ré respondeu, por comunicação datada de 26 de fevereiro de 2014: «Na qualidade de arrendatária da Casa 6 do prédio sito na Rua, n.º…, ….-… Porto, venho informar V. Excia que concordo com a atualização da renda e transição do contrato de arrendamento para o NRAU. Gostaria, no entanto, que me informasse o mês exato em que terei de iniciar o pagamento da renda pelo novo valor (129,89).
8. A que o autor respondeu em 12 de março de 2014: «Em resposta à sua carta de 26 de fevereiro, em que expressa a sua concordância com a transição do contrato de arrendamento para o NRAU, bem como a atualização da renda, venho comunicar-lhe que: - O novo valor (129,89€) passará a vigorar a partir da renda que se vence no próximo mês de maio”.
9. Por carta registada com aviso de receção que a ré recebeu em 3 de março de 2018 o autor comunicou à ré a sua oposição à renovação do contrato a prazo certo pelo período de 5 anos.
10. A renda desde maio de 2018 é de €132,27 mensais. 11. A ré nasceu no dia 27 de novembro de 1953.
11. A ré nasceu no dia 27 de novembro de 1953.
12. A ré é empregada doméstica e aufere cerca de €500,00 mensais.

Factos não provados:
1- A ré é analfabeta.
2- O autor tranquilizou a ré no sentido de que a comunicação enviada servia apenas para que fosse atualizado o valor da renda.
3- A ré não teve a noção de efeito que as comunicações do autor se refletissem nas condições do contrato de arrendamento,

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1.Do erro na interpretação e aplicação do regime transitório, previsto na Lei nº 6/2006 de 27/02, com a redacção da Lei nº 31/2012 de 14/08, aos contratos de arrendamento, para fins habitacionais, celebrados antes da entrada em vigor do Dec-Lei nº 321-B/90 de 15/10 (RAU).

O autor/senhorio, ora recorrente pretende que se considere válida a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento em que a ré/recorrida é a arrendatária e, como consequência seja a ré condenada a reconhecer que o contrato de arrendamento cessou e por via disso a entregar o locado livre de pessoas e bens.
A sentença recorrida assim não entendeu absolvendo a ré do pedido formulado pelo autor, por ter recusado a aplicação do artº 26º nº 4 al. a) da Lei nº 6/2006 de 27/02 na redacção da Lei nº 31/2012 de 14/08, julgando inválida a transicção do contrato de arrendamento para o NRAU e para o tipo de arrendamento com prazo certo e a sua subsequente cessação por oposição do senhorio à sua renovação.
Vejamos a quem assiste razão.
Tal como decorre do ponto 1 dos factos provados, estamos perante um contrato de locação, na modalidade de arrendamento para habitação, que teve início em 1 de Fevereiro de 1976 celebrado entre os pais do autor a quem sucedeu na qualidade de senhorio e o ex-marido da ré tendo a esta, após divórcio, sido atribuído o direito ao arrendamento do imóvel aí melhor identificado (cfr.artºs 1022º e 1023º do CCivil).
O contrato que vincula as partes dos autos (autor/senhorio e ré/arrendatária) prorrogou-se sucessiva e imperativamente no tempo.
De facto, o regime vinculístico previsto no artº 1095º do CCivil de 1966, cujo princípio geral da renovação obrigatória do contrato se manteve com o estatuído pelos artºs 5º nºs 1 e 2 e 68º do RAU, impõe, por via de regra, o regime da sua prorrogação forçada, no final de cada prazo de vigência, com excepção da situação da sua denúncia pelo arrendatário e, também pelo senhorio, esta excepcional (cfr. artº 1096º do CCivil de 1966, versão originária e artºs 68º/2, 69º e 107º do RAU).
Isto quer dizer que quando se iniciou o contrato de arrendamento para fins habitacionais, como é o caso, ainda não se encontrava em vigor o RAU (Dec.-Lei nº 321-B/90 de 15/10) dado ter entrado em vigor em 15/11/1990.
Este diploma veio, no entanto, a ser revogado pelo NRAU (Lei nº 6/2006 de 27/02) que entrou em vigor em 28 de Junho de 2006, o qual se aplica não só aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, mas também às relações contratuais que subsistam nessa data, sem prejuízo do que se encontra previsto nas normas transitórias (cfr. artº 59º nº 1 do NRAU).
Assim, antes de mais, no presente recurso, o que interessa apurar, a montante, é se o autor/senhorio, face à entrada em vigor do NRAU, tinha o direito de se opor à renovação do contrato de arrendamento, tal como fez (cfr. ponto 9 da matéria de facto provada).
Nesta linha de raciocínio prescreve o artº 59º do NRAU sob a epígrafe “Aplicação no Tempo” que “O novo regime do arrendamento urbano aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias.”
Temos, assim, que o NRAU procedeu à revogação do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo DL 321-B/90 de 15/10, com todas as alterações subsequentes, mas excepcionou as matérias a que se referem os artigos 26º e 28º da presente lei (cfr. artº 60º nº 1 do NRAU).
Estes artigos 26º e 28º do NRAU estão integrados no Título II (Normas Transitórias) as quais são aplicáveis aos contratos para fins habitacionais celebrados antes da vigência do RAU, como é o caso dos presentes autos (cfr. artº 27º).
O artº 28º da Lei nº 6/2006 de 27/02, com a redacção da Lei nº 31/2012 de 14/08 prevê no seu nº 1 que «Aos contratos a que se refere o artigo anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artº 26º, com as especificidades constantes dos números seguintes e dos artigos 30º a 37º e 50º a 54º».
Ora, no que diz respeito ao arrendamento para habitação dispõe o artº 30º que «A transicção para o NRAU e a actualização da renda dependem de iniciativa do senhorio, que deve comunicar a sua intenção ao arrendatário, indicando:
a) O valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos;
b) O valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38º e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), constante da caderneta predial urbana;
c) Cópia da caderneta predial urbana.
A finalidade deste normativo foi permitir que arrendamentos vinculísticos – como o dos autos - se convertessem em contratos a prazo, assim se percebendo a necessidade de indicação na comunicação do tipo de contrato proposto (cfr. artigo 1094º, nº 1, do CC).
É neste quadro normativo que o autor, ora recorrente, ao abrigo do artº 30º do NRAU na redacção da mencionada Lei nº 31/2012 de 14/08, remeteu à ré carta registada com aviso de recepção datada de 17/02/2014, com o teor que consta do ponto 6 da matéria dada como provada, isto é, o autor/senhorio comunicou à ré/arrendatária a sua intenção de proceder à transicção do contrato de arrendamento para o NRAU, com renda de € 129,89, prazo certo e duração de 5 anos, informando-a ainda do valor do locado juntando cópia da caderneta predial urbana referente ao locado.
Por seu turno ao arrendatário é concedido um prazo de 30 dias, a contar da recepção da comunicação prevista no artigo anterior, para responder à carta da iniciativa do senhorio (cfr. artº 31º/1).
Na sua resposta, o arrendatário pode (nº 3 do mesmo preceito):
a) Aceitar o valor da renda imposto pelo senhorio;
b) Opor-se ao valor da renda proposto pelo senhorio, propondo um novo valor, nos termos e para os efeitos previstos no artº 33º;
c) Em qualquer dos casos previstos nas alíneas anteriores, pronunciar-se quanto ao tipo e duração do contrato propostos pelo senhorio;
d) Denunciar o contrato de arrendamento, nos termos e para os efeitos previstos no artº 34º.
E, de acordo com o nº 4 do mesmo preceito legal, o arrendatário pode ainda, na sua resposta, invocar, isolada ou cumulativamente, as seguintes circunstâncias:
a) Rendimento anual bruto corrigido (RABC) do seu agregado familiar inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA), nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 35º e 36º;
b) Idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 36º.
Prescreve ainda o nº 7 do mesmo artº 31º que «Caso o arrendatário aceite o valor da renda proposto pelo senhorio, o contrato fica submetido ao NRAU a partir do 1º dia do 2º mês seguinte ao da recepção da resposta:
a) De acordo com o tipo e a duração acordados;
b) No silêncio ou na falta de acordo das partes acerca do tipo ou da duração do contrato, este considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos.
No caso em apreço, a ré/arrendatária respondeu à carta do autor/senhorio, em 26/02/2014, nos termos do artº 31º nº 1 do NRAU, conforme consta do ponto 7 dos factos dados como provados, aceitando a actualização da renda e a transicção do contrato de arrendamento para o NRAU.
Em face desta aceitação por parte da ré/arrendatária, o autor/senhorio, por carta registada com aviso de recepção que a ré recebeu em 3 de Março de 2018, comunicou-lhe a sua oposição à renovação do contrato a prazo certo pelo período de cinco anos (cfr. ponto 9 da matéria de facto provada).
Em face desta factualidade, adere-se à conclusão extraída pelo Tribunal a quo ao referir “Assim, tendo presente a comunicação do autor, a aceitação da ré e o disposto nos artigos 30º e 31º da Lei 6/2006 na redacção da Lei 31/2012, o contrato dos autos transitou para o NRAU em 1 de junho de 2014 e ficou sujeito a prazo certo de 5 anos”.
De facto, tendo a ré/arrendatária aceitado a transição para a NRAU, o contrato que vigorava entre o senhorio e a arrendatária deixou de ser vinculístico, passando a ser do tipo com prazo certo de 5 anos desde 01 de Junho de 2014 e a reger-se integral e definitivamente pelas regras do NRAU, sem quaisquer limitações, nem aplicação das normas transitórias dos artºs 26º, 27º e 28º da Lei 6/2006, com a redacção da Lei nº 31/2012 de 14/08, como bem assinala o recorrente dado que o regime previsto no artº 26º da Lei nº 6/2006 de 27/02, apenas se aplicar aos contratos vinculísticos, sem duração limitada, o que não é o caso do contrato de arrendamento em apreço já que transitou para o NRAU em 1 de Junho de 2014, passando a partir dessa data a ter prazo certo.
Ou seja, a limitação prevista na al. a) do nº 4 do artº 26º da Lei nº 6/2006 não se aplica ao caso dos autos.
Essa limitação apenas tem aplicação no que concerne aos contratos de duração indeterminada em que o senhorio proceda à denúncia com fundamento na necessidade do locado para sua habitação ou para nele construir a sua residência – o que não é o caso dos autos.
Na verdade, o regime jurídico do arrendamento urbano não atribui ao senhorio a faculdade de denunciar o contrato de arrendamento para fins habitacionais do tipo com prazo certo, mas apenas a possibilidade de se opor à respectiva renovação.
Tal como refere o artº 1097º nº 1 al. b) do CCivil, o senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima de 120 dias, quando o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação seja igual ou superior a 1 ano e inferior a 6 anos.
Por isso, nessa perspectiva, o autor/recorrente comunicou à ré/arrendatária a sua oposição à renovação do contrato, através de carta recepcionada pela mesma em 03/03/2018, o que quer dizer que o autor fê-lo com uma antecedência de mais de 1 ano, já que o contrato teria o seu terminus em 31 de Maio de 2019.
Por isso, salvo melhor opinião, é nosso entendimento que a oposição à renovação do contrato efectuada pelo autor/senhorio é válida e eficaz, devendo, por isso, a ré/arrendatária proceder à entrega imediata do locado (casa . do prédio sito na Rua … nº … no Porto) livre de pessoas e bens (cfr. artº 1081º nº 1 do CCivil).
Por isso, não se percebe como é que na sentença recorrida depois de se ter considerado válida a transicção do contrato de arrendamento dos autos para o NRAU se decida depois julgar inválida tal transicção, com base na fundamentação de um ac. de 23/09/2019 (pº nº 4658/18.6T8VNG.P1), consultável em www.dgsi.pt, que remete para o ac. do TC nº 297/2015, os quais não têm qualquer similitude ao caso dos autos, assim se concordando com o recorrente.
Na verdade, no caso debatido no mencionado ac. deste TRP, o contrato de arrendamento aí em apreço teve o seu termo por força da ausência de resposta da arrendatária, com idade superior a 80 anos, à transmissão do arrendamento para o regime do NRAU e ao tipo e prazo propostos pela senhoria e bem assim da posterior oposição à sua renovação.
No caso dos autos, não nos podemos esquecer que a ré/arrendatária, com idade inferior a 65 anos à data da sua resposta à carta do senhorio a comunicar-lhe a transicção do contrato de arrendamento para o NRAU respondeu à mesma, concordando com tal transicção e com o valor da renda proposto, pedindo até esclarecimentos sobre o início do pagamento desse novo valor da renda (cfr. pontos 7 e 8 dos factos provados).
Por outro lado, no ac. nº 297/2015 do TC, o objecto da denúncia do contrato de arrendamento com início em 1982, foi a necessidade do imóvel para habitação dos senhorios, sem que sobre o mesmo tenha existido qualquer negociação com vista à sua transicção para o NRAU e actualização da renda, ao contrário do que sucedeu no caso dos autos, mantendo-se, pois, aquele como contrato vinculístico de duração indeterminada e aí sim com aplicação do disposto no artº 26º e segs. da Lei nº 6/2006 de 27/02.
Tanto basta para, salvo melhor opinião, concluirmos que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação do regime transitório estabelecido na Lei nº 6/2006 de 27/02, na redacção da Lei nº 31/2012 de 14/08 (artºs 59º/1 e 28º/1) ao entender que ao caso dos autos se aplicava o disposto no artº 26º nº 4 al. a) da Lei nº 6/2006 de 27/02, pois, como vimos, a disposição aplicável é a da al. b) do nº 1 do artº 1097º do CCivil.

2. Da conformidade constitucional da alteração introduzida pela Lei 31/2012 de 14/08 ao disposto na al. a) do nº 4 do artº 26º da Lei nº 6/2006 de 27/02.

Em face do decidido supra, mostra-se prejudicada a análise desta questão.

3. Da Litigância de má-fé

A sentença recorrida malgrado ter considerado que a ré não logrou provar a factualidade que alegou, entendeu que não se está perante litigância de má-fé, nos termos do artº 542º do CPCivil, mas antes perante lide temerária ou baseada em erro, com a dedução de oposição que não logrou convencer o Tribunal da realidade trazida a julgamento.
O autor/recorrente discorda de tal entendimento, porque entende que o Tribunal fez uma incorrecta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis, uma vez que a ré/recorrida alegou factos em sede de contestação que não logrou provar e houve factos de cuja prova resultou o seu contrário, tal como decorre da matéria de facto assente.
Vejamos a quem assiste razão.
O nosso direito adjectivo civil consagra o chamado dever de boa fé ou de probidade processual, constituindo a litigância de má fé, a mais grave violação desses deveres, cujos contornos se acham definidos no artº 542º do CPCivil.
Nos termos do disposto no nº 2 do artº 542º do Código de Processo Civil:
2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Constata-se, assim, que na redacção do consignado preceito legal, releva não apenas o dolo mas ainda a negligência grave ou grosseira para o efeito da litigância de má fé.
O regime instituído traduz uma substancial ampliação do dever de boa fé processual, alargando-se o tipo de comportamentos que podem integrar má fé processual, quer substancial, quer instrumental, tanto na vertente subjectiva como na adjectiva.
A condenação por litigância de má fé pode fundar-se, como se reitera, numa situação de dolo, mas também em erro grosseiro ou culpa grave, conforme decorre do preceito atrás transcrito.
De acordo com o Ac. do STJ de 02/06/2016, (pº nº 1116/11.3TBVVD.G2.S1), consultável em www.dgsi.pt “deve continuar-se a ser cauteloso, prudente e razoável na condenação por litigância de má fé, o que só deverá ocorrer quando se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com grave negligência, com o fito de impedir ou entorpecer a acção da justiça.
Mas se tal é certo, não se pode olvidar uma outra, diferente, perspectiva ou vertente. É que as partes (e não só) têm o dever de cooperar e concorrer para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio (art.º 7º, n.º 1, do Cód. de Proc. Civil) e devem também, agir de boa fé (art.º 8º do Cód. de Proc. Civil), ou seja, não formular pedidos injustos, não articular factos contrários à verdade e não requerer diligências meramente dilatórias”.
É por isso que o instituto da litigância de má fé pretende levar as partes a cumprirem os deveres de conduta, sancionando quem não o faça, na prossecução do que não pode deixar de considerar-se uma boa administração da justiça.
A al. b) do n.º 2 do art.º 542.º como já se disse, refere-se à alteração da verdade dos factos pela parte ou omissão de factos relevantes para a decisão, norma que o autor/recorrente entende ser subsumível à conduta da ré/recorrida.
Sobre o conceito de alterar a verdade dos factos diz-nos o Ac. do TRL de 18/01/2011 (pº nº 1807/08.6TVLSB-A.L1-7) consultável em www.dgsi.pt que: “a parte queira convencer de uma realidade que conhece ser diferente, portanto, deturpando ou corroendo aquilo que sabe que assim não é (…) estarão, ainda, principalmente aí em vista os factos pessoais ou, pelo menos, aqueles que sejam do conhecimento pessoal da parte, e cuja prova se venha, depois, a fazer em contrário daquilo porque ela pugnara.”
Todavia, não é pelo facto de não terem ficado provados os factos que a parte alegou que pode dizer-se que litigou de má fé sendo que esta também não se confunde com a improcedência da acção, decidida em 1ª instância.
In casu, a ré alegou entre outros factos designadamente que «o autor sempre a tranquilizou no sentido de não se preocupar com a comunicação enviada, que a mesma servia apenas para que fosse actualizado o valor da renda e não teve a verdadeira noção do efeito que as comunicações do autor se reflectissem nas condições do contrato de arrendamento» e que «o autor usou de má-fé, ludibriando a mesma, fazendo-a acreditar que a sua comunicação não traria nenhuma consequência para o contrato de arrendamento em vigor».
Ora, não obstante não deixarmos de reconhecer que a ré não logrou provar o por si alegado, resultando até nalguns casos ter-se provado o contrário, o certo é que se nos afigura não ter existido uma negligência grave ou que com tal alegação a mesma quisesse dolosamente alterar a verdade dos factos, como é exigência da condenação da litigância de má fé (neste sentido, vide ac. do TRP de 13/06/2018 (pº nº 309/14.6TBVFR.P1), disponível em www.dgsi.pt).
Pelo que, não assacamos, nesta parte, qualquer censura à decisão recorrida que não considerou preenchidos os requisitos legais da litigância de má fé.

V – DECISÃO

Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, decide-se:
- revogar a sentença recorrida, julgando agora válida e eficaz a transicção do contrato de arrendamento para o NRAU, condenando a ré recorrida a reconhecer que o contrato de arrendamento cessou em 31 de Maio de 2019 e a entregar imediatamente o locado ao autor senhorio, livre de pessoas e bens.
- confirmar a sentença recorrida no que concerne à absolvição da ré como litigante de má-fé.

Custas pelo autor/apelante e pela ré/apelada, na proporção do respectivo decaimento (sem prejuízo de eventual apoio judiciário de que beneficie a ré).

(Processado por computador e integralmente revisto pela Relatora)

Porto, 25/01/2021
Maria José Simões
Abílio Costa
Augusto de Carvalho