Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
21005/15.1T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: INÊS MOURA
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RP2018092721005/15.1T8PRT.P1
Data do Acordão: 09/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL (2013)
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º144, FLS.237-243)
Área Temática: .
Legislação Nacional: (ART.º 281, N.º3 DO C.P.C.)
Sumário: Verificam-se os pressupostos da deserção da instância nos termos previstos no art.º 281.º n.º 3 do C.P.C. se decorreram mais de seis meses desde a suspensão da instância em razão do falecimento da A. comprovado nos autos, sem que o seu herdeiro viesse requerer a sua habilitação para prosseguir no processo em seu lugar, não tendo alegado nenhum facto em concreto que pudesse justificar a sua omissão ou demora em promover os termos do processo, pelo que tem de considerar-se a sua conduta negligente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. Nº 21005/15.1T8PRT.P1
Apelação em processo comum e especial

Relator: Inês Moura
1º Adjunto: Francisca Mota Vieira
2º Adjunto: Paulo Dias da Silva
Sumário: (art.º 663.º n.º 7 do C.P.C.)
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I. Relatório
A presente acção é intentada por B…, contra a C… - Companhia de Seguros, S.A. e com Intervenção Principal Provocada, da D…, S.A., pedindo a A. a condenação da R. C… a:
a) pagar à Interveniente D…, S.A. o montante correspondente aos saldos em dívida dos mútuos aí contraídos pela Autora, à data da condenação definitiva, saldo que à data da comunicação do sinistro era de, pelo menos, €109.679,22;
b) pagar à Autora a quantia correspondente às prestações de amortização dos mútuos por ela pagas desde a comunicação do sinistro – Janeiro de 2012 – até 2015-08-31, que totalizam, pelo menos, €25.000,00;
c) pagar à Autora a quantia em que se traduzirem as prestações de amortização que se vencerem após a propositura da presente acção e que a Autora venha a pagar;
d) pagar à Autora a quantia em que se traduziram os desembolsos feitos pela Autora resultantes do agravamento do prémio de seguro em 110%, a que procedeu após a comunicação do sinistro – a determinar nos termos do requerimento de prova infra.
e) pagar à Autora juros moratórios sobre as quantias referidas nas alíneas b), c) e d) que antecedem, que a Autora calculará assim que forem trazidas aos autos as informações que o permitam, assim como os vincendos e até efectivo pagamento.
Devidamente citadas a R. e interveniente vieram contestar pugnando pela improcedência da acção.
Teve lugar a realização de audiência prévia e foi designada data para a realização do julgamento.
A 19/05/2017 o Ilustre Mandatário da A. vem informar que a A. faleceu a 18/04/2017 juntando a respectiva certidão de óbito aos autos e requerendo que seja decretada a suspensão da instância até à habilitação dos respectivos herdeiros.
A 29/05/2017 o Ilustre Mandatário da A. tendo sido notificado da impossibilidade de notificação de uma testemunha por si arrolada, vem requerer as diligências que tem por convenientes com vista à sua concretização, mais referindo: “Face ao falecimento da sua constituinte, o signatário intervém no presente requerimento na qualidade de gestor de negócios, que ratificará assim que se proceda à habilitação de herdeiros.
A 05/06/2017 foi proferido despacho nos seguintes termos: “Comprovado o óbito da aqui Autora, suspendo a presente instância até que se mostrem habilitados os seus legais sucessores (arts. 269º nº 1 al a) e 276º nº 1 al a) do C.P.C. Notifique.” Mais foi dado sem efeito o julgamento designado.
De tal despacho foi enviada a 06/06/2017 notificação electrónica a todos os mandatários constituídos nos autos.
A 22/01/2018 foi proferido o seguinte despacho: “Notifique-se a herança aberta por óbito de B…, na pessoa do Ilustre advogado Dr. E… para em 10 dias concretizar os motivos (a existirem) por que não foi requerida desde há cerca de sete meses a competente habilitação dos herdeiros de B…. Este despacho é prévio para aferir da declaração de deserção de instância – artigo 281.º, n.º 3, do C. P. C.
A 07/02/2018 o Ilustre Mandatário da A. apresentou a seguinte resposta: “E…, que foi Advogado constituído da falecida Autora B…, notificado para o efeito, vem dizer que o herdeiro único da referida se encontra a coligir os elementos de que dispõe relativamente a sua falecida mãe e conexos com a presente acção, antes de requerer o prosseguimento dos autos.
Por requerimento de 21/02/2018 veio a R. requerer que se julgue deserta a instância, por terem decorrido mais de 6 meses desde a notificação do despacho de 05/06/2017 e o único filho e herdeiro da A. nada ter feito quanto a diligenciar pelo prosseguimento dos autos.
Em resposta apresentada a 05/03/2018, vem o Ilustre Mandatário da A. pedir a improcedência do peticionado, dizendo não haver negligência e mais referindo ser propósito do filho da A. requerer a sua habilitação nos autos, assim que tenha coligido os elementos necessários para o efeito, o conta que ocorra no prazo de 10 dias.
A 08/03/2018 foi proferido despacho com o seguinte teor: “É nosso entendimento que, no caso de um mandato judicial, com o falecimento do mandante, o mandato forense se mantém pois se caducasse nos termos do artigo 1174.º, do C.
C. havia prejuízo para os seus herdeiros da (no caso) Autora. Quando esta mandatou o advogado para a representar num processo judicial, faz incumbir ao causídico que defenda os seus interesses, mesmo no caso de falecimento, tendo de, para o efeito, de prosseguir a ação para habilitar os respetivos herdeiros, obtendo novo mandato agora junto destes. De outro modo, extinguindo-se o mandato conferido pelo Autor sem mais, nos autos ter-se-ia que do lado ativo não haveria quem pudesse tramitar a habilitação de herdeiros e do lado passivo, por falta de interesse em querer que a ação prossiga, não se diligenciaria nesse sentido, assim se prejudicando os interesses dos herdeiros. Mantendo-se o mandato conferido ao advogado, este procurará atuar de modo a diligenciar pela habilitação de herdeiros e requerida, passa a representá-los com junção da competente procuração. Tal entendimento enquadra-se na parte final do artigo 1175.º, do C. C. – o mandato só caduca quando «…da caducidade não possam resultar prejuízos para o mandante ou seus herdeiros.» Posto isto, salvo o devido respeito, pensamos que não assiste razão à (ora) herança aberta por óbito da Autora, ou melhor, ao herdeiro cujos interesses estão aqui em causa. Na verdade, a dita herança (uma vez que a Autora faleceu) foi notificada em 06/06/2017 de que a instância se mostrava suspensa em virtude do óbito da Autora B…. Resulta da lei (artigo 281.º, n.º 3, do C. P. C.) que ao fim de seis meses a instância se considera deserta se tendo surgido algum incidente com efeito suspensivo, por negligência das partes, o incidente se encontre a aguardar impulso processual por aquele período de tempo. O incidente suspensivo foi o falecimento da Autora (artigos 269.º, n.º 1, a) e 270.º, n.º 1, do C. P. C.) a cessar quando fosse notificada a decisão de habilitação de herdeiros – artigo 276.º, n.º 1, a), do C. P. C. No referido despacho de 06/06/2017 foram indicados os artigos da suspensão de instância, seu motivo e como cessava. O tribunal não tem que informar a parte (aqui a herança da Autora), na pessoa do seu mandatário que ao fim de seis meses, se nada for realizado de modo negligente, a instância fica deserta; essa cominação resulta da lei. Assim, em 22/01/2018, mais de seis meses depois da suspensão de instância, o tribunal procurou averiguar se havia algum motivo para que a instância não tivesse sido devidamente impulsionada no sentido de se pedir a habilitação de herdeiros. Em resposta, nada foi dito sobre o motivo por que durante seis meses não se promoveu a habilitação de herdeiros mas antes se referiu que «…o herdeiro único …se encontra a coligir os elementos de que dispõe relativamente a sua falecida mãe e conexos com a presente acção, antes de requerer o prosseguimento dos autos.». Ou seja, não se menciona o que se procurou realizar em mais de seis meses mas antes que se estavam a coligir elementos pelo único herdeiro da Autora. Os elementos necessários para se requerer uma habilitação de herdeiros podem ser a realização de uma habilitação notarial em que se basta com os documentos do falecido e do próprio herdeiro ou fazer tal pedido em sede judicial, com os mesmos elementos identificativos. Pode haver dificuldades – diversos herdeiros em diferentes países por exemplo – mas não é o caso (ou se o é não se alega) pelo que mais de seis meses sem se diligenciar pela habilitação de um único herdeiro e nada se demonstrando que assim não se conseguisse realizar, revela atuação negligente em promover o andamento dos autos. Alega o mandatário da dita herança que a lei se reporta à negligência das partes o que, no caso, não havendo parte (pelo seu falecimento), não pode ser aplicado. Não concordamos com esta conclusão; a ser assim, sempre que o Autor falecesse, o processo nunca findaria se o Réu não diligenciasse pela habilitação e pensamos que não foi essa a intenção do legislador. Mantendo-se o mandato, sabe-se que parte serão os herdeiros do falecido pelo que serão estes, através do advogado cujo mandato se mantém (para proteção dos mesmos herdeiros, repete-se) que revelam falta de cuidado. Deste modo, estando decorridos seis meses, aquando da nossa notificação de janeiro de 2018, desde a suspensão da instância, e havendo negligência em se promover nesse período a competente habilitação, ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 3, do C. P. C. julga-se deserta a presente instância.”
É desta decisão que F…, vem interpor recurso, invocando o seu interesse por ser filho e herdeiro da A., pugnando pela sua revogação, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que se reproduzem:
“I) Legitimidade:
1ª- Nos termos do art.s 631º nº 2 do CPC, têm legitimidade para recorrer «As pessoas direta e efetivamente prejudicadas pela decisão», «ainda que não sejam partes na causa»; é o caso do recorrente, pois, estando em causa na presente acção o apuramento da existência de um direito de crédito da falecida Autora, o requerente, na qualidade de seu filho e herdeiro legitimário, ficará prejudicado se esse direito de crédito não vier a integrar o acervo hereditário de sua falecida mãe.
II) Objecto do recurso:
2ª- Ao invés do decidido na decisão recorrida, afigura-se que o mandato conferido ao signatário pela Autora caducou com a morte desta, nos termos do art. 1.174º al. a) do Cód. Civil – "mandatum morte finitur", o que se compreende, dado tratar-se de um contrato fiduciário celebrado intuitu personae, tendo ínsita uma relação de confiança entre mandante e mandatário.
3ª- Como refere o Acórdão desta Relação de 18 Nov. 2009 (Processo 67/1999.E1) «Segundo o respectivo regime, a regra é a da caducidade do mandato pela morte do mandante, dado o carácter pessoal da relação de mandato (cfr. artº 1174º, al. a), do C. Civil).
4ª- O mandato só não caducará com a morte do mandante se tiver sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro; nos outros casos, só o faz caducar a partir do momento em que tenha sido conhecida do mandatário ou quando da caducidade não possam resultar prejuízos para o mandante ou os seus herdeiros (art. 1.175º) – situações em que não se está perante um mandato puro e simples onde apenas se jogam interesses do mandante.
5ª- A decisão recorrida terá entendido que ocorreria esta última hipótese; mas crê-se que, salvo o devido respeito, não se terá tratado de uma afirmação rigorosa: o que o preceito estatui, nessa parte, é que o mandato poderá manter-se após a morte do mandante se da caducidade puderem resultar prejuízos, no caso, para os herdeiros (a questão do mandante não se colocará).
6ª- Ora, não poderá dizer-se com rigor que da caducidade resultariam prejuízos para os herdeiros; exemplo típico em termos de mandato forense em que podem resultar (citado por Pires de Lima e Antunes Varela, in CC Anot., V. II, p. 499) é o de «ter sido cometida ao mandatário a tarefa de propor determinada acção cujo prazo de caducidade esteja prestes a findar».
7ª- Nesse caso e em congéneres, admite-se que o mandato possa não caducar, pois há prejuízos que resultam directamente dessa caducidade; mas – atentar-se-á – no caso dos autos, se prejuízo puder resultar para os herdeiros, eles nunca resultariam da própria caducidade do mandato, mas sim de não se terem habilitado no processo, o que são realidades distintas.
8ª- Outrossim (desculpar-se-á o exemplo), ninguém suscitará a questão de o mandante poder ter prejuízos por força da caducidade por esta ir coarctar o seu direito a honorários, implicando um prejuízo que acarretaria… a não caducidade do mandato…
9ª- Quanto à procuração, ou seja, à outorga de poderes representativos, esta caduca com a cessação do mandato, ou seja, com a cessação da relação jurídica que lhe serviu de base (Cód. Civil, art. 265º nº 1).
10ª- Da procuração pode constar o conteúdo do mandato que lhe estará subjacente, mas é certo e seguro que as duas figuras não são a mesma coisa, não são sinónimos, pode bem existir uma delas e a outra inexistir (mandato sem procuração e procuração sem mandato) e, mesmo quando coexistem, não se confundem, não são o verso e o reverso da mesma medalha. Ao que acresce:
11ª- Como resulta do exposto e é consabido, o mandato judicial tem de resultar de livre escolha do mandante (Estatuto da Ordem dos Advogados Lei nº 145/2015, de 9.09 art.s 90º nº 2 al. h) e 98º nº 1); não cabia ao signatário impor o seu patrocínio ao herdeiro da falecida, habilitando-o sem ele saber ou mesmo contra a vontade dele;
12ª- essa iniciativa tem, teve de partir dele, herdeiro (que após ter conhecido o signatário e de com ele ter conferenciado, e tendo coligado elementos do espólio de sua mãe que relevassem para o objecto da presente acção, veio a decidir mandatá-lo).
13ª- Não poderá, por isso entender-se que o mandato da falecida Autora conferido ao signatário se manteve após a morte desta, pois que ele efectivamente caducou e a procuração, em consequência, extinguiu-se. Sem prescindir:
14ª- Sem prejuízo, a decisão recorrida não deveria ter julgado extinta a instância por deserção, nos termos do art. 281º do Cód. Proc. Civil, com a invocação de «falta de impulso processual», sem antes ter proferido despacho manifestando esse propósito (por maioria de razão, aliás, se entendia que o mandato não caducara).
15ª- Na verdade, assim tem entendido – e bem – a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores; além de – entre outros – o muito recente Acórdão desta Relação de 2018.03.06 (2ª Secção, Proc. nº 4520/13.9TB MAI.P1), a questão foi minuciosamente analisada no Acórdão da Relação de Lisboa de 2017.04.27 (Proc. nº 239/13.9TBPDL), que inclusivamente versa sobre uma situação que à partida se mostraria mais gravosa do que a dos presentes autos;
16ª- Em ambos os arestos (que se dão como meros exemplos) foi entendido, e bem, que, decorridos seis meses sobre a data da notificação da suspensão da instância, não dever declarar-se a instância extinta, por deserção, sem uma notificação expressa de que os autos ficavam a aguardar o decurso do prazo do art. 281º do Cód. Proc. Civil (no segundo aresto, vai-se ainda mais longe, como se referiu nas transcrições do mesmo feitas na presente alegação.
17ª- Na verdade, o decretamento da suspensão da instância não corresponde a um ónus de impulso processual, e muito menos um que seja «especialmente imposto pela lei às partes, como se ressalva no artigo 6º no 1 do Código de Processo Civil». aí se decidiu que, mesmo com uma notificação expressa– o que não se verificou no caso dos presentes autos –, mesmo assim,
18ª- E tal entendimento corresponde à letra e ao espírito da lei, uma vez que no regime actual do Cód. Proc. Civil, a deserção da instância não é automática, carecendo de apreciação jurisdicional – e os poderes do Juiz serem, à luz do novo citado diploma, de direcção activa do processo (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in "Código de Processo Civil, Anotado", Vol. 1º, 3ª Ed., Coimbra Editora, 2014, pág. 22, citados no segundo Acórdão atrás referido, assim como os demais doutrinadores aí citados).
19ª- Em síntese: nos presentes autos não foi feita às partes uma notificação expressa de que os autos ficavam a aguardar o decurso do prazo do art. 281º do Cód. Proc. Civil, não devendo, sem essa iniciativa, ser declarada deserta a instância, não devendo considerar-se ter havido «omissão negligente de ónus de impulso processual» – sendo que, entendendo a decisão que o mandato não caducara, por maioria de razão deveria ter sido ordenada essa notificação.
20ª- E mesmo que tivesse entendido que caducara (como se afigura ter sido o que ocorreu), uma notificação dessa natureza criaria no ex-mandatário da falecida Autora o ónus de comunicar aos herdeiros a necessidade de, querendo, se habilitarem – mandatando eles o Advogado que escolhessem.
A R. veio responder ao recurso apresentado, pugnando pela sua improcedência e manutenção da decisão recorrida.
II. Questões a decidir
Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine:
- da deserção da instância.
III. Fundamentos de Facto
Os factos provados com interesse para a decisão do recurso são os que constam do relatório que antecede.
IV. Razões de Direito
- da deserção da instância
Entende o Recorrente que não há lugar à deserção da instância, não podendo dizer-se que o mandato conferido pela falecida A. não caducou e em qualquer caso não existiu uma notificação prévia do tribunal a informar que corria o prazo da deserção previsto no art.º 281.º do C.P.C.
Considerou a decisão recorrida que a morte da A. não fez caducar o mandato por ela conferido nos autos atendendo a que da caducidade do mandato não podem resultar prejuízos para o mandante ou seus herdeiros. Mais considerou ter havido negligência do herdeiro em promover a sua habilitação para o prosseguimento dos autos, tendo decorrido mais de 6 meses desde a suspensão da instância por morte da A., estando verificados os pressupostos do art.º 281.º n.º 1 do C.P.C.
O art.º 269.º do C.P.C. dispõe sobre os diversos casos em que pode haver lugar à suspensão a instância prevendo, entre outras situações, na sua al. a) que a instância se suspende quando falecer ou se extinguir alguma das partes. Acrescenta o art.º 270.º n.º 1 que a suspensão ocorre assim que seja junto ao processo documento que prove o falecimento, a menos que já se tenha iniciado a audiência de julgamento.
A suspensão da instância por falecimento de uma das partes apenas cessa com a notificação da decisão que considere habilitado o sucessor da pessoa falecida, de acordo com o art.º 276.º n.º 1 al. a) do C.P.C.
A propósito da deserção da instância regula o art.º 281.º do C.P.C. que dispõe:
1. Sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar o impulso processual há mais de seis meses.
2. (…)
3. Tendo surgido algum incidente com efeito suspensivo, a instância ou o recurso considerar-se desertos quando, por negligência das partes, o incidente se encontra a aguardar o impulso processual há mais de seis meses.
4. A deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator.
5. (…).”
Este instituto constitui uma sanção imposta às partes pela sua inércia em promover os termos do processo, quando lhes compete o impulso processual, evitando assim que por largos períodos de tempo se mantenham nos tribunais processos parados por quem deles se desinteressou.
Se atentarmos na redacção do art.º 281.º n.º 1 do C.P.C. constata-se que o que determina a deserção da instância é não só o processo estar parado há mais de seis meses, mas também a existência de uma omissão negligente da parte em promover o ser andamento. O comportamento omissivo da parte tem assim de ser apreciado e valorado pelo tribunal.
A necessidade de despacho do juiz prevista no n.º 4 compreende-se precisamente, na medida em que se torna necessário fazer essa avaliação, no sentido de saber se a paragem do processo resulta efectivamente de negligência da parte em promover o seu andamento e tem como finalidade a constatação da verificação ou não dos pressupostos da deserção.
Considera-se também que, não sendo automática a deserção da instância pelo decurso do prazo de seis meses, o tribunal, antes de proferir o despacho a que alude o n.º 4 do art.º 281.º do C.P.C., deve ouvir as partes de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é imputável a comportamento negligente. Aliás, tal dever decorre expressamente do art.º 3.º n.º 3 do C.P.C. ao dispor que o juiz deve observar e fazer cumprir o princípio do contraditório ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Não tem controvérsia o entendimento de que o disposto no art.º 281.º do C.P.C. se aplica também aos casos em que o processo aguarda que seja deduzida a habilitação de herdeiros, já que o contrário implicaria que este pudesse ficar parado à espera do impulso processual das partes, indefinidamente.
Ensina-nos Lebre de Freitas, in. Introdução ao Processo Civil, pág. 157: “…a partir da propositura da acção cabe ao juiz providenciar pelo andamento do processo, mas podem preceitos especiais impor às partes o ónus de impulso subsequente, mediante a prática de determinados actos cuja omissão impeça o prosseguimento da causa.” O caso da habilitação dos sucessores é precisamente dada como um exemplo desta situação.
Quando há lugar à suspensão da instância por morte de uma das partes, como aconteceu no caso em presença com o falecimento da A., o prosseguimento dos autos fica dependente da habilitação dos sucessores da parte falecida, que deve ter lugar nos termos previstos nos art.º 351.º n.º 1 e 353.º do C.P.C., tendo a inércia das partes ou dos seus herdeiros em promover tal incidente por um período superior a seis meses, a consequência da deserção da instância, a menos que seja alegada e verificada a existência de razões justificativas para a demora em promover os termos de tal incidente, que afastam a qualificação da conduta omissiva como negligente.
O dever de impulsionar os autos através da dedução da competente habilitação de herdeiros, compete às partes ou aos herdeiros interessados e decorre do princípio do dispositivo, sendo um ónus processual que lhes é imposto pela lei, não podendo o tribunal substituir-se às mesmas, como resulta do art.º 6.º n.º 1 do C.P.C. Como nos diz Lebre de Freitas, in. ob. cit. pág. 183 a propósito do princípio da auto-responsabilização das partes que vigora no processo civil e que surge associado ao princípio da preclusão: “A omissão continuada da actividade da parte, quando a esta cabe um ónus de impulso processual subsequente, tem efeitos cominatórios, que podem consistir, designadamente, na deserção da instância.”
O Recorrente, único filho e herdeiro da A., se tem interesse em agir e pretende o prosseguimento dos autos, tem o ónus de requerer no processo a sua habilitação, para dessa forma fazer cessar a suspensão da instância determinada por morte da A., sob pena de deserção da instância, decorrido o prazo de seis meses sem que haja qualquer impulso processual da sua parte.
Claro que essa omissão pode não lhe ser imputável se o mesmo, por exemplo, não tem conhecimento de que o processo corre termos ou se encontra a realizar as diligências necessárias para obter documentos necessários à habilitação de herdeiros, que podem ter demora que não lhe seja imputável. Contudo, se assim for, esses factos têm de ser por ele alegados e comprovados nos autos, quando da notificação prévia que o tribunal faz (e fez no caso) antes de decretar a deserção da instância, com vista a avaliar a negligência das partes.
Não tem de haver qualquer notificação do tribunal a informar as partes que corre o prazo da deserção, como pretende o Recorrente. A partir do momento em que a instância fica suspensa, o que foi notificado, compete aos interessados promover os termos do processo e a notificação do tribunal apenas tem de ocorrer com vista ao exercício do contraditório, quando o processo está parado há mais de seis meses por falta de impulso processual, designadamente para permitir às partes justificarem a sua inércia.
Na situação em presença é inequívoco que decorreram mais de seis meses desde a notificação de que a instância se encontrava suspensa, em razão do falecimento da A. comunicado nos autos pelo seu mandatário, sem que o Recorrente, filho e único herdeiro da mesma viesse requerer a sua habilitação para prosseguir no processo em seu lugar, não tendo alegado nenhum facto que pudesse justificar a sua omissão ou demora a promover os seus termos, que assim tem de ter-se como negligente. O referir que se encontra a coligir elementos, sem qualquer outra concretização, não assume qualquer relevância, até porque estando a certidão de óbito da A. nos autos e sendo ele o único herdeiro, a realização da habilitação de herdeiros é muito simples e não é à primeira vista compatível com a demora verificada, não se vislumbrando por isso que elementos é que eram ainda necessários que o Recorrente obtivesse.
A 29/05/2017 com a junção da certidão de óbito pela A. ao processo ficou a instância suspensa, o que foi reconhecido por despacho de 05/06/2017, notificado às partes, tendo o processo ficado parado até ao despacho do dia 22/01/2018 quando foi determinada a audição das partes para se pronunciarem, com vista ao exercício do contraditório, sobre a questão da deserção da instância. A inércia do Recorrente, herdeiro da A., por mais de seis meses em promover o prosseguimento do processo com a sua habilitação, equivale a negligência, estando por isso preenchidos os pressupostos que determinam a deserção da instância- neste sentido, vd. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06/07/2016, no proc. 4278/10.3TBLRA.C1 in. www.dgsi.pt
Regista-se que mesmo quando notificado pelo tribunal sobre a possibilidade de ser decretada a deserção da instância, o mesmo vem opor-se à deserção, sem que no entanto tenha deduzido o incidente de habilitação de herdeiros.
Alega o Recorrente que o mandato do Ilustre Advogado constituído pela A. nos autos caducou, em entendimento contrário ao manifestado na decisão recorrida, que defendeu que os efeitos do mesmo se mantêm, quando da caducidade possam resultar prejuízos para os herdeiros, o que considerou ser o caso.
Embora o art.º 1174.º do C.Civil estabeleça na sua al. a) que o mandato caduca por morte do mandante, o art.º 1175.º vem ressalvar a manutenção dos efeitos do mandato quando da sua caducidade possam resultar prejuízos para o mandante ou para os seus herdeiros.
Diz-nos Menezes Leitão, in. Direito das Obrigações, Vol. III, Contratos em Especial, pág. 472: “Já quanto à exclusão da caducidade, quando da mesma possam resultar prejuízos para o mandante e seus herdeiros, esta compreende-se pela protecção dos interesses destas pessoas, que justifica o prolongamento do mandato em ordem a evitar a ocorrência de prejuízos.”
Esta questão da eventual caducidade do mandato não assume porém relevância determinante nesta situação da deserção da instância, uma vez que mesmo a entender-se que o mandato caducou por morte da A., não se vê que tal pudesse constituir qualquer impedimento ao decretamento da deserção da instância, uma vez que continua a verificar-se uma inércia do herdeiro em promover o andamento dos autos, que lhe compete, não tendo sido nunca por ele alegado que não tinha conhecimento do processo. Mas além do mais, o Ilustre Mandatário da A. apresentou requerimento nos autos a 29/05/2017, já depois de ter junto a certidão de óbito da A. referindo actuar como gestor de negócios, noção que nos é dade pelo art.º 460.º do C.Civil o que apenas pode significar que agiu no processo por conta e no interesse do herdeiro da A.
Em conclusão, estando os autos a aguardar o impulso processual das partes, há mais de seis meses e havendo negligência do herdeiro da A. em promover os termos do processo, que nada fez com vista à sua habilitação nos autos no decurso desse período de tempo, como lhe competia e estava na sua disponibilidade, não merece censura a decisão recorrida que considerou a instância deserta.
V. Decisão:
Em face do exposto, julga-se o recurso interposto improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Notifique.
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Porto, 27 de Setembro de 2018
Inês Moura
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva