Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2059/14.4TBGDM-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ CARVALHO
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
ACTA DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
APLICAÇÃO DE SANÇÕES AOS CONDÓMINOS
Nº do Documento: RP201605172059/14.4Tbgdm-A.P1
Data do Acordão: 05/17/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 716, FLS.160-162)
Área Temática: .
Sumário: A acta da assembleia de condóminos, na parte em que se aplica sanções a estes, vale como título executivo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2059/14.4TBGDM-A.P1
Comarca do Porto
Inst. Central- 1ª sec. de Execução- J9
Acordam na 1.ª secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

Condomínio do Edifício …, com sede na Estrada …, …. a …., …, instaurou execução contra B…, proprietário da fracção “..” daquele edifício, residente na Rua …, ..-., …, com vista à cobrança da quantia de €15.458,13 – sendo €2.644,25 de quotas em atraso, fundo comum de reserva, seguro, obras, reparação do elevador e relatório de peritagem, €12.539,05 a título de “multa” por falta de pagamento das despesas de condomínio e €274,83, a título de juros vencidos.
Conclusos os autos foi proferido despacho, do qual se transcreve:
No elenco dos títulos a que o legislador conferiu força executiva encontra-se a ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento dos serviços de interesse comum, que não devam ser suportados pelo condomínio (art.6º, n.º1 do DL 268/94, de 25 de Outubro) e cujo pagamento, nos termos do art. 1424º, n.º 1 do CC, impende sobre os condóminos, ou seja, sobre os donos das frações de que se compõe o condomínio.
No que concerne à penalidade entendemos que apenas a ata que tenha deliberado sobre os montantes relativos às contribuições referidas no art. 6º do DL 268/94 goza de exequibilidade e não as penalidades fixadas no Regulamento do Condomínio.
Na verdade, tais penalidades não podem considerar-se contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das áreas comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum.
Temos assim, que o exequente apenas dispõe de título relativamente aos montantes respeitantes às quotas do condomínio e demais despesas aprovadas.
Por tudo o exposto indefiro o pedido executivo na parte respeitante ao valor da multa.”
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O exequente interpôs recurso, finalizando as alegações com as seguintes conclusões:
I - O presente recurso vem interposto da decisão que indeferiu a execução quanto ao pagamento das multas;
II - A acta da assembleia de condóminos é título executivo segundo o disposto no artigo 6º, n.º 1 do DL 268/94, de 25 de Outubro – “A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.”;
III - Devendo a expressão “contribuições devidas ao condomínio” prevista no art. 6º, n.º1 do DL 268/94, ser interpretada de forma ampla, no sentido de abarcar as penalizações ou penas pecuniárias;
IV - A fixação de penas pecuniárias para inobservância das disposições do Cód. Civil, das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador é legalmente admissível de acordo com o disposto no art. 1434º, n.º 1 do CC;
V - As actas de reunião das assembleias de condóminos juntas pela exequente, constituem título executivo, no que concerne às importâncias reclamadas a título de penalizações, nomeadamente a ata n.º1 que aprova o regulamento de condomínio.
Termos em que e nos mais de direito, deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, prosseguir a execução quanto às multas.
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O executado contra-alegou, pronunciando-se pela improcedência do recuso.
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Os factos
Além dos acima descritos, para a decisão relevam os seguintes factos:
1. No requerimento executivo a exequente alegava que se encontram em dívida quotas de 2009 a 2014, montantes referentes ao fundo comum de reserva, seguro de 2010 a 2014, despesa com a câmara de vigilância, de 2009, despesas com obras, de 2009, “regularização de saldos negativos”,
reparação de elevador e relatório de peritagem, totalizando €2.644,25.
2. Alegava ainda: “Em 27/10/1995, em assembleia geral extraordinária, foi aprovado por unanimidade o Regulamento do Condomínio, que no âmbito do seu artigo nº 15 estipula uma multa de 15% do valor da fatura em cobrança sempre que haja falta de pagamento. Nestes termos o executado é titular de uma dívida de multa no valor de 12.539,05€.
O executado deve o valor global de 15.183,30.”
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O direito
Questão a decidir: se o exequente dispõe de título executivo relativamente à importância reclamada a título de “multa” prevista no regulamento do condomínio.
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A fixação de penas pecuniárias pela assembleia de condóminos encontra-se prevista no nº 1 do artigo 1434º do C. Civil.
Dispõe o nº 1 do artigo 6º do DL nº 268/94, de 25/10: “A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, e ao pagamento de serviços de interesse comum que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixou de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.
Lê-se no preâmbulo daquele Decreto-Lei que as regras no mesmo consagradas “têm o objectivo de procurar soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal”. Valendo as actas como título executivo relativamente a parte das despesas em dívida pelos condóminos, não se encontra motivo para não valerem como título executivo também relativamente ao montante das “penas pecuniárias” que tenham sido regularmente criadas e que estejam realmente em dívida. Seria incoerente que para a cobrança das contribuições e despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, e ao pagamento de serviços de interesse comum se pudesse avançar para a fase executiva e para a cobrança do montante resultante das penas pecuniárias legalmente estabelecidas o condomínio estivesse impedido de instaurar execução, tendo previamente que instaurar uma acção declarativa condenatória. Tal entendimento seria contraditório com a proclamada intenção de tornar mais eficaz o regime de propriedade horizontal.
Propendemos por isso a considerar, conforme o decidido no acórdão da Relação de Coimbra, de 05-06-2001 (Proc. 455/2001) que “O campo de aplicação da expressão "contribuições devidas ao condomínio" constante da parte inicial do nº1 do referido artº 6º, deve ser perspectivado de forma ampla, de molde a abarcar, as penalizações ou penas pecuniárias.”
Igual entendimento foi seguido no acórdão da Relação de Lisboa, de 08-07-2007 (Proc.9276/2007-7), onde se lê: “O âmbito da acta, enquanto título executivo, cabem o montante das “contribuições devidas ao condomínio”. Esta expressão deve ser entendida em sentido amplo. Nela se devem incluir as despesas necessárias à conservação e à fruição das partes comuns do edifício, as despesas com inovações, as contribuições para o fundo comum de reserva, o pagamento do prémio de seguro contra o risco de incêndio, as despesas com a reconstrução do edifício e as penas pecuniárias fixadas nos termos do art.º 1434º do Cód. Civil. Na expressão “contribuições devidas ao condomínio” cabem as contribuições devidas e em dívida ao condomínio, isto é, vencidas e não pagas.”
Na linha do assim decidido, deverá entender-se, que a acta da assembleia do condomínio é título executivo da deliberação não só sobre o montante das contribuições periódicas, mas também das sanções que o regulamento impuser para a falta de pagamento (neste sentido: acórdãos desta Relação, de 03-03-2008, Proc.0850785; e da Relação de Évora, de 30-06-2011, Proc.318/10.4TBLLE.E1).
Em consonância com o acabado de explicitar, interpretando o nº 1 do art. 6º do DL nº 268/94, no sentido de incluir no âmbito do título executivo ali referido as penalidades previstas no regulamento do condomínio, terá que ser revogado o despacho recorrido, ao qual subjaz um entendimento oposto. A execução deverá prosseguir também quanto à “multa”.
No caso dos autos, o exequente aceita que o regulamento do condomínio prevê a aplicação ao condómino que esteja com os pagamentos em atraso, de “uma multa de 15% do valor da factura em cobrança.” Coloca-se todavia a questão do montante devido a título da “multa de 15%”. O valor a esse título indicado no requerimento executivo ultrapassa o quíntuplo do valor das quotas e restantes despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns. Ignora-se como foram calculadas as dívidas resultantes da aplicação da “multa de 15%”. Segundo alega o executado o montante a título de penalização indicado no requerimento executivo corresponderá a juros de mora calculados à taxa anual de 15% desde a data do incumprimento. Nos autos não constam elementos que permitam comprovar aquela alegação do executado.
Perante as dúvidas assim surgidas, e ao abrigo do disposto no nº 4 do artigo 726º do CPC, poderá na 1ª instância ser proferido despacho no sentido de permitir esclarecer as dúvidas quanto ao cálculo do montante das penalidades em dívida e quanto ao modo do respectivo cálculo, em termos de habilitar o tribunal a decidir se a execução prossegue pela totalidade da verba indicada no requerimento executivo.
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Decisão
Pelos fundamentos expostos, julga-se a apelação procedente, revogando-se o despacho recorrido na parte em que indeferiu o pedido executivo respeitante ao valor da multa.
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Custas pelo executado.

Porto, 17.05.2016
José Carvalho
Rodrigues Pires
Márcia Portela