Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
589/15.0Y7PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA SOARES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
TRABALHADORA QUE SOFRE ACIDENTE DURANTE PASSEIO ORGANIZADO PELA EMPREGADORA
Nº do Documento: RP20190308589/15.0Y7PRT.P1
Data do Acordão: 03/08/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º291, FLS.198-205)
Área Temática: .
Sumário: É acidente de trabalho aquele que a trabalhadora sofreu durante um passeio organizado pela sua empregadora e ao qual a trabalhadora aderiu.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº589/15.0Y7PRT.P1
Relatora: M. Fernanda Soares – 1592
Adjuntos: Dr. Domingos José de Morais
Dra. Paula Leal de Carvalho
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
Nos presentes autos emergentes de acidente de trabalho em que é Autora B… e Ré C… – Companhia de Seguros S.A., foi proferida sentença, em 18.10.2018, que julgou a acção totalmente improcedente.
A Autora veio recorrer da sentença pedindo a sua revogação e substituição por acórdão que julgue o acidente sofrido pela apelante, no decurso de um passeio organizado pela entidade empregadora, para o fomento das boas relações entre os trabalhadores, um acidente de trabalho,
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A Ré veio responder pugnando pela manutenção da decisõa recorrida, quer em sede de matéria de facto quer em sede de matéria de direito.
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II
Matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo.
1. A sinistrada, ora Autora, trabalha para a Obra Diocesana de Promoção Social, pelo menos
desde 16.02.1998, exercendo as funções inerentes à categoria profissional de ajudante de acção directa 1ª, no Centro Social D….
2. Como contrapartida, a Autora aufere o vencimento de €600,00, acrescido de subsídio de alimentação no valor de €66,00 e de diuturnidades no montante de €63,00.
3. No ano de 2015 a Autora foi convidada para participar neste evento anual, que ocorreria no dia 13 de Junho desse ano (sábado).
4. No dia 13.06.2015, a Autora, em consequência da queda, foi transportada para o Centro Hospitalar E…, no qual foi, nesse mesmo dia, submetida a uma intervenção cirúrgica – encavilhamento aparafusado estático do fémur com cavilha T2 fémur (Stryker) – pois da queda resultou uma fractura diafisária do fémur direito.
5. No dia seguinte ao do acidente e da operação, a Autora teve alta por transferência, continuando, por isso mesmo, internada mas, desta vez, no Hospital F….
6. A 16.06.2015, a Autora obteve alta do internamento, continuando, no entanto, a ser seguida em consulta externa de ortopedia, bem como no Hospital G… até o dia 31.07.2015, momento quando a Seguradora C…, ora Ré, declinou qualquer responsabilidade no acidente por considerar que o mesmo não integra o conceito legal de acidente de trabalho.
7. A entidade empregadora da Autora tinha a sua responsabilidade por acidentes de trabalho transferida para a Ré C…, através de contrato de seguro titulado pela apólice nº…. – ………….., pela quantia de €600,00 x 14 meses de salário base + €66,00 x 11 meses de subsídio de alimentação e €63,00 x 14 meses de diuturnidade.
8. Na sequência das lesões, a Autora foi sujeita a tratamentos e esteve meses em recuperação, suportando dores.
9. A Autora esteve totalmente impedida de realizar a sua actividade profissional (ITA) desde o dia 14.06.2015 até 05.06.2016, num período total de 358 dias e com incapacidade temporária parcial (ITP) desde 06.06.2016 até 06.08.2016.
10. A Autora em despesas medicamentosas, médicas e com transportes aos diversos locais onde recebeu tratamentos suportou o pagamento da quantia de €184,34.
11. A entidade empregadora organiza todos os anos (o ano 2016 foi uma excepção) um passeio para o qual são convidados todos os trabalhadores e membros da administração, procurando-se fomentar o convívio e o bom relacionamento entre todos os envolvidos.
12. Sendo da exclusiva responsabilidade da entidade patronal a organização deste evento, fretando para tal autocarros necessários ao transporte de todos os que compareçam, seleccionando o destino do passeio, pagando as refeições aos trabalhadores e até encerrando alguns dos centros sociais que normalmente trabalham nesses dias.
13. No dia e hora marcados a Autora compareceu – assim como as suas colegas (algumas compareceram pois foi encerrado o centro social onde naquele dia deviam prestar trabalho) – entrando num dos autocarros que haviam sido fretados para aquela ocasião pela sua entidade empregadora.
14. A Autora inscreveu-se e compareceu no passeio porque quis.
15. A Autora e mais trabalhadoras foram transportadas até à Póvoa do Varzim, aonde chegaram cerca das 11 horas da manhã.
16. Até à hora do almoço a Autora e mais colegas foram livres de fazerem o que quisessem.
17. Quando saía de uma loja comercial, que visitara, cerca das 12 horas, ainda antes do referido almoço, a Autora tropeçou e caiu no passeio, na via pública, encontrando-se sozinha.
18. Em consequência das lesões sofridas a Autora ficou afectada com uma IPP de 7,5%.
Do aditamento à matéria de facto
Resulta da motivação da decisão quanto à matéria de facto que o facto 9 dado como provado teve por fundamento o teor do relatório do INML. No facto 9 não ficou a constar qual o grau de ITP a que aí se alude, quando do relatório do INML se refere que a Autora esteve com ITP de 10%. Afigura-se-nos tratar-se de mero lapso na transcrição do facto 9 pelo que adita-se ao mesmo o seguinte:
9. A Autora esteve totalmente impedida de realizar a sua actividade profissional (ITA) desde o dia 14.06.2015 até 05.06.2016, num período total de 358 dias e com incapacidade temporária parcial (ITP) de 10% desde 06.06.2016 até 06.08.2016.
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III
Objecto do recurso.
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3. Se o acidente é um acidente de trabalho.
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VI
Se o acidente é um acidente de trabalho.
Consta da sentença recorrida o seguinte: (…) “No caso concreto, será à luz desta teoria do risco económico ou de autoridade que teremos que equacionar se o acidente ocorrido nos autos, de que foi vítima a Autora, pode ser caracterizado como acidente de trabalho, sendo certo que o mesmo ocorreu, factualmente, fora do tempo e do local de trabalho, pelo que apenas fazendo intervir as extensões previstas no artigo 9º da Lei poderemos chegar à conclusão da sua caracterização como acidente de trabalho, sendo para nós, ao abrigo da aludida teoria, o elemento essencial a definir o de saber se no tempo e local específico onde ocorreu o acidente a Autora se mantinha ou não directa ou indirectamente sujeita ao controlo da sua entidade patronal” (…). E em face da factualidade provada a Mmª. Juiz a quo concluiu “não podermos considerar que em tais circunstâncias de tempo e lugar a Autora estivesse ao serviço da sua entidade patronal” (…) “E, assim, não poderemos considerar estar perante alguma das situações previstas no artigo 9º, extensivas do conceito de acidente de trabalho, nomeadamente as previstas nas alíneas b) ou h), únicas que poderia considerar-se aplicáveis” (…).
A apelante discorda argumentando: Afere-se da factualidade julgada provada que a Autora se lesionou já no decurso de um passeio – factos 15, 16, 17 – que é anualmente organizado pela entidade patronal para os membros da administração e trabalhadores – facto 11 – com vista ao fomento do “convívio e do bom relacionamento entre todos os envolvidos”. A lesão sofrida pela Autora no decurso do passeio organizado pela entidade patronal resultou na redução da sua capacidade de ganho e trabalho – facto 9. A organização do passeio no qual a trabalhadora sofreu uma lesão é da exclusiva responsabilidade da entidade patronal que, entre outros, selecciona o destino do passeio, providencia por tudo o que é necessário à sua execução – autocarros, restaurantes, custos – e até mesmo encerra alguns dos centros sociais que normalmente trabalham nestes dias para que todos os trabalhadores possam comparecer – facto 12. Não fora a relação laboral entre a Autora e a sua entidade patronal, aquela não teria ido ao passeio nem estaria no local onde sofreu a lesão. A Autora estava na Póvoa do Varzim, em virtude da relação existente e, por isso, ainda que não estivesse a prestar, efectivamente, serviço, tinha afecta a sua disponibilidade de tempo e de espaço ao fomento das boas relações entre os trabalhadores da entidade empregadora que, por isso, naturalmente, teria incrementos na produtividade individual de cada trabalhador. Ainda que se tenha julgado que a Autora foi ao passeio porque quis, tinha a sua liberdade individual afecta à disponibilidade da entidade empregadora que, entre outros, foi quem decidiu os locais onde os trabalhadores da empresa se deveriam encontrar a cada momento do dia e, até mesmo, os locais onde, ao longo do dia, os trabalhadores tinham de estar. O controlo, ainda que indirecto, da entidade patronal manifesta-se pelo facto de ser ela própria a determinar até quais eram os momentos de laser, ao longo dos quais os trabalhadores, no local para onde foram transportados, eram livres para fazer o que quisessem – facto 16. Tendo em conta o disposto no artigo 8º, nº2, alíneas a) e b) da LAT e tendo o acidente sofrido pela Autora ocorrido num local onde esta se encontrava em virtude da relação laboral e a trabalhadora estava, ainda que de forma indirecta, sujeita ao controlo da empregadora – que definiu o itinerário e horários dos trabalhadores, ao longo do dia – o acidente que afectou a capacidade de ganho e de trabalho da Autora ocorreu no tempo de trabalho. Vejamos então.
Nos termos do artigo 8º da LAT “1. É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte. 2. Para efeitos do presente capítulo, entende-se por: a) «Local de trabalho» todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, directa ou indirectamente, sujeito ao controlo do empregador; b) «Tempo de trabalho além do período normal de trabalho» o que precede o seu início, em actos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em actos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho”.
A caracterização de um acidente de trabalho está, assim, dependente da verificação cumulativa de três elementos: a) elemento espacial (local de trabalho); b) elemento temporal (tempo de trabalho); c) elemento causal (nexo de causalidade entre o evento e a lesão).
O Conselheiro Júlio Manuel Vieira Gomes refere – em O Acidente De Trabalho O acidente in itinere e a sua descaracterização, página 97 – o seguinte: “Parece-nos claro que o acidente de trabalho não se reduz, no nosso ordenamento, ao acidente ocorrido na execução do trabalho, nem havendo sequer que exigir uma relação causal entre o acidente e essa mesma execução do trabalho. Poderão ser acidentes de trabalho múltiplos acidentes em que o trabalhador não está, em rigor, a trabalhar, a executar a sua prestação, muito embora se encontre no local de trabalho e até no tempo de trabalho, pelo menos para este efeito da reparação dos acidentes de trabalho”.
O acórdão do STJ de 17.12.2009 dá-nos, à luz da Lei 100/07, a noção de acidente de trabalho [a qual tem aplicação mesmo em face da nova LAT] e que aqui transcrevemos o sumário: “A responsabilidade do empregador relativamente aos acidentes de trabalho sofridos pelos seus trabalhadores não assenta no chamado risco profissional, mas sim no risco económico ou de autoridade que está subjacente ao conceito de acidente de trabalho contido no artigo 6º da Lei nº100/97 de 13 de Setembro. Assim, para que se considere existir um acidente de trabalho, à luz daquele normativo, não se exige a existência de um nexo de causalidade entre o acidente e a prestação de trabalho propriamente dita; apenas se exige um nexo de causalidade entre o acidente e a relação laboral” [CJ, acórdãos do STJ, ano 2009, tomo 3, página 267].
No caso em análise, e em face da factualidade provada, o acidente não ocorreu no local de trabalho e também não ocorreu no tempo de trabalho mas, antes, fora do local de trabalho e do tempo de trabalho, a significar que ao caso não é aplicável o disposto no artigo 8º da LAT.
Mas estar-se-á perante uma das situações previstas no artigo 9º da LAT, concretamente na al. b) ou na al. h) desse artigo? [posto que nos termos do artigo 5º, nº3 do CPC «O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito»]. É o que vamos analisar.
Dispõe o artigo 9º da LAT “1. Considera-se também acidente de trabalho o ocorrido b) Na execução de serviços espontaneamente prestados e de que possa resultar proveito económico para o empregador” (…) “h) Fora do local ou tempo de trabalho, quando verificado na execução de serviços determinados pelo empregador ou por ele consentidos”.
A propósito de situações como a dos autos refere o Conselheiro Júlio Manuel Vieira Gomes o seguinte: (…) “delicadas são as situações em que o trabalhador se lesiona, não quando está propriamente a trabalhar, mas a realizar uma actividade para a qual foi «convidado» pelo empregador” (…) “O empregador pode também patrocinar uma equipa de futebol, fomentar a prática de certos desportos pelos trabalhadores ou até promover certos momentos colectivos” (…) “ Se um acidente ocorrer na prática destes desportos poderá ser considerado um acidente de trabalho? Alguns autores tendem a responder negativamente com o argumento de que se trata de actividades voluntárias ou espontâneas que não se confundem com o trabalho, nem com a execução do contrato de trabalho. Mas a verdade, contudo, é que a voluntariedade pode ser mais aparente que real: o trabalhador que se recuse a participar na festa de aniversário da empresa ou na festa de Natal” (…) “sabe que, mesmo sem se expor a sanções disciplinares directas ou imediatas, poderão vir a existir outras formas de represália ou um prejuízo real para a sua carreira. Acresce que estas actividades podem comportar um benefício para o empregador – e, aliás, por isso mesmo é que são incentivadas ou patrocinadas por este” (…) – obra citada, páginas 105, 106, 107 e 108.
Vejamos a factualidade provada: 3. No ano de 2015 a Autora foi convidada para participar neste evento anual, que ocorreria no dia 13 de Junho desse ano (sábado). 11. A entidade empregadora organiza todos os anos (o ano 2016 foi uma excepção) um passeio para o qual são convidados todos os trabalhadores e membros da administração, procurando-se fomentar o convívio e o bom relacionamento entre todos os envolvidos. 12. Sendo da exclusiva responsabilidade da entidade patronal a organização deste evento, fretando para tal autocarros necessários ao transporte de todos os que compareçam, seleccionando o destino do passeio, pagando as refeições aos trabalhadores e até encerrando alguns dos centros sociais que normalmente trabalham nesses dias. 13. No dia e hora marcados a Autora compareceu – assim como as suas colegas (algumas compareceram pois foi encerrado o centro social onde naquele dia deviam prestar trabalho) – entrando num dos autocarros que haviam sido fretados para aquela ocasião pela sua entidade empregadora. 14. A Autora inscreveu-se e compareceu no passeio porque quis. 15. A Autora e mais trabalhadoras foram transportadas até à Póvoa do Varzim, aonde chegaram cerca das 11 horas da manhã. 16. Até à hora do almoço a Autora e mais colegas foram livres de fazerem o que quisessem. 17. Quando saía de uma loja comercial, que visitara, cerca das 12 horas, ainda antes do referido almoço, a Autora tropeçou e caiu no passeio, na via pública, encontrando-se sozinha.
Desde logo a matéria de facto ora referida permite afirmar que o passeio/convívio é promovido pela empregadora, que tudo organiza, procurando com a realização do referido evento fomentar o convívio e o bom relacionamento entre todos, o que faz todos os anos (à excepção do ano de 2016). E apelando às regras da experiência, se tal iniciativa beneficia, à partida, os trabalhadores, também beneficiará a empregadora, sob pena de não se compreender a sua realização praticamente em todos os anos.
Tal procedimento, por parte da empregadora, é revelador da vontade de proporcionar aos seus trabalhadores momentos de convívio. E tanto assim é que até procedeu ao encerramento do centro social, com vista a possibilitar aos trabalhadores que deveriam prestar trabalho nesse dia, marcado para o passeio, igual oportunidade de convívio. Diríamos que ao assim actuar a empregadora está a dar cumprimento ao dever geral consagrado na parte final do artigo 126º, nº2 do CT/2009, qual seja, “Na execução do contrato de trabalho, as partes devem colaborar na obtenção da maior produtividade, bem como na promoção humana, profissional e social do trabalhador”.
Tendo aderido ao convite da empregadora a Autora «obrigou-se» a cumprir o programa estabelecido por aquela. Ora, se assim é, podemos concluir que de algum modo a Autora esteve sujeita à autoridade da sua empregadora mas desta vez autoridade não relacionada directamente com a prestação de trabalho mas com a organização e concretização de um passeio.
E a Autora só compareceu ao passeio pelo facto de ser trabalhadora da entidade que o organizou e não por outras razões exteriores à relação laboral, nomeadamente de natureza pessoal. Ou seja, o facto de a Autora ter sofrido o acidente na Póvoa do Varzim está directamente relacionado com o passeio que a sua entidade empregadora organizou e ao qual ela aderiu.
É certo que a Autora foi ao passeio porque quis, mas a adesão da Autora ao convite da empregadora não é suficiente para afastar a relação, ainda que indirecta, entre a realização desse evento e o contrato de trabalho. Com efeito, o que aqui releva é o facto de, por força da sua adesão ao convite formulado pela empregadora, a Autora, a partir dessa aceitação, ficou “obrigada” a cumprir os procedimentos determinados por aquela – a sua empregadora – quanto ao modo como iria decorrer esse passeio, sendo que a sua participação só ocorreu por força da existência de uma relação jurídica existente entre as partes: o contrato de trabalho.
Na verdade, e como refere Carlos Alegre “A desnecessidade do nexo de causalidade entre o evento lesivo e o trabalho em execução é uma decorrência natural da teoria do risco económico ou risco da autoridade, em que o risco assumido não tem a natureza do risco específico, mas a de risco genérico, ligado ao conceito amplo de autoridade patronal” – Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª edição, página 41.
Deste modo, enquadramos a situação em análise na al. h) do nº1 do artigo 9º da LAT e como tal estamos perante um acidente de trabalho, posto que os demais elementos se verificam, a saber, o nexo de causalidade entre o acidente e a lesão.
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VII
Da pensão devida à sinistrada e demais prestações.
Em face da conclusão a que se chegou – estarmos perante um acidente de trabalho – é a Ré seguradora, responsável pela reparação do acidente tendo em conta que à data do acidente a responsabilidade estava integralmente transferida para ela – facto 7 dado como provado.
Os pedidos formulados pela Autora
A pensão devida
Provou-se que a Autora está afectada de uma IPP de 7,5% [0,05 x 1.5] desde 06.08.2016, dia da alta médica.
Tem ela direito a uma pensão no montante anual de €525,42 [10.008,00 (600,00 x 14 + 66,00 x 11 + 63,00 x 14) x 70% x 7,5%], a qual é devida a partir de 07.08.2016 – artigos 47º, nº1, al. c), 48º, nº3, al. c) e 50º, nº2 da Lei nº98/2009 de 04.09 – e obrigatoriamente remível, atento o disposto no artigo 75º, nº1 da mesma Lei [a incapacidade é inferior a 30% e o valor da pensão anual não é superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor no dia seguinte à data da alta – 530,00 x 6 = 3.180,00 – DL nº254-A/015 de 31.12].
As despesas medicamentosas, médicas e com transportes
Provou-se que a Autora gastou, a esse título, a quantia de €184,34 – facto 10 dado como provado – pelo que procede tal pedido.
A indemnização por incapacidades temporárias
Provou-se que a Autor esteve afectada de ITA de 14.06.2015 a 05.06.2016 (358 dias) e de ITP de 10% de 06.06.2016 a 06.08.2016 (62 dias).
Atento o disposto nos artigos 47º, nº1, al. a), 48º, nº3, alíneas d), e), e 50º da referida Lei de Acidentes de Trabalho a Autora tem direito à indemnização, por incapacidades temporárias desde 14.06.2015 a 06.08.2016, no valor de €7.087,58 [10.008,00: 12 = 834,00: 30 = 27,80 x 70% = €19,46 x 358 dias = 6.966,68; 10.008,00: 12 = 834,00: 30 = €27,80 x 70% = 19,46 x 10% = 1,95 x 62 dias = 120,90].
O pedido de pagamento dos juros de mora
A Autor requereu o pagamento de juros de mora sobre as quantias reclamadas.
Segundo o disposto no artigo 135º do CPT “Na sentença final o juiz considera definitivamente assentes as questões que não tenham sido discutidas na fase contenciosa, integra as decisões proferidas no processo principal e no apenso, cuja parte decisória deve reproduzir, e fixa também, se forem devidos, juros de mora pelas prestações pecuniárias em atraso”.
Independentemente da Autora formular o pedido de condenação nos juros, deve o Juiz, oficiosamente, fixar os juros de mora, atento o disposto no citado artigo – acórdão desta Secção Social de 03.11.2008 publicado na CJ., ano 2008, tomo 5, página 226.
A pensão fixada à Autora é obrigatoriamente remível. Esta Secção Social tem entendido que no caso de remição de pensão a mora “deve incidir sobre o capital de remição, pois é tal espécie de prestação pecuniária que, no caso e nos termos do artigo 17º, nº1, alínea d) da LAT [actual artigo 48º, nº3, al. c) da Lei 98/2009] está em atraso, desde a data da alta, não sendo legítimo invocar-se uma pensão anual, por não prevista na citada disposição legal” – acórdão proferido no processo 280/08.3TTBCL e também o acórdão do STJ 10.07.2013 proferido no processo 941/08.7TTGMR.P1.S1, entre outros.
Deste modo, os juros incidirão sobre o capital de remição e serão contados desde o dia seguinte ao da alta (07.08.2016).
Quanto às indemnizações por incapacidades temporárias há que atender ao disposto no artigo 72º, nº3 da LAT “a indemnização por incapacidade temporária é paga mensalmente”, conjugado com o determinado no artigo 805º, nº2, al. a) do C. Civil.
Assim, e na falta de outros elementos de facto, sobre cada uma das prestações mensais a título de ITA e de ITP os juros são devidos a partir do dia seguinte ao momento em que deveria ocorrer o seu pagamento, ou seja, pelo menos no final de cada mês a que respeitam [por exemplo, a indemnização por ITA no período compreendido entre 14.06.2015 e 30.06.2015 deverá ser paga em 30.06.2015 vencendo juros a partir de 01.07.2015; a indemnização por ITA no período compreendido entre 01.07.2015 e 31.07.2015 deverá ser paga em 31.07.2015 vencendo juros a partir de 01.08.2015].
Relativamente às despesas suportadas pela Autora, no valor de € 184,34, tal pedido foi formulado pela primeira vez na petição inicial, pelo que atento o disposto no artigo 135º do CPT e no artigo 805º, nº1 do C. Civil, os juros de mora são devidos desde a data da citação da Ré para a presente acção (02.10.2017).
Valor da acção: €13.190,25
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Termos em que se julga a apelação procedente, se revoga a sentença recorrida, se substitui pelo presente acórdão e, em consequência
1. Se condena a Ré seguradora a pagar à Autora a pensão anual de €525,42, obrigatoriamente remível, e devida desde 07.08.2016, a que acresce os juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, sobre o capital de remição, contados desde 07.08.2016 e até integral pagamento.
2. Se condena a Ré seguradora a pagar à Autora a quantia de €7.087,58, a título de indemnização por incapacidades temporárias, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, contados desde o dia seguinte ao mês em que cada prestação é devida.
3. Se condena a Ré seguradora a pagar à Autora a quantia de €184,34, a título de despesas medicamentosas, médicas e com transportes, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, contados desde 02.10.2017 e até integral pagamento.
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Custas da acção e da apelação a cargo da seguradora.
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Porto, 08.03.2019
Fernanda Soares
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho