Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
120/11.6IDAVR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA NATÉRCIA ROCHA
Descritores: EXECUÇÃO DA PENA
PENA SUSPENSA
FALTA DE CUMPRIMENTO DAS CONDIÇÕES DA SUSPENSÃO
CÚMULO JURÍDICO
OMISSÃO DO DEVER DE PRONÚNCIA
Nº do Documento: RP20191030120/11.6IDAVR-A.P1
Data do Acordão: 10/30/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Não há omissão do dever de pronúncia se o tribunal antes de proceder à realização de cúmulo jurídico considerar que deve tomar posição quanto à revogação ou extinção de uma pena suspensa.
II – Há omissão do dever de pronúncia, a determinar nulidade, se o tribunal, esgotado o prazo de suspensão de pena de prisão em condições temporais de integrar o cúmulo jurídico, não decidir sobre a sua extinção.
III – Suspensa a execução da pena de prisão, condicionada ao pagamento dos montantes de IVA em dívida, a falta de pagamento por parte do arguido, quando, atendendo à sua situação socioeconómica, está em condições de proceder pelo menos a pagamento parcial, consubstancia incumprimento culposo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 120/11.6IDAVR-A.P1
Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório:
No âmbito do Processo Comum Singular n.º 120/11.6IDAVR a correr termos no Juízo de Competência Genérica de Arouca foram julgados e condenados os arguidos B…, C… e “D…, Ld.ª”, o primeiro pela prática, em coautoria, na forma continuada, do crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo art.º 105.º, n.ºs 1 e 4, alíneas a) e b) e n.º 7 do RGIT e art.º 30.º, n.º 2, do Cód. Penal, por factos praticados entre 01.07.2010 e 31.12.2010, na pena de 1 [um] ano e 2 [dois] meses de prisão, a qual foi suspensa na sua execução pelo período de um ano e dois meses, ao abrigo do disposto no art.º 14.º, n.º1 do RGIT, condicionada ao pagamento dos montantes de IVA, respeitantes aos 3.º e 4.º trimestres de 2010, no valor que se encontrar em dívida a título de IVA, acrescido de juros e multas e outros encargos; a segunda pela prática, em coautoria, na forma continuada, do crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo art.º 105.º, n.ºs 1 e 4, alíneas a) e b) e n.º 7 do RGIT e art.º 30.º, n.º 2, do Cód. Penal, por factos praticados entre 01.07.2010 e 31.12.2010, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de e 6,00€, o que perfaz o total de 900,00€; a terceira como responsável pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelos art.ºs 7.º, n.º 1, 12.º e 105.º, n.ºs 1 e 4, al. a) e b), e n.º 7, do RGIT e art.º 30.º, n.º 2, do Cód. Penal, por factos praticados entre 01.07.2010 e 31.12.2010, na pena de 250 dias de multa à taxa diária de 5,00€, o que perfaz o total de € 1.250,00€. Foi ainda decidido condenar os demandados B… e C… a, solidariamente, pagarem à Fazenda Nacional – Autoridade Tributária e Aduaneira, a importância de 14.925,34€, acrescido dos juros vencidos e vincendos que vierem a ser apurados nos termos previstos para o pagamento em atraso de impostos ao Estado.
Posteriormente, e porque o arguido B… foi condenado no âmbito dos autos acima referidos, por sentença transitada em julgado, por factos praticados em momento anterior ao trânsito em julgado da sentença proferida no âmbito do Processo n.º 344/14.4IDAVR, foi realizada audição do arguido nos termos e para os efeitos no art.º 495.º n.º 2, do Cód. Proc. Penal (cf. fls. 89) e realizado relatório social com vista a ponderação da pena a aplicar com a realização do cúmulo jurídico das penas aplicadas nos autos acima identificados e nos autos com o processo n.º 344/14.4IDAVR (cf. fls. 91).
Após o MP ter promovido a não revogação da suspensão aplicada (cf. fls. 97/98), e de o arguido se ter pronunciado sobre tal promoção e ainda, a convite do Tribunal (cf. fls. 99), sobre a eventual revogação, prorrogação do período de suspensão de execução da pena ou extinção da mesma (cf. fls. 101/102), o Tribunal, por decisão proferida a fls. 104/108 dos presentes autos, decidiu prorrogar a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado, por mais um ano, mantendo-se a condição de suspensão já anteriormente determinada, acrescida da condição de o arguido mensalmente efetuar o pagamento de 200,00€, por conta do imposto de IVA em dívida e respeitante aos autos de que os presentes são um apenso.
Desta decisão veio o arguido B… interpor o presente recurso, nos termos e com os fundamentos que constam de fls. 111/117 dos autos, que agora aqui se dão por reproduzidos para todos os legais efeitos, terminando com a formulação das conclusões seguintes:

1 - O presente recurso tem como objeto o despacho judicial proferido nos presentes autos pelo qual o tribunal recorrido decidiu prorrogar a suspensão da execução da pena de prisão em que o Arguido foi condenado, por mais um ano, mantendo-se a condição de suspensão já anteriormente determinada, acrescida da condição de o arguido mensalmente efetuar o pagamento de €200,00, por conta do imposto de IVA em dívida e respeitante aos presentes autos
2 – Por despacho de 15-01-2019, a Digna Magistrada do Ministério Público promoveu que, ao abrigo do disposto no artigo 78.º do Código Penal, fosse agendada data para a audiência de cúmulo superveniente, considerando que o arguido fora condenado nos presentes autos, por sentença transitada em julgado, por factos praticados em momento anterior ao trânsito em julgado da sentença proferida no âmbito do Processo n.º 344/14.4IDAVR.
3 - O certo é que o tribunal recorrido não promoveu desde de logo os trâmites para efetivação do cúmulo jurídico e marcou a audiência a que alude o artigo 495.º CPP.
4 - Antes desta audiência para audição do Arguido para extinção, suspensão ou revogação da pena, havia de se efetivar o referido cúmulo jurídico superveniente;
5 – Pelo que é nula a decisão de prorrogação da suspensão da execução da pena sem previamente promover a cúmulo jurídico, por muito previsivelmente prejudicar o Arguido.
6 – Acresce que esta decisão teve por base o relatório da Direção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) junto aos autos no dia 30-01-2017, elaborada para efeitos de efetivação do cúmulo jurídico das penas;
7 - O Relatório Social adequado para efeitos de decisão quanto à extinção, revogação ou suspensão da pena aplicada ao Arguido, analisa e considera outros parâmetros das condições socioeconómicas do arguido, atendo-se particularmente no período da suspensão da pena.
8 - Daí que seja de entender que a decisão proferida pelo tribunal recorrido é nula por se ter estribado em documento que não é o próprio para o efeito.
9 - Nenhuma prova foi feita que a conduta do Arguido se enquadre na previsão do artigo 56.º do Código Penal, com a consequência de ver a revogada a suspensão da execução da pena; e;
10 - Para haver a prorrogação da pena, o artigo 55.º do Código Penal seria necessário que estivesse demonstrada nos autos a culpa do condenado (o Arguido) no incumprimento da obrigação fixada na sentença;
11 - Não foi feita qualquer prova de que o incumprimento pelo Arguido da condição fixada na sentença lhe é imputável a título de culpa.
12 - Havendo decorrido o prazo da suspensão da pena em que o Arguido foi condenado sem que haja motivos que possam conduzir à sua revogação, deve a pena ser declarada extinta, nos termos do artigo 57.º, n.º 1 do Código Penal.
13 – Pelo contrário, as únicas provas existentes nos autos – declarações do Arguido e Relatório Social - vão no sentido do Arguido viver com muitas limitações económicas.
14 - O pagamento mensal da quantia de €200,00 implicaria para o Arguido um sacrifício financeiro que poria em causa a subsistência do seu agregado familiar, composto por si, esposa e filho de tenra idade;
15 – Sem prescindir, esta obrigação teria sempre que ser reduzida de acordo com critérios de razoabilidade, para um valor nunca superior a €75,00 por mês.
16 – Ao não entender assim o tribunal “a quo” violou, entre outros, os artigos 55.º al. d), 57.º, n.º 1 e 78.º, n.º 1 do Código Penal.
Termina pedindo seja julgado procedente o recurso apresentado, e em consequência, seja declarada nula a decisão proferida em 25/02/2019, ou, caso assim não se entenda, seja revogada a decisão recorrida, se o estado dos autos o permitir, declarando-se a extinção da pena aplicada ao Arguido, e se assim não se entender, seja reduzida à quantia de €75,00 a condição de o Arguido mensalmente efetuar o pagamento por conta do imposto de IVA em dívida e respeitante aos presentes autos.

A este recurso respondeu o Ministério Público concluindo da seguinte forma:

1- Na verdade, e conforme o próprio refere nas suas Alegações, o Ministério Público já havia, efetivamente, promovido a realização do cúmulo jurídico nos presentes autos. Sucede, porém, que o Meritíssimo Juiz a quo considerou oportuno – oportunidade que não questionamos –, antes de mais, tomar posição relativamente à revogação, suspensão ou extinção da pena. Ora tal circunstância não preclude a realização de cúmulo jurídico, não sendo por isso, salvo devido respeito por melhor entendimento, suscetível de ferir de nulidade a decisão ora contestada.
2- Concedendo efetivamente que o relatório social adequado para efeitos da decisão proferida não é o relatório social elaborado para efeitos de cúmulo, a verdade é que é o próprio arguido que, no exercício do contraditório, afirma que “A situação socioeconómica do arguido resulta do Relatório Social da DGRSS integrado nos autos em 30-01-2019, que aqui se dão por integralmente reproduzidas”.
3- O arguido foi condenado nos presentes autos, por sentença transitada em julgado em 19.02.2018, pela prática, em coautoria, na forma continuada, do crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105º nºs 1, 4, alíneas a) e b) e nº 7 do RGIT e artigo 30º nº 2 do Código Penal, na pena de prisão de um (1) ano e dois (2) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita à condição do arguido, no prazo da suspensão, proceder ao pagamento dos montantes de IVA, respeitantes aos 3º e 4º trimestres de 2010 [o período dos autos], no valor que se encontrar em dívida a título de IVA, acrescido de juros e multas ou outros encargos. Conforme resulta inequívoco da nossa Promoção (Referência 105496207) “Findo o período da suspensão, o arguido não liquidou a quantia a que estava obrigado. Realizada a audição de arguido em 30.01.2019, pelo mesmo foi dito, em sua defesa, que tem vindo a liquidar as quantias referentes a outras condenações e que, por essa razão, não tem capacidade financeira para fazer face a todos os encargos”. Assim, para além da (ausência) de prova documental sobre o cumprimento da condição de pagamento que cabia ao arguido fazer nos presentes autos, é o próprio que, aquando da sua audição, assume o não cumprimento da condição da suspensão. Porém, o que se entendeu, no sentido aliás da nossa Promoção, foi que “ainda que tenha decorrido o período de duração da suspensão da execução da pena nos presentes autos, não estão reunidas as condições para que a pena se extinga, pois que o arguido poderia ter feito um maior esforço na regularização, ainda que parcial dos impostos em dívida e respeitantes ao período a que se referem os presentes autos, o que não fez, pois que, durante mais de um ano não pagou qualquer montante em numerário, sendo certo que a regularização do 3º trimestre de 2010 de IVA apesar de estar regularizado não foi pelo pagamento voluntário do arguido, antes se deveu a regularizações internas do imposto. Posto isto, entendemos que, apesar de o arguido não ter cumprido até ao presente as condições de suspensão, porque nenhuma iniciativa fez para a cumprir, não pagando qualquer montante, deve ser concedida mais uma oportunidade ao arguido para que o mesmo faça algum esforço para regularizar a dívida, que é condição da suspensão da execução da pena”, motivo pelo qual se decidiu – e em nosso entendimento bem – prorrogar a suspensão da execução da pena de prisão.
Termina pedindo seja negado provimento ao recurso interposto pelo arguido e, em consequência, seja mantida a sentença recorrida.
II- Fundamentação:
Fundamentação de facto:
1- Por sentença proferida em 18.05.2017 nos presentes autos, transitada em julgado em 19.06.2017, o arguido, ora recorrente, B… foi condenado pela prática, em coautoria, na forma continuada, do crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo art.º 105.º, n.ºs 1 e 4, alíneas a) e b) e n.º 7 do RGIT e art.º 30.º, n.º 2, do Cód. Penal, por factos praticados entre 01.07.2010 e 31.12.2010, na pena de 1 [um] ano e 2 [dois] meses de prisão, a qual foi suspensa na sua execução pelo período de um ano e dois meses, ao abrigo do disposto no art.º 14.º, n.º1 do RGIT, condicionada ao pagamento dos montantes de IVA, respeitantes aos 3.º e 4.º trimestres de 2010, no valor que se encontrar em dívida a título de IVA, acrescido de juros e multas e outros encargos.
2- Por sentença proferida em 24.05.2016 no processo n.º 344/14.4IDAVR, o arguido, ora recorrente, B… foi condenado pela prática, como autor material, na forma consumada e continuada, do crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo art.º 105.º, n.ºs 1 e 4, alíneas a) e b) e n.º 7 do RGIT e art.º 30.º, n.º 2, do Cód. Penal, na pena de 1 [um] ano e 2 [dois] meses de prisão, a qual foi suspensa na sua execução pelo período de três anos, ao abrigo do disposto no art.º 14.º, n.º1 do RGIT, condicionada ao pagamento dos montantes de IVA, respeitantes aos 4.º trimestre de 2013, 1.º trimestre de 2014 e 3.º trimestre de 2014, no valor de 30.183,38, acrescido de juros e demais encargos.
3- Por despacho proferido a 10.01.2019 nos presentes autos foi designado dia para a audição do arguido nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 495.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, bem como foi solicitado à DGRSP a elaboração de relatório social do arguido com vista à ponderação da pena a aplicar com a realização do cúmulo jurídico das penas aplicadas nos presentes e nos autos com o processo n.º 334/14.4IDAVR.
4- Em 30.01.2019 foi realizada a audição do arguido, conforme consta em ata constante a fs. 28/29 dos autos.
5- A DGRSP apresentou o relatório social constante dos autos a fls. 91/95 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
6- Por despacho proferido a fl. 99 dos autos, o arguido foi notificado da promoção do MP e para se pronunciar sobre a mesma, bem como sobre a eventual revogação, prorrogação do período de suspensão de execução da pena ou extinção da mesma.
7- Em resposta à notificação do Tribunal o arguido veio, a fls. 102 dos autos, requerer, ao abrigo do disposto no art.º 57.º do Cód. Penal, seja determinada a extinção da pena de prisão em que foi condenado.
8- A decisão ora recorrida foi proferida a 25.02.2019 e determinou, ao abrigo do disposto no art.º 55.º, al. d), do Cód. Penal, a prorrogação a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado, por mais um ano, mantendo-se a condição de suspensão já anteriormente determinada, acrescida da condição de o arguido mensalmente efetuar o pagamento de 200,00€ por conta do imposto de IVA em dívida e respeitante aos presentes autos.
9- Em janeiro de 2019 e relativamente aos períodos de IVA em causa nos autos, ou seja, relativamente aos 3.º e 4.º trimestres de 2010, o arguido tem ainda em dívida o montante de 14.925,34€ respeitante a IVA do 4.º trimestre, acrescido de juros de mora e custas, importando por isso o montante em dívida de 19.046,12 (cf. fls. 755 do processo principal).
10- A regularização do 3.º trimestre de 2010 de IVA ficou a dever-se a regularizações internas do imposto e não pelo pagamento voluntário do arguido.
11- O arguido vem pagando outras importâncias à Fazenda Nacional no âmbito da condição que lhe foi imposta como condição de suspensão da execução da pena de prisão nos autos com o processo n. 344/14.4IDAVR, tendo pago até ao momento da decisão recorrida a quantia de 2.850,00€.
12- O arguido enquanto cortador de calçado aufere a remuneração mensal de 700,00€ líquidos; a mulher do arguido enquanto gaspeadeira aufere 700,00€ líquidos, têm uma criança de um ano de idade; pagam de infantário 97,00€ mensais; vivem em casa dos sogros, pais da mulher.
Fundamentos do recurso:
Questões a decidir no recurso
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso (cf. art.º 412.º e 417.º do Cód. Proc. Penal e, entre outros, Acórdão do STJ de 29.01.2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB. S1, 5ª Secção.
As questões que cumpre apreciar prendem-se com a oportunidade e a (falta de) elementos com base nos quais foi proferida a decisão de prorrogação da suspensão da execução da pena de prisão, bem como se se verificam as condições para a extinção da pena ou para a redução da quantia cujo pagamento mensal foi condição imposta ao arguido por conta do imposto de IVA em dívida e respeitante aos presentes autos.
Vejamos.
Em primeira linha, alega o arguido recorrente que antes da audiência para audição do Arguido para extinção, suspensão ou revogação da pena, havia de se efetivar o referido cúmulo jurídico superveniente, razão pela qual é nula a decisão de prorrogação da suspensão da execução da pena, por muito previsivelmente prejudicar o Arguido.
Dispõe o art.º 379.º, n.º 1, al. c), do Cód. Proc. Penal, que é nula a sentença quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
É Jurisprudência maioritária no Supremo Tribunal de Justiça que, ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de crimes no cúmulo jurídico de penas a realizar (artigos 77.º e 78.º do Cód. Penal), devem incluir-se as penas (parcelares) suspensas na sua execução, suspensão, essa, que pode, ou não, vir a ser mantida no acórdão cumulatório.
Questão diversa é a de saber se, encontrando-se à data da decisão de cúmulo já esgotado o prazo de suspensão da execução da(s) pena(s) parcelar(es) relativamente à(s) quais estão presentes, nos termos dos artigos 77.º e 78.º do C. Penal, os pressupostos temporais para o integrar, o Tribunal deverá proferir tal decisão sem previamente averiguar se a(s) referida(s) pena(s) já se encontram extinta(s).
Podemos, desde já, adiantar que no caso em análise não se vislumbra o apontado vício.
Em primeiro lugar, o facto de o Tribunal ter considerado oportuno tomar posição relativamente à revogação, suspensão ou extinção da pena não precludiu a realização do cúmulo jurídico, cuja decisão será tomada pelo Tribunal, sendo que em momento algum o Tribunal referiu que a decisão ora recorrida, que determinou a prorrogação do da suspensão da execução da pena de prisão, impediria a sua tomada de posição sobre o cúmulo jurídico. O Tribunal apenas procedeu à apreciação da eventual violação das condições de suspensão ou da eventual extinção da pena antes da realização do cúmulo jurídico uma vez que não haveria lugar à realização do cúmulo jurídico no caso de se concluir que a pena estava extinta.
Em segundo lugar e, ao contrário do defendido pelo arguido recorrente, haverá omissão do dever de pronúncia por parte do Tribunal determinando a nulidade da decisão por força do disposto no art.º 379.º, n.º 1, al. c) do Cód. Proc. Penal, quando esgotado se mostre o prazo de suspensão de pena em condições temporais de integrar o cúmulo jurídico e o Tribunal não diligencia por apurar sobre a sua extinção.
Esta é, aliás, a orientação que tem sido maioritariamente defendida pela jurisprudência, como, a título exemplificativo, resulta dos acórdãos do STJ de 21.06.2012 (proc. n.º 778/06.8GAMAL.S1), 05.07.2012 (CJ – STJ, 2012, I, pág. 217), de 25.10.2012 (proc. n.º 242/10.00GHCTB.S1), todos unânimes no sentido de a decisão que englobar no cúmulo as penas parcelares de alguns processos, todas elas já com o prazo de suspensão ultrapassado, sem apurar previamente sobre a sua eventual extinção, incorrer na dita nulidade.
Considerando o que se deixa exposto, teremos que concluir pela improcedência do alegado fundamento de recurso.
Alega, ainda, o recorrente que a decisão recorrida é nula por se ter estribado em documento que não é próprio para o efeito, pois fundamentou-se no relatório da Direção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) elaborado para efeitos de efetivação do cúmulo jurídico das penas.
Salvo o devido respeito não poderemos acompanhar as alegações do arguido recorrente.
Sobre a obrigatoriedade do Tribunal determinar a realização de relatório social já muito se tem escrito, sem que se suscite dúvida no sentido de, com a Lei n.º 59/98, de 25.08, haver sido suprimida mesmo para o caso - previsto na versão inicial do CPP – de arguido, à data da prática dos factos, menor de 21 anos, sendo, assim, de concluir pela respetiva natureza facultativa.
Veja-se, a título exemplificativo, o acórdão do STJ de 15.03.2012 [proc. n.º 236/07.3GEALR.E1.S1], de cujo sumário se extrata: «A realização e junção aos autos de relatório social, era obrigatória antes da atual redação do art. 370.º do CPP, introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25-08, relativamente a arguidos menores de 21 anos de idade, por dever equacionar-se, em caso de condenação os pressupostos da atenuação especial da pena. A requisição do relatório social podia, assim, revestir duas modalidades: a facultativa, que constituía a regra, e a obrigatória, verificado o pressuposto subjetivo da idade do arguido (…) e os elementos consignados no n.º 2 do art. 370.º do CPP. (…) Ainda assim, entendia-se que a omissão de relatório social, quando obrigatória a sua requisição, não era fundamento de nulidade, constituindo mera irregularidade que se tinha como ultrapassada se a matéria de facto provada consentisse a formulação de uma imagem precisa e favorável do arguido menor. Caso contrário, a ausência do relatório social, quando obrigatório, determinava o vício da al. a) do art. 410.º, n.º 2, do CPP. (…) Com a Lei 59/88, de 25-8, não há obrigatoriedade legal de realização e junção de relatório social. Aliás, o relatório social não constitui prova pericial, mas somente uma informação auxiliar do juiz, a ter em conta no âmbito da livre apreciação da prova a que alude o art. 127.º do CPP. Logo, a inexistência do reclamado relatório social não constitui nulidade de per se».
No mesmo sentido pode ler-se no acórdão do STJ de 15.06.2011 [proc. n.º 721/08.0GBSLV.E2.S1]: «No que concerne à questão resultante da não realização do relatório social, verifica-se que a lei adjetiva penal não estabelece a obrigatoriedade de requisição do relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social. (…). Aliás, o Tribunal Constitucional já decidiu, no seu acórdão n.º 182/99, Processo n.º 759/98, de 99.03.22, não ser inconstitucional a norma do n.º 3 do artigo 370.º do CPP quando interpretada no sentido de não ser obrigatória a requisição do relatório social. Por outro lado, certo é que a falta de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, caso se entenda indispensável a sua requisição, apenas poderá constituir mera irregularidade, visto que a lei não comina a respetiva falta com a sanção da nulidade».
Afastada, pois, a obrigatoriedade de realização de relatório social e, por conseguinte a nulidade invocada, a questão que se pode colocar é a de saber se na decisão em crise não constam os factos pertinentes relativos às condições do arguido, em suma os respeitantes ao seu percurso de vida, donde se possam extrair, entre o mais, os contornos de personalidade.
No caso em análise o Tribunal para decidir sobre a prorrogação da suspensão da execução da pena teve em conta o relatório social que havia sido solicitado para efeitos de cúmulo jurídico. Contudo, analisando o referido relatório constante a fls. 91/98 dos autos verificamos que os elementos constantes do mesmo são suficientes para a ponderação que foi efetuada sobre a situação socioeconómica do arguido, porquanto no mesmo é efetuada a análise das condições sociais, pessoais e familiares do arguido, bem como da sua situação profissional e económica.
Acresce que é o próprio arguido quando notificado para se pronunciar sobre a eventual prorrogação, revogação ou extinção da mesma pena de prisão, fez uso do teor do referido relatório social (cf. requerimento apresentado pelo arguido a 21.02.2019, com a Refª 8377163, referindo expressamente que “A situação socioeconómica do arguido resulta do relatório social da DGRSP integrado nos autos em 30.01.2019, que aqui se dá por integralmente reproduzida”.
Assim, o dito relatório social com base no qual o Tribunal a quo fixou os aspetos relevantes para a determinação da prorrogação da suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado considera-se atualizado e suficiente.
Em suma, se a natureza facultativa do relatório social não subtrai ao Tribunal, caso o considere necessário à correta decisão, o poder/dever de o solicitar, devendo a decisão no que a tal respeita, passar pela ponderação do relatório social para uma correta determinação sobre a suspensão da execução da pena de prisão determinada ao arguido, na situação que nos ocupa, dispondo o Tribunal a quo de um relatório social elaborado em janeiro de 2019 e dispondo o mesmo sobre a situação pessoal, social, familiar, profissional e económica, o que veio a ser refletido e ponderado na decisão recorrida teremos que considerar que esta decisão não padece do apontado vício.
Soçobra, assim, também nesta parte o recurso.
No recurso interposto, o arguido alega que para haver prorrogação da pena o art.º 55.º do Cód. Penal exige que esteja demonstrada nos autos a culpa do condenado (o arguido) no incumprimento da obrigação fixada em sentença e não foi feita qualquer prova de que o incumprimento pelo arguido da condição fixada na sentença lhe é imputável a título de culpa, razão pela qual, havendo decorrido o prazo da suspensão da pena em que o arguido foi condenado sem que haja motivos que possam conduzir à sua revogação, deve a pena ser declarada extinta, nos termos do artigo 57.º, n.º 1 do Código Penal.
Nos termos do disposto no art.º 57.º, n.º 1, do Cód. Penal, “A pena é declarada extinta se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação”. Estipula o n.º 2 do citado preceito legal que “Se, findo o período da suspensão, se encontrar pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação ou incidente por falta de cumprimento dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção, a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou à prorrogação do período da suspensão.
Vejamos, pois, se se encontram reunidas as condições para que a pena seja declarada extinta tal como defende o arguido recorrente, por não se encontrar verificada a sua culpa no incumprimento dos deveres ou regras de conduta impostos pela sentença condenatória.
Dispõe o art.º 55.º, al. d), do Cód. Penal que “Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, (…), pode o Tribunal prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do art.º 50”.
Os princípios da intervenção mínima do direito penal, da proporcionalidade e da necessidade da pena cobrem todo o iter aplicativo, todo o processo de determinação da sanção, que é uma atividade judicialmente vinculada, na expressão de Figueiredo Dias e de Anabela Rodrigues. Esta vinculação perdura até à extinção da sanção aplicada, no processo, ao condenado. Assim, a revogação da suspensão da prisão é a consequência máxima para o incumprimento culposo, é a ultima ratio.
O incumprimento consiste na omissão da satisfação dos deveres e das regras de conduta com natureza de facere ou na violação das regras de conduta com natureza de non facere. Em ambos os casos, a conduta do condenado deve ser voluntária, culposa, admitindo-se o incumprimento doloso ou negligente (cf. Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.ª Edição atualizada, Universidade Católica Editora).
Ora, no presente caso o arguido foi condenado pela prática, em coautoria, na forma continuada, do crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo art.º 105.º, n.ºs 1 e 4, alíneas a) e b) e n.º 7 do RGIT e art.º 30.º, n.º 2, do Cód. Penal, por factos praticados entre 01.07.2010 e 31.12.2010, na pena de 1 [um] ano e 2 [dois] meses de prisão, a qual foi suspensa na sua execução pelo período de um ano e dois meses, ao abrigo do disposto no art.º 14.º, n.º 1 do RGIT, condicionada ao pagamento dos montantes de IVA, respeitantes aos 3.º e 4.º trimestres de 2010, no valor que se encontrar em dívida a título de IVA, acrescido de juros e multas e outros encargos.
Contudo, findo o prazo da suspensão o arguido não liquidou a quantia a que estava obrigado. Não só não apresentou prova documental sobre o cumprimento da condição de pagamento, como era seu ónus, como é o próprio arguido que assume o não cumprimento da condição de suspensão. Apesar de o mesmo ter referido na sua audição que não liquidou a quantia a que estava obrigado por estar a liquidar as quantias referentes a outras condenações e que, por essa razão não tem capacidade financeira para fazer face a todos os encargos, a verdade é que, considerando a sua situação profissional e socioeconómica, o arguido poderia ter feito um maior esforço na regularização, ainda que parcial, dos impostos em dívida e respeitantes ao período a que se referem os presentes autos, o que não fez, pois que durante mais de um ano não pagou qualquer montante em numerário. Acresce que a regularização do 3.º trimestre de 2010 de IVA não ficou a dever-se a pagamento voluntário do arguido, mas a regularização interna do imposto.
Deste modo estamos de acordo com a decisão recorrida quando refere que as exigências de prevenção geral e especial impõem que o arguido sofra algumas privações face aos seus comportamentos delituosos e que o arguido poderia, - e acrescentamos, deveria, ter feito um maior esforço na regularização, ainda que parcial, dos impostos em dívida e respeitantes ao período a que se referem os presentes autos, não tendo tido qualquer iniciativa para proceder ao seu cumprimento.
Considerando o que se deixa exposto, teremos que concluir que se encontra demonstrada a culpa do arguido no cumprimento dos deveres e regras de conduta que lhe foram impostos, razão pela qual, e ao contrário do defendido pelo arguido, não se encontram reunidas as condições para que a pena se extinga, embora deva ser, como foi, concedida mais uma oportunidade ao arguido para que o mesmo faça algum esforço para regularizar a dívida, que é a condição da suspensão da execução da pena.
Improcede também nesta parte o recurso.
Por último, alega o arguido que o pagamento mensal da quantia de €200,00 imposta pela decisão recorrida implicaria para o arguido um sacrifício financeiro que poria em causa a subsistência do seu agregado familiar, composto por si, esposa e filho de tenra idade, razão pela qual esta obrigação teria sempre que ser reduzida de acordo com critérios de razoabilidade, para um valor nunca superior a €75,00 por mês.
A decisão recorrida determinou prorrogar a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado, por mais um ano, mantendo-se a condição de suspensão já anteriormente determinada, acrescida da condição de o arguido mensalmente efetuar o pagamento da quantia de 200,00€, por conta do imposto de IVA em dívida e respeitante aos presentes autos.
Considerando as condições económicas do agregado familiar do arguido, verificamos que, de facto, as receitas mensais do mesmo são no valor de cerca de 1.400,00€. Acresce que habitam na casa dos sogros do arguido. Contudo, temos também que atender às despesas que, para além do montante de 97,00€ de infantário, também são as de alimentação, comparticipação na água, luz e gás, médicas e medicamentosas, nomeadamente atendendo que o arguido e a mulher têm um filho com um ano de idade, e transporte.
Assim, ainda que as exigências de prevenção geral e especial imponham que o arguido sofra algumas privações face aos seus comportamentos delituosos, entendemos reduzir para 125,00€ a quantia imposta pela decisão recorrida como pagamento mensal por forma a não por em causa a subsistência do agregado familiar e permitir o seu cumprimento por parte do arguido.
III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida apenas na parte em que se refere ao montante mensal a pagar pelo arguido por conta do imposto de IVA em dívida e respeitante aos presentes autos, a qual se substitui e se fixa em €125,00 (cento e vinte e cinco euros), mantendo-se a restante decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se em 2 UC a taxa de justiça.

Porto, 30 de Outubro de 2019
(Texto elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelas suas signatárias)
Paula Natércia Rocha
Élia São Pedro