Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2750/14.5T8LOU.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DIAS DA SILVA
Descritores: SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
LIQUIDAÇÃO
AGENTE DE EXECUÇÃO
Nº do Documento: RP202110212750/14.5T8LOU.P1
Data do Acordão: 10/21/2021
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 4 do artigo 829.º-A do Código Civil opera de forma automática, quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, sendo devida desde o trânsito em julgado da sentença de condenação, não se exigindo que os respectivos juros compulsórios sejam peticionados na acção declarativa para serem considerados.
II - A sanção pecuniária compulsória prevista no art. 829.º-A, n.º 4, do Código Civil traduz-se num adicional de juros, calculados à taxa de 5%, destinada em partes iguais ao Estado e ao credor, juros que são devidos automaticamente desde o trânsito em julgado da sentença condenatória, isto é, juros devidos por força da lei. E, como tal, deverão ser pagos antes do capital devido ao exequente/adquirente dos bens, como resulta do art. 875.º, do Código Civil.
III - É da responsabilidade do agente de execução a liquidação daquela sanção na conta final de custas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação - 3ª Secção
ECLI:PT:TRP:2021:2750/14.5T8LOU.P1

1. Relatório

B…, S.A., interpôs recurso do despacho proferido pelo juízo de execução de Lousada-Juízo 1, no âmbito do processo executivo movido pela recorrente contra C… e D…, o qual indeferiu a reclamação apresentada pela recorrente contra a liquidação de juros compulsórios realizada pela Sr.ª agente de execução, mantendo a mesma.

O despacho sob recurso tem o seguinte teor:
«(…)
A exequente veio reclamar da liquidação do julgado apresentada pelo agente de execução, na parte referente à distribuição do produto da venda do bem penhorado, quanto ao facto de o agente de execução ter graduado a parte dos juros compulsórios devidos ao Estado antes do crédito exequendo.
Sustenta a exequente que o Estado não reclamou créditos e, por isso, não pode ser graduado antes do crédito exequendo.
Decidindo:
Uma vez que a presente execução tem como título executivo uma sentença condenatória em pagamento de quantia certa, ao valor da quantia que decorre do título devem acrescer juros compulsórios à taxa de 5 %, a contar do trânsito em julgado, revertendo 2,5% a favor do Estado, como decorre do disposto no art. 829.º-A, n.º 4, do CC.
Ora, não estando em causa que são efetivamente devidos juros compulsórios ao Estado e que, por isso, este é deles seu credor, a questão que se coloca é a de saber: se o pagamento exige reclamação expressa do Estado e, em caso negativo, quando e em que circunstâncias esse pagamento deve ocorrer, se no momento em que exista produto de penhora adequado a que seja efetuado algum pagamento ao exequente ou se, apenas, quando estiver liquidada toda a dívida exequenda.
Como ponto de partida, importa atentar que, como vem sendo jurisprudência tendencialmente uniforme, a obrigação de pagamento dos juros compulsórios devidos ao Estado não depende de os mesmos serem requeridos pelo exequente (particular), não estando a cobrança dos mesmos na sua disponibilidade, tanto mais que não é o seu credor (o exequente apenas é credor de 50% dos juros compulsórios devidos pelo executado), sendo que também não depende de reclamação prévia expressa do Estado – neste sentido, entre outros, Ac. RG de 11.05.2017, proc. 90/14.9TBVFL, em www.dgsi.pt -, cabendo ao agente de execução liquidar tais juros, nos termos do art. 716.º, n.ºs 2 e 3, do NCPC.
Por outro lado, importa não confundir a sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 1 do art. 829.º-A do CC - a qual, de facto, tem de constar do título executivo, podendo apenas ser aplicada no processo executivo para prestação de facto infungível, nos termos do art. 868.º do NCPC -, com os juros compulsórios previstos como automaticamente devidos, nos termos do n.º 4 do aludido art. 829.º-A do CC, sendo que, como se disse, estes são automaticamente devidos, mesmo que não constem expressamente previstos na sentença e ainda que o exequente/credor particular não os peticione expressamente no requerimento executivo, pelo menos na parte que respeita ao Estado (cfr. arts. 703.º, n.º 2, e 716.º, n.ºs 2 e 3, do NCPC).
Isto posto, nesta sequência, o pagamento dos juros compulsórios ao Estado deve ocorrer no decurso do processo, sempre que seja apurado algum montante para entrega ao exequente, uma vez que os juros compulsórios se vão vencendo ao longo do processo e, aliás, como resulta das regras da imputação do cumprimento, a indemnização pela mora e os juros têm prioridade sucessiva face ao capital (cfr. art. 785.º do CC).
Assim sendo, sempre que existam valores que excedam o necessário para o pagamento das custas (que saem precípuas do produto dos bens penhorados, nos termos do art. 541.º do NCPC) ou dos credores graduados antes do crédito exequendo, deve o agente de execução reter a quantia de juros compulsórios vencidos até essa data e devidos ao Estado, entregando ao exequente apenas a metade que lhe cabe e, depois do pagamento dos juros, o capital exequendo que seja possível ainda liquidar.
Cumpre reiterar que, quanto à sanção pecuniária compulsória, prevê o art. 716.º, n.º 3, do NCPC, que o agente de execução liquide mensalmente os valores que se vão vencendo - cfr. a este propósito, entre outros, Ac. RC de 16.02.2018, proc. 681/10.7TBCTB, em www.dgsi.pt.
E, aliás, se assim é, caso o agente de execução não retenha os valores devidos ao Estado a título de juros compulsórios e os entregue (indevidamente) ao exequente, a conclusão que se extrai é a de que ocorre enriquecimento sem causa do exequente, de tal forma que os montantes que sejam recebidos pelo exequente e que deveriam ter sito retidos para entregar ao Estado devem ser restituídos. Tal não significa que o responsável pelo pagamento dos juros seja o exequente, pois continua a caber tal responsabilidade ao executado, tanto mais os montantes cuja restituição se exige ao exequente são valores penhorados/cobrados ao executado, nunca, por natureza, os excedendo, salientando-se que, dos juros compulsórios liquidados, apenas metade cabem ao Estado.
Acresce que o raciocínio exposto vale independentemente de a aquisição dos bens penhorados ser concretizada por terceiro, com depósito do preço, ou pelo exequente, com dispensa do depósito do preço, ao abrigo do art. 815.º do NCPC. Neste último caso, o que sucede é que a dispensa do depósito do preço não pode abranger, quer as custas devidas (art. 541.º do NCPC), quer os valores que sejam devidos a credores graduados antes do exequente, quer, por identidade de razão, a valores que sejam devidos, na devida proporção, a credores com direito a receber o crédito em paridade com o exequente, como resulta do art. 815.º, n.º 1, do NCPC. Ora, ainda que por interpretação extensiva, é exatamente neste último grupo que se insere a relação entre o exequente e o credor Estado pelos juros compulsórios devidos a ambas as partes, reiterando-se que qualquer imputação de pagamento coercivo que ocorra na execução inicia-se sempre pelos juros (quando em confronto com o capital exequendo).
Em suma, sendo o Estado e o exequente credores, em paridade, quanto aos juros compulsórios e sendo estes pagos antes do capital, conjugado com o facto de a liquidação dos juros compulsórios devidos ao Estado ser automaticamente realizada pelo agente de execução, sem necessidade de pedido expresso do Estado, é correta a graduação efetuada pelo agente de execução, no sentido de reter a metade dos juros compulsórios devidos ao Estado, antes de pagar o crédito exequendo.
Assim sendo, não assiste razão à exequente.
Nestes termos, julga-se improcedente a reclamação.
Custas do incidente pela exequente, com taxa de justiça que se fixa em 1 UC (art. 7.º, n.º 4, do RCP, e tabela II anexa).
Notifique.”.
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Não se conformando com a decisão proferida, a recorrente B…, S.A. veio interpor o presente recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:

“I. O presente recurso vem interposto da decisão que julgou improcedente a reclamação deduzida pela exequente contra a Nota Discriminativa (conta) do agente de execução.

II. A exequente insurgiu-se contra o facto de a agente de execução a ter prejudicado na distribuição do valor do produto da venda do imóvel penhorado ao satisfazer a sanção pecuniária a favor só do Estado antes de ter satisfeito o crédito da credora/exequente.

III. Deveria ter sido ao contrário, ou seja, primeiro deveria pagar ao exequente o seu crédito, a começar pelos juros de mora (indemnização) e, eventualmente, o capital, e só se sobejasse alguma quantia então distribuí-la em partes iguais pela credora/exequente e o Estado, a título de Sanção pecuniária.

IV. Ao indeferir a reclamação deduzida contra a conta elaborada pela agente de execução, a decisão ora impugnada fez errada interpretação do direito aplicável ao caso e, consequentemente, errada aplicação do mesmo.

V. Ao contrário do que parece dar a entender o M. Juiz «a quo», os “juros compulsórios” previstos pelo art. 829º-A/4 do Código Civil (CC) consubstanciam uma verdadeira sanção.

VI. Não se confundindo, nem tendo natureza dos juros moratórios/indemnização devidos pelo devedor ao credor e cuja fonte dessa obrigação radica no art. 806º/1 do CC.

VII. Assim, sendo como é, constitui um grave erro interpretativo considerar que «os juros compulsórios», que sendo na verdade uma sanção legal que visa punir o devedor por desrespeito ao tribunal, tendo como fonte legal, o art. 829º-A/3 e 4 do Código Civil, estão abrangidos pela previsão da norma do n.º 1 do artigo 785.º do Código Civil,

VIII. e como tal beneficiam da imputação aí prevista, tal qualmente os juros moratórios/indemnização devidos pelo devedor ao credor pelo crédito deste sobre aquele.

IX. Não tem qualquer fundamento legal o despacho recorrido quando sustenta que - «(…) o pagamento dos juros compulsórios ao Estado deve ocorrer no decurso do processo, sempre que seja apurado algum montante para entrega ao exequente, uma vez que os juros compulsórios se vão vencendo ao longo do processo e, aliás, como resulta das regras de imputação do cumprimento, a indemnização pela mora e os juros têm prioridade sucessiva face ao capital (cfr. art. 785º do CC)».

X. Pois, este raciocínio não tem apoio em qualquer norma, seja do Código Civil, seja do Código de Processo Civil.

XI. Naquele, a única norma que se refere a «juros compulsórios» é o art. 829º-A/4 e aí não se prevê que o pagamento dos juros compulsórios ao Estado deva ocorrer no decurso do processo, sempre que seja apurado algum montante para entrega ao exequente,

XII. sendo que tais juros, configurando uma verdadeira sanção, nunca poderiam ser acolhidos no seio da norma do nº1 do art. 785º do CC,

XIII. pois que esta norma faz parte integrante do Livro II do Código Civil e visa a regulação do «Direito Das Obrigações» e pela sua inserção sistemática nesse livro encontra-se prevista sob o Capítulo VII - «Cumprimento E Não Cumprimento Das Obrigações» e especificamente na Subsecção V - «Imputação Do Cumprimento».

XIV. O credor tem direito a ser ressarcido pelo devedor do seu crédito e é sobre esse direito que todo um livro foi pensado e criado!

XV. E assim é que esse livro regula, entre outros, o direito de obter a satisfação integral do seu crédito, se necessário através da execução do património do devedor.

XVI. E a acção executiva é o meio processual para esse fim.

XVII. O direito de obter a satisfação do seu crédito não pode ser perturbado pela aplicação de uma sanção que, aliás, foi criada precisamente para comprimir o devedor à sua rápida e espontânea satisfação.

XVIII. Portanto, o nº 1 do artº 785º do Código Civil, com vista à satisfação do cumprimento da obrigação do devedor perante o credor, prevê uma presunção de imputação de todas as quantias pagas pelo devedor ao credor pela ordem aí prevista.

XIX. Aliás, quando o nº 1 do art. 785º do CC refere «(…) sucessivamente, das despesas, da indemnização, dos juros e do capital», está evidentemente a referir-se a juros moratórios vencidos sobre o capital devido pelo devedor ao credor (cf. art. 806º/1 do CC).

XX. Como, aliás, bem anotam Antunes Varela e Pires Lima no seu Código Civil Anotado, volume II, 3ª edição revista, página 37, sobre tal normativo - «A indemnização, a seguir mencionada, é a que resulta da mora do devedor, ou seja, a referida nos artigos 804º e seguintes (…). Os juros a que se refere a lei são os juros contratuais ou legais que vence o crédito. Os juros moratórios estão compreendidos na categoria anterior [indemnização]».

XXI. Como se vê, em nenhum momento esta norma (art. 785º/1 do CC) prevê a imputação de qualquer quantia paga (ou coercivamente obtida) pelo devedor ao credor a título de «Juros Compulsórios».

XXII. No que ao Código de Processo Civil diz respeito, também não existe norma a respaldar aquele raciocínio do M. Juiz «a quo», quando refere que - «o pagamento dos juros compulsórios ao Estado deve ocorrer no decurso do processo, sempre que seja apurado algum montante para entrega ao exequente».

XXIII. Não existe nenhuma norma do Código de Processo Civil referindo a expressão «juros compulsórios»!

XXIV. E só existe uma referindo-se a sanção pecuniária compulsória – a do nº3 do art. 716º do CPC a qual refere - «Além do disposto no número anterior, o agente de execução liquida, ainda, mensalmente e no momento da cessação da aplicação da sanção pecuniária compulsória, as importâncias devidas em consequência da imposição de sanção pecuniária compulsória, notificando o executado da liquidação».

XXV. A melhor interpretação sistemática das normas aplicáveis ao Direito do Credor de ver o seu crédito integralmente pago (artigos 397º, 762º/1, 806º/1, 817º) é a que conclui, primeiro, pelo pagamento integral ao credor do seu crédito (indemnização/juros moratórios e capital) e, só depois, satisfeito o crédito, acrescerá a este pena legal imposta ao devedor (sanção pecuniária compulsória) mas que deverá ser repartida, em partes iguais, pelo credor e pelo Estado, isto se a execução encontrar bens que possam satisfazer o crédito integral e a sanção, sem esquecer, óbvia e precipuamente, as despesas da cobrança.

XXVI. Se os bens executados não tiverem forças para satisfazer tudo o que a lei manda satisfazer, então, satisfar-se-á, em primeiro lugar, as despesas motivadas pela cobrança judicial, em segundo lugar, ainda havendo forças, a indemnização/juros moratórios devidos ao credor, que deverão ser liquidados como impõe o nº 2 do art. 716º do CPC, e se não houver forças para mais ficarão por satisfazer o capital ainda em dívida ao credor e a sanção pecuniária a favor do credor e do Estado,

XXVII. porque, qualquer quantia que seja desviada para satisfação da Sanção Pecuniária sem que o crédito (juros moratórios + capital) do credor se encontre integralmente satisfeito, tal desvio consubstanciará um pagamento feito à custa do crédito do credor,

XXVIII. o que, manifestamente, contraria e viola a letra e o espírito das normas nºs 3 e 4 do art. 829º-A do CC, enriquecendo o Estado à custa do empobrecimento do credor/exequente!

XXIX. Além disso, como se alcança da Nota Discriminativa reclamada, a agente de execução pagou ao Estado metade da Sanção Pecuniária liquidada (€ 8.006,32), no valor de € 4.003,16, privilegiando-o, mas não pagou à credora/exequente a outra metade, no valor de igual montante - € 4.003,16, prejudicando-a,

XXX. tendo, assim, violado o nº 3 do art. 829º-A do Código Civil.

XXXI. A decisão recorrida ao considerar corretamente elaborada a conta reclamada, violou o disposto nos artigos 397º, 762º/1, 806º/1, 817º, 765º/1, 829º-A/3/4 do CC e art. 716º/3 do CPC.”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
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2. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar e decidir:
Das conclusões formuladas pela recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que a questão por resolver no âmbito do presente recurso consiste em saber se os juros compulsórios teriam de ser liquidados e acrescer na conta final e em que termos.
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3. Conhecendo do mérito do recurso:
Insurge-se a recorrente contra a decisão recorrida, que considerou bem elaborada a conta de custas, na qual a Sr.ª agente de execução nela incluiu os juros compulsórios devidos ao Estado no montante de € 4.003,16.
Dispõe o artigo 829°-A, nº 4, do Código Civil que "quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes também forem devidos, ou à indemnização a que houver lugar", cabendo a liquidação desse valor ao agente de execução.
Efectivamente, nos termos do artigo 716° nº 3 do Código de Processo Civil “( ... ) o agente de execução liquida, ainda, mensalmente e no momento da cessação da aplicação da sanção pecuniária compulsória, as importâncias devidas em consequência da imposição de sanção pecuniária compulsória, notificando o executado da liquidação”.
Como se decidiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 8.11.2018 (disponível em www.dgsi.pt), “A sanção pecuniária compulsória tem por objectivo não propriamente indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora, antes o de impelir o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição, da sua displicência ou mesmo negligência. A sanção pecuniária compulsória é de aplicação automática, nos casos em que tenha sido estipulado judicialmente determinado pagamento em dinheiro corrente; Na execução para pagamento de quantia certa, diversamente do que acontece na execução para prestação de facto, a secretaria procede oficiosamente, não carecendo a sanção pecuniária compulsória de ser pedida nem de ser fixada pelo juiz, pois o direito a ela constituiu-se automaticamente”.
Também no acórdão da relação de Guimarães, de 11.05.2017 (também disponível em www.dgsi.pt), se decidiu que “A sanção prevista no art°. 829°-A, nº 4 do Código Civil é classificada pela doutrina como uma sanção pecuniária compulsória legal, por ser fixada por lei e automaticamente devida; Esta sanção opera de forma automática, quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, sendo devida desde o trânsito em julgado da sentença de condenação, não carecendo, por isso, de ser fixada na sentença proferida na acção declarativa, nem de ser pedida no requerimento executivo; Decorre do disposto nos nºs 1 e 4 do art°. 829°-A do Código Civil que compete ao devedor o pagamento dos juros compulsórios, estabelecendo o art°. 716º n° 3 do NCPC que cabe ao agente de execução proceder à liquidação da quantia devida a título de juros compulsórios e notificar o executado da dita liquidação”.
A figura da sanção pecuniária compulsória foi introduzida no nosso direito civil pelo Decreto-Lei nº 263/83, de 16 de Junho, que, inspirando-se fundamentalmente no modelo francês das astreintes, aditou ao Código Civil o citado artigo 829º-A.
Com o propósito de evitar que as decisões judiciais ficassem reduzidas a "simples flatus vocis", criou-se entre nós esse instituto, a que se reconheceu "uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia", pois além de reforçar "a soberania dos Tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça", favorece - na situação prevista no seu nº 1 -, o cumprimento "das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis" (Acórdão da Relação de Lisboa de 19/12/91, Col. Jur., Ano XVI, V, 147).
A consagração da sanção pecuniária compulsória nos termos do artigo 829º-A do Código Civil constituiu, à data, autêntica inovação, como se colhe do relatório que precede o Decreto-Lei nº 262/83, de 16 de Junho: “A sanção pecuniária compulsória visa, em suma, uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis. Quando se trate de obrigações ou de simples pagamentos a efectuar em dinheiro corrente, a sanção compulsória - no pressuposto de que possa versar sobre quantia certa e determinada e, também, a partir de uma data exacta (a do trânsito em julgado) – poderá funcionar automaticamente. Adopta-se, pois, um modelo diverso para esses casos, muito similar à presunção adoptada já pelo legislador em matéria de juros, inclusive moratórios, das obrigações pecuniárias, com vantagens de segurança e certeza para o comércio jurídico.”
Daqui se evidencia, por forma clara, que a sanção pecuniária compulsória tem por objectivo não propriamente indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora, mas o de impelir o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição, da sua displicência ou mesmo negligência.
Cremos, aliás, ser hoje maioritariamente defendido pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores que a sanção pecuniária compulsória prescrita no artigo 829°-A, n° 4 do Código Civil, quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, opera ex legis, na fase executiva, sem necessidade de ser peticionada no requerimento executivo.
Defende-se que a sanção pecuniária compulsória é, por definição, um meio indirecto de pressão, destinado a induzir o devedor a cumprir a obrigação a que está adstrito e a obedecer à injunção judicial, a qual se analisa, quanto à sua natureza jurídica, numa medida coercitiva, de carácter patrimonial, seguida de sanção pecuniária na hipótese de não ser eficaz na consecução das finalidades que prossegue.
O legislador teve o cuidado de disciplinar de modo directo, fixando o seu montante (5%), ponto de partida (trânsito em julgado da sentença de condenação) e funcionamento automático. Por isso, porque prevista e disciplinada por lei, poderá qualificar-se como sanção pecuniária compulsória legal, enquanto aquela que é ordenada e fixada pelo juiz (prevista no nº 1 para as prestações de facto infungíveis) poderá chamar-se de sanção pecuniária compulsória judicial. O espírito de ambas, porém, é o mesmo: levar o devedor a encarar as coisas a sério e a não desprezar o interesse do credor e do tribunal.
Ou seja, a sanção pecuniária estabelecida no nº. 1 tem que ser aplicada pelo Tribunal, sustentada em critérios de razoabilidade, na própria sentença condenatória; a sanção pecuniária compulsória a que alude o nº. 4 do enunciado preceito é de aplicação automática, nos casos em que tenha sido estipulado judicialmente determinado pagamento em dinheiro corrente (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.4.2012, disponível em www.dgsi.pt).
Por isso, admitir a tese de que tal instituto legal estaria dependente da iniciativa do credor para poder operar, seria esvaziar de conteúdo os conceitos empregues na estatuição normativa, transformando o mesmo num instrumento vazio de conteúdo e eficácia.
Acresce que, atentas as finalidades de respeito pelas decisões judiciais, pela realização e prestígio da justiça a que está intrinsecamente associado o instituto da sanção pecuniária compulsória, tais finalidades não seriam asseguradas, caso a mesma estivesse dependente da iniciativa ou do impulso processual do credor. Acresce ainda que, revertendo o valor da sanção pecuniária compulsória de 5 %, em partes iguais para o credor e para o Estado, logo se vê que tal finalidade só pela eficácia imediata e sem qualquer condicionalismo poderá ser efectivamente atingida.
Por isso é obrigação legal do agente de execução proceder à liquidação da sanção pecuniária compulsória, nos termos do artigo 716°, n° 3 do Código de Processo Civil, o que é bem revelador do cariz automático e imediato prescrito no artigo 829°-A, nº 4, do Código Civil.
Ora, revertendo ao caso dos autos, fixada na sentença dada à execução uma determinada quantia devida pela executada, não restam dúvidas de que foi estipulado judicialmente o pagamento em dinheiro corrente, razão pela qual são devidos automaticamente juros à taxa de 5 %, desde o trânsito em julgado daquela decisão judicial até integral pagamento.
Tem sido esse, de resto, o entendimento sufragado pela vasta doutrina e jurisprudência dos nossos tribunais superiores.
Assim, na doutrina, temos, entre outros: Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. II, 3ª ed., pág. 106; Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, Almedina, 2001, pág. 995; Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, vol. II, 4ª ed., Almedina, pág. 284; Calvão da Silva, “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, edição de 1995, pág. 407; Pinto Monteiro, “Cláusula Penal e Indemnização”, pág. 112; José Lebre de Freitas, “A Acção Executiva Depois da Reforma da Reforma”, 5ª ed., Coimbra Editora, 2009, pág. 98; Amâncio Ferreira, “Curso de Processo de Execução”, 11ª ed., Almedina, 2009, pág. 128; e na Jurisprudência, temos também, entre outros, os Acórdãos do STJ de 09.05.2002, de 23-01-2003, de 18-05-2006 e de 12-04-2012; da Rel. de Lisboa de 20-06-2013; da Rel. de Guimarães de 02-05-2016, de 11-05-2017 e de 01-03-2018; da Rel. de Coimbra de 13/07/2016, de 08-11-2016, e de 16-02-2018 - todos eles disponíveis em ww.dgsi.pt.
Não se trata de executar o devedor por uma sanção pecuniária não contida no título executivo, mas de pressionar o devedor a cumprir a obrigação exequenda.
Por isso se impõe que o agente de execução, aquando da liquidação, proceda igualmente à contabilização “das importâncias devidas a título de sanção pecuniária compulsória”, nos termos do art.º 716º n.º 3 do Código de Processo Civil, sem que seja exigido que o exequente requeira e proceda à liquidação das quantias já vencidas a esse título, como o faz para os juros vencidos - art.º 716º n.º 1 do Código de Processo Civil (cfr. também neste sentido Lebre de Freitas, “A Acção Executiva, à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 6ª edição – 2014, Coimbra Editora, página 115, o qual, ao comentar o art.º 716º do actual Código de Processo Civil sustenta que “a liquidação pelo agente de execução tem também lugar no caso de sanção pecuniária compulsória e, executando-se obrigação pecuniária, a liquidação não depende de requerimento do exequente, devendo ser feita a final”).
Cremos, assim, por todo o exposto, ser de sufragar o entendimento de que a partir das alterações adjectivas civis (introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 226/2008 ao art.º 805º do antigo Código de Processo Civil, que o actual art.º 716º n.º 3 do Código do Processo Civil também contempla), ficou (ainda mais) claro não ser exigível ao exequente a dedução do pedido de pagamento da sanção pecuniária compulsória, sendo esta de funcionamento automático, sendo da responsabilidade do agente de execução a sua liquidação.
Afigura-se-nos, por isso e nesta parte, que bem andou a Srª Agente de Execução ao liquidar os juros compulsórios devidos ao Estado – cf. neste sentido acórdão da Relação de Guimarães, de 31.01.2019 publicado na base de dados da dgsi, que aqui seguimos de perto.
Pecou, todavia, ao desconsiderar os juros compulsórios devidos à Exequente em idêntica percentagem.
Cremos, pois, que por tais motivos não se pode manter integralmente a decisão recorrida.
Impõe-se, por isso, a procedência parcial da apelação.
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Sumariando em jeito de síntese conclusiva:
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4. Decisão
Nos termos supra expostos, decide-se neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar parcialmente procedente o recurso, determinando-se que sejam igualmente calculados e pagos os juros compulsórios devidos à exequente, mantendo no demais a decisão recorrida.
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Custas a cargo da apelante na proporção de 2/3.
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Notifique.

Porto, 21 de Outubro de 2021
Os Juízes Desembargadores
Paulo Dias da Silva
João Venade
Paulo Duarte Teixeira [com voto de vencido nos termos da declaração que segue:
“vencido quanto à liquidação de juros a favor do credor.
O pedido e a causa de pedir aferem-se pelos articulados e não pelas conclusões do recurso.
No requerimento inicial o exequente nunca pediu a liquidação de juros a título de sanção pecuniária compulsória, pelo que essa questão é nova, não foi apreciada pelo tribunal a quo e transcende o pedido original formulado.
Acresce que o AC do STJ de 23.2.2021, nº 708/14.3T8OAZ-A.P1.S1 (Henrique Araújo) confirmou um aresto, relatado por nós, onde a questão a decidir era se o Estado (não o credor) precisaria ou não de formular pedido para obter o pagamento dessa sanção. Logo, esse aresto está mal sumariado e não decidiu a questão destes autos, inexistindo, pois qualquer precedente válido.
Por esses dois motivos (falta de pedido e questão nova) teria de indeferir o pedido só formulado em sede de conclusões de liquidação de juros da sanção pecuniária compulsória.”.]

(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)