Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2254/09.8TMPRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FREITAS VIEIRA
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
RESIDÊNCIA HABITUAL
EXECUTORIEDADE DA DECISÃO
Nº do Documento: RP201103312254/09.8TMPRT-B.P1
Data do Acordão: 03/31/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: ALTERADA.
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Deve ser declarada a incompetência absoluta dos tribunais portugueses, por violação das regras da competência internacional, com a consequente absolvição do requerido da instância, nos termos do art.º 17.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27/11, e dos art.ºs 101.º e 105.º, n.º 1, ambos do CPC, quando a criança visada na regulação foi deslocada ilicitamente do Estado-Membro de origem para outro Estado-Membro e, neste, tenha fixado residência habitual há menos de um ano, atenta a data da propositura da acção.
II - A decisão proferida pelo tribunal do Estado de onde o menor foi deslocado e que exija o seu regresso só tem força executória no Estado-Membro requerido se for acompanhada da certidão que comprove que a criança teve oportunidade de ser ouvida, excepto se for considerada inadequada a sua audição, que as partes tiveram oportunidade de ser ouvidas e que, ao pronunciar-se sobre o regresso, teve em conta a justificação e as provas em que assentava a decisão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO Nº 2254/09.8TMPRT-B.P
Tribunal de Família e Menores
do Porto - 1º juízo, 2ª secção
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ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

Nos autos de Regulação de Responsabilidades Parentais, que corre termos do 1ª Juízo - 2ª secção, do Tribunal de Família e Menores do Porto, em que é requerente B… e requerida C…, veio esta requerer que fosse declarada a incompetência daquele tribunal, por considerar que tal competência pertencia ao tribunal da Alemanha onde o menor residia habitualmente antes da sua deslocação ilícita para Portugal, e onde aquela requerida havia intentado acção de regulação do poder paternal, a correr termos no Tribunal de Família de Dortmund, com o n.º 101 F 4490/09, na qual havia sido proferida decisão a determinar o regresso imediato do menor à Alemanha.

O requerente opôs-se a tal pretensão, sublinhando a natureza provisória da decisão do tribunal Alemão, a circunstância de o menor não ter ali sido ouvido, e os inconvenientes que para o menor representaria o seu regresso à Alemanha.

O Ministério Publico requereu por sua vez, nos termos dos arts. 3°, 4°, 7° e 12° da Convenção de Haia, de 25/1 0/80, ratificada por Portugal, conforme Decreto do Governo n° 33/83, de 11105, e Regulamento (CE) n° 2201/2003 do Conselho, de 27/11/03, decisão sobre o regresso do menor D… a Alemanha.

Na sequência deste requerimento o Sr. Juiz a quo, por despacho proferido em 11101/2010, recusou o regresso do menor com fundamento no art. 13° da Convenção de Haia, decisão que viria a ser confirmada por acórdão proferido em 10/05/2010 pelo Tribunal da Relação do Porto.

Efetuada a comunicação a que obriga o art. 11º, 6, do Regulamento (CE) no 2201/2003, do Conselho, de 27/11/03, o Tribunal Judicial de Dortmund, Vara de Família, na Alemanha, proferiu em 27/05/2010, decisão nos termos da qual "É mantida a decisão de 10/03/2010 (decretada a 11/03/2010), através da qual foi conferido à progenitora o direito de determinar a residência do menor D…, nascido a 25/06/2001, e que decretou igualmente a entrega do mesmo menor a sua mãe".
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Por requerimento de 03/09/2010 a progenitora fez juntar aos autos os pertinentes documentos e reiterou se declarasse a incompetência deste Tribunal, se declarasse a executoriedade da decisão proferida e se ordenasse o imediato regresso do menor a Alemanha.

Foi então proferido, em 20109/2010, o despacho (fls. 118/125) em que o Sr. Juiz julgou improcedente a exceção dilatória da incompetência absoluta do Tribunal de Família e Menores do Porto, e indeferiu o requerido reconhecimento da executoriedade da decisão proferida em 27/05/2010 pelo Tribunal Judicial de Dortmund, Vara de Família, na Alemanha, a determinar a entrega do mesmo menor a sua mãe.
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Desta decisão interpuseram recurso, o Ministério Público, e a requerente mãe do menor, C….
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A - O MINISTÉRIO PÚBLICO, em síntese das suas alegações de recurso, conclui:
I - Depois de considerar ilícita a deslocação do menor D…, da Alemanha, pais onde consignou também que tinha a sua residência habitual, e recusado o seu regresso com base na vontade do menor, não pode este Tribunal em decisão posterior declarar que por causa dessa deslocação adquiriu a residência habitual em Portugal, sob pena de legitimar de forma intolerável uma situação de fora levada a cabo por um dos progenitores.
II - Tendo a deslocação do menor D… sido ilícita, atento o que dispõe o art. 10° do Regulamento (CE) n° 220112003 do Conselho, de 27111/03, o Tribunal de Dortmund - Vara de Família - na Alemanha, continua a ser competente para conhecer das questões que lhe digam respeito.
III - Em consequência este Tribunal de Família e Menores do Porto não tem competência para conhecer da ação de regulação do exercido das responsabilidades parentais relativa ao menor D….
IV - Julgando improcedente a exceção de incompetência deste Tribunal violou o disposto nos arts. 8°, 2, da Constituição da Republica Portuguesa, 10° e 17° do Regulamento (CE) no 220l/2003 do Conselho, de 27/11/03, e 65°~ 1 e 101° do CPC.
V - Tendo o Tribunal de Dortmund proferido decisão, na sequência de requerimento apresentado pela progenitora em reação à decisão que em Portugal recusou o regresso do menor, e determinado a manutenção da anterior decisão, com observância dos requisitos a que alude o art. 42°,2, a), b) e c), do Regulamento, nada obsta a que se declare a executoriedade dessa decisão e em consequência se determine o regresso do menor à Alemanha.
VI - Tal pedido encontra-se instruído com os documentos legalmente exigidos, designadamente a certidão a que se refere o act. 39° do Regulamento e seu Anexo II.
VII - Não declarando a executoriedade da decisão proferida pelo Tribunal de Dortmund, violou o Mmo. Juiz o disposto nos arts. 21°, 1, e ~8(J, Ido Regulamento (CE) no 220112003 eh Conselho, de 27/11/03
VIII - Deve, em consequência, revogar-se o despacho de fls. 118/125.
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B - Por sua vez a requerente mãe do menor, C… alegou por sua vez, sustentando as seguintes CONCLUSÕES:
I - A competência do Tribunal Alemão funda-se no art. 10º do Regulamento 2201/2003 de 27.11, que estabelece que, nessa matéria, o Tribunal competente e o da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ilícita para outro Estado-Membro.
II - Alega o juiz "a quo" a "reaquisição" da residência habitual em Portugal, aquando do regresso do menor a este pais e, ainda, a exclusão de uma deslocação ou retenção ilícitas do menor, uma vez que indeferiu o regresso do menor a Alemanha.
lII - Tal despacho viola, frontalmente, o disposto nos arts. 8°, 10° e 11°, nºs. 6 e 7 do citado Regulamento.
IV - O menor não readquiriu a residência em Portugal, como habitual, com o seu regresso ilícito a Portugal. como resulta do art.º. 10º,
V - Deve, assim, e por todo o exposto, ser revogado o despacho recorrido e determinar-se a incompetência do tribunal" a quo" e a consequente absolvição da instância.
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O requerido pai do menor, D…, veio por sua vez contra-alegar, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, sustentado nas seguintes CONCLUSÕES:
A) Na sequência do douto despacho proferido nos presentes autos, em que o Mmo. Juiz "a quo" decidiu julgar improcedente a invocada excepção dilatória da incompetência absoluta do Tribunal e ainda não reconhecer a executoriedade da decisão proferida pela primeira instância do Tribunal Alemão, vieram, a Digna Procuradora do Ministério Público e a Requerida interpor recurso a que se reportam as presentes contra alegações.
8) Quanto á questão da incompetência do Tribunal Português entende o recorrido que o tribunal competente é o tribunal português, concretamente o Tribunal de Família e Menores do Porto.
C) Estamos perante um caso cuja ordem jurídica concretamente aplicável é a Portuguesa, jamais podendo o tribunal Alemão considerar-se competente nesta questão.
D) A não ser assim, e ao permitir-se o conhecimento, julgamento e decisão da questão por parte do Tribunal alemão, estaríamos sempre perante uma sentença violadora dos princípios da ordem pública do nosso Estado, por duas ordens de razão
E) A primeira prende-se com a violação clara e frontal do estatuído no artigo 57° do CC, que reconhece como competente a lei nacional dos pais enquanto elemento de conexão com a legislação Portuguesa.
F) A segunda resulta do melhor posicionamento dos tribunais Portugueses para conhecer da regulação das responsabilidades do menor D….
G) Atenta a factualidade dada como provada e constante do despacho recorrido, dúvidas não subsistem que é em Portugal que se verifica a efectiva ligação do menor e dos seus progenitores, uma vez que, é não só o país da nacionalidade de todos, mas também onde foi mais efectiva e duradoura a ligação e organização da vida do menor durante, e sublinhamos, sete dos oito anos da sua existência.
H) Como é evidente, a radicação do menor verifica-se no nosso país, pelo que caberá ao tribunal português, porque melhor colocado para apreciar a questão a tramitação de qualquer processo que ao menor diga respeito.
I) Quanto ao reconhecimento e executoriedade da sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Dortmund, em 11/03/2010, o Mmo. Tribunal "a quo" acabou por entender que não é neste processo que tal pedido de atribuição de força executória pode ser apreciado e decidido, devendo a requerida seguir a tramitação estipulada nos citados normativos do Regulamento, apresentando o pedido em causa de forma autónoma.
J) A decisão do Tribunal de Dortmund, Vara de Família, decretada a 11/03/2010, nunca chegou a transitar em julgado.
K) A decisão do Tribunal Judicial de Dortmund foi objecto de recurso pelo aqui recorrido para o tribunal Alemão de 2ª instância, concretamente, o Tribunal da Relação de Hamm, com sede em 59061 Hamm - " - 13, Heblerstr. 53, 59065 Hamm, sob os autos n° 13 WF 157/10 OLG Hamm. L) Em 06.10.2010 o Tribunal da Relação Alemão decidiu o recurso apresentado, tendo revogado a decisão do Tribunal Judicial de Dortmund cujo reconhecimento e executoriedade foi requerida pelo recorrente.
A decisão de regresso do menor D… do Tribunal Judicial de Dortmund foi revogada e objecto de substituição por outra menos penalizadora dos interesses daquele menor.
N) Perante a sentença do Tribunal da Relação de Hamm, dúvidas não subsistem que jamais o Mmo. Tribunal "a quo" poderia acolher favoravelmente a pretensão da requerida/recorrente do reconhecimento e executoriedade da decisão proferida pelo tribunal Judicial de Dortmund deduzida na 1ª instância.
O) Sem prescindir, a parte que requer o reconhecimento de uma decisão e a sua executoriedade deve apresentar os documentos descritos no artigo 37° a 45 do Regulamento.
P) A decisão relativa ao regresso da criança proferida por um Estado Membro, é reconhecida e goza de força probatória noutro Estado Membro desde que acompanhada da certidão comprovativa da força executória da decisão do Estado Membro de origem.
Q) Sendo certo que, para a emissão da referida certidão, o Juiz do Tribunal Alemão teria de utilizar o formulário constante do anexo IV do Regulamento 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro, devendo fazer constar no mesmo o trânsito em julgado da decisão, o que não foi feito.
R) No entender do recorrente andou bem o Mmo. Tribunal "a quo" ao decidir como decidiu na sentença recorrida a qual dever ser objecto de confirmação em sede do presente recurso.
TERMOS EM QUE, o presente recurso não deve ter provimento, mantendo-se a decisão recorrida, declarando o Tribunal de Família e Menores do Porto competente e confirmando o não reconhecimento e executoriedade da sentença do Tribunal Judicial de Dortmund, Vara de Família, decretado em 11.03.2010.
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O objeto do recurso é circunscrito pelas conclusões das alegações dos recorrentes, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Assim que remetidos os autos a este Tribunal da Relação, as questões submetidas à nossa apreciação se reconduzam às seguintes:
I - Se o Tribunal de Família e Menores do Porto carece de competência internacional para conhecer da acção intentada pelo progenitor para regulação das responsabilidades parentais relativamente ao filho menor, por ter procedido à deslocação ilícita desse menor para Portugal, e por tal facto , atento o que dispõe o art. 10° do Regulamento (CE) n° 2201/2003 do Conselho, de 27111/03, a competência se manter nos tribunais da Alemanha, onde o menor residia com a mãe antes de ser trazido pelo pai para Portugal.
II - Se deve ser concedida a executoriedade da decisão proferida em 27/05/2010 pelo Tribunal Judicial de Dortmund, Vara de Família, na Alemanha, nos termos da qual "É mantida a decisão de 10/03/2010 (decretada a 11/03/2010), através da qual foi conferido à progenitora o direito de determinar a residência do menor D…, nascido a 25/06/2001, e que decretou igualmente a entrega do mesmo menor a sua mãe.

Sendo que as mesmas questões são suscitada nos dois recursos interpostos, ir-se-á conhecer de ambos em simultâneo.
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A factualidade relevante a ter em conta é aquela que vem consignada como provada na decisão recorrida, desde logo por não ter sido impugnada.
Assim que devem ter-se como assentes os seguintes factos:

1 °) O menor D…, nascido em 25/0612001 é filho de B… e C… residindo esta em …, Dortmund, Alemanha;
2°)- Requerente e requerida celebraram casamento em 5 de Março de 1999, estando neste separados;
3°) - O casal e o menor sempre viveram em Portugal até ao final do ano de 2008, altura em que emigraram para a Alemanha;
4°)- O menor viveu com os progenitores no citado país e após a separação passou a viver com a mãe na morada referida em a);
5°)- Em meados de Setembro o progenitor regressou a Portugal trazendo consigo o menor sem o consentimento da mãe estando a residir com este na Rua …, …, …, Valongo.
6°)- O Ministério Público junto deste tribunal veio por petição entrada neste tribunal em 19/11/2009, cujos autos a estes se encontram apensos, requerer o regresso imediato do menor B…, por o mesmo ter sido ilicitamente deslocado para este país;
7°)- Ouvido o menor este declarou não querer regressar a Alemanha afirmando não gostar da escola nem de estar nesse país, embora tenha saudades da mãe;
8°)- O D…o frequenta o 1 ° ano de escolaridade na Escola …, encontrando-se integrado na turma e interagindo de forma adequada com colegas e adultos, sendo embora uma criança tímida, introvertida e com algumas dificuldades em se expressar.
9°)- Por decisão de 10/01/2010 proferido nos autos respectivos determinou-se o não regresso do menor;
10º)- Interposto recurso dessa decisão, pelo Tribunal da Relação do Porto em 10/05/2010 foi proferido acórdão que lhe negou provimento, confirmando a decisão recorrida;
11°)- A requerida instaurou no Tribunal Judicial de Dortmund (Alemanha) na Vara de Família acção de regulação do poder paternal onde aí corre termos com o nº 101 F 4490/09;
12°)- Nessa acção foi proferida a decisão provisória datada de 10-03-2010, cuja certidão e respectiva tradução se encontra a fols. 67 e seguintes dos autos, e que ordena que o pai, ou qualquer outra pessoa que tenha a seu cuidado menor, o restitua de imediato à mãe.
13º)- Efetuada a comunicação a que obriga o art. 11º, 6, do Regulamento (CE) no 2201/2003, do Conselho, de 27/11/03, o Tribunal Judicial de Dortmund, Vara de Família, na Alemanha, proferiu em 27/05/2010, decisão nos termos da qual "É mantida a decisão de 10/03/2010 (decretada a 11/03/2010), através da qual foi conferido à progenitora o direito de determinar a residência do menor D…, nascido a 25/06/2001, e que decretou igualmente a entrega do mesmo menor a sua mãe".

Vejamos.
Estamos em sede de competência absoluta, uma vez que está em causa a competência internacional do tribunal recorrido - artº 101º do CPC.
O Artº 65º do CPC, ao regular a competência internacional dos tribunais portugueses, salvaguarda o estabelecido em tratados, convenções e regulamentos comunitários.
O que bem se compreende uma vez que, por força do disposto no artº 8º da CRP, as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial - nº2 -. e as normas dos tratados que regem a União Europeia e as emanadas das suas instituições, são directamente aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito comunitário, ainda que com salvaguarda dos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático - nº 4, do mesmo normativo.

Sendo a Alemanha e Portugal membros da Comunidade Europeia, haverá de atender-se ao disposto no Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003 - doravante referido apenas como "Regulamento" - relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, uma vez que o mesmo tem aplicação às matérias respeitantes à atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental - artº 1º -1/a) - e se assume como instrumento jurídico comunitário vinculativo e directamente aplicável para determinar as regras relativas à competência judiciária, de forma a ultrapassar as disparidades das regras nacionais em matéria de competência judicial - artº 17º.

Este Regulamento começa por consignar, nos seus considerandos (12), que as regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade.
A competência será assim atribuída por regra aos tribunais do Estado-Membro de residência habitual da criança, excepto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental.
Isso mesmo resulta do estatuído no Artigo 8.º - 1, do Regulamento, que dispõe que " Os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.
Não define o Regulamento o que deva entender-se por residência habitual. Mas como se refere na decisão recorrida, trata-se de um conceito autónomo da legislação comunitária, independente relativamente ao que possa constar das legislações nacionais, devendo ser interpretado em conformidade com os objectivos e as finalidades do Regulamento, e que deve ser procurado caso a caso pelo juiz, mas tendo em conta, desde logo, que o adjetivo “habitual” tende a indicar uma certa duração.

O Regulamento pretende desencorajar o rapto da criança pelos progenitores entre Estados-Membros e, se tal suceder, garantir um regresso rápido da criança ao seu Estado-Membro de origem.
Assim que no seu artº 10º-1 do Regulamento, dispõe que no caso de rapto da criança, se mantém a competência do Estado-Membro onde a criança tinha residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas.
O disposto neste normativo pressupõe que a deslocação haja de facto sido ilícita. devendo considerar-se como tal - artº 2º-11 do Regulamento - a deslocação ou a retenção de uma criança, quando:
a) Viole o direito de guarda conferido por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor por força da legislação do Estado-Membro onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção; e
b) No momento da deslocação ou retenção, o direito de guarda estivesse a ser efectivamente exercido, quer conjunta, quer separadamente, ou devesse estar a sê-lo, caso não tivesse ocorrido a deslocação ou retenção. Considera-se que a guarda é exercida conjuntamente quando um dos titulares da responsabilidade parental não pode, por força de uma decisão ou por atribuição de pleno direito, decidir sobre local de residência da criança sem o consentimento do outro titular da responsabilidade parental.

No caso dos autos afigura-se manifesto que à data em que o requerente/pai, ora recorrido, trouxe o menor para Portugal inexistia ainda qualquer decisão a regular o que se refere às responsabilidades parentais, incluindo a sua guarda. O recorrido pai do menor trouxe o mesmo para Portugal em meados de Setembro (2009), e a única decisão a regular as questões relativas às responsabilidades parentais referentes ao menor é a decisão provisória proferida em 10-3-2010 pelo Tribunal Judicial de Dortmund.
Acresce que mesmo aquela decisão veio a ser revogada na sequência de recurso interposto no tribunal alemão competente.
No entanto a deslocação do menor para Portugal deve considerar-se ilícita à luz do referido artº 2º-11, do Regulamento, uma vez que quando ocorreu essa deslocação os progenitores estavam separados de facto, e a guarda estava efectivamente a ser exercida pela mãe do menor, com quem este vivia na Alemanha desde a separação do casal.

O Sr. Juiz a quo estabelece, como pressuposto do seu juízo decisório, que no caso dos autos não estaremos perante uma deslocação ilícita "… dada a decisão que indeferiu o regresso do menor à Alemanha, aceitando a sua permanência em Portugal junto do pais", sustentando que a referida decisão excluiu a permanência ilícita no país.
Cremos que este raciocínio confunde a licitude ou ilicitude da deslocação ilícita com a legitimação da permanência no país ao abrigo de fundamentada recusa do regresso da criança ao país de onde foi ilicitamente deslocada.
O facto de a permanência do menor ter sido legitimada por decisão fundamentada no disposto no artº 13º da Convenção de Haia de 1980 não significa que a deslocação tenha deixado de ser ilícita. Isso mesmo resulta do confronto com o disposto no artigo 10º-b/iii do Regulamento, o qual, regulando em matéria de situações que pressupõem exactamente a deslocação ilícita da criança, faz referência às situações em que tenha sido proferida decisão de não regresso ao abrigo do disposto no artº 13º da Convenção de Haia de 1980.

A deslocação do menor para Portugal, trazido pelo seu pai, numa altura em que , encontrando-se os progenitores separados de facto, e o menor a residir com a mãe na Alemanha, foi assim um deslocação ilícita.
E tratando-se de deslocação ilícita não tem aplicação o artº 8º do Regulamento, ao contrário do que se fez constar da decisão recorrida. Com efeito, e como reconhece o Sr. Juiz a quo, o artº 8º do Regulamento, ao estabelecer a competência dos tribunais por referência ao país onde a criança tenha a sua residência habitual à data da instauração da acção, fá-lo sob reserva do disposto nos artigos 9º, 10º, e 12º do mesmo Regulamento - cfr. art.º 8º, nº2, do Regulamento.

No entanto a deslocação ilícita do menor, só por si Não implica necessariamente - e nisso se discordo do que sustenta o Ministério Público nas suas conclusões de recurso - que estivesse afastada a competência dos tribunais portugueses para conhecer da acção proposta com vista à regulação das responsabilidades parentais relativamente ao menor.
Isso mesmo se infere do disposto no artº 10º, alíneas a) e b) do Regulamento, onde, tendo em atenção os superiores interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade, se prevêem as situações em que é reconhecida a competência do Estado-Membro para onde a criança haja sido ilicitamente deslocada.
As situações ali previstas pressupõem sempre que a criança tenha passado a ter a sua residência habitual no Estado-Membro para onde foi deslocada. Ou seja, atendendo ao conceito atrás definido, esteja a residir no país para onde foi deslocada à tempo suficiente para estabelecer laços na nova comunidade, que evidenciem a estabilidade da situação entretanto gerada.

Neste contexto, e para o que agora nos interessa, no caso das situações a que se faz alusão na alínea b) do referido artº 10º do Regulamento, exige-se que a alteração da residência habitual da criança permaneça há pelo menos um ano após a data em que a pessoa, instituição ou outro organismo, titular do direito de guarda tenha tomado ou devesse ter tomado conhecimento do paradeiro da criança, se esta se encontrar integrada no seu novo ambiente.
Assim que, no caso dos autos, não obstante a deslocação ilícita, ainda assim poderia afirmar-se a competência do tribunal recorrido se pudesse afirmar-se que criança, tendo adquirido a residência habitual em Portugal, aqui residiu durante, pelo menos, um ano após a data em que a mãe tenha tomado, ou devesse ter tomado, conhecimento do paradeiro da criança, e se verificassem cumulativamente pelo menos um dos demais requisitos constantes das subalíneas i a iv daquele artº 10º-b) do Regulamento.

Ora, o que se evidencia no caso dos autos, é que o menor veio para Portugal em meados de 2009.
E considerando o atrás referido acerca do que deva entender-se por residência habitual para efeitos da aplicação do Regulamento, pode mesmo afirmar-se que tem aqui a sua residência habitual, uma vez que aqui vive em permanência desde meados de Setembro de 2009, e aqui frequenta a escolaridade , encontrando-se integrado no meio escolar e social.
No entanto a competência deve ser verificada no momento em que a acção é instaurada cfr. artº 17º do Regulamento,
Ora a presente acção deu entrada em 2009, o que, não obstante não estar certificada a data da entrada do requerimento inicial, se pode constatar pelo número que lhe foi atribuído.
Ou seja, à data em que foi instaurada a presente acção, o menor encontrava-se a viver em Portugal à menos de um ano.
Assim que tem de concluir-se que no momento em que foi instaurada a acção inexistia qualquer circunstância em que, nos termos do artº 10º do Regulamento, pudesse estribar-se a competência internacional do tribunal de Família e Menores do Porto.

Assim que, ainda que por motivos não coincidentes na sua totalidade com os fundamentos dos recursos interpostos, devem os mesmos proceder, devendo a decisão recorrida ser revogada e declarada , nos termos do artº 17º do Regulamento, a incompetência absoluta do Tribunal de Família e Menores do Porto, por violação das regras de competência internacional - artº 101º do CPC - com a consequente absolvição da requerida da instância - artº 105º-1, do CPC.

II - Quanto ao pretendido reconhecimento da executoriedade da decisão proferida em 27/05/2010 pelo Tribunal Judicial de Dortmund, Vara de Família, na Alemanha, que decretou a entrega do mesmo menor a sua mãe.
Antes de mais cabe sublinhar que não está aqui em causa qualquer requerimento para o regresso da criança ao abrigo do regulado na Convenção de Haia de 25-10-1980, já que essa matéria foi já objeto de decisão transitada em julgado.
O que aqui está em causa é a apreciação do requerido reconhecimento de executoriedade de decisão posteriormente proferida pelo Estado de onde a criança foi deslocada, em que se exija o regresso da criança deslocada.
Isso mesmo está previsto no artº 11º-8, do Regulamento. Assim, ao mesmo tempo que se reconhece que em determinadas situações, previstas no artº 13º da Convenção de Haia, o Estado requerido possa recusar o regresso da criança, prevê-se igualmente a possibilidade de essa decisão ser substituída por decisão posterior do tribunal do Estado-Membro da residência habitual da criança antes da deslocação ou da retenção ilícitas. O tribunal de origem terá assim sempre a última palavra sobre esta questão. É isso o que se contém na previsão do artº 11º-8, do Regulamento, onde com essa finalidade se preceitua que "Não obstante uma decisão de retenção, proferida ao abrigo do artigo 13.º da Convenção da Haia de 1980, uma decisão posterior que exija o regresso da criança, proferida por um tribunal competente ao abrigo do presente regulamento, tem força executória nos termos da secção 4 do capítulo III, a fim de garantir o regresso da criança".
E na referida secção 4 do capítulo III do Regulamento, contêm-se os requisitos da força executória das decisões que assim possam vir a ser proferidas.
Assim que resulta do disposto no artº 42º-1, do Regulamento que para que à decisão que exija o regresso da criança, nos termos do n.º 8 do artigo 11.º possa gozar de força executória ali prevista, exige-se que tenha sido homologada no Estado-Membro de origem, nos termos do n.º 2 do mesmo normativo, emitindo a competente certidão, através da qual se garante que a criança teve oportunidade de ser ouvida, exceto se for considerada inadequada uma audição, que as partes tivera oportunidade de ser ouvidas, e que o tribunal, ao pronunciar-se, teve em conta a justificação e as provas em que assentava a decisão pronunciada ao abrigo do artigo 13.º da Convenção de Haia de 1980.
A decisão só terá por isso força executória no outro Estado-Membro desde que acompanhadas da certidão referida, a emitir pelo juiz de origem utilizando o formulário constante do Anexo IV na língua do processo - cfr. artº 45º do Regulamento.
Ora, como bem se salienta no despacho recorrido, não se mostrando junta a certidão nos termos referidos não pode à mesma ser reconhecida a executoriedade para efeito de ordenar o regresso do menor.
Neste particular haverão pois de improceder os recursos interpostos.

De salientar aliás que entretanto o recorrido veio juntar aos autos cópia - ainda que não autenticada - de decisão proferida na sequência de recurso interposto da decisão cuja executoriedade vem requerida, tendo o Tribunal da Relação de Hamm alterado aquela decisão no que concerne à decidida entrega do menor à mãe.

TERMOS EM QUE ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
- CONSIDERANDO PARCIALMENTE IMPROCEDENTES OS RECURSOS INTERPOSTOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO E PELA MÃE DO MENOR NO QUE CONCERNE AO PRETENDIDO REGRESSO DO MENOR PARA ENTREGA À MÃE COM BASE NA EXECUTORIEDADE DA DECISÃO PROFERIDA EM 27/05/2010 PELO TRIBUNAL JUDICIAL DE DORTMUND, VARA DE FAMÍLIA, NA ALEMANHA, CONFIRMAM NESSA PARTE A DECISÃO RECORRIDA;
- CONSIDERANDO QUANTO AO MAIS PROCEDENTES OS RECURSOS INTERPOSTOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO E PELA MÃE DO MENOR, REVOGAM A DECISÃO RECORRIDA E DECLARAM A INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO TRIBUNAL DE FAMÍLIA E MENORES DO PORTO, PARA CONHECER DA ACÃO INTENTADA COM VISTA À REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS EM QUE É REQUERENTE B… E REQUERIDA C…, POR VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE COMPETÊNCIA INTERNACIONAL, ABSOLVENDO EM CONSEQUÊNCIA A REQUERIDA DA INSTÂNCIA

CUSTAS PELO RECORRIDO E PELA RECORRENTE, NA AÇÃO E NOS RECURSOS, NA PROPORÇÃO DE 4/5 E 1/5 RESPECTIVAMENTE, NÃO HAVENDO CUSTAS NO QUE CONCERNE AO MINISTÉRIO PÚBLICO POR DELAS ESTAR ISENTO.

Porto, 31-3-2011
Evaristo José Freitas Vieira
José da Cruz Pereira
Manuel Lopes Madeira Pinto