Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANTÓNIO LUÍS CARVALHÃO | ||
Descritores: | EXAME PERICIAL LAUDO FUNDAMENTAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP202306054200/22.4T8MAI.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/05/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | Resultando dos elementos clínicos juntos ao processo que o quadro clínico da sinistrada estagnou em determinada data, questionando-se se esse houve alteração posterior desse estado anatómico-funcional, não se pode ter como deficientemente fundamentado o laudo dos peritos médicos que refere que da análise dos elementos clínicos não colhem nexo de causalidade com lesão posterior. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Recurso de apelação n.º 4200/22.4T8MAI.P1 Origem: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho da Maia – J2 Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO Realizada tentativa de conciliação na «fase conciliatória» deste processo para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, não foi na mesma realizado acordo, por discordar a Sinistrada AA do coeficiente global de incapacidade (3%) atribuído no exame médico (singular) realizado no processo, coeficiente esse que a entidade responsável, “A..., S.A.”, aceitou. Apresentou, então, a Sinistrada requerimento com pedido de realização de junta médica, para impulso da fase contenciosa deste processo para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, conforme art.º 117º, nº 1, al. b) do Código de Processo do Trabalho. Realizado exame por junta médica, os peritos médicos consideraram, por maioria, ser de fixar IPP de 3% desde 03/08/2022, tendo o perito médico indicado pela Sinistrada consignado que não concorda que as lesões estejam consolidadas, de acordo com o exame clínico e com os últimos exames subsidiários efetuados. Após, foi proferida sentença a considerar que a Sinistrada se encontra afetada de IPP de 3%, desde 03/08/2022, e, em consequência, condenou a entidade responsável “A... – Companhia de Seguros S.A.” no pagamento à Sinistrada das seguintes quantias: i) o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no montante de € 239,59 (duzentos e trinta e nove euros e cinquenta e nove cêntimos) a partir de 03/08/2022, acrescido de juros, à taxa anual de 4%, desde o dia seguinte à data da alta, até efetivo e integral pagamento; ii) a indemnização por incapacidades temporárias no valor remanescente de € 176,92 (cento e setenta e seis euros e noventa e dois cêntimos), acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde o fim do mês em que cada uma das parcelas deveria ter sido liquidada e até efetivo e integral pagamento; iii) as despesas de transportes no valor de € 20,00 (vinte euros), acrescidas de juros de mora à taxa legal desde a data da tentativa de conciliação, 24/11/2022, até integral e efetivo pagamento. Foi fixado o valor da ação em € 3.710,27 [como ficou esclarecido no despacho de 19/04/2023]. Não se conformando com a sentença proferida, dela veio a Sinistrada interpor recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[1]: I. Analisada a sempre Douta Sentença, a Recorrente não põe aqui em questão a parte em que foi, aliás, muito Doutamente, confirmada a existência e caracterização do acidente em causa como de trabalho; as retribuições auferidas pela Sinistrada à data do acidente; a transferência da responsabilidade da entidade patronal para a Seguradora; as quantias recebidas a título de indemnização relativa a incapacidades temporárias e as quantias despendidas em transportes; II. Circunscrevendo-se, assim, o objeto do presente recurso à seguinte matéria: a) A Sinistrada e a Seguradora na Tentativa de Conciliação aceitaram a existência e caracterização do acidente como de trabalho, aceitaram o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente; b) A resposta aos quesitos e respetiva fundamentação; c) Não admissão do nexo de causalidade entre a rotura meniscal documentada na RMN em Dezembro de 2022 e o acidente de trabalho, objeto dos presentes autos; d) A falta de fundamentação da sempre Douta Sentença e o motivo que levou o Tribunal a quo a não requerer elementos técnicos de prova. III. No Auto de Exame por Junta Médica, os Senhores Peritos não respondem de forma cabal aos quesitos. IV. Os Senhores Peritos não justificam a razão pela qual parte das lesões/sequelas não têm relação com o acidente. V. Não requerem, nem referem em que exames complementares se basearam para a justificar a conclusão a que chegaram. VI. O Auto de Exame por junta Médica não está devidamente fundamentado. VII. A Apelante discorda da douta Sentença seja em matéria de facto e de direito. VIII. Na sua, aliás, sempre Douta Sentença, não se encontra devidamente fundamentado o motivo que levou o Tribunal a quo a não requerer elementos técnicos de prova, a fim de averiguar o nexo de causalidade entre o evento e a rotura meniscal documentada em se de RMN datada de dezembro de 2022; IX. Havendo uma vinculação temática entre o nexo causal, as lesões e acidente, mesmo que se entendesse não concordar com a referida vinculação temática, sempre deveria por precaução processual estar o Tribunal a quo na posse de todas as possibilidades interpretativas para uma ponderação do juízo decisório. X. A Recorrente discorda quanto à IPP de 3% que aqueles peritos atribuíram e confirmada na Douta Sentença. XI. Deveria constar dos Factos Provados o relatório que considerou a necessidade da Sinistrada ser operada, tendo este apenas sido excluído pela junta médica em termos de nexo de causalidade e, consequente, prejudicado a possibilidade de alteração de IPP. XII. A exclusão do nexo causal da lesão (instabilidade do joelho esquerdo e rotura meniscal) com o acidente, para além de não ser tema de avaliação não está minimamente fundamentada. XIII. A força probatória das perícias por juntas médicas é valorada livremente pelo juiz segundo a sua livre convicção (489º CPC e 389º CC), não tendo força probatória vinculada. XIV. É certo que, sendo elaboradas por alguém que detém especiais conhecimentos técnicos, para delas divergir deve o juiz ter motivo justificado. XV. O Senhor Juiz a quo limitou-se a invocar o argumento do parecer maioritário dos peritos, o que no caso, face ao exposto, não se afigura bastante. XVI. A deficiência da fundamentação, além da insuficiência de per si, também se afere pela maior ou menor complexidade da questão, pela divergência relativamente a anteriores opiniões técnicas aparentemente habilitadas e desinteressadas e pela abundância ou ausência de outros meios probatórios. XVII. As provas que impunham decisão diversa da recorrida são todos os relatórios médicos juntos aos autos. XVIII. Encontra-se incorretamente julgada a matéria de facto e inadequada aplicação do direito. XIX. O presente recurso versa sobre matéria de facto e de direito, pois não concorda a aqui Recorrente com o teor da douta decisão proferida pelo Tribunal a quo. Termina dizendo que, alterando a matéria de facto e aplicando-lhe o Direito, deve ser declarada nula a sentença recorrida, com todas as consequências legais. Não foi apresentada resposta. Foi proferido despacho a mandar subir o recurso de apelação, imediatamente, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo. O Sr. Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal da Relação, emitiu parecer (art.º 87º, nº 3 do Código de Processo do Trabalho), pronunciando-se no sentido de o recurso ser rejeitado quanto à impugnação da matéria de facto e de não obter provimento. A Recorrente apresentou resposta em que refere, em resumo, que foram devidamente observados os requisitos do ónus da impugnação a que alude o art.º 640º do Código de Processo Civil, mas admitindo que não foram indicadas nas “conclusões” (mas tão somente nas “alegações”) as normas jurídicas violadas, tal como impõe a al. a) do n.º 2 do art.º 639º do Código de Processo Civil, o relator deve convidar a Recorrente a completá-las ou esclarecê-las, ao abrigo do disposto no n.º 3 dessa disposição legal. Procedeu-se a exame preliminar, entendendo o relator não se justificar para convite a aperfeiçoamento. Foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência. Cumpre apreciar e decidir. * FUNDAMENTAÇÃOConforme vem sendo entendimento uniforme, e como se extrai do nº 3 do art.º 635º do Código de Processo Civil (cfr. também os art.ºs 637º, nº 2, 1ª parte, 639º, nºs 1 a 3, e 635º, nº 4 do Código de Processo Civil – todos aplicáveis por força do art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho), o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada[2], sem prejuízo, naturalmente, das questões de conhecimento oficioso. Assim, aquilo que importa apreciar e decidir neste caso é saber se o tribunal a quo errou ao considerar o laudo da junta médica para dar como provado que a Sinistrada ficou afetada de IPP de 3%, desde 03/08/2022, e antes deveria ser considerado que a Sinistrada não teve alta, necessitando de se submeter a intervenção cirúrgica. * Porque tem interesse para a decisão do recurso, desde já se consignam os factos dados como PROVADOS na sentença de 1ª instância, objeto de recurso, e que foram os seguintes:1) Na existência e caracterização do acidente em causa como de trabalho (no dia 21/09/2021, pelas 08h20, em ..., quando a Sinistrada se encontrava sob as ordens, direção e fiscalização de “B... Lda.”, ao empurrar uma estrutura de transporte de matéria prima, com 30 baldes de 30 kg cada um, torceu o joelho esquerdo, resultando-lhe uma entorse do LCA do joelho esquerdo). 2) Na retribuição auferida pela Sinistrada à data do acidente € 11.409,06 [(€ 690,00 x 14) + (€ 110,00 x 11) + (€ 539,06 x 1)]. 3) Na transferência da responsabilidade da entidade patronal para a Seguradora, atinente ao acidente em referência, pela totalidade da remuneração referida; 4) A Sinistrada recebeu a quantia de € 5.201,28 da indemnização relativa a incapacidades temporárias, reclamando o remanescente de € 176,92 que a Seguradora aceita pagar; 5) A Sinistrada despendeu a quantia de € 20,00, em transportes referentes a diligências obrigatórias a Tribunal e ao Gabinete de Medicina Legal, que a Seguradora aceita pagar. 6) Em virtude do acidente objeto dos autos, a Sinistrada ficou afetada de IPP de 3%, desde 03/08/2022. Foi ainda consignado que “Resulta do assento de nascimento da Sinistrada junto sob a ref. datada de 09/02/2022, que a mesma nasceu a .../.../1977”. Importa também reproduzir a motivação para dar como provado o que consta do ponto 6) [o demais resultou do acordo das partes na «tentativa de conciliação»], e que foi o seguinte: Tendo em conta o parecer maioritário dos Ex.mos Senhores Peritos intervenientes na junta médica quanto à IPP, as respostas aos quesitos e respetiva fundamentação, que oportunamente notificada, não mereceu oposição das partes, bem como os demais elementos trazidos ao processo, nada há que habilite o Tribunal a discordar da conclusão a que aqueles chegaram, sendo de subscrever o grau de incapacidade arbitrado na junta médica. Com efeito, o parecer maioritário dos Srs. Peritos descrevendo as lesões do acidente [rotura do ligamento cruzado anterior do joelho esquerdo, submetida a tratamento cirúrgico sem intercorrências descritas], e as sequelas [cicatrizes cirúrgicas características, instabilidade anterior ligeira e gonalgia residual sem rigidez ou amiotrofia], logo afastaram a rotura meniscal documentada na RMN datada de dezembro de 2022, porquanto os elementos disponíveis não permitem admitir o nexo de causalidade entre o evento e aquela. Veja-se que os autos se encontram municiados de RMN ao joelho esquerdo, datadas de novembro de 2021 e junho de 2022, realizadas em momento anterior e ulterior à intervenção cirúrgica, que não documentam tal rotura. Assim, considero também provado o seguinte facto resultante da perícia colegial: ** A Recorrente discorda com a atribuição de IPP de 3%, alegando que o laudo da junta médica não é bastante para fundamentar a decisão de dar como assente o constante do ponto 6) dos factos provados, pois não está esse laudo devidamente fundamentado, porquanto “os senhores peritos não respondem de forma cabal aos quesitos”, “não justificam a razão pela qual parte das lesões/sequelas não têm relação com o acidente”.Começa por se dizer ser entendimento uniforme na jurisprudência, que, na fixação da incapacidade, o juiz não pode deixar de servir-se da prova obtida por meios periciais, isto é, quer o exame feito pela junta médica, quer o exame médico singular, sem que, porém, tal signifique que esteja vinculado ao parecer dos peritos, porque não está, já que o princípio da livre apreciação da prova lhe permite que se desvie do parecer daqueles, seja ele maioritário ou unânime. No entanto, o julgador não se substitui aos peritos médicos no seu juízo científico, não dispondo dos conhecimentos especiais necessários para o efeito, mas estando a perícia sujeita à livre apreciação do julgador – art.º 489º do Código de Processo Civil –, o mesmo aprecia criticamente o raciocínio dos peritos médicos, podendo proferir uma decisão diferente, por exemplo quanto ao grau de incapacidade, se for caso disso[3]. Com vista a apreciar a questão objeto do recurso, importa ter presente o que se foi passando no processo, pelo que se passa a expôr. O acidente de trabalho subjacente a este processo consistiu no seguinte: a Sinistrada ao empurrar uma estrutura de transporte de matéria-prima, com 30 baldes de 30 kg cada um, torceu o joelho esquerdo; sendo pacífico que como consequência resultou para a Sinistrada entorse do Ligamento Cruzado Anterior (LCA) do joelho esquerdo. Na tentativa de conciliação realizada na fase conciliatória, a única discordância foi da Sinistrada, pela qual foi dito que não aceita o grau de desvalorização fixado pelo perito médico pelo que não se concilia. Assim, as partes aceitaram, entre o mais, que como consequência resultou-lhe [para a Sinistrada] entorse do LCA do joelho esquerdo, bem como aceitaram o nexo de causalidade entre lesão e acidente [não ficou dito de forma expressa no Auto, mas está subentendido – art.º 112º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho], e essa aceitação reporta-se ao referido entorse [é o que se depreende da leitura do Auto de Tentativa de Conciliação (não conciliação), de 24/11/2022]. Convém salientar que foi porque não estava em causa a questão do nexo de causalidade, que, no caso em apreço, a fase contenciosa foi impulsionada por (simples) requerimento a solicitar a realização de junta médica, como prevê a alínea b) do nº 1 do art.º 117º do Código de Processo do Trabalho, e não com apresentação de petição inicial como prevê a alínea a) do mesmo preceito legal. Com efeito, conjugando a al. b) do nº 1 do art.º 117º com o nº 2 do art.º 138º, ambos do Código de Processo do Trabalho, resulta que a fase contenciosa tem início por requerimento com pedido de exame por junta médica se na tentativa de conciliação tiver havido discordância apenas quanto à questão da incapacidade, pelo que se estiver em causa o nexo de causalidade, somente ou juntamente com a questão da fixação da incapacidade, o sinistrado terá que lançar mão da petição inicial. Neste sentido vai, por exemplo, o acórdão desta Secção Social do TRP de 16/12/2015[4], no qual se escreveu que o nexo causal é questão essencial que não pode ser dirimida em sede de simples requerimento para perícia por junta médica, mas sim na respetiva ação especial, na qual o sinistrado poderá indicar todos os meios de prova que lhe aprouver[5]. Quer isto dizer que neste processo não foi colocada a questão do nexo de causalidade entre a lesão e o acidente. No entanto, não se pode esquecer que do nº 1 do art.º 611º do Código de Processo Civil consta que a sentença deve corresponder à situação existente no momento do encerramento da discussão em 1ª instância. Para melhor compreensão do que está em causa no recurso, temos que esclarecer que a lesão se traduz na alteração anatómica resultante de ação exógena [no caso entorse resultante do empurrar estrutura de transporte], que pode curar (i) sem sequelas ou (ii) com sequelas. Ou seja, (i) pode ter havido recuperação completa (restituição integral anatómico-funcional) ou (ii) pode o quadro clínico ter estagnado, não experimentando o estado anatómico-funcional já transformações, deixando sequelas (manifestações anatómicas, funcionais, estéticas, psíquicas e morais permanentes, que menosprezam ou modificam o património biológico dos indivíduos)[6]. No exame médico singular, realizado na fase conciliatória, analisadas as RM’s[7] do joelho esquerdo (realizadas em 23/09/2021, 11/11/2021 e 30/06/2022), foram consideradas como sequelas (no membro inferior esquerdo[8]): dois vestígios cicatriciais infracentimétricos, não recentes, localizados à direita e à esquerda da rótula, na face anterior do joelho, não dolorosos à palpação e não aderentes aos planos subjacentes; cicatriz linear, de tipo cirúrgico, não recente, com 4cm de comprimento, disposta obliquamente e localizada no terço superior da face ântero-medial da perna, dolorosa à palpação e não aderente aos planos subjacentes. Ausência de desvios axiais aparentes a nível do joelho. Sem amiotrofia significativa da coxa (diferença de perímetro, inferior a 1cm, comparativamente ao lado contralateral, medido 10cm acima do polo superior da rótula), com diminuição (4/5) da força muscular comparativamente ao lado contralateral, testada na mobilidade do joelho contra resistência. Dor à palpação da interlinha articular do joelho a nível do compartimento medial e lateral, com provas meniscais negativas. Sem sinais de instabilidade ligamentar franca do joelho, mas com ligeiro ressalto anterior. Sem limitações da mobilidade articular do joelho. Sem outras alterações aparentes ao exame objetivo realizado. Foi nesse exame considerado haver alta [por isso consolidação médico legal, a estagnação do quadro clínico acima referida] em 02/08/2022, sendo atribuída IPP de 3%, com enquadramento das sequelas, na TNI, no Cap. I, 12.1.2 alínea a): sequelas de lesões ligamentares ou capsulares, de grau ligeiro (laxidão anterior isolada, sem ressalto e/ou laxidão posterior isolada bem tolerada). Depois, em 26/01/2023, a Sinistrada juntou no processo o seguinte: − relatório de RM ao joelho esquerdo (datado de 22/12/2022); − relatório de radiografia do joelho esquerdo (datado de 22/12/2022); − relatório médico (datado de 28/12/2022). Em 30/01/2023 foi realizado exame por junta médica, tendo a maioria dos peritos médicos considerado que do evento em apreço resultou rotura do ligamento cruzado anterior do joelho esquerdo, submetida a tratamento cirúrgico, sem intercorrências descritas. Como sequelas resultaram as cicatrizes cirúrgica características, instabilidade anterior ligeira e gonalgia residual, sem rigidez ou amiotrofia. Os elementos disponíveis não permitem admitir o nexo de causalidade entre o evento em apreço e a rotura meniscal documentada em sede de RMN datada de dezembro de 2022, tendo confirmado o exame médico singular realizado. Pelo perito médico em minoria, foi dito que não concorda que as lesões estejam consolidadas, de acordo com o exame clínico e com os últimos exames subsidiários efetuados. Como se vê, para a maioria dos peritos médicos que tiveram intervenção na junta médica, os elementos que a Sinistrada juntou em 26/01/2023 em nada alteram a apreciação feita no exame médico singular, pois entendem que esses elementos não permitirem admitir o nexo de causalidade entre a rotura meniscal aí evidenciada e o evento/sinistro, enquanto que o outro perito médico, com esses elementos entretanto realizados e juntos, discorda com a concessão da alta em 02/08/2022, entendendo que ainda não foi alcançada a consolidação médico-legal, a estagnação do quadro clínico acima referida. Ora, do exposto resulta claro, segundo nos parece, que a questão não se põe em termos de saber se é de fixar a alta em 02/08/2022 ou não, sendo cristalino ser de fixar a alta nessa data, pois os elementos que a Sinistrada juntou em 26/01/2023 não o contrariam. Na verdade, alcançada que foi a consolidação médico-legal nessa data, tudo está em saber se após essa data houve um agravamento (exacerbação de sequela ou enfermidade) [9], mais propriamente se após a alta ocorreu rotura meniscal que tenha nexo de causalidade com o evento/sinistro acima referido, e assim sendo, tendo presente o que acima se disse, já não se encontra nenhuma incongruência no impulso da fase contenciosa por apresentação de requerimento a solicitar a realização de junta médica, pois a questão do nexo de causalidade não existia nesse momento, surgindo depois com alegado agravamento da situação clínica. Que essa rotura meniscal só terá ocorrido em momento posterior retira-se com facilidade se atentarmos nos elementos clínicos juntos ao processo. Assim, − a RM de 23/09/2021 foi realizada questionando-se “entorse do joelho esquerdo; lesão meniscal interna?”, e a resposta foi, no que agora importa, “os meniscos mantêm normal morfologia e padrão de sinal, sem inequívocas evidências de rotura”; − a RM de 11/11/2021 foi realizada sob a informação de “recidiva”, constando que “os meniscos têm normal morfologia e estrutura homogénea, não havendo sinais de rotura”; − a RM de 30/06/2022 refere “os meniscos mantêm sinal preservado, sem evidência de roturas”; − a RM de 22/12/2022 refere “menisco externo com milimétrica amputação do bordo livre do arco ântero-lateral, corpo e corno posterior, a sugerir de discreta laceração vertical longitudinal. Esboça-se, ainda, fragmento meniscal parcialmente destacado na fossa intercondiliana, laminar, com cerca de 18x4mm, localizado lateralmente aos ligamentos cruzados, compatível com discreta laceração em asa de cesto do menisco externo. Menisco remanescente sem relevantes alterações”. Refere Francisco Manuel Lucas[10], que os ligamentos cruzados juntamente com os laterais constituem um sistema articulado de quatro braços. Orientam os movimentos do fémur sobre a tíbia. A rotura de um deles modifica a cinética do joelho e transforma os movimentos harmoniosos em anárquicos e podem lesar a cartilagem e os meniscos. Ou seja, não é de excluir que em face das sequelas decorrentes do entorse venha posteriormente a ocorrer rotura meniscal, que consubstanciaria agravamento da situação clínica, e nessa hipótese haveria que fixar nova data de alta (se já ocorrida, ou aguardar a sua chegada), e eventualmente fixar novo(s) período(s) de incapacidade temporária. Abstraindo da questão de saber se deveria ter tido lugar incidente de revisão com vista a ser apreciado eventual agravamento da situação clínica da Sinistrada ou se poderia neste processo ser conhecido eventual agravamento, aqui chegados, porque não é questão posta, passamos para a questão posta pela Recorrente, relativa à fundamentação da posição dos peritos médicos que formam a maioria na junta médica, de, segundo diz, a terem fundamentado deficientemente, o que vamos aferir tendo presente o enquadramento que se fez. Como se diz no acórdão desta Secção Social do TRP de 17/12/2020[11], as respostas aos quesitos dadas pelos peritos médicos e a respetiva fundamentação, são a expressão necessária da sua intervenção no meio de prova em causa, isto é, o resultado da avaliação feita com base nos seus especiais conhecimentos médico-científicos, exige-se, para que cumpram o seu propósito, que as respostas sejam claras, suficientes e lógicas. E, como referem Teresa Magalhães, Isabel Antunes e Duarte Nuno Vieira[12], a função do perito é avaliar um dano de forma personalizada e traduzir a sua complexidade por palavras simples, para que todos os intervenientes no processo o possam apreciar sobre bases concretas e proporcionando reparação adequada. Ora, in casu os peritos médicos que formam a maioria fundamentam a sua posição na falta de nexo de causalidade, dizendo que “os elementos disponíveis não permitem admitir o nexo de causalidade”. Sem qualquer fundamentação surge a posição minoritária, que se limita a dizer não concordar que as lesões estejam consolidadas, sem esclarecer se por entender haver aquele nexo de causalidade ou por outro motivo [quando, como acima se deixou expresso, a questão não se põe em termos de saber se é de fixar a alta em 02/08/2022 ou não, mas de agravamento da situação clínica posteriormente], sendo que o “relatório médico” junto pela Sinistrada em 26/01/2023 também não o esclarece (dizendo apenas que a RM evidencia instabilidade, e daí concluiu necessitar a Sinistrada de realizar intervenção cirúrgica), donde nunca ser de o consignar como facto provado como diz a Recorrente[13] (conclusão XI). Assim, a fundamentação da posição maioritária existe e é bastante, tudo estando em saber, e aqui entramos noutra questão posta pela Recorrente (conclusão V), se se impunha o recurso a elementos complementares, ou seja, se os elementos disponíveis afinal são escassos para se fazer um juízo sobre o nexo de causalidade referido e como tal se impunha o recurso a outros. Todavia, vendo a apreciação dos peritos médicos em junta médica, que observaram a Sinistrada (tendo por isso oportunidade de realizar as manobras clínicas que fossem adequadas, tendentes a aferir da mobilidade), não se consegue descortinar que houvesse necessidade de realizar algum exame complementar[14]. Em suma, a conclusão que se retira é que a posição maioritária dos peritos que tiveram intervenção no exame por junta médica está suficientemente fundamentada, não se alcançando que se impusesse a realização de exames complementares, e como tal não merece censura o ter dado o tribunal a quo como assente que resultou para a Sinistrada a IPP de 3% reportada a 03/08/2022, não havendo factos a acrescentar àqueles que foram considerados como provados. Uma última nota para dizer que a situação deste processo é diversa da subjacente ao acórdão do TRG de 03/03/2022[15] citado pela Recorrente, pois aí, desde logo, houve atendimento em hospital sem estar junta ao processo documentação relativa a esse atendimento, tendo, por isso, surgido como necessária essa junção. Improcede, então, o recurso da Sinistrada. * Quanto a custas, havendo improcedência do recurso, as custas do mesmo ficam a cargo da Recorrente (art.º 527º do Código de Processo Civil), sem prejuízo de apoio judiciário que tenha sido concedido (cfr. requerimento de 14/12/2022).*** DECISÃOPelo exposto, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida. Custas pela Recorrente, com taxa de justiça conforme tabela I-B anexa ao RCP (cfr. art.º 7º, nº 2 do RCP), sem prejuízo de apoio judiciário que tenha sido concedido. Valor do recurso: o da ação (art.º 12º, nº 2 do RCP). Notifique e registe. (texto processado e revisto pelo relator, assinado eletronicamente) Porto, 05 de junho de 2023 António Luís Carvalhão Paula Leal de Carvalho Rui Penha ______________ [1] As transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo correção de gralhas evidentes e realces/sublinhados que no geral não se mantêm (porque interessa o texto em si), consignando-se que quanto à ortografia utilizada se adota o Novo Acordo Ortográfico. [2] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 156 e págs. 545/546 (estas no apêndice I: “recursos no processo do trabalho”). [3] Como se refere no acórdão do TRL de 27/09/2017 (consultável em www.dgsi.pt, processo nº 13534/16.6T8LSB.L1-4) as questões sobre que incide a junta médica são de natureza essencialmente técnica, estando os peritos médicos mais vocacionados para sobre elas se pronunciarem, só devendo o juiz divergir dos respetivos pareceres quando disponha de elementos seguros que lhe permitam fazê-lo. [4] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 19/14.4TUVNG.P1. [5] Também Alberto Leite Ferreira (in “Código de Processo do Trabalho Anotado”, 4ª edição, Coimbra Editora, pág. 623), referia – a propósito do art.º 141º do Código de Processo do Trabalho aprovado pelo DL nº 272-A/81, de 30 de setembro, mas com similitude ao art.º 138º do Código de Processo do Trabalho atual –, que se deverá lançar mão do requerimento se a única questão cuja solução é pedida ao tribunal se limita à determinação ou fixação da natureza ou grau de incapacidade para o trabalho. [6] Sobre os conceitos referidos, vd. Francisco Manuel Lucas (médico ortopedista e perito médico), “Avaliação das Sequelas em Direito Civil”, Gráfica de Coimbra, 2005, págs. 35/36. [7] Ressonância Magnética. [8] A referência a “direito” no Relatório é manifesto lapso. [9] Para distinção da recidiva (reaparição da enfermidade após ter sido debelada uma primeira vez) e da recaída (recomeço dos sintomas antes de atingir um estado de saúde completo), vd. Carlos Alegre, “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais – Regime Jurídico Anotado”, 2ª ed., Almedina, pág. 127. [10] In “Avaliação das Sequelas em Direito Civil”, Gráfica de Coimbra, 2005, pág. 188. [11] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 1356/18.4T8VLG.P1. [12] “A Avaliação do Dano na Pessoa no Âmbito dos Acidentes de Trabalho e a Nova Tabela de Incapacidades”, in Prontuário de Direito do Trabalho, Centro de Estudos Judiciários – Coimbra Editora, nº 83 (maio – agosto de 2009), pág. 168. [13] Não o relatório em si, que constitui meio de prova, mas o consignado pelo médico subscritor (se fosse de acolher). [14] Francisco Manuel Lucas refere [in Avaliação das Sequelas em Direito Civil”, Gráfica de Coimbra, 2005, pág. 189], exames complementares utilizados em patologias do joelho, percebendo-se que para estudo das lesões ligamentares, meniscais e cartilagem é a adequada a RM, como foi realizada no caso. [15] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 1433/19.4T8TMR.G1. |