Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | RENATO BARROSO | ||
Descritores: | MULTA CUSTAS EXECUÇÃO | ||
Nº do Documento: | RP2015110438/09.2GCSJM-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 11/04/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REC PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | A ordem de pagamentos estabelecida no artº 511º CPP é exclusiva da execução de bens em processo penal, pelo que não permite que pagamentos voluntariamente efetuados para liquidação de custas em dívida sejam reportados ao pagamento da pena de multa. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Proc. 38/09.2GCSJM-A.E1 1ª Secção ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO 1. RELATÓRIO A – Decisão Recorrida No processo sumário nº 38/0912GCSJM, a correr termos no 2º Juízo Criminal do Tribunal de Santa Maria da Feira, foi o arguido B… condenado, por decisão transitada em julgado, como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 75 (setenta e cinco) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), perfazendo o montante global de € 487,50 (quatrocentos e oitenta e sete euros e cinquenta cêntimos). O arguido requereu o pagamento das custas, no valor de € 570,96 (quinhentos e setenta euros e noventa e seis cêntimos) e da multa acima referida, em prestações. Apreciado tal requerimento veio a ser deferido o pagamento faseado das custas em seis prestações mensais. O arguido efetuou o pretendido pagamento das custas, tendo a última prestação sido paga em 02/02/13. O M.P. promoveu a extinção da pena de multa por prescrição, ocorrida em 23/02/13, bem como o arquivamento dos autos, atento o pagamento integral das custas. Sobre tal promoção pronunciou-se o Tribunal a quo, através do despacho ora recorrido, e que reza do seguinte modo (transcrição): Por sentença proferida no dia 2 de Fevereiro de 2009 foi o arguido condenado na pena de 75 (setenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos), no montante global de € 487,50 (quatrocentos e oitenta e sete euros e cinquenta cêntimos). Tal decisão transitou em julgado no dia 23 de Fevereiro de 2009. Até à presente data o arguido não liquidou aquela pena de multa. Todavia, o artigo 511.° do Código de Processo Penal estabelece uma regra quanto à imputação dos pagamentos efectuados na execução, estatuindo que, em primeiro lugar, as quantias apuradas na execução servirão primacialmente para liquidação das penas de multa e coimas e só depois das custas processuais. Ora, tal regra valerá mutatis mutandis para qualquer situação em que exista dinheiro depositado no processo, o qual deverá sempre em primeiro lugar reverter para o pagamento da pena de multa. Ora, compulsada a liquidação junta de folhas 73 a 74, constata-se que o arguido pagou as custas devidas, num total de € 599,51 (€ 570,96, com os acréscimos legais do pagamento prestacional), quantia que, nos termos do citado inciso legal, terá, em primeiro lugar de ser imputada no cumprimento da pena de multa. Tal entendimento sempre sena de resto alcançado pela simples constatação da faculdade que assiste ao arguido de pagar unicamente a pena de multa, podendo (e devendo) exigir a emissão de guias em separado. Por último, diga-se apenas que com o agora expendido não bule circunstância de aquelas quantias terem sido imputadas no pagamento das custas em dívida. Por conseguinte, declaro integralmente cumprida a pena de multa em que foi o arguido B… condenado. * Notifique.Boletim ao registo criminal. * Remeta novas guias ao condenado para pagamento das custas ainda em dívida.B – Recurso Inconformado com o assim decidido, recorreu o M.P. com as seguintes conclusões (transcrição): 1 – Foram remetidas ao arguido guias autónomas para o pagamento das custas e da multa, sendo certo que o pagamento das custas ocorreu no âmbito de um plano prestacional por si requerido e deferido pelo Tribunal. 2 - Acresce que, tendo o arguido requerido o pagamento da multa em prestações, tal pedido não foi apreciado pelo Tribunal, por factos alheios àquele. 3 – Decorreu o prazo de prescrição da pena de multa e o arguido pagou integralmente as custas. 4 – A decisão ora proferida, ao imputar a quantia entregue a título de pagamento de custas ao cumprimento da pena de multa, frustra as expectativas do arguido, de que as custas se encontravam integralmente pagas. 5 – Das guias consta o descritivo da dívida (custas/pena de multa/multa processual), não devendo o Tribunal substituir-se à opção do arguido, sob pena de se afetar a autonomia do arguido e da estratégia de Defesa. 6 – O artigo 511.º do Código de Processo Penal, integrado no Título VI (“Da execução de bens e destino das multas”) do Livro X (“Das execuções”), é uma norma exclusiva da ação executiva para cumprimento coercivo de multas, coimas, custas e indemnizações, no âmbito do processo penal, e configura uma norma especial em relação ao artigo 541.º do Código de Processo Civil (antigo artigo 455.º), visando evitar que os pagamentos efetuados no âmbito da ação executiva sejam imputados, em primeiro lugar, ao pagamento das custas, com as consequências de um incumprimento da pena de multa, designadamente a conversão em prisão subsidiária. Deverá, assim, ser revogado o douto despacho recorrido e substituído por outro que declare prescrita a pena de multa e determine o arquivamento dos autos, conforme promovido, como é de toda a JUSTIÇA. C – Resposta ao Recurso O arguido não respondeu ao recurso. D – Tramitação subsequente Aqui recebidos, foram os autos com vista à Exma Procuradora-Geral Adjunta, que afirmou que o recurso está em condições de ser apreciado. Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência. Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir. 2. FUNDAMENTAÇÃO A – Objecto do recurso De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria) o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que aqui e pela própria natureza do recurso, não têm aplicação. Assim sendo, importa tão só apreciar se existe razão ao recorrente, quando afirma que o tribunal a quo não podia atribuir ao pagamento da multa as importâncias pagas pelo arguido a título de custas, devendo, ao invés, declarar prescrita aquela, como promovido pela 1ª instância. B – Apreciação Exposta a questão em discussão, eminentemente jurídica e que não merece, atenta a sua singeleza, particulares considerações, afigura-se-nos, com o devido respeito por opinião contrária, que a razão assiste ao recorrente. Como resulta do que atrás se escreveu, o arguido, no mesmo requerimento, solicitou o pagamento das custas e multa, no valor global de 1.058,46 € (mil cinquenta e oito euros e quarenta sei cêntimos), sendo que esta importância consiste, precisamente, na soma do valor da multa em que foi condenado (€ 487,50) com o montante das custas em dívida (€ 570, 96). O tribunal, contudo, apenas apreciou o pedido reportado ao pagamento das custas, deferindo-o e estabelecendo um plano de pagamento prestacional das custas em dívida, que aquele cumpriu. Não tendo havido decisão em tempo útil em relação ao pretendido pagamento da multa em prestações, a verdade é que o prazo prescricional da mesma já decorreu, vindo agora o tribunal recorrido imputar, nesta sede, o que pelo arguido foi pago a título de custas, ancorando-se, para tanto, no estatuído no Artº 511 do CPP, que, mutatis mutandis, julga aplicável às situações em que há dinheiro depositado nos autos, e que deverá reverter sempre e em primeiro lugar, para o pagamento da pena de multa. Não se crê, todavia que lhe assista razão. Como bem nota o recorrente, é importante não esquecer que das guias em causa «…consta o descritivo da dívida (custas/pena de multa/multa processual), não devendo o Tribunal substituir-se a tal opção, sob pena de se transformar o Direito Processual Penal num sistema de normas condescendente e paternalista, atentatório do respeito pela autonomia do arguido e da estratégia de Defesa que melhor cumpra a sua função.», razão pela qual se compreende que conclua que com esta decisão o tribunal «… frustra as expectativas do arguido, de que as custas se encontravam integralmente pagas.» O pagamento das custas processuais por um lado e da multa criminal, por outro, são, como se sabe, realidades distintas e autónomas, com guias de liquidações distintas e individualizadas, que merecem um diferente tratamento legal. Ora, o invocado Artº 511 do CPP não permite, salvo melhor interpretação, o entendimento efectuado pela instância recorrida, na medida em que o mesmo é uma norma exclusiva da acção executiva, no âmbito do processo penal, para pagamento coercivo de coimas, custas e indemnizações e tem, por isso, natureza especial relativamente ao Artº 541 do CPC. A este nível, segue-se, de perto, a doutrina já defendida no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28/11/07, proferido no Pro. 149/01.2GCPBL-A, bem como, no do Tribunal da Relação de Évora, de 10/07/10, do Proc. 469/05.7GCFAR.E1, onde se disse o seguinte: «No elenco das penas – cuja aplicação visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – integra-se a pena de multa, fixada em dias, a cada um dos quais corresponde uma quantia, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais (artigos 40.º e 47.º do Código Penal). A relevância da multa, como ocorre na generalidade das penas, pressupõe o seu efectivo cumprimento – de modo voluntário ou coercivo. A multa é paga – voluntariamente – após o trânsito em julgado da decisão que a impôs e pelo quantitativo nesta fixado, não podendo ser acrescida de quaisquer adicionais, em princípio no prazo de quinze dias a contar da notificação para o efeito – artigo 489.º do Código de Processo Penal. Sem prejuízo disso e no âmbito do cumprimento voluntário, a lei prevê que, sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não pode exceder um ano, ou permitir o pagamento em prestações, sem que a última delas possa ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação – artigo 47.º, n.º 3, do Código Penal. Ainda no âmbito do cumprimento voluntário, a requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – artigo 48.º do Código Penal. As regras relativas a tal substituição, bem como o prazo para pagamento da multa, caso aquela venha a ser indeferida, estão expressas no artigo 490.º do Código de Processo Penal. Findo o prazo de pagamento da multa ou de alguma das suas prestações sem que o pagamento esteja efectuado, procede-se à execução patrimonial; se o condenado tiver bens suficientes e desembaraçados de que o tribunal tenha conhecimento ou que ele indique no prazo de pagamento, o Ministério Público promove logo a execução, que segue os termos da execução por custas – artigos 491.º e 469.º do Código de Processo Penal. Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do n.º 1 do artigo 41.º; o condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado – artigo 49.º do Código Penal. O quadro legal que se deixou sumariamente traçado evidencia, em relação à pena de multa e respectivo cumprimento, voluntário e coercivo, a inexistência de lacuna – entendida como “uma incompleição do sistema normativo que contraria o plano deste” (Oliveira Ascensão, “O Direito, Introdução e Teoria Geral”, 2.ª edição, página 391) – seja em termos de previsão, seja em termos de estatuição. Não se confunde com a matéria antes enunciada a execução de bens e a regra que, nesse âmbito, determina a ordem dos pagamentos (artigos 510.º a 512.º do Código de Processo Penal); especificamente, o artigo 511.º estipula que, com o produto dos bens executados efectuam-se os pagamentos pela ordem seguinte: as multas penais e as coimas; a taxa de justiça; os encargos liquidados a favor do Estado e do Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, IP; os restantes encargos, proporcionalmente; as indemnizações. Em qualquer caso, acolhe-se o entendimento expendido no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28 de Novembro de 2007, disponível em www.dgsi.pt, processo 149.01.2GCPBL-A: O regime ou ordem de pagamentos inserto no artigo 511.º do Código de Processo Penal é absolutamente interdito a qualquer interpretação analógica ou integração de lacunas previstas no Código Penal, nomeadamente para suprimento de lacuna que possa ocorrer relativamente a situações em que o condenado deixe de pagar as prestações em que haja sido subdividida a pena de multa de substituição; é admissível que às penas de substituição sejam aplicadas algumas das prerrogativas ou modalidades de cumprimento estipuladas às penas de multa principais, como sejam o pagamento em prestações mas é absolutamente inadmissível que possa ser afecto o pagamento das custas do processo à pena de multa de substituição.» Assim sendo, não se aceita a perspectiva do despacho recorrido, na medida em que se baseia numa norma que é exclusiva da execução de bens instaurada em processo penal e que, nessa medida, define uma ordem dos pagamentos para tal execução, não podendo, por isso, ser interpretada analogica ou extensivamente, no sentido de permitir que pagamentos efectuados para liquidação de custas em dívida sejam reportados ao valor da multa criminal. Esta norma está pensada para uma execução em curso em sede de processo penal, com bens penhorados, em que deles decorra a existência de quantias susceptíveis de serem afectas ao pagamento de várias dívidas, situação que não é, manifestamente, a dos autos, na medida em que neles não ocorre qualquer execução, não havendo assim lugar à aplicação do invocado Artº 511 do CPP. O que com este preceito se pretende impedir, é que no âmbito de uma acção instaurada para a execução coerciva de uma multa, sejam imputados, em primeiro lugar, às custas processuais, os valores que tenham sido obtidos com o produto da venda dos bens penhorados ou tenham sido depositados no processo, e isto, para defesa do próprio arguido, na medida em que se assim não for, este corre o risco de sofrer as consequências de se considerar a multa culposamente incumprida e vê-la convertida em prisão subsidiária. In casu, o arguido limitou-se a proceder ao pagamento daquilo para o qual foi notificado, com as guias em causa a identificarem, devidamente, aquilo que assim se liquidava: as custas processuais, que foram pagas em prestações no âmbito do que, judicialmente, havia sido definido. Ora, o entendimento do tribunal recorrido, para além de violar o espírito da norma em causa e o princípio do contraditório, pois não deu oportunidade ao arguido para se pronunciar sobre o que veio a ser decidido, é, de forma clara, profundamente prejudicial ao ora recorrente, na medida em que, imputando os valores por este pagos à multa em que foi condenado, remanesce ainda por liquidar uma determinada importância a título de custas, sendo certo que o arguido, tendo pago, na íntegra, as custas que eram devidas, pode beneficiar da prescrição da multa criminal – para a qual, aparentemente, em nada contribuiu – podendo ver assim os autos arquivados, sem mais. Na verdade, tendo em conta a data do trânsito em julgado da condenação em multa do ora recorrente (23/02/09) e a inexistência conhecida de quaisquer factores suspensivos ou interruptivos, previstos nos Artsº 125 e 126, ambos do C. Penal, do prazo prescricional de quatro anos estatuído na al. d) do nº1 do Artº 122 do mesmo Código, ter-se-á que concluir que a dita pena de multa deverá ser declarada extinta por prescrição, como pretende, e bem, o recorrente. Tanto basta, sem necessidade de considerações complementares, que a simplicidade do caso não justifica, para concluir, inevitavelmente, pela procedência do recurso, na medida em que, ao não declarar a prescrição da multa em que o arguido foi condenado e ao imputar as quantias por este depositadas a título de custas no pagamento daquela, a instância recorrida violou o disposto nos Artsº 122 nsº1 al. d) e 2 do C. Penal e 511 do CPP, devendo, por isso, ser revogada, nos exactos termos solicitados pelo recorrente. 3. DECISÃO Nestes termos, decide-se dar provimento ao recurso e em consequência, altera-se o despacho recorrido, declarando-se prescrita a pena de multa em que o arguido foi condenado e determina-se o arquivamento dos autos. Sem custas. xxx Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que o presente acórdão foi integralmente revisto e elaborado pelo primeiro signatário.xxx Porto, 04 de Novembro de 2015Renato Barroso Vítor Morgado |