Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
21609/18.0T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
CONTRATO DE CRÉDITO
INCUMPRIMENTO
PROCEDIMENTO EXTRA-JUDICIAL PRÉ-EXECUTIVO
Nº do Documento: RP2019050921609/18.0T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 05/09/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º171, FLS.159-165 VRS.)
Área Temática: .
Sumário: I - Estando em causa obrigações decorrentes de contratos de crédito vigentes à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 272/2012, de 25 de Outubro, perante a situação de mora do devedor terá este de ser automaticamente integrado no PERSI, ficando sujeito à disciplina regulamentadora do referido diploma, sendo vedado à instituição de crédito o recurso às vias judiciais para obtenção da satisfação dos seus créditos antes de extinto o aludido procedimento pré-judicial.
II - Sendo a integração do devedor no PERSI e a ulterior extinção daquele procedimento condições objectivas de procedibilidade da acção executiva, a instauração desta exige a verificação das referidas condições objectivas de procedibilidade, isto é, integração do devedor no PERSI e extinção do procedimento e a sua comunicação a este em suporte duradouro (designadamente, carta ou email), recaindo sobre o exequente o ónus de o comprovar.
III - A instauração de acção executiva sem que se mostrem verificadas as referidas condições objectivas de procedibilidade gera excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 21609/18.0T8PRT-A.P1
Tribunal da Comarca do Porto
Juízo de Execução do Porto – Juiz 5.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO
1. Tendo o executado B… deduzido embargos de executado por apenso à acção executiva contra si instaurada pelo exequente Banco C…, S.A., naqueles autos de embargos foi, com data de 9.01.2019, proferido o seguinte despacho:
Por apenso aos autos de execução instaurados pelo exequente Banco C…, SA, veio o executado B…, deduzir oposição à execução e à penhora por meio de embargos de executado nos termos constantes do articulado apresentado sob a Refª 31115631, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
Porém, tal oposição, tendo sido deduzida fora de prazo, nos termos do artigo 732º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil, deverá ser liminarmente indeferida.
Com efeito, como resulta da documentação inserta na ação executiva, a referida executada foi citado em 27/11/2018, pelo que o prazo de 20 dias, previsto no artigo 728º, nº 1, do Código de Processo Civil, terminou em 17/12/2018 (ou, em 20/12/2018, com pagamento da multa, nos termos do artigo 139º, do citado diploma).
Por outro lado, o aludido executado não poderá prevalecer-se da circunstância de ter requerido benefício de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, uma vez que tal pedido, para além de estar datado de 01/01/2019, só foi documentado no processo com a apresentação do articulado de embargos de executado, pelo que, tendo em consideração o disposto no artigo 24º, nº 4, da Lei no 34/2004, de 29 de julho, o prazo para a dedução dos embargos não se interrompeu (cfr. nesse sentido, o douto acórdão da Relação do Porto de 13/07/2011, disponível na base de dados do ITIJ em http://www.dgsi.pt).
Nessa conformidade e em face de todo o exposto, nos termos dos artigos 732º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil, decide-se indeferir liminarmente a oposição à execução e à penhora por meio de embargos de executado apresentada pelo executado B…, por extemporânea.
Custas pelo embargante/executado (artigo 527º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo do que for decidido em sede de apoio judiciário.
Registe e notifique.
2. Não se conformando o referido executado/oponente com tal decisão, dela interpôs recurso para esta Relação, findando as alegações com as seguintes conclusões:
1. Não obstante a (in)tempestividade dos embargos apresentados, ainda que as mesmas não tivessem sido por aquele alegadas, o Embargante (Recorrente) dá a conhecer questões que devem ser apreciadas oficiosamente pelo Tribunal a quo.
2. Em concreto, não apreciou o tribunal a quo a insuficiência ou falta de título, bem como, a preterição de sujeição do devedor ao PERSI, que leva à absolvição da instância do ora Recorrente.
3. Impõe o artigo 10.º n.º 5 do C.P.C., que “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva”.
4. O título executivo é a base da ação executiva, a sua causa justificativa formal, sem a qual a propositura e a subsistência duma execução carecem de totalmente de sentido.
5. Além de certa e exigível, a obrigação deverá ser líquida, requisitos que o título executivo in casu não comporta.
6. Estando perante uma obrigação fracionada (prestacional) e com prazo certo, como é o caso do valor que se discute (prestações vencidas no âmbito de contratos de mutuo), é sempre necessário que a Exequente perante o executado, resolva os contratos e interpele-o para pagamento da quantia vencida em cada um deles.
7. Não o tendo feito, a quantia peticionada não se encontra vencida e, por conseguinte, é inexigível- Neste sentido, vai o AC Relação do Porto de 26-01-2016 - in www.dgsi.
8. Ora, é a interpelação a manifestação da vontade do credor em se aproveitar do benefício legal ou contratual posto à sua disposição, pois o vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda não se venceu constitui um benefício que a lei concede ao credor, não prescindindo consequentemente de interpelação ao devedor.
9. Nesse sentido vai a posição maioritária dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13/01/2005, de 27.3.2007 e de 6.2.2007, disponíveis in www.dgsi.pt e na Colectânea de Jurisprudência do Supremo, TLp. 153 e de 21/12/2004 (proc. n. 05B282 ITIJ).
10. Como se pode ler no AC STJ de 10 Maio 2007, "A ausência de automatismo no vencimento antecipado arrasta uma consequência: Só pode levar-se a cabo tal exigência -mormente através de instauração de processo executivo - depois de interpelação ao devedor para cumprir a obrigação de pagamento que então ganhou novos contornos. "
11. Concluiu-se, portanto, pela exigência de interpelação, o que nunca sucedeu.
12. E não basta à Exequente, simplesmente alegar no campo da exposição dos factos que “ o mutuário não cumpriu pontualmente as prestações do empréstimo, designadamente, não pagou a prestação que se venceu em 22.05.2017, nem as seguintes, o que determinou o vencimento imediato de toda a divida, em capital, tendo sido devidamente interpelado para o vencimento da obrigação.”, sem juntar documento comprovativo do mesmo.
13. A Exequente tem que demonstrar que exercitou o seu direito potestativo, juntando com o requerimento executivo a competente interpelação ao pagamento do montante total que fez constar da execução, por forma a tornar o título executivo exigível e assim cumpridos os requisitos do artigo 45º do CPC.
14. Assim, e pelo exposto, não se encontram preenchidos os requisitos do artigo 10º nº 5, 713º e 724, nº 1 al. h) todos do C.P.C, pelo que deverá improceder a presente ação por falta de título executivo e consequentemente absolvido o executado do pedido.
15. Desta forma, independentemente da dedução ou não de embargos de executado, a pedido ou por iniciativa oficiosa, o tribunal pode – e deve – conhecer da falta ou insuficiência do título executivo, em conformidade com o art.º 734º do CPC.
16. Nesse sentido vão os AC STJ de 30-11-2006 que consigna que “A norma inserta no art.o 820.º, n.º 1, do CPC permite que o tribunal possa conhecer oficiosamente no despacho saneador da questão da inexistência de título executivo suscitada por um dos executados nos embargos que não foram recebidos, porque extemporâneos”; - sublinhado e negrito nosso,
17. E AC STJ de 21-11-2011 (agravo n.º 2510/00 da 1.ª Secção)que declara que “actualmente, nos termos do art.º 820 do CPC, ainda que não tenham sido deduzidos embargos, pode o juiz, até ao despacho que ordene a realização da venda ou das outras diligências destinadas ao pagamento, conhecer das questões a que alude o n.º 1 do art.º 811-A do mesmo diploma, que não haja apreciado liminarmente, entre as quais a manifesta falta ou insuficiência do título”.
18. No mesmo sentido, vai o entendimento do Recorrente de que também o incumprimento da obrigação da aplicação do DL nº 272/2012, de 25 de outubro, é igualmente de conhecimento oficioso.
19. Ora, resulta do disposto no Decreto-Lei 227/12 de 25 de outubro “(...)o estabelecimento de um conjunto de medidas que refletem as melhores práticas a nível internacional que promovam a prevenção do incumprimento dos contratos de crédito e bem assim a regularização de situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante as Instituições de Crédito”.
20. No artigo 1.º do referido diploma são consagrados os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito no acompanhamento e gestão de situações de risco de incumprimento, bem como na regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários respeitantes a determinados tipos de contratos de crédito.
21. Assim, integrando o contrato realizado pelo Recorrente um contrato de crédito nos termos definidos pela al. d) do n.º 1 do artigo 2º de tal diploma, teria a Recorrida de integrar os Executados no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), uma vez que se encontravam preenchidas as condições previstas naquele diploma.
22. As instituições de crédito passaram a ter de promover um conjunto de diligências relativamente a clientes bancários em mora ou incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, tendo de integrá-los, obrigatoriamente, no chamado Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) (artigo 12.º e 14º do citado DL no 272/2012, de 25 de Outubro), “(...)no âmbito do qual devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor” (Cfr. Preâmbulo daquele diploma).
23. Pelo que, não tendo o Recorrido/Executado solicitado tal integração estava a Exequente/Recorrida, obrigada a contactar o devedor, no prazo máximo de 15 (Quinze) dias após o atraso no cumprimento da prestação e entre o 31.º dia e o 60.º dia após o incumprimento estava obrigado a inserir os devedores no PERSI,
24. Sendo a Recorrida também responsável pela comunicação da inclusão do Recorrente no modelo de negociação extra judicial do PERSI no prazo máximo de 5 (Cinco) dias após a mesma, o que claramente não se verificou no caso em concreto.
25. Encontrando-se a Recorrente, obrigada a proceder a tal integração estava-lhe assim vedada a cobrança de comissões, o recurso à via judicial para recuperação do crédito, bem como a dissolução do contrato de crédito ou a cedência do mesmo a terceiros, por aplicação do disposto no artigo 18º nº 1 al. b) do citado DL no 272/2012, pelo que a acção executiva contra o ora Recorrente não pode prosseguir.
26. Uma das garantias que é atribuída aos clientes bancários na situação comtemplada pelo Dec. Lei 227/2012 é a proibição de sobre eles serem intentadas ações judiciais, proibição esta que impende sobre o credor, para a satisfação do seu crédito, entre a data da integração do devedor no procedimento e a sua extinção – cfr. artigo 18.º, n.º 1, alínea b), – que no caso ocorre porque nem sequer se teve o procedimento por iniciado, muito menos por extinto.
27. Estamos assim, perante um incumprimento de noma imperativa, que como saliente o Ac. do TRE de 06/10/2016 “qual constitui, do ponto de vista adjetivo - com repercussões igualmente no domínio substantivo -, uma condição objetiva de procedibilidade” da própria pretensão, que deve ser enquadrada “com as necessárias adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias. E isto porque, em termos finalísticos, atendendo ao respetivo resultado, a referida falta de condição objetiva de procedibilidade conduz à absolvição da instância e não se reporta ao mérito da causa”, não sendo o vício decorrente de tal omissão sanável no âmbito da ação judicial (execução), conforme emerge com clareza e contundência da própria letra da lei (vg. arto 18º do Dec. Lei 227/2012).
28. Assim, conclui-se com o avocado AC TR Évora de 28.06.2018 (2791/17.0T8STB-C.E1) que esta é uma “exceção dilatória inominada - preterição de sujeição do devedor ao PERSI - de conhecimento oficioso, e como tal a sua invocação pela parte, ou a sua apreciação oficiosa, está subtraída ao prazo concedido para apresentação da defesa, regendo, por isso, a última parte do n.º 2 do arto 573º que descarta a aplicação do princípio da preclusão.
29. Efetivamente o regime das exceções dilatórias, quer elas sejam nominadas ou inominadas, no que respeita ao seu conhecimento oficioso só tem as exceções indicadas expressamente na lei, conforme decorre do disposto no artº 578º do CPC, sendo, por tal, na generalidade, de conhecimento oficioso.
30. Deste modo, estando em causa uma exceção dilatória inominada, o tribunal a quo podia e devia conhecer dela na sentença de que ora se recorre.
TERMOS EM QUE, E NOS DEMAIS DE DIREITO, QUE V.a (S) EX.a (S) DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE SER JULGADO PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO E, POR VIA DELE, SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA, DEVENDO, EM SUA SUBSTITUIÇÃO, SER PROFERIDO ACÓRDÃO QUE JULGUE PROCEDENTE OS PEDIDO FORMULADOS PELO AQUI RECORRENTE, FAZENDO-SE ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA!
O apelado apresentou contra-alegações, nas quais pugna pelo não provimento do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
II. OBJECTO DO RECURSO.
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelo recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar:
- se, apesar indeferida, por apresentação intempestiva, a oposição deduzida à execução e penhora, deviam oficiosamente serem conhecidas pelo tribunal recorrido as questões da falta/insuficiência de título executivo e do não cumprimento das normas imperativas do Decreto-Lei n.º 227/12, de 25 de Outubro.
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com relevância para o conhecimento do objecto do recurso mostram-se documentalmente assentes os seguintes factos:
1. A 12 de Outubro de 2018 Banco C…, S.A. instaurou acção executiva contra B… e D… com vista à cobrança coerciva da quantia global de €39.601,52.
2. Do requerimento executivo, na parte reservada a “Factos”, consta o seguinte:
O EXEQUENTE CELEBROU COM O EXECUTADO B…, EM 22.03.2000, UM CONTRATO DE MÚTUO COM HIPOTECA, NOS TERMOS DO QUAL LHE EMPRESTOU, A PRAZO, A QUANTIA DE €59.855,75 (À DATA, 12.000.000$00). A QUANTIA FOI IMEDIATAMENTE ENTREGUE AO MUTUÁRIO, QUE DELA SE CONFESSOU DEVEDOR. O EMPRÉSTIMO SERIA PAGO EM 240 PRESTAÇÕES MENSAIS E SUCESSIVAS, VENCERIA JUROS À TAXA DE 3,8% ATÉ AO DIA 30.06.2000, DATA A PARTIR DA QUAL PASSOU A VENCER JUROS À TAXA EURIBOR A SEIS MESES, ACRESCIDA DE UM SPREAD DE 1,2%, E NAS DEMAIS CONDIÇÕES CONSTANTES DO REFERIDO CONTRATO.
PARA GARANTIA DO EMPRÉSTIMO FOI CONSTITUÍDA HIPOTECA SOBRE A FRACÇÃO AUTÓNOMA DESIGNADA PELA LETRA “Y” DO PRÉDIO URBANO DESCRITO NA CONSERVATÓRIA DO REGISTO PREDIAL DE MATOSINHOS SOB O Nº 817, ADIANTE MELHOR IDENTIFICADA, BEM COMO NO TÍTULO.
ACONTECE QUE O MUTUÁRIO, PROPRIETÁRIO DA IDENTIFICADA FRACÇÃO AQUANDO DA OUTORGA DO MÚTUO, DOOU O DITO IMÓVEL À EXECUTADA D…, AQUISIÇÃO REGISTADA A FAVOR DESTA PELA AP. 1496 DE 2014/10/29 – CFR. CERTIDÃO PREDIAL QUE AO DIANTE SE JUNTA. ASSIM, A REFERIDA D… É AQUI EXECUTADA AO ABRIGO DO ARTIGO 54º, Nº 2 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, UMA VEZ QUE É A ACTUAL PROPRIETÁRIA DO IMÓVEL SOBRE O QUAL FOI CONSTITUÍDA HIPOTECA A FAVOR DO EXEQUENTE.
O MUTUÁRIO NÃO CUMPRIU PONTUALMENTE AS PRESTAÇÕES DO EMPRÉSTIMO, DESIGNADAMENTE, NÃO PAGOU A PRESTAÇÃO QUE SE VENCEU EM 22.05.2017, NEM AS SEGUINTES, O QUE DETERMINOU O VENCIMENTO IMEDIATO DE TODA A DÍVIDA, EM CAPITAL, TENDO O MESMO SIDO DEVIDAMENTE INTERPELADO PARA O VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO.
FICOU EM DÍVIDA O CAPITAL DE €11.072,86, QUANTIA A QUE ACRESCEM JUROS VENCIDOS E VINCENDOS CONTADOS DESDE 22.05.2017 ATÉ INTEGRAL PAGAMENTO, À TAXA DE €2,282% ACRESCIDA DE SOBRETAXA MORATÓRIA LEGAL DE 3%.
ACRESCE QUE,
O EXEQUENTE CELEBROU COM O EXECUTADO B…, EM 27.03.2012, UM OUTRO CONTRATO DE MÚTUO COM HIPOTECA, NOS TERMOS DO QUAL LHE EMPRESTOU, A PRAZO, A QUANTIA DE €30.000,00. A QUANTIA FOI IMEDIATAMENTE ENTREGUE AO MUTUÁRIO, QUE DELA SE CONFESSOU DEVEDOR.
O EMPRÉSTIMO SERIA PAGO EM 156 PRESTAÇÕES MENSAIS E SUCESSIVAS, VENCERIA JUROS À TAXA EURIBOR A DOZE MESES, ACRESCIDA DE UM SPREAD DE 7,25%, E NAS DEMAIS CONDIÇÕES CONSTANTES DO REFERIDO CONTRATO.
PARA GARANTIA DO EMPRÉSTIMO FOI CONSTITUÍDA HIPOTECA SOBRE A FRACÇÃO AUTÓNOMA DESIGNADA PELA LETRA “Y” DO PRÉDIO URBANO DESCRITO NA CONSERVATÓRIA DO REGISTO PREDIAL DE MATOSINHOS SOB O Nº 817, ADIANTE MELHOR IDENTIFICADA, BEM COMO NO TÍTULO.
ACONTECE QUE O MUTUÁRIO, PROPRIETÁRIO DA IDENTIFICADA FRACÇÃO AQUANDO DA OUTORGA DO MÚTUO, DOOU O DITO IMÓVEL À EXECUTADA D…, AQUISIÇÃO REGISTADA A FAVOR DESTA PELA AP. 1496 DE 2014/10/29 – CFR. CERTIDÃO PREDIAL QUE AO DIANTE SE JUNTA. ASSIM, A REFERIDA D… É AQUI EXECUTADA AO ABRIGO DO ARTIGO 54º, Nº 2 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, UMA VEZ QUE É A ACTUAL PROPRIETÁRIA DO IMÓVEL SOBRE O QUAL FOI CONSTITUÍDA HIPOTECA A FAVOR DO EXEQUENTE.
O MUTUÁRIO NÃO CUMPRIU PONTUALMENTE AS PRESTAÇÕES DO EMPRÉSTIMO, DESIGNADAMENTE, NÃO PAGOU A PRESTAÇÃO QUE SE VENCEU EM 02.06.2017, NEM AS SEGUINTES, O QUE DETERMINOU O VENCIMENTO IMEDIATO DE TODA A DÍVIDA, EM CAPITAL, TENDO O MESMO SIDO DEVIDAMENTE INTERPELADO PARA O VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO.
FICOU EM DÍVIDA O CAPITAL DE €21.273,81, QUANTIA A QUE ACRESCEM JUROS VENCIDOS E VINCENDOS CONTADOS DESDE 02.06.2017 ATÉ INTEGRAL PAGAMENTO, À TAXA DE €7,140% ACRESCIDA DE SOBRETAXA MORATÓRIA LEGAL DE 3% E DO RESPECTIVO IMPOSTO DE SELO.
A DÍVIDA É CERTA, LÍQUIDA E EXIGÍVEL E ESTÁ SUFICIENTEMENTE TITULADA.
3. Com o requerimento executivo juntou cópia certificada de dois contratos celebrados com o executado B…: o contrato n.º …………, com data de 22 de Março de 2000 e o contrato denominado “mútuo com hipoteca”, com data de 27 de Março de 2012.
4. Consta deste último – cláusula décima quarta, número dois – que “...o não pagamento de uma prestação do empréstimo na data do seu vencimento confere desde logo ao “Banco” o direito de considerar vencidas todas as outras, independentemente de qualquer prazo, pôr termo ao contrato e exigir o integral reembolso daquilo que lhe for devido por força do mesmo, promovendo a sua imediata execução judicial”.
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Pretendeu o executado reagir contra a acção executiva contra ele instaurada socorrendo-se, para o efeito, de embargos de executado.
A oposição deduzida através do referido meio processual viria, no entanto, a ser indeferida liminarmente por deduzida intempestivamente.
Reage agora o executado, por via recursiva, contra a decisão de indeferimento de embargos, não por considerar que a oposição à execução foi deduzida atempadamente, mas antes por entender que, independentemente de terem os embargos sido apresentados fora do prazo legal, e mesmo que não fossem sequer deduzidos, sempre o tribunal recorrido devia ter apreciado, por serem de conhecimento oficioso, as questões da falta/insuficiência do título executivo e ainda do não cumprimento pelo exequente das normas do Decreto-Lei n.º 227/12, de 25 de Outubro.
Vejamos, assim, se, apesar de indeferidos os embargos, devia o tribunal ter conhecido de tais questões.
1. Da exequibilidade dos títulos.
A acção executiva funda-se necessariamente num título, do qual depende a exequibilidade da obrigação exequenda.
Como prescreve actualmente o n.º 5 do artigo 10.º do Código de Processo Civil- que reproduz o artigo 45.º do anterior diploma, “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determina o fim e os limites da acção executiva”.
Esclarece Lebre de Freitas[1]: “para que possa ter lugar a realização coactiva duma prestação devida (ou do seu equivalente), há que satisfazer dois tipos de condição, dos quais depende a exequibilidade do direito à prestação:
a) O dever de prestar deve constar dum título: o título executivo. Trata-se dum pressuposto de carácter formal, que extrinsecamente condiciona a exequibilidade do direito (…), na medida em que lhe confere o grau de certeza que o sistema reputa suficiente para a admissibilidade da acção executiva.
b) A prestação deve mostrar-se certa, exigível e líquida (…). Certeza, exigibilidade e liquidez são pressupostos de carácter material que intrinsecamente condicionam a exequibilidade do direito, na medida em que sem eles não é admissível a satisfação coactiva da pretensão”.
A existência de título executivo, de onde resulte a certeza, exigibilidade e liquidez da prestação exequenda é, pois, condição de procedibilidade da acção executiva.
Sustenta o recorrente, fundamentando assim a insuficiência do título, que estando em causa uma obrigação fraccionada e com prazo certo, como a que resulta dos contratos de mútuo celebrados, seria necessário que o exequente resolvesse cada um daqueles contratos e o tivesse interpelado, relativamente a cada um deles, para proceder ao pagamento. Não o tendo feito, a quantia exequenda não se encontra vencida, sendo, por conseguinte inexigível.
A circunstância, porém, de no contrato de mútuo de 27 de Março de 2012 ter sido acordado entre mutuante e mutuário que a falta de pagamento de uma prestação implica o vencimento automático das restantes prestações em dívida, dispensava, quanto a ele, qualquer interpelação.
E não prevendo o contrato de 22 de Março de 2000 estipulação similar, sempre é certo que o exequente alega no requerimento executivo ter sido o mutuário “devidamente interpelado para o vencimento da obrigação”, facto que veio a demonstrar em sede de recurso, juntando com as contra-alegações cópia da carta/interpelação remetida ao executado e aviso de recepção por este assinado.
Por conseguinte, existe os títulos apresentados com o requerimento executivo atestam que as quantias exequendas se mostram vencidas, sendo, por conseguinte, exigíveis.
2. Do (in)cumprimento do regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/12, de 25 de Outubro.
O decreto-lei n.º 272/2012, de 25 de Outubro, em vigor desde 1 de Janeiro de 2013, veio obstar que as instituições bancárias confrontadas com situações de mora ou incumprimento relativamente a contratos de crédito pudessem imediatamente recorrer às vias judicias para obterem a satisfação dos seus créditos relativamente aos devedores que possam integrar o conceito de “consumidores”, tal como este é tratado pela Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril), visando, com isso, e através dos mecanismos nele previstos, a protecção dos que, na relação contratual da qual emergiram aqueles contratos, têm uma posição mais enfraquecida e menos protegida.
Desta forma, após a entrada em vigor do referido diploma, as instituições bancárias ficam obrigadas a promover várias diligências relativamente a clientes bancários em mora ou incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, tendo de integrá-los, obrigatoriamente, no chamado Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) (artigo 12.º e 14º do citado DL nº 272/2012, de 25 de Outubro), “no âmbito do qual devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor”[2].
De entre as situações em que a instituição de crédito terá necessariamente de iniciar o PERSI, inclui-se aquele em que “O cliente bancário se encontre em mora relativamente ao cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito e solicite, através de comunicação em suporte duradouro, a sua integração no PERSI”[3].
Como precisa o acórdão do STJ de 9.02.2017[4], “O PERSI constitui uma fase pré-judicial, em que se visa a composição do litígio por mútuo acordo, entre credor e devedor, mediante um procedimento que comporta três fases: a fase inicial; a fase de avaliação e proposta; a fase de negociação (artigos 14º, 15º e 16º).
Na fase inicial, a instituição, depois de identificar a mora do cliente, informa-o do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida, desenvolvendo diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento registado; persistindo o incumprimento, integra-o, obrigatoriamente, no PERSI entre o 31º dia e o 60º dia subsequente à data do vencimento da obrigação em causa (artigos13º e 14º nº 1).
Na fase de avaliação e proposta, a instituição de crédito procede à avaliação da situação financeira do cliente para apurar se o incumprimento é momentâneo ou tem carácter duradouro. Findas as diligências, apresenta ao cliente uma ou mais propostas de regularização do crédito adequadas à sua situação financeira e necessidades, se considerar que o mesmo tem condições para cumprir. Se a averiguação feita tiver revelado incapacidade do cliente bancário para retomar o cumprimento das suas obrigações ou regularizar o incumprimento, mesmo com recurso à renegociação do contrato ou à sua consolidação com outros contratos de crédito, comunica ao cliente o resultado da avaliação e a inviabilidade de obtenção de um acordo no âmbito do PERSI, o qual se extinguirá (artigo 17º nº 2 al. c)).
A fase da negociação tem por objectivo obter o acordo do cliente para a proposta ou uma das propostas apresentadas pela instituição de crédito com vista à regularização do incumprimento.
Durante o período que decorre entre a integração do cliente no PERSI e a extinção deste procedimento, está, nomeadamente, vedado à instituição de crédito intentar acções judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito (artigo 18º nº 1 al. b))”.
Dispõe o artigo 39.º do aludido diploma
1 - São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias.
2 - Nas situações referidas no número anterior, a instituição de crédito deve, nos 15 dias subsequentes à entrada em vigor do presente diploma, informar os clientes bancários da sua integração no PERSI, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 14.º.
No caso vertente, estando em causa obrigações decorrentes de contratos de crédito vigentes à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 272/2012, de 25 de Outubro, perante a situação de mora do mutuário teria este de ser automaticamente integrado no PERSI, ficando sujeito à disciplina regulamentadora do referido diploma, sendo à instituição bancária vedado o recurso às vias judiciais para obtenção da satisfação dos seus créditos antes de extinto o aludido procedimento pré-judicial.
Sendo a integração do devedor no PERSI e a ulterior extinção daquele procedimento condições objectivas de procedibilidade da acção executiva[5], esta só poderia ser instaurada verificadas as referidas condições, isto é, integração do mutuário devedor no PERSI e extinção do procedimento e a sua comunicação a este em suporte duradouro (designadamente, carta ou email), recaindo sobre o exequente o ónus de o comprovar[6].
Instaurada execução sem que se mostrem verificadas as aludidas condições, tal virá a redundar na verificação de uma excepção dilatória inominada ou atípica, que necessariamente desembocará na absolvição do executado da instância executiva.
Como se pode ler no acórdão da Relação de Évora de 6.10.206, “Estamos [...] perante uma excepção dilatória inominada que impedia ab initio a instauração de acção executiva para a efectiva satisfação do crédito do exequente e que implica a absolvição da instância com as consequências descritas na decisão sob censura, incluindo a comunicação ao Banco de Portugal.
Em suma, no presente caso, existe uma situação de um crédito que não é exigível, por incumprimento de norma imperativa, a qual constitui, do ponto de vista adjectivo – com repercussões igualmente no domínio substantivo –, uma condição objectiva de procedibilidade. Por analogia, na busca do lugar paralelo, este vício encaixa no regime jurídico das excepções dilatórias, embora in casu seja de natureza atípica, sendo que, apelando à filosofia, intenção e objectivos legais, o mesmo não admite o respectivo suprimento da falta de pressupostos processuais, dado que se se trata de uma irregularidade insanável e sujeita a disciplina directiva e de carácter excepcional”.
Tratando-se de excepção dilatória, ainda que inominada, a verificar-se, pode ela ser conhecida oficiosamente[7].
Do que se deixa exposto deve concluir-se que é de manter o despacho proferido a 9.01.2019, que indeferiu liminarmente os embargos de executados por terem sido intempestivamente deduzidos, sem prejuízo, no entanto, de, no âmbito da própria acção executiva, e depois de assegurado o necessário contraditório, ser oficiosamente conhecida a excepção dilatória referida.
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Síntese conclusiva:
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Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão impugnada, sem prejuízo de, no âmbito da acção executiva, após assegurado o contraditório, ser conhecida a excepção dilatória inominada decorrente da eventual não integração do executado/recorrente no PERSI e da instauração da acção executiva sem que tenha sido extinto o respectivo procedimento.
Custas: pelo apelante.

Porto, 9 de Maio de 2019
Acórdão processado informaticamente e revisto pela primeira signatária.
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
Inês Moura
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[1] “A Acção Executiva Depois da Reforma da Reforma”, 5ª ed., pág. 29.
[2] Preâmbulo do mencionado diploma.
[3] Artigo 14º nº 2, a).
[4] Processo n.º 194/13.5TBCMN-A.G1.S1, www.dgsi.pt.
[5] Neste sentido, cfr. acórdãos da Relação de Lisboa de 7.06.2018, processo n.º 144/13.9TCFUN-A-2 e da Relação de Évora de 6.10.2016, processo n.º 4956/14.8T8ENT-A.E1, ambos em www.dgsi.pt.
[6] Citado acórdão da Relação de Lisboa de 7.06.2018.
[7] Neste sentido se pronunciou expressamente o acórdão da Relação de Évora de 28.06.2018, processo n.º 2791/17.0T8STB-C.E1, www.dgsi.pt. O acórdão da Relação de Guimarães de 2.05.2016 invocado pelo apelado apenas se limita a afirmar que, tendo a questão da integração automática dos devedores no PERSI sido suscitada pela primeira vez em sede de recurso, a mesma não é de conhecimento oficioso – acabando, todavia, por dela conhecer -, e o acórdão do STJ de 9.02.2018, que sobre ele recaiu, sem concretamente responder se tal questão constitui ou não excepção dilatória inominada, acaba, no entanto, por invocar o já citado acórdão da Relação de Évora de 6.10.2016, que defende tratar-se de excepção dilatória inominada.