Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
413/18.1T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA SÁ LOPES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
EXTENSÃO DO CONCEITO
NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O ATO LESIVO E A LESÃO
QUESTÃO NOVA
Nº do Documento: RP20220117413/18.1T8PNF.P1
Data do Acordão: 01/17/2022
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – Nos termos do artº 8º, nº 1 da LAT (Lei nº 98/2009) é acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
II – Considera-se também acidente de trabalho o ocorrido no trajecto de ida para o local de trabalho ou de regresso deste; na execução de serviços espontaneamente prestados e de que possa resultar proveito económico para o empregador; ...; fora do local ou tempo de trabalho, quando verificado na execução de serviços determinados pelo empregador ou por ele consentidos – artº 9 da Lei nº 98/2009, de 4/09.
III – Para existir acidente de trabalho reparável é necessário que exista um nexo de causa e efeito (nexo de causalidade) entre o ato lesivo e a lesão corporal, presumindo-se esse nexo se a lesão for constatada no tempo e local de trabalho – artº 10º, nº 1 da LAT.
IV – Independentemente de ocorrer ou não no tempo e no local de trabalho, o que relevará fundamentalmente para que um acidente possa ser considerado como de trabalho é que o trabalhador se encontre, no momento da sua verificação, sob a autoridade da entidade empregadora, se encontre a executar um serviço ou tarefa por ela determinado”.
V – Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões já proferidas que incidam sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e não criá-las sobre matéria nova, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas, salvo aquelas que são de conhecimento oficioso.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 413/18.1T8PNF.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este Juízo do Trabalho de Penafiel - Juiz 4
Recorrente: B... , S.A
Recorrido: C...,
D…, Ldª,
E…
Relatora: Teresa Sá Lopes
1º Adjunto: Desembargador António Luís de Oliveira Carvalhão
2º Adjunto: Desembargadora Rita Romeira

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I – RELATÓRIO (transcrição, nesta parte do projeto que não obteve vencimento, na fundamentação de facto, em realce texto introduzido)
“Após, a não conciliação das partes, como decorre do “Auto de Não Conciliação”, junto aos autos, o A., C…, portador do Cartão de Cidadão n.º ……. …. e do NIF ………, residente na Rua …., .., ….-…, em Alpendorada, intentou acção emergente de acidente de trabalho, contra a R., B…, S.A.”, com sede na Avenida ….. n.º …, ….-… em Lisboa, pedindo que a acção, deve ser julgada “procedente por provada e, em consequência condenada a Ré:
a) a pagar ao Autor a pensão anual e vitalícia, que se vier a liquidar depois do resultado do exame médico a realizar por junta médica;
b) a pagar ao Autor a quantia de 7.362,34 (sete mil trezentos e sessenta e dois euros e trinta e quatro cêntimos)
c) a pagar ao Autor a quantia de €30,00 pelas deslocações ao Tribunal e ao G.M.L., tudo acrescido dos juros de mora à taxa legal de 4%, vencidos e vincendos até integral pagamento”.
Requereu e juntou para serem respondidos pelos Senhores Peritos médicos, os seguintes quesitos:
a) quais as lesões sofridas pelo Sinistrado em função do acidente ocorrido em 9 de Dezembro de 2017?
b) As lesões são suscetíveis de atribuir algum grau de incapacidade parcial permanente?
c) Se sim qual?
d) Com IPATH para a profissão habitual de motorista/maquinista?
e) Qual o período de Incapacidade temporária absoluta?
f) Existiu algum período de incapacidade temporária parcial?
g) O Sinistrado ficou a padecer de alguma sequela do foro psiquiátrico?
h) Se sim, qual?
Fundamenta o seu pedido alegando, em síntese, que é gerente (beneficiando, nessa qualidade do regime de isenção de horário) da sociedade D…, Lda., pessoa colectiva ……… – certidão permanente ….-….-…., com sede na Rua ……., …, no concelho do Marco de Canavezes, Freguesia de ….., tendo sido vítima de um acidente de trabalho, no dia 09 de Dezembro de 2017, por volta das 16:00, quando se encontrava na sede da empresa, a proceder à limpeza do terreno, utilizando para o efeito uma máquina giratória, do qual resultou amputação traumática da sua perna direita.
Mais, alega que a Entidade Patronal, D…, transferiu a responsabilidade infortunística por acidente de trabalho para a Ré através de contrato de seguro de acidentes de trabalho, tendo esta, na face conciliatória do processo, aceitado a transferência do salário de €15.733,34, mas, “Recusa qualquer responsabilidade na reparação do acidente dos autos, em virtude do mesmo ter ocorrido na execução de tarefas que não tem enquadramento na actividade segura pelo acidente de trabalho em causa, pelo que não se encontra abrangido pelas respectivas garantias. E ainda se constatou as mais elementares regras de segurança e ausência de formação para a execução da tarefa em causa, facto que também afastaria a responsabilidade da sua representada na reparação do acidente”.
Por fim, alega que a ocorrência do acidente ficou a dever-se, tão somente, às más condições climatéricas que se faziam sentir no dia em questão. – cfr. relatório de ocorrência do acidente de fls. (...): “tratando-se de trabalhos de manutenção e limpeza das instalações adjacentes à nave de produção, ao ar livre, as condições atmosféricas têm características relevantes para a ocorrência do acidente de trabalho, estando o tempo encoberto e com alguma precipitação atmosférica.”.
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Citada a Ré e o F…, veio este, nos termos que constam do requerimento junto em 27.11.2020, deduzir pedido de reembolso, contra a primeira, peticionando a condenação da mesma a pagar-lhe a quantia de €4.691,75 (quatro mil seiscentos e noventa e um euros e setenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal.
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Após, a Ré/seguradora contestou, em 04.12.2020, alegando que o acidente ocorreu na execução de tarefas que não têm enquadramento na actividade segura pelo contracto de acidente de trabalho em causa, pelo que não se encontra abrangido pelas respectivas garantias.
Mais, alega que se constatou a inobservância das mais elementares regras de segurança e ausência de formação para a execução da tarefa em causa, facto que também afastaria a sua responsabilidade na reparação do acidente.
Conclui, assim, que a acção deverá ser julgada improvada e improcedente, absolvendo-se a ré dos pedidos, com as demais consequências legais;
2. caso assim se não entenda deverá então declarar-se a entidade patronal do autor, D…, Lda., como a responsável principal pela ocorrência do acidente, e a contestante mera responsável subsidiária pela mesma, reconhecendo-se o direito de regresso daquela sobre a dita EP, sua segurada, do que vier a pagar ao autor, com as mais consequências legais.
Requereu, nos termos do artº 316º e ss. do CPC, a intervenção principal provocada passiva de D…, LDA, NIF ………, com sede na Rua ….., …, ….-… Marco de Canavezes, para se associar, como ré, à contestante e que seja a mesma citada para contestar.
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Admitida a intervenção principal provocada da Ré, D…, nos termos que constam do despacho de 18.01.2021, veio esta, aderir na íntegra ao articulado do sinistrado/A.
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Não houve outros articulados.
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Em ...02.2021, foi proferido despacho saneador e fixados os factos assentes e temas da prova.
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Realizada a audiência de discussão e julgamento, nos termos documentados nas actas datadas de ...04.20121 e ...05.2021, foi ordenada a conclusão dos autos para prolação de sentença que, proferida em ...11.2020, terminou com a seguinte Decisão:
Nesta conformidade, condeno a Ré “B…, S.A.” a pagar:
A)ao Autor, C…:
I – a pensão anual, vitalícia e actualizável, no montante de €10.698,67 (dez mil, seiscentos e noventa e oito euros e sessenta e sete cêntimos), a pagar de forma adiantada e mensalmente, até ao 3.º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, sendo os subsídios de férias e de Natal, cada um no valor de 1/14 da pensão anual, respectivamente, pagos nos meses de Junho e Novembro, pensão essa devida a partir de 11 de Agosto de 2018, acrescido de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, desde a data de vencimento de cada uma das prestações até efectivo e integral pagamento, deduzida das quantias já pagas ao A a título de pensões provisórias;
II - a quantia de €7.362,34 (sete mil, trezentos e sessenta e dois euros e trinta e quatro cêntimos) correspondente ao montante global de indemnização por via dos períodos de incapacidades temporárias que o sinistrado sofreu em consequência directa e necessária do acidente, lesões e sequelas dele emergentes, a que acresce juros de mora, a contar sobre a quantia diária de cada uma daquelas indemnizações, desde a data a que se reporta cada uma dessas quantias diárias, à taxa de 4% ao ano até integral e efectivo pagamento; e
III - a quantia de € 30 com deslocações obrigatórias a este Tribunal e ao Gabinete Médico-legal acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, a partir 04-02-2019 até integral pagamento.
B) ao interveniente F…
I - as quantias correspondentes ao subsídio de doença pago por essa entidade ao autor €4.691,75 (quatro mil seiscentos e noventa e um euros e setenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, acrescendo juros de mora, até efectivo e integral pagamento, à taxa de juro supletiva legal, após essa data.
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Custas pela R B….
Fixo o valor de processo em €148.529,19 (cento e quarenta e oito mil, quinhentos e vinte e nove euros e dezanove cêntimos)- artigo 120.º do Código de Processo do Trabalho.
Registe e notifique.”.
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Após, em ...06.2021, foi proferido o seguinte despacho:
“Compulsados os autos, constata-se que a sentença proferida a ../6/2021 padece de manifesto lapso de escrita e cálculo no que toca à pensão arbitrada ao sinistrado.
Na verdade, o sinistrado ficou a padecer de IPP de 90%, pelo que lhe assiste direito a pensão anual e vitalícia correspondente a 70 % da redução sofrida na capacidade geral de ganho no valor de €9.912,00 (nove mil, novecentos e doze euros) (15.733,34 x 70% x 90%) e não de €10.698,67 como ali se escreveu.
Assim, determino que se proceda à correção de tais lapsos a fls, 21 e 23 da sentença proferida, de molde a que onde se escreveu €10.698,67 se leia €9.912,00 (nove mil, novecentos e doze euros) - arts.º 614º CPC e 1º, n.º 2, al. a) CPT:
Lavre cota de que a presente decisão é parte integrante da sentença de ../6/2021.”.
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E, mais tarde, em 03.07.2021, a seguinte Decisão:
“Considerando que, no caso dos autos o A ficou a padecer de IPP de 90% há que atentar ao disposto no art.º artigo 47.º/1, al. d) da LAT.
As partes foram ouvidas ao abrigo dos arts. 3º e 6º CPC, aplicável “ex vi” art.º 1º, n.º 2, al. a) CPT, apenas se tendo pronunciado o A, tendo a D… , Lda aderido à posição do A.
Decidindo.
(...).
Assiste ao A Sinistrado o direito a receber subsídio por elevada incapacidade, no valor de 4.617,23€, sendo da responsabilidade da R Seguradora, sendo devido desde 1 de Agosto de 2018, acrescendo juros de mora a partir de tal data, o que se condena a R Seguradora a pagar ao A.
Registe e Notifique.”.
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Inconformada a R./seguradora interpôs recurso, nos termos das alegações juntas, em ...07.2021, terminando com as seguintes “CONCLUSÕES:
I. O facto provado na alínea I) de que “… o sinistrado encontrava-se na sede da empresa, …”, porque contrariado pelo facto provado sob a alínea J), de que o apelado estava “… no prédio rústico, pinhal, denominado G…, …” (sic), deverá ser dado como não provado.
II. O facto provado na alínea I) de que “… para posteriormemente os colocar num local
destinado a aterro sito no próprio terreno” (sic), porque contrariado pela confissão, judicial, nos respectivos articulados, do próprio apelado (cf. artº 13º da p.i.), e até da sua entidade patronal – e lembre-se que aquele era o sócio e gerente desta última (cf. facto F dos assentes) - deverá ser dado como não provado.
III. O facto provado na alínea K) “… mas que era usado para fazer testes a máquinas e maquinismos produzidos pela D… e para dar formação a clientes e trabalhadores da referida empresa na utilização de máquinas e maquinismos produzidos e/ou vendidos pela D….” (sic), por (i) não alegado pelo apelado no seu articulado, mas tão só em sede de declarações na audiência de julgamento, (ii) por contrariar as regras da experiência comum, porque a entidade patronal do apelado tinha um estaleiro franco em frente ao seu pavilhão industrial para fazer aqueles ditos testes (cf. vídeo feito na audiência de julgamento), sem necessidade, pois, de, para o efeito, mergulhar no pinhal adjacente, sito a cerca de 516 metros de distância daquele dito pavilhão, no meio do monte e floresta, já próximo e nas encostas do rio …, num local ermo e com inclinação acentuada …” (sic – cf. facto da alínea K), por (iii) contrariar o provado sob a mesma alínea K), de que não havia sequer antes acesso áquele dito local, para esse efeito, mas só a pé ou por veículo todo terreno (cf. facto da alínea K) estando o apelado, na data, a abri-lo, como resultou do facto provado sob a alínea I) (“… a proceder à limpeza do terreno e abertura de acessos para veículos de emergência e socorro”) e tudo mais resultar (iv) das fotografias e relatório de averiguações juntas com a contestação da apelante e da (v) filmagem e (vi) das fotografias feitas pelo tribunal na data da inspecção ao local, deverá ser dado como não provado, antes se dando como tal que o local do sinistro era sem préstimo para a actividade industrial da segurada.
IV. O facto dado não provado sob a alínea vi) - Tal grade e protecção evitariam a dita invasão da cabine por objectos projectados, como teria evitado. – deverá antes ser dado como provado, como tudo resulta das (i) fotografias juntas com a contestação da apelante, em que bem se vê por onde entrou, no caso, o destroço de eucalipto, pelo vidro frontal da cabine, sendo irrelevante, como se pretende na sentença recorrida, se pela parte superior ou inferior, não tendo, aliás, ficado provado nada, para além de por ali ter entrado o destroço, sobre a parte inferior (como parece pretender a sentença, na sua motivação) e tudo se torna, como tal, evidente, (ii) em face das regras da experiência comum, que uma grade de protecção teria impedido a invasão da cabine por um destroço de árvore, maxime e, como tal, as lesões sofridas pelo apelado.
V. A actividade da segurada coberta pela apólice de seguro era a de fabricação de carroçarias, reboques e semi-reboques (facto da alínea CC). Não se inclui nesta actividade, nem se pode considerar como perímetro exterior ao local de trabalho a actividade de limpeza de mata que o apelado se encontrava a exercer sozinho, num sábado à tarde, em período de encerramento daquela actividade, em terreno contíguo ao do estaleiro daquela segurada, ainda que pertença desta, a mais de 516 metros de distância, no meio do monte e floresta, já próximo e nas encostas do rio …, num local ermo e com inclinação acentuada, de acesso só a pé ou por veículo todo terreno. Ao considerar aquela actividade como coberta por aquela apólice a sentença recorrida fez uma errada aplicação da mesma apólice e do previsto no artº 406º do CC, no artº 81º da LAT e no artº 1º e ss do RJCS.
VI. Por não ter ocorrido no local e tempo de trabalho, nem a actividade, na altura, exercida pelo apelado ter utilidade económica para a patronal o acidente em apreço não pode ser qualificado como laboral, pelo que, ao fazê-lo, o tribunal recorrido fez uma errada aplicação do artº 8º da LAT.
Se assim se não entender:
VII. Ao mandar o apelado executar os trabalhos em causa nos termos provados, utilizando a máquina giratória indicada sem qualquer grade ou protecção da respectiva cabine e permitindo, com isso, que o destroço de madeira em causa fosse embater no apelado, que se encontrava dentro daquela cabine, a entidade patronal daquele, segurada da apelante, violou as obrigações e regras de segurança previstas no artº 281º/1, 2 e 3 do CT e nos artºs 15º/1 e 29º/1, al. c) e d) do DL. 50/05, de 25 de Fevereiro, e é, pois, nesse caso, a responsável principal pela ocorrência do sinistro em apreço, sendo a responsabilidade da apelante meramente subsidiária, tendo ela direito de regresso do que eventualmente venha a pagar sobre aquela dita EP, sua segurada (cf. artºs 18º/1 e 79º/3 da LAT), como deverá ser declarado.
TERMOS EM QUE o presente recurso deverá ser julgado procedente, alterando-se a decisão de facto e absolvendo-se, em conformidade, a apelante do pedido ou sempre, ao menos, reconhecendo-se o direito de regresso desta, com o que se fará JUSTIÇA!
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O A./Sinistrado veio responder, nos termos das contra-alegações, juntas em ...08.2021, e sem formular conclusões termina que não deverá ser dado provimento ao recurso, “mantendo-se na íntegra a decisão recorrida, fazendo-se inteira e sã JUSTIÇA.”.
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Admitido, em 13.09.2021, o recurso como apelação e com efeito devolutivo, foi ordenada a sua subida a este Tribunal da Relação do Porto.
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O Ministério Público teve vista nos autos, nos termos do art. 87º nº3, do CPT, tendo emitido parecer no sentido do recurso não obter provimento, no essencial, por se lhe afigurar que não assiste razão à recorrente pois que, a sentença, tal como claramente o demonstra o recorrido, não padece de qualquer vício, ainda que a título de conhecimento oficioso.
A factualidade dada como provada, assentou os factos apurados, tendo em consideração o que foi articulado, os elementos clínicos, o relatório médico pericial, a inspecção ao local e depoimentos prestados em audiência de julgamento, sendo que estes, a seu tempo, não foram impugnados pela recorrente e nem arguidas as suas falsidades, o que afasta qualquer vício que haja de ser conhecido e a Mma. Juíza “a quo” em função destes factos dados como provados, fez correcta subsunção ao direito aplicável para determinação do decidido.
Notificadas deste, as partes nada disseram.
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Cumpridos os vistos legais, há que apreciar e decidir.
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O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, cfr. art.s 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Assim, as questões a decidir e apreciar consistem em saber, se o Tribunal “a quo” errou:
- quanto à decisão de facto impugnada;
- ao não considerar que o acidente ocorreu na execução de tarefas que não têm enquadramento na actividade segura pelo contracto de acidente de trabalho em causa e não se encontra abrangido pelas respectivas garantias;
- ao qualificar o acidente como de trabalho;
- ao não considerar que o acidente, sofrido pelo A., ocorreu por violação, pela segurada, das obrigações e regras de segurança previstas na lei.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
O Tribunal a quo considerou com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos:
“A. O Autor é sócio gerente da sociedade D… Lda., pessoa colectiva n.º ………, como sede na Rua …., n.º …, ….-… na cidade do Marco de Canaveses.
B. A referida sociedade tem por objeto o comércio e Indústria de carroçarias, fabricação de estruturas de construções metálicas e montagem dos mesmos.
C. A R B…, Lda dedica-se ao fabrico de carroçarias basculantes e metalomecânica pesada para máquinas, camiões e afins, construindo e reparando equipamentos, sobretudo equipamentos para indústria de extracção de pedra e actividade florestal.
D. A R D…, Lda está inscrita no CAE 29200–R3, 25110-R3 e 43992-R3,
E. O Sinistrado C…, foi vítima de um acidente de trabalho, no dia 09 de Dezembro de 2017, um sábado, do qual resultou amputação traumática da sua perna direita. (Eliminada, expressão sublinhada)
F. O Sinistrado é gerente da sociedade D…, Lda., pessoa colectiva ……… – certidão permanente ….-….-…., com sede na Rua …, …, no concelho do Marco de Canavezes, Freguesia de …..
G. Enquanto gerente o A tinha regime de isenção de horário.
H. O Sinistrado habitualmente opera máquinas pesadas, nomeadamente, giratórias e dumpers, que são propriedade da empresa.
I. No dia 09 de Dezembro de 2017, por volta das 16:00, o Sinistrado encontrava-se na sede da empresa, a proceder à limpeza do terreno e abertura de acessos para veículos de emergência e socorro, utilizando para o efeito uma máquina giratória, que lhe permitia colocar uns toros de madeira queimada no “dumper”, propriedade da D…, para posteriormente os colocar num local destinado a aterro sito no próprio terreno”.
Alterado para:
I) No dia 09 de Dezembro de 2017, por volta das 16:00, o Sinistrado encontrava-se a proceder à limpeza do terreno e abertura de acessos para veículos de emergência e socorro, utilizando para o efeito uma máquina giratória, que lhe permitia colocar uns toros de madeira queimada no “dumper”, propriedade da D…, Lda, para posteriormente os colocar num local destinado a aterro sito no próprio terreno.
“J. O A estava a carregar pequenos troncos e destroços de madeira com uma máquina giratória, de marca Komatsu …, nº K…., num equipamento denominado de dumper no prédio rústico, a pinhal, denominado G…, sito em …, freguesia de …, concelho do Marco de Canavezes, artº 1415R da matriz, com a área de 1,870000m2, inscrito em nome da sobredita segurada.
K. O que fazia a cerca de 516 metros de distância daquele dito pavilhão, no meio do monte e floresta, já próximo e nas encostas do rio …, num local ermo e com inclinação acentuada, de acesso só a pé ou por veículo todo terreno, mas que era usado para fazer testes a máquinas e maquinismos produzidos pela D… e para dar formação a clientes e trabalhadores da referida empresa na utilização de máquinas e maquinismos produzidos e/ou vendidos pela D…”.
Alterado para:
K) O que fazia a cerca de 516 metros de distância do pavilhão referido na alínea EE), no meio do monte e floresta, já próximo e nas encostas do rio …, num local ermo e com inclinação acentuada, de acesso só a pé ou por veículo todo terreno, mas que era usado para fazer testes a máquinas e maquinismos produzidos pela D… e para dar formação a clientes e trabalhadores da referida empresa na utilização de máquinas e maquinismos produzidos e/ou vendidos pela D….
“L. O sinistrado trabalhava com a máquina giratória que pertencia à segurada da ré.
M. Um toro de madeira resvalou do “dumper”, atingindo a giratória onde o Autor se encontrava a trabalhar.
N. Apanhando a perna direita do Autor e esmagando-a.
O. O Autor ficou encarcerado dentro da máquina várias horas.
P. Os troncos ou pedaços de madeira carregados, pela sua escassa grossura, não superior a 20 cm de diâmetro, não podiam servir para tábuas para construção de carroçarias ou para cofragem na construção.
Q. A segurada da ré, a dita sociedade D…, Lda., estava, como está, encerrada e sem laboração aos sábados à tarde.
R. Um dos destroços, de madeira de eucalipto, escorregou na traseira do dito dumper, embateu na parte de baixo do vidro frontal da referida máquina giratória, partiu-o, invadiu a cabine aonde se encontrava o autor, após o que lhe esmagou a parte inferior da perna direita.
S. A máquina giratória não tinha grade ou qualquer protecção no vidro frontal da cabine, para evitar a invasão de objectos projectados.
T. Tal grade e protecção podiam ser colocadas.
U. Os trabalhos em causa não tinham análise específica de riscos e não havia documento contendo os procedimentos específicos a adoptar.
V. O autor não tinha formação certificada naquele tipo de actividade de carga com equipamentos industriais.
W. O A foi transportado pelos serviços de urgência para o Hospital … em Penafiel, onde ficou internado para regularização do coto de amputação.
X. Em 20 de Dezembro de 2017, devido a necrose de pele e infeção local, fez amputação supracondiliana do joelho.
Y. Foi encaminhado, posteriormente para o Hospital de ….
Z. A consolidação médico-legal foi atribuída a 10 de Agosto de 2018.
AA. Do acidente resultaram para o Autor as lesões constantes do relatório médico de fls. (...), o qual considerou-o curado com uma IPP de 90%.
BB. A Entidade Patronal D… transferiu a responsabilidade infortunística por acidente de trabalho para a Ré através do contrato de seguro de acidentes de trabalho, como esta assumiu na tentativa de conciliação.
CC. A actividade da segurada coberta por essa apólice, e natureza dos trabalhos a segurar, indicada na proposta de seguro da mesma apólice, era a de fabricação de carroçarias, reboques e semi-reboques aonde sob a epígrafe dados do risco constava actividade económica (C.A.E.) fabricação de carroçarias, reboques e semi-reboques e sob a epígrafe questionário geral constava natureza dos trabalhos a segurar com indicação da actividade: fabricação de carroçarias, reboque e semi-reboques.
DD. O local de trabalho do autor era na Rua …, nº …, …, Marco de Canavezes.
EE. E correspondia ao pavilhão industrial no qual a segurada exercia a sua actividade.
FF. O Sinistrado auferia uma retribuição anual ilíquida de €15.733,34 assim encontrada: - €1.040,00 x 14 meses- acrescido de €93,94 x 11 meses.
GG. Na tentativa de conciliação realizada durante a fase não contenciosa do processo, cujo auto consta de fls. (...), a Ré Seguradora:
- Aceitou a transferência do salário de €15.733,34;
- “Recusa qualquer responsabilidade na reparação do acidente dos autos, em virtude do mesmo ter ocorrido na execução de tarefas que não tem enquadramento na actividade segura pelo acidente de trabalho em causa, pelo que não se encontra abrangido pelas respectivas garantias. E ainda se constatou as mais elementares regras de segurança e ausência de formação para a execução da tarefa em causa, facto que também afastaria a responsabilidade da sua representada na reparação do acidente”.
HH. O sinistrado nasceu em ..-03-1966.
II. Ao A não foi paga a quantia de €7.362,34 relativa a diferenças de indemnização pelos períodos de incapacidades temporárias
JJ. O Autor gastou em deslocações ao Tribunal a quantia de €30,00.
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Para além da factualidade acima elencada e com interesse para a decisão não resultaram provados quaisquer outros factos, designadamente, não se provou que:
i) O A visava transportar os toros até à serração, de forma a serem convertidos em tábuas, que serviriam para a construção de carroçarias em madeira ou para tábuas de cofragem na construção.
ii) Os toros de madeira carregados pelo A não tinham qualquer préstimo para a segurada.
iii) Os toros de madeiras obtidos como referido em I) da factualidade provada eram para uso, benefício e ulterior consumo particular do A.
iv) A colocação da grade já antes do sinistro tinha sido recomendada como EPC de melhoria à segurada, entidade patronal, pela H…, empresa responsável pela segurança no trabalho daquela, por relatório de avaliação dos riscos de ...04.2017.
v) A D… sabia dessa recomendação.
vi) Tal grade e protecção evitariam a dita invasão da cabine por objectos projetados, como teria evitado.”.
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Face ao que antecede, no que toca à factualidade, supra transcrita, importa que, desde já, oficiosamente, por iniciativa deste Tribunal, no âmbito dos poderes oficiosos de que dispõe, nos termos do art. 662º, nº 1, se faça o seguinte reparo.
Analisando o ponto E. da matéria de facto, uma observação se impõe, no sentido de que não pode o mesmo manter-se, na sua integralidade, no que à expressão, que se sublinha, respeita, “E. O Sinistrado C…, foi vítima de um acidente de trabalho, no dia .. de Dezembro de 2017, um sábado, do qual resultou amputação traumática da sua perna direita.”, porque encerra em si um juízo de valor que, sempre com o devido respeito, a manter-se decidida estava uma das questões controvertidas nos autos, saber se o acidente sofrido pelo A. é ou não de trabalho.
Assim, independentemente de outras alterações que, eventualmente, venham a ocorrer em consequência da impugnação deduzida pela recorrente à decisão de facto, na sequência do que se acaba de expor, decidimos, oficiosamente, desde já, eliminar a expressão, “de trabalho” constante do ponto E, da decisão recorrida, ao abrigo do art. 607, nºs 4 e 5, do CPC”.
Interrompemos aqui aquele que foi o projeto inicialmente relatado, passando ainda em sede de fundamentação de facto, a conhecer da impugnação da matéria de facto de acordo com a decisão que obteve vencimento.
De harmonia com o disposto no artigo 662º, nº1 do Código de Processo Civil (ex vi do artigo 1º, nº 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho), o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Os poderes da Relação sobre o julgamento da matéria de facto foram reforçados na atual redação do Código de Processo Civil.
Abrantes Geraldes, (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, pág. 230) refere que, “… a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”. Apesar de (obra citada, pág. 245), “... a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º não poder confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”.
Na reapreciação da força probatória das declarações de parte, dos depoimentos das testemunhas e dos documentos, importa ter presente o princípio da livre apreciação, como resulta do disposto nos artigos 607º, nº5 e 466º, nº3, ambos do Código de Processo Civil e 396º e 366º.
Dito de outro modo, cabe à Relação, enquanto tribunal de 2ª instância, reapreciar, não apenas se a convicção expressa pelo tribunal de 1ª instância tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os restantes elementos constantes dos autos revelam, mas, também, avaliar e valorar, de acordo com o princípio da livre convicção, toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objeto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto.
Preceitua ainda o artigo 640º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil:
1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
a) Os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
b) A decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas;
2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando nos meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de proceder à respetiva transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes
(…)”.
Como se lê no Acórdão do STJ de 01.10.2015, in www.dgsi.pt, “Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão. (…)”, (sublinhado nosso).
Servindo-nos também do texto do acórdão desta secção de 22.10.2018, proferido no processo 246/16.OT8VLG.P1, (Relatora Desembargadora Rita Romeira, no qual foi 1ª adjunta a aqui relatora):
«Verifica-se, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação da decisão de facto, não se satisfaz com a mera indicação genérica da prova que na perspetiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal “a quo”, impõe-lhe a concretização quer dos pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância como a especificação das provas produzidas que, por as considerar como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, quanto a cada um dos factos que impugna sendo que, quando se funde em provas gravadas se torna, também, necessário que indique com exatidão as passagens da gravação em que se baseia, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.
Além disso, nas palavras, (…) de (Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, págs. 132 e 133), “O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto;”.
Sobre este assunto, no (Ac.STJ de 27.10.2016) pode ler-se: “…Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPC, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto.”…(…).».
Ainda a este propósito, lê-se no Acórdão desta secção de 15.04.2013 (Relatora Paula Leal de Carvalho, in www.dgsi.pt, também citado no acórdão de 22.10.2018), “Na impugnação da matéria de facto o Recorrente deverá, pois, identificar, com clareza e precisão, os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda, o que deverá fazer por reporte à concreta matéria de facto que consta dos articulados (em caso de inexistência de base instrutória, como é a situação dos autos).
E deverá também relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão, designadamente, caso a discordância se fundamente em depoimentos que hajam sido gravados, identificando as testemunhas por referência a cada um dos factos que impugna (para além “de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.”».
Consignamos aqui também aquele que vem sendo o nosso entendimento quanto a matéria de facto conclusiva, dispensando-nos de o fazer nas referências que infra se fazem a respeito de matéria dessa natureza.
Conforme vem sendo entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada.
Daí que só os factos materiais são suscetíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objeto de prova.
Lê-se no acórdão do STJ de 12.03.2014 (Processo nº 590/12.5TTLRA.C1.S1) que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes”.
Ainda a propósito desta questão da delimitação entre factos, juízos de valor sobre factos, e valorações jurídicas de factos, lê-se no acórdão do STJ de 28.01.2016 (Proc. Nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1), “Conforme se considerou no acórdão desta Secção de 24 de novembro de 2011, proferido na revista n.º 740/07.3TTALM.L1.S2, «o n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil, dispõe que “têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”» e «atento a que só os factos podem ser objeto de prova, tem-se considerado que o n.º 4 do artigo 646.º citado estende o seu campo de aplicação às asserções de natureza conclusiva, “não porque tal preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em retas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objeto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum» — acórdão desde Supremo Tribunal, de 23 de setembro de 2009, Processo n.º 238/06.7TTBGR.S1, da 4.ª Secção, disponível in www.dgsi.pt.”»”.
Mais se lendo: “Por thema decidendum deve entender-se o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão.”
Concluindo: “Sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de facto que se insira de forma relevante na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta ou componente relevante da resposta àquelas questões, ou cuja determinação de sentido exija o recurso a critérios jurídicos, deve o mesmo ser eliminado.”.
Resulta do que se deixa referido que quando o tribunal a quo se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, que essa pronúncia deve ter-se por não escrita.
Consignamos ainda o nosso entendimento relativamente aos factos essenciais, no sentido de que só poderão ser tidos em consideração pela 1ª instância, face à possibilidade de prova a que se reporta o nº2 do artigo 72º do Código de Processo do Trabalho.
Dito de outro modo, o regime do artigo 72º do Código de Processo do Trabalho – reportando-se aos factos essenciais - é apenas aplicável na 1ª instância.
Quanto aos factos instrumentais e complementares, com a Lei nº 107/2019 de 09.09. passou a aplicar-se o artigo 5º, nº2 do Código de Processo Civil, por remissão do artigo 72º, nº1 (1ª parte) do Código de Processo do Trabalho.
Ora, dispõe o artigo 5º, nº 2 do Código de Processo Civil:
«2. Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b )Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar».
Quanto aos factos instrumentais, a Relação pode dos mesmos conhecer, apenas se exigindo que tenham resultado da instrução da causa –artigo 5º, nº2, alínea a) do Código de Processo Civil.
Quanto aos factos complementares, o artigo 5º, nº2, alínea b) do Código de Processo Civil exige que as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar, o que ocorre se eles foram discutidos em sede de audiência de julgamento e se é invocado no recurso pelo Recorrente (que os pretenda aditar), tendo, tal como aquela, a parte contrária igualmente a possibilidade de se pronunciar, desde logo na mesma audiência. Neste caso, a Relação poderá conhecer uma vez que «as partes tiveram a possibilidade de se pronunciar».
Ou seja, quanto aos factos complementares, este último preceito legal exige que as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar.
*
Analisaremos se relativamente a cada alínea da matéria de facto impugnada, se a Apelante cumpriu os ónus que nesta sede estava obrigada e se as respetivas pretensões merecem ser acolhidas.
Alínea I) cujo teor é:
No dia .. de Dezembro de 2017, por volta das 16:00, o Sinistrado encontrava-se na sede da empresa, a proceder à limpeza do terreno e abertura de acessos para veículos de emergência e socorro, utilizando para o efeito uma máquina giratória, que lhe permitia colocar uns toros de madeira queimada no “dumper”, propriedade da D…, Lda, para posteriormente os colocar num local destinado a aterro sito no próprio terreno.
Entende a Apelante que deve ser alterada a decisão de facto, “(…) dizendo que: “O facto provado na alínea I) de que “… o sinistrado encontrava-se na sede da empresa, …”, porque contrariado pelo facto provado sob a alínea J), de que o apelado estava “… no prédio rústico, pinhal, denominado G…, …” (sic), deverá ser dado como não provado.
Importa, pois, analisar se ocorre a apontada contradição.
É este o teor da alínea J):
J. O A estava a carregar pequenos troncos e destroços de madeira com uma máquina giratória, de marca Komatsu PC210, nº K….., num equipamento denominado de dumper no prédio rústico, a pinhal, denominado G…, sito em …, freguesia de …, concelho do Marco de Canavezes, artº …. da matriz, com a área de 1,870000m2, inscrito em nome da sobredita segurada.
A este respeito ficou ainda provado que tal sucedia a cerca de 516 metros de distância daquele dito pavilhão, no meio do monte e floresta, já próximo e nas encostas do rio …, num local ermo e com inclinação acentuada, de acesso só a pé ou por veículo todo terreno (alínea K) que o local de trabalho do autor era na Rua …., nº .., …, Marco de Canavezes (alínea DD) e correspondia ao pavilhão industrial no qual a segurada exercia a sua atividade (alínea EE).
Desde já se adianta que não ocorre a apontada contradição.
Com efeito na alínea J) refere-se apenas que o local do acidente correspondia a um prédio inscrito na matriz predial rústica como artigo ….
Ficou assente que a sociedade D… Lda tem sede na Rua da …., n.º …, ….-… na cidade do Marco de Canaveses (cfr. alínea F), não sendo de excluir que aí seja a entrada de acesso aos vários artigos matriciais, os quais, porque contíguos, em termos fáticos configurem um único prédio (cfr. o que infra se dirá a propósito da alínea K).
Aliás a fotografia 1 (fls. 258), tirada aquando da inspeção ao local tem legendado “Acesso único aos prédios pertença da R. Entidade Patronal, desde a via pública e pavilhão industrial da R Patronal”.
Acresce que não ficou assente sequer a distância limítrofe do mesmo artigo rústico, com a área de 1,870000m2, para o pavilhão industrial, onde a segurada exercia a sua atividade profissional, antes e tão só a distância de 516 metros do local do acidente para o mesmo pavilhão.
Por outro lado, as atividades da Segurada, ainda que exercidas no pavilhão industrial (cfr. alínea EE), não significa que não o fossem também, nomeadamente no que concerne a atividades conexas, nos terrenos adjacentes. Desde logo, ficou outrossim provado que o local onde se deu era usado para fazer testes a máquinas e maquinismos produzidos pela D… e para dar formação a clientes e trabalhadores da referida empresa na utilização de máquinas e maquinismos produzidos e/ou vendidos pela D….
Assim, não se alcança a contradição apontada.
Todavia, a expressão «na sede da empresa» pode levar a pensar que o sinistrado se encontrava na Rua da …., …, o que não é rigoroso, pois é inequívoco que se encontrava algo distante.
Deste modo, esta expressão tem que ser substituída de modo a ficar espelhado o que se apurou que efetivamente acontecia, sem suscetibilidade de criar equívocos.
Assim, procede-se à eliminação da referida expressão, passando a alínea I) a ter a seguinte redação:
I) No dia 09 de Dezembro de 2017, por volta das 16:00, o Sinistrado encontrava-se a proceder à limpeza do terreno e abertura de acessos para veículos de emergência e socorro, utilizando para o efeito uma máquina giratória, que lhe permitia colocar uns toros de madeira queimada no “dumper”, propriedade da D…, Lda, para posteriormente os colocar num local destinado a aterro sito no próprio terreno.
Quanto à demais matéria da impugnação da matéria de facto, voltamos a encaixar na presente decisão o texto do projeto inicial:
“Ainda, quanto à al. I, diz a apelante, na conclusão II que: “O facto provado na alínea I) de que “… para posteriormente os colocar num local destinado a aterro sito no próprio terreno” (sic), porque contrariado pela confissão, judicial, nos respectivos articulados, do próprio apelado (cf. artº 13º da p.i.), e até da sua entidade patronal – e lembre-se que aquele era o sócio e gerente desta última (cf. facto F dos assentes) - deverá ser dado como não provado.
(…)
No ARTIGO 13 DA PETIÇÃO lê-se que, lhe permitia colocar uns toros de madeira no “dumper”, propriedade da Entidade Patronal para, posteriormente, o transportar até à serração, 13.º de forma a serem convertidos em tábuas, que serviriam para a construção de carroçarias em madeira ou para tábuas de cofragem na construção.
Verifica-se que, o alegado pelo Sinistrado no artigo 13 da petição inicial foi impugnado pela Ré Seguradora no artigo 18º da sua contestação, onde se diz: “Tanto mais quanto os troncos ou pedaços de madeira carregados, pela sua escassa grossura, não superior a 20 cm de diâmetro, não podiam sequer servir para os fins alegados no artº 13 da petição, de tábuas para construção de carroçarias ou para cofragem na construção (cf. doc. 2, fotos do relatório de serviço da GNR anexo)”.
Deste modo, não podemos falar em “confissão” que releve para dar como provada essa factualidade.
E, tanto assim é que, a matéria do artigo 13 da petição, face à posição da Ré Seguradora, passou a ser objecto de discussão e foi dada como não provada (al. i) dos factos não provados), a qual não foi impugnada no recurso.
Por isso, é óbvio que não ocorre qualquer “confissão” que afaste o dado como provado na parte final da al. I) da matéria de facto provada.
Improcedendo, assim, a conclusão II da apelação.
*
Passemos, à AL.K)
Nela está provado: “al. K) O que fazia a cerca de 516 metros de distância daquele dito pavilhão, no meio do monte e floresta, já próximo e nas encostas do rio …, num local ermo e com inclinação acentuada, de acesso só a pé ou por veículo todo terreno, mas que era usado para fazer testes a máquinas e maquinismos produzidos pela D… e para dar formação a clientes e trabalhadores da referida empresa na utilização de máquinas e maquinismos produzidos e/ou vendidos pela D….”.
Da fundamentação da decisão quanto à matéria de facto consta o seguinte: “Note-se que a actividade a que o A se dedicava aquando do sinistro tinha efectiva utilidade económica para a R D…, pois que os terrenos que o sinistrado limpava e nos quais estava a abrir acessos são pertença desta empresa. Assim, caso o sinistrado não procedesse à tarefa em apreço por si, sempre a empresa teria que contratar a realização desse serviço, sendo inequívoco que a realização do serviço em questão tinha utilidade económica para a empresa. Para além do mais, a utilização da madeira e restos de árvores que estavam a ser retiradas pelo sinistrado para aterrar o terreno da R D… também tinha utilidade económica para a empresa. Todos estes factos foram afirmados pelo sinistrado e pelas testemunhas I…, J…, que disso tinham conhecimento directo. Estes intervenientes confirmaram igualmente que os terrenos contíguos ao pavilhão industrial e que são pertença igualmente da empresa, não tendo nenhuma delimitação física relativamente ao terreno onde está implantado o pavilhão, são usados para experimentar máquinas e maquinismos e para o sinistrado dar formação a clientes ou a trabalhadores de clientes relativamente a equipamentos produzidos ou vendidos pela empresa. Por tudo isto teve-se por não provado o referido em ii)”.
Diz a apelante que, “O facto provado na alínea K) “… mas que era usado para fazer testes a máquinas e maquinismos produzidos pela D… e para dar formação a clientes e trabalhadores da referida empresa na utilização de máquinas e maquinismos produzidos e/ou vendidos pela D….” (sic), por (i) não alegado pelo apelado no seu articulado, mas tão só em sede de declarações na audiência de julgamento, (ii) por contrariar as regras da experiência comum, porque a entidade patronal do apelado tinha um estaleiro franco em frente ao seu pavilhão industrial para fazer aqueles ditos testes (cf. vídeo feito na audiência de julgamento), sem necessidade, pois, de, para o efeito, mergulhar no pinhal adjacente, sito a cerca de 516 metros de distância daquele dito pavilhão, no meio do monte e floresta, já próximo e nas encostas do rio …, num local ermo e com inclinação acentuada …” (sic – cf. facto da alínea K), por (iii) contrariar o provado sob a mesma alínea K), de que não havia sequer antes acesso àquele dito local, para esse efeito, mas só a pé ou por veículo todo terreno (cf. facto da alínea K) estando o apelado, na data, a abri-lo, como resultou do facto provado sob a alínea I) (“… a proceder à limpeza do terreno e abertura de acessos para veículos de emergência e socorro”) e tudo mais resultar (iv) das fotografias e relatório de averiguações juntas com a contestação da apelante e da (v) filmagem e (vi) das fotografias feitas pelo tribunal na data da inspecção ao local, deverá ser dado como não provado, antes se dando como tal que o local do sinistro era sem préstimo para a actividade industrial da segurada.”.
Verifica-se do exposto que, o que a apelante pretende é que se dê como não provada a parte final da al. K) e provada a al. ii) dos factos não provados.
No entanto, importa que comecemos, logo, por afirmar que o facto de determinada matéria não ter sido alegada pelas partes, se ela resultar da discussão da causa é legítimo que o Tribunal a tome em conta – artigo 72º do CPT.
Por outro lado, e como decorre do que acima se transcreveu, em sede de fundamentação, o Tribunal a quo teve em conta determinados depoimentos que a apelante não coloca em causa. E não é pelo facto de a Patronal dispor de um estaleiro à frente do pavilhão que inquina a convicção formada pelo Tribunal com base nos referidos depoimentos. Ou seja, não se nos afigura de todo impossível o afirmado pelas testemunhas e pelo sinistrado quanto à utilização do dito terreno pela empresa. Acrescendo dizer que, não encontramos qualquer contradição entre a primeira parte e a segunda parte da al. K) até porque não está provado que as condições do referido terreno rústico onde ocorreu o acidente impedia, de todo, que o sinistrado dele fizesse uso para dar formação aos clientes e testar os mecanismos, posto que é possível o acesso ao mesmo através de veículo todo o terreno (primeira parte da al. K)). E, quanto aos mais elementos indicados pela apelante (fotografias e relatório de averiguações juntas com a contestação da apelante e filmagem e fotografias feitas pelo tribunal na data da inspecção ao local) tais elementos foram considerados pelo Tribunal conjugados com a demais prova (nomeadamente testemunhal) sendo que, como referido, a apelante não impugna estes testemunhos”.
A única questão em que a expressão «daquele dito pavilhão» não é correta, porquanto pressupõe que nas alíneas anteriores se falou no pavilhão e a referência ao mesmo aparece na alínea EE).
Há pois que a substituir.
Assim, a alínea K) passa a ter a seguinte redação:
K) O que fazia a cerca de 516 metros de distância do pavilhão referido na alínea EE), no meio do monte e floresta, já próximo e nas encostas do rio …, num local ermo e com inclinação acentuada, de acesso só a pé ou por veículo todo terreno, mas que era usado para fazer testes a máquinas e maquinismos produzidos pela D… e para dar formação a clientes e trabalhadores da referida empresa na utilização de máquinas e maquinismos produzidos e/ou vendidos pela D….
“Por último, no que respeita à decisão de facto, diz a apelante:
“O facto dado não provado sob a alínea vi) - Tal grade e protecção evitariam a dita invasão da cabine por objectos projectados, como teria evitado. – deverá antes ser dado como provado, como tudo resulta das (i) fotografias juntas com a contestação da apelante, em que bem se vê por onde entrou, no caso, o destroço de eucalipto, pelo vidro frontal da cabine, sendo irrelevante, como se pretende na sentença recorrida, se pela parte superior ou inferior, não tendo, aliás, ficado provado nada, para além de por ali ter entrado o destroço, sobre a parte inferior (como parece pretender a sentença, na sua motivação) e tudo se torna, como tal, evidente, (ii) em face das regras da experiência comum, que uma grade de protecção teria impedido a invasão da cabine por um destroço de árvore, maxime e, como tal, as lesões sofridas pelo apelado.”.
Lê-se na al. vi) da matéria não provada: “Tal grade e protecção evitariam a dita invasão da cabine por objectos projectados, como teria evitado”.
Consta da fundamentação o seguinte: “Quanto à dinâmica do acidente, seu circunstancialismo espácio-temporal em que o mesmo eclodiu, teve-se em conta a inspecção judical ao local, que permitiu perceber as condições geográficas do local e sua envolvência, como se alcança do auto de fls. 256 e ss, fotografias ali tiradas, e ainda as fotografias juntas aos autos a fls. 103 verso e ss e 238 e ss, medições efectuadas, bem como as declarações das testemunhas L… e M… – militares da GNR que acorreram ao local -, bem como das testemunhas I… e N… (que acompanhou a testemunha I… ao local, para socorrer o A, por estar no café com aquele I…, quando receberam a notícia de se ouvirem gritos do A do outro lado do rio …, tendo ambos ido ver o que se passava), e O… – que também foi ao local para socorrer o A, por este lhe ter ligado do telemóvel quando as testemunhas I… e N… lho entregaram (uma vez que o telemóvel do sinistrado estava no dumper e o sinistrado estava encarcerado na máquina giratória) e que tinha estado com p A da parte da manhã desse sábado lá no pavilhão, sendo que todas estas testemunhas confirmaram as declarações do sinistrado. Ficou assim provado o vertido em G) a K), bem como P) a V). Também nas fotografias de fls. 244 v e seguintes é possível ver que a máquina giratória foi cortada pela equipa de desencarceramento junto ao vidro da frente, na parte inferior, tal como referiram as testemunhas L.. e M…, assim se confirmando que o tronco entrou pela parte inferior do vidro da máquina, afirmando estas testemunhas e também o sinistrado que o vidro estava aberto e que foi por aí que o sinistrado acabou por ser retirado. Note-se que todas estas testemunhas, bem como o sinistrado e a testemunha P…a que efectuou a averiguação do sinistro a pedido da R Seguradora, afirmaram que a colocação da grade, referida em iv) a v) da factualidade não provada, teria por finalidade evitar a projecção de pedras, sobretudo, sendo normalmente usada em máquinas que operam na indústria de extracção de pedra, mas já não seria suficiente para impedir a entrada de um tronco de árvore, como foi aquele que atingiu o A; sobretudo no caso de se tratar da entrada de um objecto pela parte inferior do vidro frontal, como sucedeu no caso dos autos, pois que aí não seria possível colocar a protecção. Por outro lado, também estas testemunhas e o sinistrado declararam que uma tal grade poderia prejudicar a visibilidade do operador, o que seria sobretudo nefasto num terreno desnivelado, como era o caso e em socalcos, podendo levar a acidentes na condução e manobra da máquina.”.
Que dizer?
Desde logo que, a apelante não teve em consideração os depoimentos (que não impugnou) prestados em audiência quanto a tal questão, nomeadamente o depoimento da testemunha P…, que averiguou o acidente. E o recurso às regras da experiência só se justifica quando o Tribunal não tem outros elementos de prova, o que não é o caso.
Improcede, deste modo, também, a pretensão da apelante no que respeita à matéria supra indicada.”, (realce e sublinhado nossos).
3. Fundamentação de direito:
A questão a resolver prende-se com saber se a atividade que o Sinistrado estava a exercer está ou não coberta pelo seguro.
Lê-se na decisão recorrida:
“Revertendo ao caso dos autos, teremos de fixar o sentido, que chamaríamos de “prático e sensato” da declaração (o mais consentâneo com uma postura de boa fé na interpretação do contrato), pelo que, na interpretação do contrato de seguro, teremos de admitir que a actividade de um sócio-gerente de uma empresa que se dedica à fabricação de carroçarias, reboques e semi-reboques, compreende também a limpeza e abertura de caminhos para acesso de veículos de emergência e socorro, em terrenos da própria empresa, contíguos ao pavilhão onde aquela produz os bens que comercializa, e onde são testados os maquinismos que produz. Tal seria aceite que um declaratário normal e um contratante indeterminado normal, que subscrevesse as cláusulas do contrato de seguro, e entenderia que essas eram actividades acessórias à gestão da empresa, por isso compreendidas nas tarefas abrangidas pelo objecto do contrato de seguro. Afigura-se-nos que tal é o mais consentâneo com uma postura de boa fé na interpretação do contrato. Tudo visto, teremos de concluir que, estando no concreto acidente sobre que versam os autos verificados os acima apontados elementos espacial, temporal e causal, dúvidas não subsistem que este concreto evento é de qualificar como acidente de trabalho”.
Como sintetizado no projeto que não obteve vencimento: “Concluiu a Apelante, que a atividade da segurada coberta pela apólice de seguro era a de fabricação de carroçarias, reboques e semi-reboques (facto da alínea CC). Não se inclui nesta actividade, nem se pode considerar como perímetro exterior ao local de trabalho a actividade de limpeza de mata que o apelado se encontrava a exercer sozinho, num sábado à tarde, em período de encerramento daquela actividade, em terreno contíguo ao do estaleiro daquela segurada, ainda que pertença desta, a mais de 516 metros de distância, no meio do monte e floresta, já próximo e nas encostas do rio …, num local ermo e com inclinação acentuada, de acesso só a pé ou por veículo todo terreno. Ao considerar aquela actividade como coberta por aquela apólice a sentença recorrida fez uma errada aplicação da mesma apólice e do previsto no artº 406º do CC, no artº 81º da LAT e no artº 1º e ss do RJCS.
Que dizer?
A propósito desta questão, provou-se o seguinte: “A. O Autor é sócio gerente da sociedade D… Lda., pessoa colectiva n.º …….., com sede na Rua …, n.º …, ….-… na cidade do Marco de Canaveses.
B. A referida sociedade tem por objeto o comércio e Indústria de carroçarias, fabricação de estruturas de construções metálicas e montagem dos mesmos.
C. A R D…, Lda dedica-se ao fabrico de carroçarias basculantes e metalomecânica pesada para máquinas, camiões e afins, construindo e reparando equipamentos, sobretudo equipamentos para indústria de extracção de pedra e actividade florestal.
D. A R D…, Lda está inscrita no CAE 29200–R3, 25110-R3 e 43992-R3
CC. A actividade da segurada coberta por essa apólice, e natureza dos trabalhos a segurar, indicada na proposta de seguro da mesma apólice, era a de fabricação de carroçarias, reboques e semi-reboques aonde sob a epígrafe dados do risco constava actividade económica (C.A.E.) fabricação de carroçarias, reboques e semi-reboques e sob a epígrafe questionário geral constava natureza dos trabalhos a segurar com indicação da actividade: fabricação de carroçarias, reboque e semi-reboques.”, (sublinhado introduzido).
E ainda:
I. No dia 09 de Dezembro de 2017, por volta das 16:00, o Sinistrado encontrava-se a proceder à limpeza do terreno e abertura de acessos para veículos de emergência e socorro, utilizando para o efeito uma máquina giratória, que lhe permitia colocar uns toros de madeira queimada no “dumper”, propriedade da D…, Lda, para posteriormente os colocar num local destinado a aterro sito no próprio terreno.
J. O A estava a carregar pequenos troncos e destroços de madeira com uma máquina giratória, de marca Komatsu …, nº K….., num equipamento denominado de dumper no prédio rústico, a pinhal, denominado G…, sito em …, freguesia de …., concelho do Marco de Canavezes, artº ….R da matriz, com a área de 1,870000m2, inscrito em nome da sobredita segurada.
K. O que fazia a cerca de 516 metros de distância do pavilhão referido na alínea EE), no meio do monte e floresta, já próximo e nas encostas do rio …, num local ermo e com inclinação acentuada, de acesso só a pé ou por veículo todo terreno, mas que era usado para fazer testes a máquinas e maquinismos produzidos pela D… e para dar formação a clientes e trabalhadores da referida empresa na utilização de máquinas e maquinismos produzidos e/ou vendidos pela D….
H. O Sinistrado habitualmente opera máquinas pesadas, nomeadamente, giratórias e dumpers, que são propriedade da empresa.
L. O sinistrado trabalhava com a máquina giratória que pertencia à segurada da ré.
Acompanhamos a decisão recorrida.
Escudando-nos na fundamentação do Acórdão da Relação de Coimbra de 16.12.2015 (Relator Desembargador Felizardo Paiva, in www.dgsi.pt): “(…) para que haja direito à reparação emergente de um acidente de trabalho não é necessário que o trabalhador sinistrado esteja vinculado através de uma relação de trabalho subordinado.
Como decorre do nº 1 artº 3º da LAT (aprovada pela Lei 98/2009 de 04/09), o regime previsto na dita Lei abrange o trabalhador por conta de outrem de qualquer atividade, seja ou não explorada com fins lucrativos.
No que se refere ao âmbito subjetivo, a Lei define trabalhador por conta de outrem todo aquele que está na dependência económica da pessoa em proveito da qual presta serviço, estabelecendo uma presunção de dependência económica quando a própria Lei não impuser entendimento deferente (nº 2 do citado normativo).
Aliás, isso mesmo resultava já, até com maior clareza, do disposto no artº 2º da Lei 100/97 quando neste número se fazia a expressa distinção entre trabalhadores vinculados através de contrato de trabalho e vinculados através de contrato legalmente equiparado.
Posto isso, há ainda a dizer que (…) a LAT no seu artº 10º, não estabelece qualquer presunção que liberte o sinistrado ou os seus beneficiários de provar a verificação do próprio evento causador das lesões. À semelhança do que acontecia com os nº s 5 e 6 da Lei 100/97 e artº 7º do DL 143/99, onde a norma em questão teve a sua fonte, “o sentido útil dessa presunção é o de libertar o sinistrado ou os seus beneficiário da prova do nexo de causalidade entre o evento (acidente) e as lesões, não os libertando do ónus de provar a verificação do próprio evento causador das lesões” – Ac. desta Relação proferido no processo nº 71/09.4TTAGD.C1.
Portanto, importa saber se o autor logrou fazer prova do evento causador das lesões.
Nos termos do art. 8º nº 1 da LAT, é acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
O nº 2 deste normativo define o que se deve entender por local e tempo de trabalho.
Por seu turno, o artº 9º da mesma Lei estende o conceito de acidente de trabalho a outras situações, entre as quais figuram os acidentes ocorridos fora do local e do tempo de trabalho, quando verificados na execução de serviços determinados pela entidade empregadora ou por esta consentidos (alínea h) do n 1).
Para os efeitos em análise[3], importar reter a lição de Carlos Alegre, in Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, pp. 45-47, segundo a qual são três os elementos a considerar para que o acidente seja qualificável como de trabalho ao abrigo da mencionada alínea f): a) execução de serviços fora do local e/ou tempo de trabalho; b) missão ou função profissional, que pode ter carácter duradouro ou meramente ocasional ou esporádico; c) posição subordinada do trabalhador durante o cumprimento da missão.
E quanto à função profissional afirma: “Em regra, o cumprimento da missão impõe ao trabalhador não só a deslocação a determinados locais, como a sua permanência, mais curta ou mais longa, nesses locais, muitas vezes sem que o objeto específico da missão esteja a ser diretamente trabalhado. Por outras palavras, o trabalhador que se desloca, fora do tempo e do local de trabalho, está sujeito a acidentes ocasionados diretamente pelo cumprimento da sua missão profissional, como a acidentes ocasionados por atos da vida corrente, cujos riscos normalmente não correria. É na diferenciação entre atos da vida corrente, impostos pelas necessidades pessoais quotidianas (higiene, repouso, refeições, lazer, etc.) e os atos decorrentes da execução da missão ou função profissional que, com frequência, se colocam as dificuldades práticas. O critério de distinção só pode ser exatamente este: os atos da vida profissional distinguem-se dos atos da vida corrente, desde que decorram diretamente da execução da missão. Por isso mesmo, afigura-se-nos pouco rigoroso e suscetível de, em geral, inultrapassáveis confusões falar-se de nexo de causalidade entre o acidente e o trabalho do sinistrado, devendo, antes, averiguar-se da existência ou não do vínculo de autoridade da entidade patronal, a qual, obviamente, só se exerce sobre os atos da vida profissional e não sobre os da vida corrente.”.
Resulta de quanto acaba de referir-se que a qualificação de um dado acidente como sendo de trabalho exige, em situações como aquelas de que ora cuidamos, que o trabalhador/sinistrado se encontre em função profissional, o mesmo é dizer em atos decorrentes da sua atividade profissional, e não em meros atos (particulares) de lazer, repouso, etc.
Para lá do que acaba de referir-se, importa ainda ter em conta que subjacente ao regime dos acidentes de trabalho está hoje a denominada teoria do risco económico ou do risco de autoridade (Carlos Alegre, Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, pp. 12, 13, 41 e 42) que sustenta como elemento preponderante na qualificação de um acidente como de trabalho o da sujeição do trabalhador, no momento do acidente, à autoridade do empregador.
Assim, independentemente de ocorrer ou não no tempo e no local de trabalho, o que relevará fundamentalmente para que um acidente possa ser considerado como de trabalho é que o trabalhador se encontre, no momento da sua verificação, sob a autoridade da entidade empregadora, se encontre a executar um serviço ou tarefa por ela determinado”, (sublinhado nosso).
Como referido também anteriormente no Acórdão da Relação de Coimbra de 28.11.2013, (Relator Desembargador Jorge Loureiro, in www.dgsi.pt).
Em concreto, tal como na situação do acórdão que vimos acompanhando, o evento que originou as lesões ocorreu fora do tempo de trabalho.
O Sinistrado procedia à remoção num Sábado e ficou provado que a sociedade Carroçarias Irmãos Costa, Lda., estava, como está, encerrada e sem laboração aos sábados à tarde.
Ficou provado é certo que o local de trabalho do Autor era na Rua …, nº …, …, Marco de Canavezes e correspondia ao pavilhão industrial no qual a segurada exercia a sua atividade.
Porém, salientamos ter também ficado provado que o mesmo local era usado para fazer testes a máquinas e maquinismos produzidos pela D… e para dar formação a clientes e trabalhadores da referida empresa na utilização de máquinas e maquinismos produzidos e/ou vendidos pela D….
Ou seja, o local onde ocorreu o acidente era utilizado para atividades da Ré complementares – realização de testes - da atividade principal pela mesma desenvolvida. Isto, independentemente do terreno, em causa, corresponder a um artigo matricial autónomo e o exato local onde ocorreu fique mais ou menos distante do pavilhão.
Podemos concluir, assim, que o evento infortunístico não ocorreu no tempo, mas não se excluindo que o tivesse sido no local de trabalho.
Continuando a incluir o texto do projeto inicial:
“Na decisão recorrida concluiu-se pela existência de um acidente de trabalho.
A apelante discorda referindo: “Por não ter ocorrido no local e tempo de trabalho, nem a actividade, na altura, exercida pelo apelado ter utilidade económica para a patronal o acidente em apreço não pode ser qualificado como laboral, pelo que, ao fazê-lo, o tribunal recorrido fez uma errada aplicação do artº 8º da LAT.”.
Que dizer?
Para uma melhor compreensão da nossa decisão, comecemos por analisar alguns conceitos, nomeadamente, para apurar quando um “acidente” deve ser qualificado como acidente de trabalho, nos termos definidos na Lei 98/2009, de 04.09, (também designada adiante por LAT e a que pertencerão os artigos a seguir referidos sem outra indicação de origem) que consagra o regime legal de reparação de acidentes de trabalho aplicável ao caso, atenta a data, 09.12.2017, em que, alegadamente, ocorreu o sinistro em discussão.
Vejamos.
Sobre a definição normativa de acidente de trabalho dispõe o art. 8°, n° 1, da LAT sob a epígrafe “Conceito” que, “É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.”.
No art. 9º enumeram-se diversas situações que são consideradas, também, acidente de trabalho, ali epigrafadas de “Extensão do conceito” definido no anterior artigo.
Como vem sendo defendido, em regra, o acidente de trabalho será “um acontecimento não intencionalmente provocado (ao menos pela vítima), de carácter anormal e inesperado, gerador de consequências danosas no corpo ou na saúde, imputável ao trabalho, no exercício de uma actividade profissional, ou por causa dela, de que é vítima um trabalhador”, (cfr. Carlos Alegre in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Almedina, 2ª Ed., 2001, pág. 35) ou, dito de outro modo, “o acidente de trabalho pressupõe que seja súbito (vejam-se Maria Adelaide Domingos, Viriato Reis e Diogo Ravara in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Introdução, Centro de Estudos Judiciários, Julho de 2013, pág. 27, os quais caracterizam este requisito como de “duração curta e limitada”, “repentino”, “instantâneo”, “imediato”, mas sem que tal tenha que ser entendido em termos absolutos.) o seu aparecimento, assenta numa ideia de imprevisibilidade quanto à sua verificação e deriva de factores exteriores”, distinguindo-se da doença profissional por esta ser, via de regra, “de produção lenta e progressiva surgindo de modo imperceptível”, (cfr. refere Pedro Romano Martinez in Direito do Trabalho, Almedina, 2015, pág.s 829/830).
A nível jurisprudencial, sobre a noção de acidente de trabalho, lê-se no (Ac. STJ de 13.01.2010, proferido no processo 1466/03.2 TTPRT.S1 disponível em www.dgsi.pt) que, (…) “reconduz-se a um acontecimento súbito, de verificação inesperada e origem externa, que provoca directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença”.
Conclui-se, assim, do exposto que, a caracterização de um acidente de trabalho está dependente da verificação cumulativa de três elementos: a) elemento espacial (local de trabalho); b) elemento temporal (tempo de trabalho); c) elemento causal (nexo de causalidade entre o evento e a lesão).
Em suma, são várias as condições para que se verifique a obrigação de reparação dos danos resultantes de um acidente de trabalho: evento, local e tempo de trabalho, dano e nexo de imputação entre o facto e o dano.
E quando falamos do nexo de causalidade referimo-nos ao duplo nexo causal, cuja demonstração é exigida na reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho, “entre o acidente e o dano físico ou psíquico (a lesão, a perturbação funcional, a doença ou a morte) e entre este e o dano laboral (a redução ou a exclusão da capacidade de trabalho ou de ganho do trabalhador)” (cfr. Ac. STJ, de 16-09-2015, Proc. nº 112/09.5TBVP.L2.S1 in www.dgsi.pt).
No caso, tendo em atenção os dispositivos enunciados e a factualidade assente, a Mª Juíza “a quo” considerou que o A. sofreu um acidente de trabalho, decisão que a recorrente não aceita”.
Quanto às situações de extensão do conceito, previstas no artigo 9º da LAT, salientamos a alínea h) do nº1 do mesmo preceito, onde se considera também acidente de trabalho o ocorrido «Fora do local ou tempo de trabalho, quando verificado na execução de serviços determinados pelo empregador ou por ele consentidos».
Não tem razão a Apelante quando conclui que, ao considerar a atividade que o Sinistrado desenvolvia como coberta pela apólice, a sentença recorrida fez uma errada aplicação da mesma apólice e do previsto nos artigos 406º do CC, 81º da LAT e 1º e ss do RJCS.
Não entendemos que o Sinistrado estivesse a desenvolver uma atividade alheia à atividade da D… antes que bem ficou decidido na sentença ao concluir no sentido de a atividade que o Sinistrado estava a realizar se encontra abrangida pelo contrato de seguro.
Tratava-se da limpeza do terreno e abertura de acessos para veículos de emergência e socorro, num local utilizado pela mesma empresa, para uma atividade complementar da sua atividade principal - fazer testes a máquinas e maquinismos e para dar formação a clientes e trabalhadores seus na utilização de máquinas e maquinismos produzidos e/ou vendidos por aquela. No fundo, o Autor estava a criar condições de limpeza/segurança nomeadamente para essas atividades complementares ocorrerem.
Não vemos como possível deixar de conexionar a limpeza do terreno para acesso de veículos de socorro com a atividade de realização daqueles testes e de oferecer formação.
Note-se que até a máquina giratória em que o Sinistrado se encontrava, aquando do sinistro, pertencia à D… tendo outrossim ficado assente que aquele habitualmente opera máquinas pesadas, nomeadamente, giratórias e dumpers, que são propriedade da empresa.
Ou seja, no momento concreto do acidente, o Autor encontrava-se a praticar atos da sua vida profissional - ele é gerente, determina, por isso estava a executar as tarefas a comando da empregadora - e não da sua vida corrente. Fazia-o fora do seu horário, mas num local utilizado pela segurada para atividades complementares da sua atividade principal.
Tendo em conta a extensão da noção de acidente a que se reporta a alínea h) do nº 1 do artigo 9º da LAT o acidente deve ser qualificado como de trabalho, havendo lugar à reparação infortunística por parte da seguradora para a qual a responsabilidade estava transferida em parte, e ainda por se encontrar também demonstrado o nexo de causalidade entre o evento e as lesões sofridas pelo sinistrado.
Improcede também nesta parte a apelação.
Voltamos agora a seguir o projeto inicialmente relatado que nesta parte mereceu unanimidade:
“Por último, vejamos:
Se ocorreu violação das regras de segurança por parte da entidade patronal
Analisando a sentença recorrida, verifica-se que nela se conclui pela não descaracterização do acidente, pela não verificação das situações previstas nas als. a) e b) do artigo 14º da LAT e nessa sequência, condenou-se a recorrente nos pedidos.
A mesma discorda e vem dizer que, “Ao mandar o apelado executar os trabalhos em causa nos termos provados, utilizando a máquina giratória indicada sem qualquer grade ou protecção da respectiva cabine e permitindo, com isso, que o destroço de madeira em causa fosse embater no apelado, que se encontrava dentro daquela cabine, a entidade patronal daquele, segurada da apelante, violou as obrigações e regras de segurança previstas no artº 281º/1, 2 e 3 do CT e nos artºs 15º/1 e 29º/1, al. c) e d) do DL. 50/05, de 25 de Fevereiro, e é, pois, nesse caso, a responsável principal pela ocorrência do sinistro em apreço, sendo a responsabilidade da apelante meramente subsidiária, tendo ela direito de regresso do que eventualmente venha a pagar sobre aquela dita EP, sua segurada (cf. artºs 18º/1 e 79º/3 da LAT), como deverá ser declarado.”.
Que dizer?
Desde logo que, da análise da decisão verifica-se que, o Tribunal “a quo” não se pronunciou pela verificação da situação prevista no artigo 18º da LAT, ou seja, não se pronunciou quanto a esta questão, em concreto, colocada na sua defesa pela R., seguradora.
Ora, sendo deste modo, não temos dúvidas que, a decisão recorrida se mostra omissa quanto à análise da pretensão colocada e deduzida pela ré/seguradora em sede de contestação e que, por não ter sido atendida, a mesma reitera, através do recurso, pugnando que deve ser deferida na sequência da revogação daquela.
Ou seja, o Tribunal “a quo” não a aprecia e nada diz quanto à sua procedência ou improcedência, o que não é habitual nem espectável, atento o disposto no art. 608º nº 2 do CPC.
Pois, nos termos deste dispositivo: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras;…”.
E, se não o fizer, dispõe o art. 615º nº 1, do CPC, que a sentença é nula quando, nos termos da al. d): “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…”.
Verifica-se, assim, que a falta de inobservância deste dever de pronúncia sobre as questões que devesse conhecer será a nulidade da sentença ou do despacho impugnado – cfr. resulta do disposto naquela al. d), referida e do art. 613º, nº 3 do mesmo código.
Transpondo, o que acabámos de expor, para o caso e o que decorre da decisão impugnada, a sua apreciação poderia acarretar a nulidade da mesma.
Em nosso entender, decorrente da não apreciação da questão que lhe foi colocada pela seguradora, como se prevê naquele art. 615º nº1, al. d).
No entanto, como supra consignámos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, cfr. art.s 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”, cfr. art. 608º, nº 2 do mesmo diploma.
E, de entre estas questões, excepto no tocante àquelas que o tribunal conhece “ex officio”, o tribunal de 2ª instância, apenas, poderá tomar conhecimento das questões trazidas aos autos pelas partes, nos termos do art. 5º do CPC.
A nulidade supra referida, para que seja possível a sua apreciação, tem de ser arguida, nos termos do nº 4, daquele art. 615º mas, o que se constata é que a apelante não veio arguir a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Não o tendo feito, este Tribunal está impedido de conhecer daquela questão concreta, ou seja, não cumpre a este Tribunal reapreciar questões que o Tribunal recorrido não apreciou, a não ser as de conhecimento oficioso, o que não é o caso”.
Com efeito, como é consabido, a natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina, para além das demais, uma importante limitação ao seu objeto, limitação essa decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas.
Assim o tem afirmado a Doutrina e a Jurisprudência, escrevendo-se a esse propósito no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de novembro de 2016 (in www.dgsi.pt, processo nº 861/13.3TTVIS.C1.S2) o seguinte:
“De acordo com a terminologia proposta por Teixeira de Sousa[1], não pode deixar de se ter presente que tradicionalmente seguimos, em sede de recurso, no âmbito do processo civil, um modelo de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no Tribunal de recurso.
Para se concluir no sentido de que os recursos destinam-se à apreciação de questões já antes levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que antes não foram submetidas ao contraditório e decididas pelo Tribunal recorrido.[2]
Com efeito, em sede recursória o que se põe em causa e se pretende alterar é o teor da decisão recorrida e os fundamentos desta. A sua reapreciação e julgamento terão de ser feitos no seio do mesmo quadro fáctico e condicionalismo do qual emergiu a sentença proferida e posta em crise.
A este propósito, também Abrantes Geraldes[3] explicita que os recursos se destinam a permitir que um Tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida, objetivo que se reflete na delimitação das pretensões que lhe podem ser dirigidas e no leque de competências suscetíveis de serem assumidas.
O mesmo é dizer que devem circunscrever-se às questões que já tenham sido submetidas ao Tribunal de categoria inferior e aos fundamentos em que a sentença se alicerçou e que resultaram da prova produzida e carreada para os autos, salvo, naturalmente, as questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos imprescindíveis ao seu conhecimento.
Não permitindo a lei que nos recursos sejam discutidas questões novas que não foram suficientemente submetidas ao escrupuloso respeito pela regra do contraditório, a fim de obviar que, numa etapa desajustada, se coloquem questões que nem sequer puderam ser convenientemente discutidas ou apreciadas[4] (…)”
Deste modo, não há que conhecer da presente questão”.
*
4. DECISÃO:
Em conformidade, com o exposto, acordam os Juízes desta Secção em alterar as alíneas I) e K) dos factos assentes, de modo que passam a ter a seguinte redação:
I) No dia .. de Dezembro de 2017, por volta das 16:00, o Sinistrado encontrava-se a proceder à limpeza do terreno e abertura de acessos para veículos de emergência e socorro, utilizando para o efeito uma máquina giratória, que lhe permitia colocar uns toros de madeira queimada no “dumper”, propriedade da D…, Lda, para posteriormente os colocar num local destinado a aterro sito no próprio terreno.
K) O que fazia a cerca de 516 metros de distância do pavilhão referido na alínea EE), no meio do monte e floresta, já próximo e nas encostas do rio …, num local ermo e com inclinação acentuada, de acesso só a pé ou por veículo todo terreno, mas que era usado para fazer testes a máquinas e maquinismos produzidos pela D… e para dar formação a clientes e trabalhadores da referida empresa na utilização de máquinas e maquinismos produzidos e/ou vendidos pela D…”.
No mais confirmar a sentença recorrida,
Custas da Apelação a cargo da Ré Seguradora (dado que apesar de ser alterada a matéria de facto, manteve-se o decidido de direito em 1ª instância).
________________
Sumário:
………………………………
………………………………
………………………………
(sumário extraído em parte do sumário do Acórdão da Relação de Coimbra de 16.12.2015 e do sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.11.2016, ambos referenciados no texto)

Porto, 17 de Janeiro de 2022.
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão
Rita Romeira [vencida em conformidade com o teor do voto que segue
Voto vencida o acórdão porque, apesar do devido respeito, não posso concordar com a decisão, por maioria, proferida no mesmo, desde logo, quanto à decisão da matéria de facto. Pois, não subscrevo os fundamentos que estiveram na base da alteração da al I) mas sim, porque considero que, na AL.I), lê-se o seguinte:
“No dia .. de Dezembro de 2017, por volta das 16:00, o Sinistrado encontrava-se na sede da empresa, a proceder à limpeza do terreno e abertura de acessos para veículos de emergência e socorro, utilizando para o efeito uma máquina giratória, que lhe permitia colocar uns toros de madeira queimada no “dumper”, propriedade da D…, Lda, para posteriormente os colocar num local destinado a aterro sito no próprio terreno.
E, na AL. J), o seguinte: “O A estava a carregar pequenos troncos e destroços de madeira com uma máquina giratória, de marca Komatsu PC210, nº K….., num equipamento denominado de dumper no prédio rústico, a pinhal, denominado G…, sito em … freguesia de …, concelho do Marco de Canavezes, artº ….R da matriz, com a área de 1,870000m2, inscrito em nome da sobredita segurada.”.
Da demais matéria provada (alíneas J), K), DD) e EE) resulta que o prédio rústico a que se refere a al. J) é propriedade da Ré patronal e que o trabalho que o sinistrado efectuava distava, do pavilhão industrial onde a Ré patronal exerce a sua actividade, cerca de 516 metros.
E segundo as regras da experiência, se a Ré patronal exerce a sua actividade nesse pavilhão a sede da mesma será nesse local, seu domicilio legal, cfr. art. 12º do CSC.
Ora, como provado, o sinistrado não se encontrava, no momento do acidente, na sede da empresa mas a 516 metros do referido pavilhão e no prédio rústico a que alude a al. J) da matéria provada.
Assim sendo, havia que retirar da al. I) a referida frase “encontrava-se na sede da empresa” sob pena de contradição, como referido, com a al. J).
Dando, deste modo, razão à recorrente.
*
Depois, porque não concordo, com o que a nível de direito aqui foi decidido, por ser, minha convicção, que também tem razão a apelante, no que respeita às seguintes questões, saber:
- Se a actividade que o sinistrado estava a exercer não está coberta pelo seguro
Nesta parte consta da decisão recorrida o seguinte: “Revertendo ao caso dos autos, teremos de fixar o sentido, que chamaríamos de “prático e sensato” da declaração (o mais consentâneo com uma postura de boa fé na interpretação do contrato), pelo que, na interpretação do contrato de seguro, teremos de admitir que a actividade de um sócio-gerente de uma empresa que se dedica à fabricação de carroçarias, reboques e semi-reboques, compreende também a limpeza e abertura de caminhos para acesso de veículos de emergência e socorro, em terrenos da própria empresa, contíguos ao pavilhão onde aquela produz os bens que comercializa, e onde são testados os maquinismos que produz. Tal seria aceite que um declaratário normal e um contratante indeterminado normal, que subscrevesse as cláusulas do contrato de seguro, e entenderia que essas eram actividades acessórias à gestão da empresa, por isso compreendidas nas tarefas abrangidas pelo objecto do contrato de seguro. Afigura-se-nos que tal é o mais consentâneo com uma postura de boa fé na interpretação do contrato. Tudo visto, teremos de concluir que, estando no concreto acidente sobre que versam os autos verificados os acima apontados elementos espacial, temporal e causal, dúvidas não subsistem que este concreto evento é de qualificar como acidente de trabalho”.
Diz a apelante: A actividade da segurada coberta pela apólice de seguro era a de fabricação de carroçarias, reboques e semi-reboques (facto da alínea CC). Não se inclui nesta actividade, nem se pode considerar como perímetro exterior ao local de trabalho a actividade de limpeza de mata que o apelado se encontrava a exercer sozinho, num sábado à tarde, em período de encerramento daquela actividade, em terreno contíguo ao do estaleiro daquela segurada, ainda que pertença desta, a mais de 516 metros de distância, no meio do monte e floresta, já próximo e nas encostas do rio …, num local ermo e com inclinação acentuada, de acesso só a pé ou por veículo todo terreno. Ao considerar aquela actividade como coberta por aquela apólice a sentença recorrida fez uma errada aplicação da mesma apólice e do previsto no artº 406º do CC, no artº 81º da LAT e no artº 1º e ss do RJCS.
Que dizer?
A propósito desta questão, provou-se o seguinte: “A. O Autor é sócio gerente da sociedade D… Lda., pessoa colectiva n.º 502490268, com sede na Rua …, n.º …, ….-… na cidade do Marco de Canaveses.
B. A referida sociedade tem por objeto o comércio e Indústria de carroçarias, fabricação de estruturas de construções metálicas e montagem dos mesmos.
C. A R D…, Lda dedica-se ao fabrico de carroçarias basculantes e metalomecânica pesada para máquinas, camiões e afins, construindo e reparando equipamentos, sobretudo equipamentos para indústria de extracção de pedra e actividade florestal.
D. A R D…, Lda está inscrita no CAE 29200–R3, 25110-R3 e 43992-R3
CC. A actividade da segurada coberta por essa apólice, e natureza dos trabalhos a segurar, indicada na proposta de seguro da mesma apólice, era a de fabricação de carroçarias, reboques e semi-reboques aonde sob a epígrafe dados do risco constava actividade económica (C.A.E.) fabricação de carroçarias, reboques e semi-reboques e sob a epígrafe questionário geral constava natureza dos trabalhos a segurar com indicação da actividade: fabricação de carroçarias, reboque e semi-reboques.”.
Ora, a matéria ora indicada, só nos permite concluir que a actividade que o sinistrado exercia, no momento do acidente (limpeza de terreno e abertura de acessos para veículos de emergência e socorro) nada tem a ver com a actividade da empresa, objecto do contrato de seguro.
E não releva o facto de esse terreno ser usado para fazer testes a máquinas e maquinismos produzidos pela D… e para dar formação a clientes e trabalhadores da referida empresa na utilização de máquinas e maquinismos produzidos e/ou vendidos pela D…, já que, esta não é a actividade exercida pela empresa, mas sim, a do comércio e Indústria de carroçarias, fabricação de estruturas de construções metálicas e montagem dos mesmos.
Mas, mesmo admitindo que os testes e formação a clientes e trabalhadores constitui um complemento à actividade da empresa, certo é que nesta actividade, a que chamaremos de “complementar” não está incluída, nem se inclui, a limpeza de terreno e abertura de acessos para veículos de emergência e socorro, actividade totalmente estranha à actividade exercida pela empresa, considerando-se quer a actividade principal quer aquela a que chamamos de “complementar”.
Considero, assim, que não pode a sentença manter-se quando concluiu no sentido de a actividade que o sinistrado estava a realizar se encontra abrangida pelo contrato de seguro.
E, em consequência, só pode proceder esta questão da apelação.
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E a questão de saber:
- Se estamos perante um acidente de trabalho.
Na decisão recorrida concluiu-se pela existência de um acidente de trabalho.
A apelante discorda referindo: “Por não ter ocorrido no local e tempo de trabalho, nem a actividade, na altura, exercida pelo apelado ter utilidade económica para a patronal o acidente em apreço não pode ser qualificado como laboral, pelo que, ao fazê-lo, o tribunal recorrido fez uma errada aplicação do artº 8º da LAT.”.
Quanto a esta, entendo que, a factualidade apurada não permite formular opinião diferente da defendida pela apelante.
O A. não logrou provar, sendo que era ao mesmo que o competia fazer, art. 342º nº 1, do CC que a lesão que apresenta foi causada por algum acontecimento ocorrido no exercício da sua actividade profissional, ou por causa dela, no seu local e tempo de trabalho.
Pois, tendo em conta a factualidade dada como provada diremos que o acidente não ocorreu nem no lugar nem no tempo de trabalho, nem tem ligação com a relação laboral o que, a acontecer, nos permitiria eventualmente estabelecer a ligação que justifica que o acidente mereça ainda tutela, nos termos da al. h), do art. 9º da LAT.
Explicando.
Com efeito, a tarefa que o sinistrado efectuava, não relacionada com a actividade da empresa, aconteceu fora do local de trabalho – o pavilhão – bem longe deste (a mais de 500 metros).
E apesar de o sinistrado ter isenção de horário (o que não significa inexistência de horário de trabalho) certo é que tal actividade estava a ser exercida em momento em que a empresa não estava a laborar, pelo que concluímos, igualmente, que não ocorreu, o acidente, no tempo de trabalho.
Restaria, no entanto, a possibilidade de estarmos numa situação em que fosse possível o alargamento do conceito de acidente, nomeadamente, face ao disposto naquele art. 9º, nº 1, al. h), que prevê. “Fora do local ou tempo de trabalho, quando verificado na execução de serviços determinados pelo empregador ou por ele consentidos”.
Mas, tal não é possível.
Pois, se é certo que o poderíamos ser levados a crer, nomeadamente, face ao que decorre da al K. dos factos provados, em concreto, quanto ao que ali se refere sobre o uso dado ao terreno, onde ocorreu o acidente, o mesmo, mostra-se imediatamente, afastado, perante o que decorre da al. I. da mesma factualidade, de onde só podemos concluir que o acidente ocorreu quando o sinistrado se encontrava – naquele local distante do local de trabalho, fora do horário de trabalho (factos K. E. e I) – a exercer uma actividade que não têm qualquer ligação com a sua função profissional.
A este propósito, veja-se (Carlos Alegre, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, pág. 46, em anotação à referida alínea – al. f do nº2 do art. 6º da lei 100/97, a qual tinha a mesma redacção -), onde diz “o trabalhador que se desloca, fora do tempo e do local de trabalho, está sujeito a acidentes ocasionados directamente pelo cumprimento da sua missão profissional, como a acidentes ocasionados por actos da vida corrente, cujos riscos normalmente não correria” …... “O critério de distinção só pode ser exactamente este: os actos da vida profissional distinguem-se dos actos da vida corrente, desde que decorram directamente da execução da missão”.
Assim, no caso, apesar de o terreno onde o acidente ocorreu se destinar, também, a dar formação a clientes e trabalhadores da empresa/empregadora e a ser usado para fazer testes a máquinas e maquinismos produzidos pela mesma (facto K.), o certo é que, no momento o sinistrado não se encontrava a dar qualquer formação ou a fazer testes a quaisquer máquinas. O acidente deu-se, quando o sinistrado se encontrava “a proceder à limpeza do terreno e abertura de acessos para veículos de emergência e socorro”, (facto I) e a movimentar no terreno, toros de madeira queimada, destinados a serem colocados em aterro sito no próprio terreno, bem diferente do que seria se fossem destinados à fabricação daquelas carroçarias a que a empresa se dedica (facto C.). Ou seja, o acidente ocorreu quando o sinistrado executava missão/função não relacionada, nem com aquela referida formação, nem com a actividade principal da empresa.
Sendo no caso, totalmente irrelevante, o facto de o acidente ter acontecido em terreno inscrito em nome da segurada/empregadora, já que do que aqui se trata é de um sinistro ocorrido fora do tempo e local de trabalho.
Em suma, a factualidade que se apurou, não nos permite concluir que a situação seja enquadrável, nos termos da al. h), do art. 9º, referido porque, para que se encontrem preenchidos os requisitos aqui mencionados, faltaria o A. estar a executar serviços relacionados com a actividade da empresa, ainda que fora do local e tempo de trabalho.
O alargamento do conceito de acidente de trabalho aos acidentes ocorridos, fora do local ou tempo de trabalho não pode deixar de estar limitado a uma ligação, mais ou menos directa, com a relação laboral, ou seja, execução de serviços relacionados com a actividade da empresa, já que é essa ligação que justifica que o acidente mereça ainda tutela por parte do empregador, de acordo com a teoria do risco económico ou da autoridade.
Acresce dizer, como nota final que, igualmente, não se verifica a situação prevista na al.b) do mesmo nº1 do referido art. 9º “na execução de serviços espontaneamente prestados e de que possa resultar proveito económico para o empregador”. Não resulta da matéria de facto que da tarefa executada pelo sinistrado (limpeza do terreno e abertura de acessos para veículos de emergência e socorro) resultasse, efectivamente, um proveito económico para a empresa, ainda que meramente potencial, tendo em conta a actividade a que a empresa se dedica, quer seja a principal, quer seja a “complementar”.
Por tudo isso, não poderia deixar de concordar com a apelante e só poderia concluir que, não estamos na presença de um acidente de trabalho.
E, deste modo, julgava procedente a apelação, em consequência, revogava a decisão recorrida e, em sua substituição, absolvia a Ré/recorrente dos pedidos, com custas, em ambas as instâncias, a cargo do Autor e da Ré patronal em partes iguais.]
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[1] In “Estudos Sobre o Processo Civil”, 2ª Edição, págs. 395 e segts. No mesmo sentido cf. António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2016, 3ª Edição, Almedina, pág. 98.
[2] Neste sentido, cf. tb. José Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, in “CPC Anotado”, Vol. III. Tomo 1, 2ª Ed., Coimbra Editora, pág. 8.
[3] Ibidem, em “Recursos Em Processo Civil – Novo Regime”, Almedina, 2ª Edição, págs. 25 e segts.
[4] Ibidem, António Santos Abrantes Geraldes, págs. 94 e segts.