Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2405/19.4T9AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLA OLIVEIRA
Descritores: ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
PRESSUPOSTOS
CRIME DE DIFAMAÇÃO
CRIME DE DENÚNCIA CALUNIOSA
INTERESSES PROTEGIDOS
CONCURSO APARENTE
ACESSO AOS TRIBUNAIS
TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA
LIMITES
INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS
VALOR INDEMNIZATÓRIO
DIGNIDADE HUMANA
Nº do Documento: RP202306142405/19.4T9AVR.P1
Data do Acordão: 06/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO.
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I – Não constitui alteração substancial dos factos a pormenorização ou concretização de factos constantes dos autos e que alicerçaram a acusação/pronúncia, tornar mais claro o conteúdo desta última, pois que em nada a alterou, ou seja, o objeto do processo, visto como o “pedaço concreto de atuação do arguido” sujeito a escrutínio jurídico é exatamente o mesmo, não se tendo modificado em nada, além de que os factos aditados nem alteram os elementos essenciais, nem a natureza do crime imputado e não são sequer aptos, seja de que forma for, a agravar quaisquer limites da respetiva sanção.
II – No que respeita ao crime de difamação não existem dúvidas de que, com maior ou menor extensão, o bem jurídico protegido é a honra, enquanto que no caso da denúncia caluniosa, pese embora a inserção deste tipo legal no capítulo dos crimes contra a realização da justiça, o bem jurídico tutelado não é apenas a administração ou a realização da justiça, antes revestindo natureza mista, posto que os bens tutelados são, por um lado, a honra e, por outro, a realização da justiça.
III – Assim sendo, o bem jurídico tutelado pelo crime de difamação mostra-se também ele tutelado pelo crime de denúncia caluniosa, o que nos remete para uma situação de concurso aparente, integrando uma tal conduta que abarque ambos os ilícitos apenas a prática do crime de denúncia caluniosa, mais abrangente e punível com a pena mais grave.
IV – O direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva, nos casos em que era consabido pelo denunciante que os factos denunciados não correspondiam à verdade, implica que não nos encontremos já perante o exercício de um direito constitucionalmente consagrado, mas perante a prática, por parte daquele, de um crime de denúncia caluniosa.
V – Do mesmo modo, a existir um conflito de direitos entre a liberdade de expressão e a tutela da honra e consideração de alguém, tal direito não permite a denúncia contra terceiro por factos que se sabe serem consabidamente falsos, pois a tutela constitucional desses direitos não pode permitir um uso abusivo dos mesmos, já que tal iria totalmente contra os interesses e as razões de justiça que os fundamentam.
VI – Os valores fixados a título de indemnização por danos morais não podem ser irrisórios ou tão insignificantes que se tornem humilhantes para aqueles que os sofrem. Têm que, de algum modo e da melhor forma possível, compensar o dano sofrido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo Comum Coletivo nº 2405/19.4T9AVR.P1
Comarca de ...
Juízo Local Criminal – J1



Acórdão deliberado em Conferência

1. Relatório

1.1 Decisão recorrida
Por sentença de 6 de outubro de 2022, o arguido AA foi condenado pela prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação agravada, p e p. pelos artigos 180º, nº1, 182º, 184º e 132º, n.º2, alínea l) e de um crime de denuncia caluniosa, p e p. pelo artigo 365º, todos do Código Penal, nas penas de, respetivamente, 120 dias de multa e de 140 dias de multa. Foi condenado na pena única de 200 dias de multa, à taxa diária de 11,00€, no montante global de 2.200,00€.
O arguido/demandado foi também condenado no pagamento à assistente/demandante cível, a quantia de 8.500,00€, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos, sendo essa quanta acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano, contados desde a data de notificação do pedido e até integral cumprimento.
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1.2 Recurso
O arguido interpôs recurso invocando, em síntese, em sede de alegações:
- a nulidade da sentença nos termos previstos no art. 379º, nº2, do Cód. Proc. Penal, já que foi condenado por factos diversos dos constantes da pronúncia e fora das condições previstas nos arts. 258º e 359º, do mesmo diploma. Assenta a sua pretensão no entendimento de que os factos comunicados, na audiência de 4 de julho, como consubstanciando uma alteração não substancial dos factos não se tratam de factos novos pois constavam dos autos desde o início do processo, tendo sido omitidos da acusação/pronúncia por opção dos magistrados que elaboraram tais peças. Assim, a integração de tais factos (comunicados) na matéria de facto provada traduz-se numa verdadeira alteração substancial dos factos (porque existe um acréscimo de factos aos que já constavam da pronúncia) a qual não é admissível por o arguido se ter oposto ao prosseguimento do julgamento por esses novos factos;
- a existência de erro sobre a decisão da matéria de facto provada já que relativamente aos factos constantes dos pontos 2, 11, 12, 20, 23, 27, 28, 29, 30, 31 e 32, a prova produzida impunha que os mesmos fossem considerados não provados;
- que não se mostram preenchidos os elementos subjetivos quer do crime de difamação, quer do crime de denúncia caluniosa, o que implica a absolvição da prática dos mesmos;
- que se verifica um concurso aparente, e não real como entendido pelo tribunal recorrido, entre os crimes de denúncia caluniosa e de difamação;
- que, de qualquer modo o arguido agiu no exercício dos direitos de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva e de liberdade de expressão, constitucionalmente consagrados, os quais prevalecem sobre a tutela da honra e consideração.
- que a medida concreta das penas se mostra excessiva e desproporcional, tendo ultrapassado a culpa do arguido. A pena concreta não deve exceder os 80 e 100 dias de multa, respetivamente pelos crimes de difamação e denúncia caluniosa e, em cúmulo deve ser aplicada a pena única de 90 dias. Acresce que o montante diário fixado se mostra elevado face às condições económicas do arguido;
- que o montante de indemnização cível fixado se mostra excessivo, não devendo ultrapassar 4.000,00€. Mais, os juros devidos, tendo em conta que respeitam a danos não patrimoniais, apenas são devidos desde a data do trânsito da decisão e não desde a data da notificação do pedido cível.

O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso, defendendo a sua improcedência. Neste Tribunal da Relação, o Procurador Geral Adjunto emitiu parecer também no sentido da manutenção da decisão recorrida.
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2. Questões a decidir no recurso
As questões a apreciar e a decidir são as seguintes:
- da nulidade da sentença nos termos previstos no art. 379º, nº2, do Cód. Proc. Penal;
- da impugnação da matéria de facto;
- da ausência dos elementos subjetivos dos crimes de difamação e de denúncia caluniosa;
- dos crimes de difamação e denúncia caluniosa: concurso real ou concurso aparente;
- do exercício dos direitos de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva, de denúncia e de liberdade de expressão constitucionalmente consagrados e o seu confronto com a tutela do direito à honra.
- da medida concreta da pena;
- do montante da indemnização cível e respetivos juros.
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3. Fundamentação
3.1. Factualidade provada/não provada na sentença
Factos provados
1. À data dos factos que infra se descrevem, AA, com a carreira de Oficial de Justiça, exercia as funções de Administrador Judiciário na Comarca de ....
2. No dia 22-10-2018, AA apresentou, na Coordenação da Procuradoria da República da Comarca de ..., uma participação criminal por si subscrita, endereçada à Ex. mª Senhora Procuradora Geral da República, contra a conduta e postura da Magistrada do Ministério Público, titular do processo de inquérito nº 795/15...., pela grosseira e errada condução da investigação dos autos e cujos erros grosseiros, parte dos quais, vão todos no sentido de lesar e prejudicar de forma grave o denunciante e a ofendida/assistente, sua mulher, e foram no sentido de contaminar o processo, desejando a instauração de procedimento.
3. Inquérito aquele com o n.º795/15.... que teve origem em queixa apresentada, em 21-04-2015, por BB, casada com AA, contra “A....” e outros e que correu os seus termos na ... Secção do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) ....
4. Esta Secção do DIAP ..., era, à data, coordenada pela Procuradora da República, CC, a qual ainda exercia as funções de coordenação nas Secções Locais do DIAP ..., de ... e de ..., desde 01-09-2014 até ao final do mês de Dezembro de 2018.
5. No âmbito dessas funções, era titular de inquéritos, designadamente os de maior complexidade e de maior repercussão social e/ou mediática, que lhe eram inicialmente distribuídos ou posteriormente avocados por si.
6. E, assim, a Procuradora da República, CC, por despacho de 24-04-2015, procedeu à avocação do referido inquérito nº 795/15...., assumindo a sua titularidade e a inerente direcção da investigação.
7. O que AA bem sabia ser a Procuradora da República, ora ofendida CC, a titular do mencionado inquérito, quem o dirigia e quem nele ordenava a realização das diligências tidas por úteis e necessárias à mesma, em ordem à decisão da acusação.
8. Com data de 12-01-2018, a Procuradora da República, CC, proferiu despacho de encerramento do inquérito com arquivamento relativamente a “A... Lda.”, DD e EE e com acusação contra FF pela prática por este de um crime de ofensa à integridade física por negligência graves.
9. Não se conformando com o despacho de encerramento do inquérito n.º795/15...., a queixosa BB requereu a intervenção hierárquica, a qual foi decidida, revogando o despacho de arquivamento.
10. Realizadas as diligências de inquérito tidas por necessárias, a Procuradora da República, CC, proferiu, com data de 09-10-2018, despacho de encerramento de inquérito, com arquivamento numa parte por falta de indícios suficientes, e de acusação contra FF pelos crimes de ofensa à integridade física por negligência graves e de omissão e auxílio.
11. Apesar disso, na participação criminal mencionada no ponto 2 desta acusação, AA imputou à titular do inquérito n.º 795/15...., Dr.ª CC, Procuradora da República, a existência no processo de anomalias várias, muitas delas grosseiras, e a realização de diligências algumas das quais considera altamente lesivas dos seus interesses, dos interesses da ofendida e da descoberta da verdade pois do inquérito resultam inúmeros e grosseiros erros todos eles o prejudicando a si e à sua esposa e ofendida/assistente alguns deles com repercussões graves no resultado final do processo e no apuramento da verdade.
12. E, por referência ao processo de inquérito n.º795/15...., AA fez, além do mais, à sua titular, Procuradora da República, CC, imputações ofensivas do seu bom nome, honra, dignidade, consideração e reputação quer no plano pessoal, quer profissional, por se relacionarem com o exercício de funções ou por causa delas, nomeadamente com a sua imparcialidade e isenção na direcção do inquérito, na recolha e apreciação da prova, bem como teceu considerações, fez juízos de valor e lançou as suspeitas ou insinuações de que a ofendida seria influenciável, permeável e controlável pela Dr.ª DD, ou ainda de que a ofendida teria tido alguma intervenção no episódio da contagem de prazos para apresentação do requerimento de intervenção hierárquica, o que quis não só atingir a honra e a consideração pessoal e profissional da ofendida no exercício e por causa das suas funções, mas também que contra ela fosse instaurado o respectivo procedimento criminal, o que quis e fez de forma consciente, bem sabendo da falsidade das imputações efectuadas.
13. Assim, na participação que efectuou à Procuradoria-Geral da República, por referência ao processo de inquérito n.º795/15...., AA escreveu:
“AA (…) vem junto de V.ª Ex.ª dar noticia: O aqui denunciante é lesado nos autos de processo de inquérito n.º795/15.... (…)
A presente denúncia é efectuada porquanto o processo enferma de anomalias várias, muitas delas grosseiras as quais necessitam de serem investigadas bem como para averiguação da razão da existência dessas anomalias, até pelo facto de no dia do evento ter a denunciada Dr.ª DD enviado para o denunciante SMS referindo expressamente para não se preocupar pois “...conheciam muito gente e controlavam tudo ...” pretendendo nessa altura, pelo menos foi esse o entendimento que teve, dizer que tinham acesso a meios e a pessoas que fariam com que o estado de saúde da esposa não sofresse qualquer dano pois não faltariam quaisquer tipo de recursos e que nada lhe faltaria.(…)
Os autos por despacho de fls. 15 foram avocados pela Sr.ª Procuradora da República Dr.ª CC que determinou a realização de diligências que fazem parte daqueles autos algumas das quais considera altamente lesivas dos seu interesses, dos interesses da ofendida e da descoberta da verdade pois do inquérito como referiu resultam inúmeros e grosseiros erros todos eles prejudicando o aqui denunciante e sua esposa e ofendida/assistente alguns deles com repercussões graves no resultado final do processo e no apuramento da verdade. (…)
A - Da intervenção do Presidente da Federação Nacional ... (...) verifica- se que as declarações prestadas por aquele perito começam a ir num sentido bastante claro, inequívoco mesmo (…) prestadas perante a Magistrada (…) enquanto mais tarde, em momento e diligência posteriores se verifica uma inversão na atitude e discurso do mesmo
- fls. 271, 274 sendo necessária a intervenção da ofendida/assistente em requerimento que juntou a fls. 295, 296 para ser dada resposta às questões colocadas pela Sr.ª Magistrada do M. P.
Das respostas aos quesitos solicitados pelo MP e da falta delas (respostas) recaiu o seguinte despacho: “fls. 296 e sgs. visto. Oportunamente será tido em consideração”. (…)
1 - A intervenção deste perito já de si questionável uma vez que o processo encontrava-se a aguardar o parecer do INML é verdadeiramente estranha quando a resposta aos quesitos colocadas só é dada quando “solicitada pela assistente” requerimentos de fls. 295, 296.
B- Da caução económica requerida nos autos (…)
Na tramitação de todo o incidente processual aconteceram situações deveras estranhas, grosseiramente anómalas.
(…)
Assim, não pôde deixar o aqui denunciante (…)
Quanto às anomalias existentes no incidente de caução económica destaca (…)
Não deveria assim, no modesto entender do denunciante a promoção de ter sido efectuada nos moldes e momento em que foi efectuada porquanto reproduziu exactamente a promoção anterior quer quanto aos factos quer quanto ao direito e não aguardou a junção aos autos de documentos solicitados pela ofendida/assistente e considerados imprescindíveis para a descoberta da verdade e decisão do pedido e cuja junção tinha sido determinado pela Mer. JIC.
Não se percebe o porquê da promoção do MP naquele momento porquanto: Se a Mer. JIC, para a boa decisão necessitava dos elementos solicitados juntos nos autos o porquê do MP não necessitar desses mesmos elementos para promover o que quer que fosse.
(…)
O certo e verdadeiramente estranho e anómalo é o MP nada ter feito quanto a existência destas contas bem como ao facto de delas não ter tido conhecimento. Não basta alegar que uma conta conjunta é de apenas um dos titulares e que resultam de doações.
(…) Nada do que alegou a assistente no requerimento de incidente de caução económica deixou de acontecer e nada foi feito pelo MP titular do Inquérito, para obviar, evitar ou reparar lapsos e entendimentos anteriormente promovidos, grosseiramente erróneos e tidos erradamente, como verdadeiros ou seja:
Não foi notificado da existência da confissão da existência das contas bem como em momento posterior à entrada da caução económica ter sido das mesmas levantada a importância de aproximadamente €200.000, nem solicitou a notificação da existência desse requerimento. Tal parece-nos de capital importância para a promoção proferida ou a proferir naquele incidente.
Sabendo da alteração à composição dos órgãos sociais de clínica bem como da sua sede social e da alteração do estado civil dos sócios gerentes da Clínica A... com as necessárias repercussões quanto aos bens que aqueles detinham nada também foi feito pelo MP como pensamos se impunha.
(…)
Face à existência de bens na posse dos requeridos designadamente os montantes que estavam nas contas referidas e a sua delapidação/ocultação não restava ao MP outra solução que não fosse ele mesmo requerer a prestação de caução económica ou arresto preventivo de bens que garantisse o pagamento de indemnizações a pagar à ofendida e demais lesados porque a acontecer uma condenação em indemnização a isso tem direito por lei, bem como a lei define mecanismos cautelares para que assim seja designadamente o usado pela assistente que poderia e deveria na modesta opinião do denunciante ter sido usado pelo MP assim que verificou ter andado mal nas promoções que fez e no desenrolar de todo o processo, pois mostrava-se à muito tempo suficientemente indiciado nos autos um efectivo receio que os denunciados se preparavam para dissipar bens susceptíveis de serem a única garantia do pagamento de indemnização que venha a ser arbitrada aos lesados.
Ao não agir assim o MP colocou de forma grave em perigo o direito que a ofendida/assistente e demais lesados têm de ser ressarcidos dos danos em prejuízos que lhe foram causados não usando os mecanismos que a Lei lhe confere para tal como é sua obrigação e dever.
(…)
O MP titular do processo não pode ignorar a evidencia dos documentos juntos aos autos a fls. 83 a 86 e cujo conhecimento é de toda a gente (…)
Não pode ignorar o pedido para a sua inquirição não tendo esta sido realizada tendo sido requerida pela assistente (…)
Da decisão do incidente não foi interposto recurso pela assistente uma vez que pelo seu Advogado foi comunicado à assistente repetidas vezes (durante o decurso do prazo para a interposição do recurso) que tinha sido alcançado o acordo.
Igualmente não interpôs o MP recurso.
(…)
Não se percebe que verificados todos os factos atrás referidos e por diversas vezes reclamados pela assistente que o MP não intente ele próprio o incidente que permita a garantia do pagamento (…)
Ao agir dessa forma o MP protegeria também o Estado de eventuais indemnizações resultantes da errada prática da medicina (…)
(…)
Continuando a analisar os autos e verificando sempre diligencias e actos que o desfavorecem (…)
Encontrava-se o denunciante igualmente presente em dia posterior quando aquele efectuou uma chamada para o DIAP ... a questionar os motivos pelos quais a Sr.ª funcionária GG havia dado como termo do prazo para apresentação do requerimento de intervenção hierárquica um dia diferente daquele que havia indicado colocando o requerimento fora de prazo tendo aquela respondido que não se queria comprometer.
17 - A informação prestada a fls. 734 e 735 dos autos é de crucial importância para a análise do requerimento e seu conhecimento, tinha consequências gravíssimas para o processo e desfecho deste, importando por isso perceber a razão pela qual foi dada a indicação errada do termo do prazo colocando o requerimento fora de prazo bem como o que queria a funcionária dizer com o não se queria comprometer designadamente com o quê e com quem.
Aqui, diga-se, não tem notícia dos prazos no DIAP ... sejam mal contados sabendo que os funcionários que ali desempenham funções têm capacidade, competência e conhecimentos para contar prazos de forma correcta. Tal poderá ser aferido através da contagem dos prazos em processos similares àquele em que foi apresentado o requerimento de pedido de intervenção hierárquica. Nunca antes ou depois dos factos relatados ouviu questão idêntica ser colocada ao Gabinete de Apoio ao Conselho de Gestão (ajuda para contagem de prazos) nem tem conhecimento de tal ter alguma vez acontecido.
(…)
Continua a Sr.ª Magistrada do MP a lavrar no erro e a confundir o processo contaminando-o com factos que não deveriam sequer ser questionados. (…) Sobre o conteúdo das declarações, falsas, prestadas sob juramento e com todas as advertências legais, continua a não existir qualquer consequência.
(…)
21 – Resulta também da leitura do auto de interrogatório que não se procede à gravação da diligência por falta de meios. Tal não corresponde à verdade.
(…)
22 - Aqui também a Ex. mª Magistrada do MP de forma grosseira não aproveitou tal facto para questionar procedimentos preços que lhe ministrava as sessões de fisioterapia onde eram efectuadas como funcionava a clínica obtendo tal informação de um elemento estranho ao processo ou interesses neles discutidos. Enfim todas as perguntas que em sede de investigação se devem fazerem ordem à descoberta da verdade dos factos. A Sr.ª Magistrada do MP tinha ali uma oportunidade única de, pelo menos, perceber a verdade dos factos inquirindo o Bombeiro que acabava de lhe dizer que conhecia a clínica e tinha ali feito fisioterapia. Tal não aconteceu. Em consequência refere-se, com o devido respeito e sem prejuízo de ulterior verificação, o referido pelo bombeiro já identificado não corresponde à verdade e a não ser esclarecido mais dúvidas se levantaram num processo que não deveria ter uma única dúvida face à clareza do sucedido bem como aos seus responsáveis.
(…)
24 - Assim, da consulta dos autos resulta que, ao contrário do que se alegou e se pretendia no requerimento de intervenção hierárquica e do seu deferimento e motivos invocados que as diligências levadas a cabo até ao presente momento, as questões colocadas pela magistrada do MP mais não tiveram por objectivo e resultado num carrear de elementos para os autos, alguns deles já na versão III (três) para se criar a dúvida quanto à existência de(s) crime(s) designadamente o de omissão de auxílio e outros praticado pelos denunciados e à não recolha de elementos quanto aos crimes efectivamente denunciados e praticados pelos denunciados.
(…)
Assim, vem pelo presente, enquanto lesado nos autos, participar da conduta e postura do Ministério Público, designadamente da Magistrada do MP titular do processo, pela grosseira e errada condução da investigação dos autos e cujos erros grosseiros, parte dos quais acima identificados, vão todos no sentido de lesar e prejudicar de forma grave o denunciante e a ofendida/assistente, foram no sentido de contaminar o processo desejando a instauração de procedimento bem assim como o esclarecimento completo do participado no inquérito 795/15.... e se investigue, por existirem indícios suficientes da prática pelos denunciados além do crime de ofensa à integridade física (…).
Os autos foram instaurados há 3 anos e meio, inexplicavelmente só agora termina a fase de inquérito, sendo que os factos ocorreram quando a assistente tinha apenas 50 anos, faz hoje 4 anos.
Se investigue de forma séria e com resultados inequívocos como chegou ao processo o oficio de fls. 605 (…) designadamente para fins disciplinares e ou criminais e apuramento da existência ou não de casos semelhantes.
(…) todos os demais ilícitos que se venham a descobrir no decurso do inquérito.
Oportunamente constituir-se-á assistente nos autos.
Oportunamente a presente queixa será ratificada pela ofendida dos autos de inquérito n.º795/15.....
(…)
O participante”
14. Participação esta que foi mandada registar como inquérito pela Ex. mª Sr.ª Procuradora-Geral Distrital ... contra a Magistrada titular do referido inquérito n.º795/15...., CC, Procuradora da República, por os factos imputados serem susceptíveis de integrarem a prática do crime de prevaricação, cujos termos aqui se dão por integralmente reproduzidos.
15. Participação que deu origem ao inquérito n.º7/19...., dirigido por um Ex. mº Sr. Procurador Geral Adjunto e que correu os seus trâmites na Procuradoria-Geral Distrital ... cujos termos aqui se dão por integralmente reproduzidos.
16. Na sequência da referida participação, CC, Procuradora da República, no dia 28-01-2019, foi constituída e interrogada como arguida e prestou Termo de Identidade e Residência, no âmbito do inquérito n.º7/19...., que correu termos na Procuradoria Geral Distrital ....
17. Tendo sido nesse dia que tomou conhecimento dos factos que lhe eram concretamente imputados por AA, nomeadamente os supra descritos.
18. Por despacho de 18-03-2019 foi proferido despacho de arquivamento proferido pelo Ex. mº Sr. Procurador-Geral Adjunto, titular do referido inquérito, por não terem sido recolhidos quaisquer indícios da prática, pela senhora Procuradora da República, CC, de quaisquer factos que pudessem ser integrados como crime de prevaricação, ou qualquer outro, nos termos que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
19. E assim, do referido despacho de arquivamento, proferido no inquérito n.º7/19.... instaurado contra a Magistrada titular do inquérito n.º795/15...., Procuradora da República, CC, destaca-se o seguinte: “A denúncia, cujo objectivo relativo à senhora magistrada assim, se delimita, enumera factos que, em abstracto, poderiam configurar a prática de crime de prevaricação, previsto no artigo 369°, do Código Penal, nos seguintes termos.
(…)
Procedeu-se a inquérito com a apreciação e análise da prova documental junta e posteriormente recolhida, com a inquirição de uma testemunha e com a constituição e interrogatório da senhora magistrada visada, como arguida.
A - Da intervenção do Presidente da Federação Nacional ... - Diz o denunciante que a intervenção deste perito já de si questionável, uma vez que o processo se encontrava a aguardar o parecer do INML, é verdadeiramente estranha quando a resposta aos quesitos colocados sé é dada quando solicitada pelo assistente. Analisados os autos e vista a resposta da senhora magistrada a esta matéria, consideramos que a intervenção deste perito se justificava plenamente, dado que não se tratava de caso de negligência médica e, por isso, em seu entender, havia o receio de que o Conselho Médico Legal não viesse a pronunciar-se sobre o caso. A explicação para que não fosse exigida ao dito perito uma resposta imediata aos quesitos formulados (de que se estava à espera do parecer do INML, para o poder confrontar com as conclusões desse parecer) é perfeitamente plausível e racional, não indiciando qualquer acto de prevaricação ou denegação de justiça, bem como de condução errada do inquérito.
B - Da caução económica requerida nos autos.
A senhora magistrada promoveu que se indeferisse o pedido por entender não estarem reunidos nos autos os pressupostos formais do seu deferimento.
É uma posição inteiramente defensável e ajustada ao caso concreto, sendo de salientar que foi judicialmente sufragada a posição assumida pelo M.º P.º, não tendo havido recurso, por parte da assistente.
Portanto, na actuação da senhora Procuradora, não se vislumbra qualquer sinal de ilegalidade.
Quanto à troca dos números das páginas 97, 98, 99 e 100 do apenso do incidente da prestação de caução, a situação foi perfeitamente explicada pela senhora magistrada judicial que decidiu o incidente. De qualquer forma, é uma situação perfeitamente alheia à actuação da senhora magistrada do M.º P.º.
O facto de não ter sido aberto termo de vista ao M.º P.º depois de juntos os documentos da assistente e resposta da requerida também é completamente estranho à responsabilidade da senhora Procuradora.
Também não é da responsabilidade da senhora magistrada aqui denunciada a formulação dos quesitos a responder nesse incidente de prestação de caução económica.
Também não são da sua responsabilidade as respostas dadas a esses quesitos pela senhora magistrada judicial.
Também não é da sua responsabilidade a decisão judicial proferida, não sendo de esperar que recorresse da mesma, pois estava de acordo com o seu sentido. Não se vislumbra como é que o M.º P.º colocou em perigo, de forma grave, o direito que a ofendida tem de ser ressarcida dos prejuízos quando foi a própria assistente que se absteve de interpor recurso da decisão final proferida nesse processo apenso.
Como referiu a senhora Procuradora, não se apercebeu da necessidade de inquirição da aludida HH, pessoa que só poderia ter sido identificada através do NIF, pelo que não lhe era exigível a respectiva inquirição. Também não a inquiriu como tal depois da reclamação hierárquica porque o senhor Procurador coordenador da comarca não ordenou a respectiva inquirição.
Quanto à comunicação à AT dos montantes recebidos pelo arguido FF, nos anos de 2013 a 2015, o mesmo acabou por ser determinado pelo senhor Procurador Coordenador da comarca.
Perguntada sobre a razão pela qual não comunicou ao Fisco, de imediato, a referida situação, a senhora Procuradora aqui denunciada disse que achou conveniente aguardar pelo despacho de recebimento da acusação, a fim de que se não pensasse que estava a agir com intuitos persecutórios do arguido.
Portanto, a senhora Procuradora nunca excluiu a hipótese de comunicação dos factos ao Fisco. No seu entender, que é discutível mas não é contra direito, não seria o momento do encerramento do inquérito o momento próprio para proceder a tal participação.
C - Do despacho final: arquivamento/acusação.
Quanto à não dedução de acusação contra a recepcionista da clínica, EE, entendeu a senhora magistrada aqui denunciada que resultava dos autos suficientemente indiciado que tinha sido ela a promover o socorro da ofendida, efectuando a chamada telefónica para o INEM, pelo que seria um contra - senso acusá-la por omissão de auxílio.
Quanto a esta parte do despacho de arquivamento, pronunciou-se o senhor Procurador Coordenador da Comarca ..., nos seguintes termos, no despacho que deferiu parcialmente a reclamação hierárquica da assistente:
"Tanto mais que ficaram por realizar algumas diligências que poderão revelar-se essenciais para que se considere indiciado tal ilícito (a imputar apenas ao arguido e não já à recepcionista da clínica pelo facto desta pessoa não ter os conhecimentos técnicos ao nível da medicina e estar numa posição profissional de cumprimento de ordens emanadas, quer da direcção da clínica, quer do próprio arguido - razão pela qual, nesta parte, concordamos com o despacho de arquivamento)".
Portanto, o entendimento da senhora Procuradora aqui denunciada foi sufragado pelo seu imediato superior hierárquico por razões um pouco diferentes das que aduziu no seu despacho final mas sem que se vislumbre qualquer indício de que a mesma tenha agido conscientemente contra direito.
O denunciante pôs em causa o facto da senhora magistrada aqui denunciada ter ordenado, pouco antes do despacho final, que se oficiasse ao INEM, para saber a que horas tinha ocorrido o telefonema da clínica A....
Tal facto deveu-se à necessidade da senhora magistrada reunir indícios mais fortes sobre a hora de tal telefonema, a fim de se poder formular um juízo mais fundamentado sobre a prontidão ou não prontidão do pedido de socorro para a assistente.
Infelizmente, a informação do INEM incorreu num lapso de escrita, tendo-se referido 16,10 horas quando se queria referir 16,40 horas. Tal lapso foi detectado depois das diligências mandadas realizar pelo directo superior hierárquico da senhora magistrada e depois de se ter esclarecido a confusão com o registo único, na facturação da PT, da existência de um telefonema da clínica, para o exterior, no dia 22/10/2014, pelas 16;07;42 horas, com a duração de 40 segundos. Essa confusão só foi esclarecida quando a senhora magistrada que dirigia o inquérito se apercebeu que os telefonemas para o INEM não ficam registados na facturação da PT.
O aqui denunciante afirma que a informação do INEM era falsa e devia ter sido investigada essa falsidade e a sua razão de ser. Ora, em nosso entender, como foi referido supra, não existe qualquer indicio da existência de qualquer falsidade, tudo não tendo passado de um lamentável lapso de escrita.
Desfeito o equívoco, não fazia qualquer sentido insistir pela inquirição da testemunha, operadora do INEM.
É claro que, na redacção da primeira acusação, não podia deixar de constar o lapso do INEM, quanto à hora do telefonema: 16,10 horas.
Diz o denunciante que, na acusação, o arguido foi incorrectamente identificado, tendo sido corrigido o erro após reclamação da assistente.
A senhora Procuradora admitiu o seu lapso que imediatamente mandou corrigir.
Não temos qualquer dúvida de que se tratou de um simples lapso de escrita que nada teve de intencional, ao contrário do que insinua o participante.
Refere o denunciante que, da acusação, não consta a totalidade das sequelas produzidas na assistente.
Trata-se de uma questão técnica, contra qual a assistente poderia ter reagido, através da reclamação hierárquica ou do requerimento para a abertura de instrução.
Refere o denunciante, segundo aquilo que entendemos, que a senhora magistrada não deveria ter proposto que fosse fixada ao arguido uma caução carcerária de €50.000,00, pois que, na data, apenas se sabia que ele não tinha condições económicas para a prestar e, portanto, ele acabaria por não prestar qualquer caução.
Trata-se de mais uma opção técnica que foi tomada pela senhora Procuradora e que se encontra de acordo com as disposições legais vigentes quanto a essa matéria, nada se indiciando quanto à prática de qualquer ilícito por parte da referida magistrada.
Refere o denunciante, ainda, que, da acusação, deviam constar as habilitações do arguido, para além da sua profissão de osteopata. Com o devido respeito, não se vislumbra que tais elementos, sejam necessários no despacho de acusação.
Refere, também, que ele próprio, denunciante, não foi notificado nos termos do artigo 75.º do CPP mas, também salvo o devido respeito, parece que o aqui denunciante foi devidamente notificado do despacho de encerramento do inquérito e deduziu atempadamente pedido cível logo em 26/2/18.
D - Do requerimento de reapreciação hierárquica.
Denuncia o participante o facto de, no processo, ter existido uma informação prestada por uma senhora funcionária, GG, de que o requerimento da assistente para reapreciação hierárquica do despacho final proferido pela senhora Procuradora, datado de 7/3/18, era extemporâneo, que essa informação era errada, não condizia com a informação dada pelo senhor técnico principal do DIAP ..., consultado, para o efeito, pela funcionária GG e que esta, perguntada por que razão tinha dado como termo do prazo um dia diferente daquele que lhe tinha sido indicado pelo senhor técnico principal, ter dito que não se queria comprometer.
Toda esta matéria extravasa das responsabilidades da senhora magistrada aqui denunciada, não havendo nos autos qualquer indício de que a funcionária GG tenha actuado por ordem ou sugestão da senhora Procuradora.
Isso mesmo foi confirmado pela senhora funcionária, inquirida nestes serviços, a qual deu uma explicação plausível para o seu próprio lapso. Analisados os elementos constantes dos autos, se se der como assente que a recepção das comunicações pessoais ao aqui queixoso e à assistente ocorreu em 15/2/18, o prazo de 20 dias, estabelecido para requerer a abertura da instrução terminaria em 7/3/18, data da entrada do requerimento que, por isso, era tempestivo (neste ponto, o despacho do senhor Procurador Coordenador da Comarca enferma, a nosso ver, de lapso manifesto).
De qualquer modo, o despacho final exarado no processo foi apreciado hierarquicamente.
Diz o aqui denunciante que a testemunha EE foi inquirida mais duas vezes, nesta fase processual, continuando a insistir na tese, já demonstrada como inverídica, de que efectuou a ligação telefónica para o INEM às 16,10 horas e, não, às 16,40 horas, pelo que deveria ter sido perseguida criminalmente pela prática de crime de falsidade de depoimento. Quanto a este ponto a senhora magistrada aqui denunciada disse que se absteve de promover procedimento criminal, por este crime, contra a EE, por não haver indícios suficientes da prática de crime.
Quanto a nós, entendemos que não deixa de ter razão. Na verdade, a abertura de inquérito, nesta fase, contra a testemunha EE seria precoce, dado que a mesma, como se sabe, poderá retratar-se até ao julgamento do caso, deixando de ser punida a sua conduta, se tal vier a acontecer. Por isso, o inquérito, a iniciar-se, deverá sê-lo depois que a EE vier a ser inquirida em audiência.
Critica o denunciante o modo como foi interrogado o arguido, FF, nesta fase, entendendo que lhe deveriam ter sido feitas outras perguntas, para além daquelas que foram feitas.
Interrogada a senhora magistrada sobre este ponto disse que o arguido só quis responder às perguntas que constam do respectivo auto e não deixa de ter razão. Aliás, o referido interrogatório não impediu que o arguido viesse a ser acusado, quer pelas ofensas negligentes à integridade física da assistente, quer por omissão de auxílio.
A falta de gravação do interrogatório, alegadamente por falta de meios adequados para o fazer, não pode ser imputada à senhora magistrada aqui denunciada.
Diz o aqui denunciante que, após a reinquirição do bombeiro II, o M.° P.º deveria ter investigado os preços praticados pela clínica, quem lhe ministrava as sessões de fisioterapia, onde eram efectuadas, como funcionava a clínica. Parece-nos não ter qualquer razão, não se impondo ao M.º P.º proceder a tal investigação.
Aliás, o próprio denunciante veio a admitir que o bombeiro se tinha equivocado, porque, afinal, tinha feito tratamentos na clínica que funciona ao lado da A....
Questiona o denunciante o modo como foi efectuada a reinquirição da testemunha JJ mas parece-nos não ser exigível que ela fosse reinquirida de modo diverso.
De todo o exposto resulta que não foram recolhidos nestes autos quaisquer indícios da prática, pela senhora Procuradora da República aqui denunciada, de quaisquer factos que pudessem ser integrados como crime de prevaricação, ou qualquer outro.
Assim sendo, determinamos o arquivamento dos autos, por falta de indícios, nos termos do n.º 2, do artigo 277.°, do CPP.”.
20. Despacho de arquivamento este que afastou a existência de qualquer erro grosseiro, de qualquer ilegalidade, de qualquer actuação contra Direito ou qualquer acto de condução errada do inquérito, ou evidenciando situações perfeitamente alheias à actuação da senhora magistrada do M.º P.º e mesmo estranhas à sua responsabilidade e extravasando a sua competência, o que contraria a posição assumida por AA, ora arguido, na participação que efectuou, de forma consciente, à Procuradoria-Geral da República para instauração de procedimento contra a referida Magistrada, e sabedor que era da falsidade das imputações efectuadas e, mesmo após ter sido deduzida acusação pelos crimes de ofensa à integridade física por negligência e de omissão de auxílio contra FF pelos crimes de ofensa à integridade física por negligência graves e de omissão e auxílio, no inquérito n.º795/15...., em que era ofendida a mulher do ora arguido.
21. De efeito, o Ex. mº PGA considerou:
- “a- No que diz respeito à intervenção do Presidente da Federação Nacional ... - que a intervenção deste perito se justificava plenamente, dado que não se tratava de caso de negligência médica e, por isso, em seu entender, havia o receio de que o Conselho Médico Legal não viesse a pronunciar-se sobre o caso. A explicação para que não fosse exigida ao dito perito uma resposta imediata aos quesitos formulados (de que se estava à espera do parecer do INML, para o poder confrontar com as conclusões desse parecer) é perfeitamente plausível e racional, não indiciando qualquer acto de prevaricação ou denegação de justiça, bem como de condução errada do inquérito.
b- Quanto à caução económica requerida - que a senhora magistrada promoveu que se indeferisse o pedido por entender não estarem reunidos nos autos os pressupostos formais do seu deferimento, que era uma posição inteiramente defensável e ajustada ao caso concreto, sendo de salientar que foi judicialmente sufragada a posição assumida pelo M.º P.º, não tendo havido recurso, por parte da assistente e portanto, na actuação da senhora Procuradora, não se vislumbrava qualquer sinal de ilegalidade.
c- Quanto à troca dos números das páginas 97, 98, 99 e 100 do apenso do incidente da prestação de caução - é uma situação perfeitamente alheia à actuação da senhora magistrada do M.º P.º.
d- O facto de não ter sido aberto termo de vista ao M.º P.º depois de juntos os documentos da assistente e resposta da requerida - também é completamente estranho à responsabilidade da senhora Procuradora.
e- Também não é da responsabilidade da senhora magistrada aqui denunciada a formulação dos quesitos a responder nesse incidente de prestação de caução económica.
f- Também não são da sua responsabilidade as respostas dadas a esses quesitos pela senhora magistrada judicial.
g- Também não é da sua responsabilidade e decisão judicial proferida, não sendo de esperar que recorresse da mesma, pois estava de acordo com o seu sentido.
h- Não se vislumbra como é que o M.º P.º colocou em perigo, de forma grave, o direito que a ofendida tem de ser ressarcida dos prejuízos quando foi a própria assistente que se absteve de interpor recurso da decisão final proferida nesse processo apenso.
i- Relativamente à necessidade de inquirição da aludida HH – pessoa que só poderia ter sido identificada através do NIF, pelo que não lhe era exigível a respectiva inquirição. Também não a inquiriu como tal depois da reclamação hierárquica porque o senhor Procurador coordenador da comarca não ordenou a respectiva inquirição.
j- Quanto à comunicação à AT dos montantes recebidos pelo arguido FF, nos anos de 2013 a 2015 - a senhora Procuradora nunca excluiu a hipótese de comunicação dos factos ao Fisco.
k- Quanto à não dedução de acusação contra a recepcionista da clínica, EE - o entendimento da senhora Procuradora aqui denunciada foi sufragado pelo seu imediato superior hierárquico por razões um pouco diferentes das que aduziu no seu despacho final mas sem que se vislumbre qualquer indício de que a mesma tenha agido conscientemente contra direito.
l- No que diz respeito à informação do INEM incorreu num lapso de escrita, tendo-se referido 16,10 horas quando se queria referir 16,40 horas - pelo que não existe qualquer indicio da existência de qualquer falsidade, tudo não tendo passado de um lamentável lapso de escrita e desfeito o equívoco, não fazia qualquer sentido insistir pela inquirição da testemunha, operadora do INEM.
m- Quanto à incorrecta identificação do arguido na acusação - foi corrigido pela senhora Procuradora que admitiu o seu lapso, pelo que se tratou de um simples lapso de escrita que nada teve de intencional, ao contrário do que insinua o participante.
n- No que diz respeito a não constar da acusação a totalidade das sequelas produzidas na assistente - trata-se de uma questão técnica, contra qual a assistente poderia ter reagido, através da reclamação hierárquica ou do requerimento para a abertura de instrução.
o- Relativamente à proposta de fixação ao arguido de uma caução carcerária de €50.000,00 - trata-se de mais uma opção técnica que foi tomada pela senhora Procuradora e que se encontra de acordo com as disposições legais vigentes quanto a essa matéria, nada se indiciando quanto à prática de qualquer ilícito por parte da referida magistrada.
p- Quanto a não constar da acusação as habilitações do arguido, para além da sua profissão de osteopata - não se vislumbra que tais elementos, sejam necessários no despacho de acusação.
q- No que se refere à não notificação do denunciante nos termos do artigo 75.º do CPP - parece que o aqui denunciante foi devidamente notificado do despacho de encerramento do inquérito e deduziu atempadamente pedido cível logo em 26/2/18.
r- Quanto a existir no processo uma informação prestada por uma senhora funcionária, GG, de que o requerimento da assistente para reapreciação hierárquica do despacho final proferido pela senhora Procuradora, datado de 7/3/18, era extemporâneo - toda esta matéria extravasa das responsabilidades da senhora magistrada aqui denunciada, não havendo nos autos qualquer indício de que a funcionária GG tenha actuado por ordem ou sugestão da senhora Procuradora. De qualquer modo, o despacho final exarado no processo foi apreciado hierarquicamente.
s- No que diz respeito à testemunha EE que deveria ter sido perseguida criminalmente pela prática de crime de falsidade de depoimento - não deixa de ter razão a Sr.ª magistrada ao entender não haver indícios suficientes da prática de crime. Quanto a nós, entendemos que não deixa de ter razão, pois a abertura de inquérito, nesta fase, contra a testemunha EE seria precoce, dado que a mesma poderá retratar- se até ao julgamento do caso, deixando de ser punida a sua conduta, se tal vier a acontecer, por isso, o inquérito, a iniciar-se, deverá sê-lo depois que a EE vier a ser inquirida em audiência.
t- Quanto ao modo como foi interrogado o arguido, FF, nesta fase, entendendo que lhe deveriam ter sido feitas outras perguntas, para além daquelas que foram feitas – o arguido só quis responder às perguntas que constam do respectivo auto e não deixa de ter razão. Aliás, o referido interrogatório não impediu que o arguido viesse a ser acusado, quer pelas ofensas negligentes à integridade física da assistente, quer por omissão de auxílio.
u- No que concerne à falta de gravação do interrogatório, alegadamente por falta de meios adequados para o fazer - não pode ser imputada à senhora magistrada aqui denunciada.
v- Relativamente ao M.° P.º que deveria ter investigado os preços praticados pela clínica, quem lhe ministrava as sessões de fisioterapia, onde eram efectuadas, como funcionava a clínica - Parece-nos não ter qualquer razão, não se impondo ao M.º P.º proceder a tal investigação. Aliás, o próprio denunciante veio a admitir que o bombeiro se tinha equivocado, porque, afinal, tinha feito tratamentos na clínica que funciona ao lado da A....
x- Quanto ao modo como foi efectuada a reinquirição da testemunha JJ - parece-nos não ser exigível que ela fosse reinquirida de modo diverso.”
22. Porém, não se conformando com esse despacho de arquivamento proferido pelo Ex. mº PGA, no dia 24-04-2019, AA requereu a intervenção hierárquica no âmbito do inquérito n.º7/19...., para a Ex. mª Sr.ª PGDP, cujos termos aqui se dão por integralmente reproduzidos.
23. E, dos termos deste requerimento de intervenção hierárquica, resulta que o ora arguido reiterou as imputações ofensivas do bom nome, honra, dignidade, consideração e reputação pessoal e profissional efectuadas à magistrada titular do inquérito n.º795/15...., Procuradora da República, CC, por se relacionarem com o exercício de funções ou por causa delas, nomeadamente com a sua imparcialidade e isenção na direcção do inquérito, com alegados e sistemáticos erros de natureza processual e de análise objectiva dos factos denunciados, ou por não ter actuado com o zelo e prontidão necessários, o que igualmente quis e fez de forma consciente, bem sabendo que as mesmas eram falsas.
24. Do referido requerimento de intervenção hierárquica salienta-se o seguinte:
“(…) Da consulta dos autos de processo 795/15.... resulta claro que o Ministério Público representado pela senhora Procuradora não actuou com o zelo e prontidão necessários para acautelar o objectivo do processo. Mais, no modesto entender do reclamante deveria ter a senhora Procuradora exigido que lhe fosse aberta vista para, face à evidência da existência de importâncias muito substanciais que estavam a ser delapidadas, ser averiguado ainda que quanto a forma, o requerimento de caução económica apresentado pelo advogado da ofendida/assistente não concordasse, deveria a senhora Procuradora requerer ela própria a caução económica pois mostravam-se reunidos todos os requisitos para que assim fosse.
(…) Com o devido respeito a senhora Procuradora não pode escolher as testemunhas que quer ouvir mas sim ouvir todas as que existem no processo em obediência ao princípio da descoberta da verdade material dos factos tendo em vista realização da justiça.
(…)
Com efeito, com o devido respeito, ao que o Digníssimo Magistrado titular dos presentes autos chama de confusão o denunciante chama de anarquia, o que chama lapso o denunciante chama de erro grosseiro o que chama de lamentável o denunciante chama de trágico, quando refere Desfeito o equívoco “refere nunca para o denunciante tal mereceu qualquer dúvida e quando se refere “infelizmente” de facto assim é, de uma infelicidade extrema, devastadora, mas para a ofendida BB e para a sua família onde se inclui o aqui denunciante sendo que tudo o que aconteceu de mau no processo prejudicou sempre em termos objectivos a ofendida/assistente sujeito processual que os Tribunais e a Lei deveriam proteger.
(…)
Refere ainda ao Digníssimo Magistrado titular dos presentes autos “A falta de gravação do interrogatório, alegadamente por falta de meios adequados para o fazer, não pode ser imputada à senhora magistrada aqui denunciada.
Quanto a este ponto apenas deseja referir que a diligência referida foi efectuada no gabinete da senhora Procuradora e presidida por esta. Os meios necessários à gravação da diligência existiam, existem e estavam disponíveis.
(…)
Assim;
Por não terem sido, no despacho de arquivamento do qual foi notificado levados em conta, os elementos que agora trouxe ao processo designadamente os relativos à não dedução de acusação contra a denunciada EE, cujos indícios existentes nos autos eram suficientes para contra a mesma ser deduzida acusação, mantendo o processo arquivado nos termos do artigo 277, n.º 2 do CPP, após sistemáticos erros de natureza processual e de análise objectiva dos factos denunciados e que no presente despacho de arquivamento são adjectivados de “lamentavelmente”; “confusão”; “infelizmente” os inúmeros “lapsos” em número nunca visto em outro processo “tirando-a” como arguida do processo denunciado com o número 795/15...., passando do estatuto de arguida que deveria ter naquele processo para o de testemunha quando é sabido que nos autos de inquérito 795/15.... existiam e existem indícios suficientes de que esta cometeu o crime denunciado de omissão de auxílio e o reiterado crime de falsidade de depoimento após as necessárias advertências legais.
25. Por decisão de 08-05-2019, proferida pela Ex. mª Sr.ª Procuradora – Geral Distrital do Porto, foi indeferida a intervenção hierárquica, por não havendo outros elementos que sustentem a posição do denunciante, se ter de concluir-se que é a todos os títulos evidente que os factos apurados não integram o crime do artigo 369.°, n.º1 do Código Penal, por serem insuficientes os indícios recolhidos nos autos, mantendo-se o despacho de arquivamento, cujos termos aqui se dão por integralmente por reproduzidos.
26. Do seu teor consta, além do mais, o seguinte:
“Depreende-se que o que o requerente pretende é que se determine a dedução de acusação em inquérito contra a denunciada no Inquérito n.º795/15...., EE e se investigue a actuação da Senhora funcionária GG, relacionando estes dois factos com a actuação da magistrada, ora arguida, Lic. CC.
Como bem refere o Sr. PGA titular do inquérito em apreço, o objecto da investigação nestes autos é restrito à eventual responsabilidade criminal da magistrada denunciada, não sendo este o local próprio para se proceder à investigação de outras matérias.”.
(…)
Voltando ao caso vertente, sempre se dirá que um dos actos que o denunciante AA aponta como constituindo denegação de justiça ou prevaricação e que imputa à Magistrada arguida nos autos, é a discordância da posição que a mesma assumiu perante o requerimento da ofendida ao iniciar um incidente de prestação económica opondo-se ao pedido de fixação da mesma, posição que veio a ser confirmada pela decisão proferida pela Mmª JIC e da qual a ofendida/assistente não interpôs recurso, tendo-se conformado com ela.
A posição assumida pela Magistrada foi devidamente fundamentada e era recorrível.
É obviamente insuficiente para integrar o ilícito criminal denunciado que se diga que tal facto objectivo foi praticado com o intuito de agir contra direito e de prejudicar nos autos a ofendida/assistente e o denunciante.
O mesmo se diga do facto objectivo que é imputado à Magistrada por não ter extraído certidão dos autos de Inquérito n.º795/15.... para averiguar a prática de um crime de falsidade de depoimento, relativamente ao facto da denunciada EE ter afirmado uma hora divergente daquela a que a chamada que fez para o INEM ocorreu, pois sempre em audiência a mesma se poderá vir a retratar, deixando a conduta de ser punível, caso tal aconteça.
Nem todo o acto que infringir as regras processuais pode ser considerado “contra direito” no sentido específico do art. 369° nº 1 do CP, pois então qualquer nulidade ou irregularidade processual seria sancionável como crime! Agir (por acção ou omissão) contra direito implica um desvio consciente (voluntário) dos deveres funcionais, em termos de pôr em risco a própria administração da justiça, de forma a poder afirmar-se que existe uma “negação da justiça”. Não é isso o que manifestamente se verifica no caso em análise.
Se a leitura e subsequente interpretação que o denunciante fez dos despachos ou diligências efectuadas pela Magistrada não encontram arrimo no material probatório objectivo constante dos autos que sustentem a conclusão de que a arguida, na qualidade de Magistrada do Ministério Público, desrespeitou o encargo que lhe foi confiado – contribuir para a descoberta da verdade material dos factos, agindo dentro da legalidade e com objectividade contribuindo para uma recta administração da justiça - não estando preenchida a tipicidade objectiva, menos ainda a subjectiva de tal ilícito criminal.
Também no que concerne ao requerido pelo denunciante no sentido de que a investigação deveria prosseguir por não terem sido efectuadas todas as diligências relativamente aos telefonemas realizados para o gabinete de Coordenação do MP da comarca de ..., sempre afirmaremos que a investigação foi efectuada e está concluída. Tendo o Magistrado titular dos autos inquirido a senhora funcionária GG, que apresentou a versão dos factos constante dos autos e interrogada a Magistrada arguida, sobre esses factos, se referiu desconhece-los, não pode obviamente o denunciante trazer as suas impressões pessoais aos autos corno elemento de prova a considerar, para poder infirmar a versão dos factos que já deles consta, pelo que não deve prosseguir a investigação, por estar ultimada e não haver outras diligências a realizar.
Não havendo outros elementos que sustentem a posição do denunciante, tem de concluir-se que é a todos os títulos evidente que os factos apurados não integram o crime do art. 369., nº 1 do CP, por serem insuficientes os indícios recolhidos nos autos.
(…)
Em face do exposto e com fundamentos referidos, indefere-se a requerida intervenção hierárquica/reclamação, mantendo-se o despacho de arquivamento proferido, ao qual devem ser efectuadas as rectificações requeridas pelo denunciante, no que respeita à sua identidade e morada.”
27. O arguido, ao efectuar participação criminal à Ex. mª Sr.ª Procuradora-Geral da República contra a Magistrada titular do inquérito n.º795/15...., Procuradora da República, a ofendida CC, e ao imputar-lhe condutas dolosas e intencionais pela grosseira e errada condução da investigação dos autos e com erros grosseiros na recolha, na apreciação das provas e na prolação do despacho de encerramento do inquérito, com o intuito de o prejudicar naquele inquérito, quis com isso que contra a referida Magistrada do Ministério Público fosse instaurado procedimento criminal, o que bem sabia que iria acontecer, como aconteceu, apesar de bem saber e de ter perfeita consciência da falsidade de tais imputações, pois que a mesma apenas havia decidido de acordo com as normas legais aplicáveis e de acordo com a prova recolhida, e, mesmo assim, o arguido não se coibiu de fazer a referida participação nos termos em que o fez.
28. O arguido agiu também com o propósito, concretizado, de que, com a instauração do procedimento criminal contra a ofendida, sabia que dessa forma atentava contra a boa administração da justiça e que atingia a ofendida no desempenho das suas funções na sua probidade, rectidão, isenção e imparcialidade, o que quis.
29. O que além de saber e ter consciência da falsidade das imputações efectuadas, sabia ainda que, dessa forma, colocava em causa, como colocou, de modo injustificado e infundado, a honra e a dignidade profissional da ofendida, o que igualmente quis.
30. De efeito, o arguido ao escrever o que escreveu na participação dirigida à Ex. mª Sr.ª Procuradora-Geral da República, sabia que atingia, como atingiu directamente não só a honra e consideração pessoal da ofendida CC, Procuradora da República, mas também a sua honorabilidade e dignidade profissional, no exercício e por causa das suas funções de detentora da acção penal no referido inquérito 795/15...., ao tecer considerações e juízos de valor, pondo em causa a sua idoneidade profissional, a sua imparcialidade e isenção quer na recolha das provas quer na sua apreciação e na prolação do despacho de encerramento, o que quis e apesar disso não se coibiu de fazer através da mencionada participação criminal dirigida à Sr.ª Procuradora- Geral da República.
31. Ao agir da forma descrita, o arguido quis, por referência ao processo de inquérito n.º795/15...., de que a Procuradora da República, ora ofendida/assistente CC, era a sua titular, efectuar-lhe imputações ofensivas do seu bom nome, honra, dignidade, consideração e reputação quer no plano pessoal, quer profissional, por se relacionarem com o exercício de funções ou por causa delas, nomeadamente com a sua imparcialidade e isenção na direcção do inquérito, na recolha e apreciação da prova, bem como quis tecer-lhe considerações, fez juízos de valor e lançar-lhe suspeitas ou insinuações de que a ofendida seria influenciável, permeável e controlável pela Dr.ª DD, ou ainda de que a ofendida teria tido alguma intervenção no episódio da contagem de prazos para apresentação do requerimento de intervenção hierárquica, o que sucedeu, e fez de forma consciente, bem sabendo da falsidade das imputações efectuadas.
32. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo as respectivas condutas especialmente censuráveis, proibidas por lei e punidas criminalmente.
Dos factos alegados no pedido de indemnização civil
33. Com as condutas descritas em 13, 22, 23 e 24, AA ofendeu e vilipendiou CC, atingindo-a na sua dignidade e honra, quer pessoal, profissional, precisamente porque a atingiu na isenção e imparcialidade.
34. A participação criminal foi apresentada directamente à Sr.ª Procuradora Geral da República e foi conhecida por superiores hierárquicos de CC.
35. Como consequência directa da conduta do arguido e dos factos descritos em 34, CC ficou nervosa, desgostosa, envergonhada, ansiosa, perturbada e com perturbações de sono.
36. CC é considerada pessoa séria e integra, sempre tendo sido reputada como Magistrada competente, diligente e séria no exercício da sua actividade.
37. CC sempre pautou a sua conduta pessoal e profissional por valores de lisura, honestidade, imparcialidade e qualidade.
38. CC é Magistrada do Ministério Público há mais de 20 anos, com desempenho de mérito, tendo sido notada com “Muito Bom” em inspecção realizada no ano de 2014.
39. A apresentação de participação criminal contra si pesou na decisão de CC concorrer ao movimento de Magistrados do Ministério Público para deixar de prestar funções profissionais no DIAP ....
40. CC aufere mensalmente a quantia de €4300,00 a título de vencimento liquido, a que acresce a quantia de €1500,00 a título de ajudas de custo.
41. CC despende mensalmente a quantia de €1000,00 para cumprimento de crédito contraído para aquisição de habitação própria; €200,00 para pagamento de prémio de seguro associado ao crédito habitação; €400,00 para pagamento de colégio frequentado pelo filho; €400,00 para pagamento de propina universitária de filho.
42. CC é casada, encontra-se separada judicialmente de pessoas e bens, sendo que apesar de existir partilha de habitação, não existe comunicação de despesas.
*
Dos factos alegados na contestação
43. O arguido é Oficial de Justiça há cerca de 40 anos, tendo desenvolvido a sua carreira junto dos serviços do Ministério Público até atingir a categoria de técnico de justiça principal.
44. O arguido desempenhou funções de Administrador Judiciário na Comarca de ... entre 01-05-2014 e 05-01-2021, encontrando-se desde essa data a exercer funções de Secretário de Justiça no Tribunal Judicial da Comarca de ..., núcleo de ....
45. Para além dessas funções, o arguido ministrou formação a Oficiais de Justiça entre os anos de 1992 e 2015, fazendo-o na área do processo penal.
46. Mensalmente aufere €1700,00.
47. O arguido é casado, sendo que a esposa se encontra reformada por invalidez e aufere pensão no montante mensal de €600,00.
48. O arguido tem uma filha maior de idade que se encontra a residir consigo, pese embora a frequência de mestrado na Universidade ....
49. O agregado familiar reside em casa própria que adveio de herança de familiares.
50. Como habilitações literárias tem o 11.º ano de escolaridade.
51. O agregado familiar suporta despesas mensais variáveis maioritariamente relacionadas com medicação, consultas médicas, tratamentos e cuidados a BB, em montante não inferior a €500,00.
52. O arguido conhece CC em virtude das suas funções.
53. O arguido merece reconhecimento pelos seus pares e superiores hierárquicos com os quais trabalhou.
54. O arguido é descrito como pessoa trabalhadora, honesta, séria, com princípios, de reconhecida aptidão técnica, com boas informações de Magistrados, o que levou a que fosse nomeado, em comissão de serviço, para as funções de Administrador Judiciário e depois visse renovada essa nomeação.
55. Não obstante ter dado inicio ao processo n.º ...9 e dos presentes autos, o arguido manteve a confiança do Exmo. Juiz Presidente da Comarca do Tribunal Judicial ..., Sr. Juiz Desembargador KK, e do Exmo. Magistrado Coordenador do Ministério Público, Sr. Procurador da República LL, apesar de ter dado conhecimento do sucedido aos mesmos e de ter colocado o lugar á disposição por causa disso mesmo.
56. No âmbito do processo n.º 795/15.... que correu termos junto do Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo Local Criminal ... - Juiz ..., em 26-05-2022, foi proferida sentença em que se decidiu:
“V. DECISÃO
Face ao exposto, o tribunal decide julgar a acusação pública e o pedido de indemnização civil parcialmente procedentes e, em consequência:
- absolver o arguido FF do crime de omissão de auxílio, previsto e punido pelo art. 200.º n.º1 e 2 do Código Penal, de que vinha acusado;
- condenar o arguido FF pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave por negligência, previsto e punido pelo art. 148.º n.º 1 e 3 do Código Penal (com referência aos art. 15.º alínea a), 18.º, 143.º n.º1 e 144.º alíneas b), c) e d) do C.P.), na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de 10,00€ (dez euros), num total de 2.000,00€ (dois mil euros);
- julgar o pedido de indemnização civil formulado pelos demandantes BB e AA parcialmente procedente e, em consequência, decide-se:
a) absolver a demandada DD do pedido formulado;
b) condenar os demandados FF e A.... no pagamento solidário à demandante BB:
i. da quantia de 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros, à taxa legal, contabilizados desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até efectivo e integral pagamento;
ii. da quantia que vier a ser liquidada a título de danos patrimoniais, correspondente à retribuição mensal de terceira pessoa, com o limite mensal de 800,00€ (oitocentos euros), até a demandante atingir os 83 anos de idade e até ao limite de 270.000,00€ (duzentos e setenta mil euros);
iii. da quantia que vier a ser liquidada a título de danos patrimoniais, correspondente ao valor necessário para pagamento à demandante da medicação e tratamentos médicos exigidos pelas sequelas de que ficou a padecer e respectivo agravamento, até ao limite de 35.000,00€ (trinta e cinco mil euros);
iv. da quantia que vier a ser liquidada correspondente ao valor a ressarcir a titulo de danos não patrimoniais, até ao limite de 115.000,00€ (cento e quinze mil euros).
c) condenar os demandados FF e A.... no pagamento solidário ao demandante AA:
i. da quantia de 2.026,00€ (dois mil e vinte e seis euros) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros, à taxa legal, contabilizados desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até efectivo e integral pagamento;
ii. da quantia que vier a ser liquidada correspondente ao valor a ressarcir a titulo de danos não patrimoniais, até ao limite de 46.064,00€ (quarenta e seis mil e sessenta e quatro euros).”
57. Nos autos referidos em 56, com pertinência para os presentes autos, foram dados como provados os seguintes factos:
“Da acusação
1. O arguido FF é titular de bacharelato em Osteopatia, certificado pela Universidade ..., em associação com o Centro Osteopático ....
2. Em Outubro de 2014, o arguido FF exercia funções como osteopata nas instalações da Clínica «A....», sita na Avenida ..., ..., ....
3. A Clínica referida em 2. tem como objecto o exercício das actividades necessárias à saúde humana da medicina tradicional chinesa naturais, através de especialistas das respectivas áreas, designadamente acupunctura, homeopatia, osteopatia e psicoterapia e prestação e venda de produtos; comércio por grosso de outras máquinas e equipamentos, organização de feiras, congressos e outros eventos similares, actividades de investigação e formação profissional.
4. A Clínica referida em 2. tinha, à data dos factos, como seus representantes legais e sócios-gerentes DD e o seu marido MM.
5. Em 22.10.2014, JJ, filha da assistente BB, frequentava há cerca de um mês, as consultas/tratamentos do osteopata FF, na Clínica referida em 2., por padecer de dores nas costas, sendo sempre acompanhada pela mãe.
6. No dia 22.10.2014, JJ tinha agendada uma consulta/tratamento com o osteopata FF, na clínica supra referida.
7. Assim, pelas 16h00, desse dia, a assistente BB deslocou-se à Clínica A...., para acompanhar a sua filha JJ na referida consulta/tratamento.
8. Entraram, como sempre, as duas no consultório do osteopata FF e, no início da consulta, numa conversa de circunstância, a assistente queixou-se que lhe doíam os braços por nos dias anteriores ter andado com dois bebés, seus sobrinhos, ao colo.
9. Então, o arguido FF levantou-se da cadeira onde estava sentado, deslocou-se para junto da assistente que ainda se encontrava de pé junto à filha, mexeu-lhe nas costas e disse-lhe que tinha algumas contracturas.
10. O arguido FF sugeriu que a filha da assistente adiasse a sua consulta/tratamento para tratar, a assistente, pois, caso assim não sucedesse, só teria consulta na semana seguinte, ao que mãe e filha acederam.
11. De seguida, o arguido FF pediu à assistente que se deitasse na marquesa de cabeça para baixo, de tronco nu, sentando-se ele num banco à cabeceira da mesma.
12. Nessa posição, o arguido FF pegou na região da base do crânio da assistente com as duas mãos, puxou com força a cabeça dela na sua direcção (do arguido) e rodou-a para a direita e para a esquerda, em movimentos laterais e horizontais, por várias vezes.
13. O arguido FF colocou uma das mãos na zona da nuca e outra debaixo do queixo da assistente, fazendo um movimento vertical da frente para trás, ou seja, fazendo uma hiperextensão da coluna cervical.
14. Nesse exacto momento, a assistente queixou-se que se estava a sentir mal, com náuseas e vertigens, pedindo ao arguido para parar.
15. O arguido parou por momentos, disse-lhe que não era possível estar a sentir-se daquela forma e retomou a manipulação da zona do pescoço da assistente.
16. Apesar dos pedidos insistentes da assistente, o arguido continuou a manipular a zona do pescoço da mesma, até que esta solicitou de forma mais veemente que parasse, o que aconteceu.
17. Quando a assistente tentou levantar-se na marquesa, não conseguiu, por não se conseguir equilibrar e começou a gritar “Não me consigo levantar! Doí-me a cabeça! Vou morrer!”, continuando a dizer que se estava a sentir muito mal.
18. Perante esta situação, o arguido FF limitou-se a amparar a assistente em cima da maca para esta não cair.
19. Entretanto, a filha da assistente saiu da Clínica para ir ao café ao lado comprar uma garrafa de água para a mãe e, quando regressou, cerca de 3 a 4 minutos depois, a assistente continuava na marquesa onde a tinha deixado, a ser amparada pelo arguido FF.
20. Contudo, nessa altura, a assistente não conseguiu beber a água, tinha a voz rouca e dizia que sentia tudo a andar à volta, que lhe estava a dar alguma coisa e que ia morrer.
21. Face a estas circunstâncias, a filha da assistente solicitou à recepcionista da clínica, EE, que chamasse uma ambulância para socorrer a mãe.
22. As 16h40, a recepcionista pediu auxílio ao INEM através do telefone da Clínica, com o número ...33, que, por sua vez, solicitou a intervenção dos Bombeiros Voluntários ....
23. Os Bombeiros Voluntários ... (II e NN), chegaram à Clínica onde se encontrava a assistente, às 16h49, onde avaliaram, de imediato, os sinais vitais da assistente, mediram a tensão e o pulso, temperatura e saturação de oxigénio e questionaram outros dados para transmitirem a informação ao INEM.
24. Depois, conduziram a assistente para a ambulância e transportaram-na para o Serviço de Urgência (SU) do Centro Hospitalar entre ... e ... (CH...), Hospital ..., ..., onde deu entrada às 17h20.
25. No SU do hospital supra referido a assistente foi observada por vários médicos, nomeadamente neurologistas, e submetida a exames, designadamente TC Crânio Encefálico, tendo-se concluído que tinha sofrido uma dissecção da artéria vertebral direita e basilar e se encontrava com síndrome de Horner direito com paresia facial central direita, hipolevação do palato e hipoestesia cruzada da face direita e hemicorpo esquerdo; sendo o diagnóstico principal “Doença Vascular Cerebral Aguda” – AVC, na sequência do que ficou internada.
26. Ainda nesse dia, pelas 19h13 a assistente foi transferida para a Unidade de Cuidados Intermédios (UCI) desse CH....
27. No dia seguinte, 23.10.2014, a assistente foi transferida para o Departamento de Neurologia do Centro Hospitalar do Porto (CHP), onde deu entrada pelas 15h31, com diagnóstico principal: Trombose Cerebral, com enfarte cerebral e com a indicação de intervenção cirúrgica – cateterismo.
28. Como o quadro clínico da assistente estabilizou foi realizado apenas tratamento conservador e ficou internada nesse Departamento de Neurologia do CHP durante cerca de 7-8 dias.
29. No dia 29.10.2014, a assistente regressou ao internamento na UCI do CH....
30. Em 04.11.2014, a assistente foi transferida para a Unidade de Doentes Agudos (UDA) do CH..., onde iniciou a reabilitação funcional.
31. Posteriormente, em 17.11.2014, a assistente foi transferida para a Clínica de Reabilitação ..., em ..., ..., onde permaneceu internada até Fevereiro de 2015.
32. Mesmo depois de ter alta da Clínica de Reabilitação ..., a assistente necessitou de continuar a fazer fisioterapia diariamente no CH....
33. O arguido, como osteopata, antes de ter iniciado e realizado qualquer intervenção no corpo da assistente BB, tinha de estar na posse de todos os dados clínicos e antecedentes da mesma e para tal, deveria ter solicitado exames diagnósticos complementares, recolhido elementos sobre a situação de saúde da mesma e só na posse destes é que estaria em condições de decidir como proceder.
34. O arguido, como osteopata, não deveria ter efectuado a manipulação cervical na assistente ou prosseguido com a mesma, depois desta, uma vez colocada em decúbito ventral, ter sentido tonturas e mau estar, pois sabia que esse é um dos sintomas de alerta/risco.
35. O arguido, como osteopata, devia ter interrompido o procedimento, avaliado a assistente com o objectivo de perceber qual o factor desencadeante e, se necessário, activar todos os procedimentos indispensáveis de forma a estabilizá-la e, encaminhá-la, como o caso exigia, para a unidade de saúde mais próxima, o mais rapidamente possível e em segurança, o que não aconteceu.
36. Consequência directa e necessária da actuação do arguido a assistente sofreu uma dissecção da artéria vertebral direita e basilar, na sequência do qual sofreu uma Doença Vascular Cerebral Aguda” – AVC, do qual advieram as seguintes lesões permanentes e risco para a própria vida:
a. tremores, desequilíbrios frequentes e alterações da marcha (marcha com auxílio de andarilho);
b. alteração da mobilidade do membro superior esquerdo;
c. alteração da manipulação e preensão de objectos com a mão esquerda;
d. cansaço da voz ao final do dia;
e. alterações de memória com esquecimentos frequentes e alterações de sono;
f. ausência de desejo e actividade sexual;
g. dores no membro inferior que se agravam com o passar do dia;
h. sensação de frio, no hemicorpo à direita;
i. síndromo depressivo importante, relativo as défices e incapacidades.
37. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 05.02.2015.
38. As lesões descritas em 36. determinaram 106 dias para consolidação médico-legal, com afectação da capacidade de trabalho geral (106 dias) e com afectação da capacidade de trabalho profissional (106 dias).
39. As lesões permanentes supra descritas têm uma enorme repercussão nas actividades da vida diária da assistente, afectam de forma grave a possibilidade de a mesma utilizar o seu corpo, uma vez que necessita da ajuda e vigilância de terceira pessoa para todas as actividades diárias (tem desequilíbrios frequentes).
40. As lesões permanentes supra descritas tiraram de forma grave a capacidade de trabalho da assistente e afectaram, de maneira grave, as suas capacidades intelectuais, de fruição sexual e a possibilidade de utilizar os seu corpo, sentidos e linguagem.
41. O arguido, como osteopata, ciente que não estava na posse de dados clínicos da paciente e antecedentes clínicos da mesma e não tendo providenciado pela realização de exames de diagnóstico que lhe permitissem concluir que poderia utilizar a técnica terapêutica de hiperextensão da coluna cervical, admitiu como resultado possível da sua conduta uma compressão da artéria, aumentando a pressão a jusante da mesma que, ao ser libertada, poderia libertar um fluxo de sangue suficiente para provocar uma lesão interna na artéria a montante da compressão, provocar a dissecção da artéria vertebral, o subsequente AVC, as lesões permanentes supra descritas e o inerente risco para a vida da assistente, embora não se tenha conformado com tal resultado.
42. O arguido, como osteopata, ciente que não deveria ter efectuado a manipulação cervical na assistente ou prosseguido com a mesma depois desta, uma vez colocada em decúbito ventral, ter sentido tonturas e mau estar, pois sabia que esse é um dos sintomas de alerta/risco e, mesmo assim, continuou, admitiu como resultado possível da sua conduta, a dissecção da artéria vertebral, o subsequente AVC, as lesões permanentes supra descritas e o inerente risco para a vida da assistente, embora não se tenha conformado com tal resultado.
43. O arguido, como osteopata, estava ciente de que devia ter interrompido o procedimento, avaliado a assistente com o objectivo de perceber qual o factor desencadeante de tais sintomas/queixas e não actuou dessa forma.
44. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que praticava factos ilícitos e criminalmente puníveis, não se inibindo de os concretizar.
Do pedido de indemnização civil formulado pelos demandantes BB e AA
45. Em consequência da conduta do arguido / demandando, a assistente BB:
a. Ficou a padecer de tremores rubricos, desequilíbrios frequentes e alterações da marcha, só conseguindo andar com o auxílio de um andarilho ou auxílio de meios técnicos (bengala) e apoiada em 3.ª pessoa, existindo sempre um elevado risco de queda;
b. Ficou com alteração da mobilidade do membro superior esquerdo;
c. Ficou com dificuldades de manipular e de preensão de objectos com a mão
esquerda;
d. Apresenta alteração e cansaço da voz nomeadamente ao fim de manter uma conversa e essencialmente no final do dia;
e. Viu afectada a sua capacidade de memória, de raciocínio vendo diminuída a sua capacidade cognitiva;
f. Ficou com alterações do sono profundas, passando noites inteiras em claro e outras com pesadelos e a falar sozinha;
g. Tem dores permanentes espalhadas pelas diversas partes do corpo;
h. Apresenta falta de sensibilidade e o corpo gelado, no hemicorpo à direita;
i. Fortes dores no membro inferior que se agravam com o passar do dia;
j. Síndroma depressivo importante reactivo às alterações à sua imagem pessoal e irreversibilidade dos défices e incapacidades de que passou a padecer e desconforto face à sua imagem e perspectiva de vida que a espera;
k. Hemiparesia direita com espasticidade e síndroma piramidal à direita;
l. Tremor axial e apendicular;
m. Vertigens constantes que a impedem e tornam agoniantes entre outras tarefas simples viagens de automóvel;
n. Hemiparesia esquerda com hipoestesia e face central direito;
o. Desequilíbrio ortostático;
p. Dificuldade de deglutição dos alimentos;
q. Diabetes;
r. Problemas de audição;
s. Ficou com redução pupilar direita;
t. Episodicamente problema de natureza urológica
46. Estas sequelas têm natureza irreversíveis, são permanentes, as quais sob o ponto de vista médico—legal afectam de forma definitiva a capacidade de trabalho, as capacidades intelectuais, de procriação ou fruição sexual, ou a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem.
47. A assistente tem-se valido do auxílio do seu marido e filha, de outros familiares e outras pessoas para a substituíram nas lides domésticas e para tomarem conta de si.
48. Necessita de apoio de 3.ª pessoa para as actividades diárias.
49. O custo mensal médio da remuneração de uma profissional de trabalho doméstico, em horário laboral completo, para o exercício de tais funções é de 1.000,00€.
50. A assistente necessita de readaptar os acessos da sua residência, designadamente a colocação de uma cadeira elevatória para permitir o acesso da demandante da garagem à sua residência, para o que terá de despender a quantia de 8.400,00€;
51. Para se deslocar ainda que acompanhada, no exterior da residência e dentro desta necessita de uma cadeira de rodas eléctrica para o que terá de despender a quantia de 2.760,00€;
52. Precisa de readaptar a sua residência à realidade que hoje vive, designadamente criar condições que lhe permitam aceder à mesma com a colocação de plataforma elevatória para o acesso pelo exterior à sua residência dada a impossibilidade de criação de rampas de acesso face acentuada inclinação deste acesso, para o que terá de despender a quantia de, pelo menos, 5.000,00€.
53. Necessita de readaptar o interior da sua residência designadamente ao nível dos wc, portas e outras, para o que terá de despender a quantia de, pelo menos, 6.000,00€;
54. Necessita de colocar corrimões nos acessos à sua residência pelo passeio, à área de logradouro desta e neste por forma a permitir o seu uso, para o que terá de despender a quantia de, pelo menos, 5.000,00€.
55. As sequelas derivadas do AVC de que foi vítima obrigam-na a diariamente tomar medicação e a receber cuidados médicos e fisiátricos diários, sendo que o agravamento, no futuro, dessas mesmas sequelas exigirá acompanhamento e tratamento médicos acrescidos.
56. A demandante auxiliava a sua mãe num cabeleireiro aos fins de semana, recebendo em contrapartida a quantia de 50,00€ semanais, valor que deixou de auferir por ter deixado de poder desempenhar tais tarefas.
57. A mãe da assistente pagava as refeições para si e para a sua família — marido e filha (almoços e jantares de sexta e sábado), num valor correspondente a 40,00€ semanais.
58. À data do sinistro, a demandante era uma pessoa inteiramente válida para o trabalho, fazia as lides de casa, conduzia, preparava as refeições para si e seus familiares, nomeadamente para o seu marido.
59. Como hobbies, gostava de pintar, de fazer crochet (malha), de cozinhar, de praia de fazer passeios a pé, de viajar, de crianças e de brincar com elas.
60. Está hoje limitada na actividade ou fruição sexual.
61. A demandante cível é hoje uma pessoa triste, acabrunhada, isolada totalmente dependente de terceiros, chora com frequência; tem dores intensas em todo o corpo principalmente no membro inferior.
62. Praticamente só percorre pequenas distâncias no interior da sua casa e apoiada aos móveis e às paredes;
63. Sente-se inferiorizada e abstém-se de contactar com outras pessoas.
64. A demandante cível nasceu em .../.../1964, tendo na data do evento 50 anos de idade.
65. O demandante civil, AA, nascido a .../.../1960, é casado com a assistente / demandante BB.
66. Formava com a sua mulher um casal feliz que vivia a vida de forma plena, que se entendia perfeitamente.
67. Em consequência das sequelas sofridas pela assistente, o demandante AA passou a ter que fazer serviços que anteriormente eram executados pela sua mulher, nomeadamente, quando as suas ocupações profissionais o permitem, de cozinhar e arrumar ou ajudar a arrumar a casa e demais lides domésticas, comprometendo o desgaste físico e psicológico o seu desempenho profissional.
68. Vê a sua mulher, que anteriormente era pessoa saudável e inteiramente válida para o trabalho, a chorar com frequência à sua frente, não querendo sair de casa para os passeios que anteriormente faziam em conjunto e com pessoas amigas como era hábito.
69. Por força das sequelas do evento, o demandante AA está limitado na manutenção de actividade sexual com sua mulher.
70. Situação que muito o desgosta, uma vez que tinha a idade de 54 anos.
71. Passou a dormir, quando lhe é permitido, com um tablet na cama onde visiona/monitoriza permanentemente a sua esposa durante a noite e quando está a descansar a fim de se aperceber de algum mal-estar desta, o que o desgasta física e psicologicamente.
72. Tendo deixado de dar aulas na Universidade ... onde fazia parte do corpo docente no Curso ... existente naquela UA há mais de 10 anos, de onde teve que se demitir, por ter deixado de ter disponibilidade de tempo de que antes dispunha e de que passou a não poder dispor por ter de ajudar a mulher face à incapacidade de que a mesma passou a padecer.
73. Suportou as seguintes despesas até ao momento:
a. transporte a consultas no Centro de Reabilitação ... Em ... nos dias 18/5/2015, 29/9/2015, 6/1/2016, 13/7/2016,21/11/2016, 6/3/2017, 22/8/2017, (Km ida e volta 55x7x € 0.40) no valor de 154,00€;
b. Visitas efectuadas à demandante durante o período de internamento em ... no CRN, de 17/11/2014 a Fevereiro de 2015 (76 diasx55 km x€ 0.40) no valor de 1.672,00€;
c. Adquiriu colchão e sommier para cama independente da demandante BB, no valor de 100,00€;
d. Adquiriu câmara de vigilância/segurança para monitorizar a sua esposa durante a noite, no valor de 100,00€.
74. Era a demandada A... Lda. quem marcava os dias e horas dos tratamentos, que emitia os competentes recibos pelos trabalhos realizados de que era sócia, responsável e directora a demandada DD.
75. Era a demandada DD que analisava as capacidades das pessoas que na mesma clinica prestavam serviço.
76. O arguido / demandado exerce funções na sua clínica da demandada DD, desde 2009, sendo que já anteriormente, desde 2006, colaborava numa outra clinica da qual também era socia gerente.
77. O arguido/demandado não possuía seguro de responsabilidade civil.”
58. Em virtude dos factos ocorridos com BB, a vida de AA mudou, uma vez que a sua mulher não pode estar sozinha, não pode fazer as lides domésticas, não consegue desempenhar as suas funções de esposa, está sempre deprimida, quer estar sempre em casa, não quer passear nem conviver.
59. Pelo que há mais de 6 anos, o arguido perdeu a sua melhor amiga, confidente, companheira, esposa e mãe da sua filha, para ter alguém totalmente dependente de si (e de terceiros), com grandes lapsos de memória, dificuldades de equilíbrio, com dores, deprimida.
60. Face à perturbação que toda esta situação causou ao arguido e ao seu quotidiano pessoal e familiar, o arguido vive para esse processo e acompanha-o de perto.
61. Razão pela qual apesentou vários requerimentos nos autos com o n.º 795/15.... com vista à correcção de lapsos de escrita e à intervenção hierárquica.
62. Quer na altura, quer ainda hoje está plenamente convicto que os erros/anomalias/lapsos ocorreram e que prejudicaram a sua esposa e a si.
63. Daí a apresentação do escrito referido em 2, em que os imputava a CC e também à secção de processos do DIAP ....
64. O arguido é seguido por psicóloga, Dra. OO, a qual subscreve declaração em que relata que aquele apresenta” um quadro de perturbação pós-stress traumático (…) perturbação depressiva major, perturbação depressiva distimica, perturbação de ansiedade generalizada, reactividade associada a sintomatologia depressiva e ansiedade (...) ansiedade acrescida e perda de lucidez e de análise quando os assuntos se relacionam com a sua honra, dignidade, carácter e evento ocorrido em 2014 (…) Necessita de repouso e aconselha-se a medicação e acompanhamento para se evitar a sua entrada num estado de burnout”
65. Dos autos não constam antecedentes criminais registados.
*
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa, ou que se mostrem em contradição com os dados como provados.”
*

3.2 – Da nulidade da sentença nos termos previstos no art. 379º, nº2, do Cód. Proc. Penal.
Como se viu, sustenta o recorrente que os factos comunicados na audiência de 4 de julho, e que vieram a integrar o elenco dos factos provados, constituem uma alteração substancial – o que se mostra legalmente inadmissível dada a sua oposição ao prosseguimento dos autos para efeitos da sua apreciação.
Não lhe assiste razão.
Dispõe o art. 1º, al. f), do Cód. Proc. Penal, que alteração substancial dos factos é aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
No caso, os factos comunicados e que, posteriormente, vieram a ser considerados provados, são partes específicas de um texto escrito pelo arguido o qual não só consta dos autos desde o início como também constitui a base e fundamento da acusação/pronúncia – e que já se mostrava parcialmente transcrito na acusação. A transcrição de tais factos – e sua consequente prova – visou tão só pormenorizar, concretizar e tornar mais claro o conteúdo da pronúncia. Porém, em nada a alterou, ou seja, o objeto do processo, visto como o “pedaço concreto de atuação do arguido” sujeito a escrutínio jurídico é exatamente o mesmo, não se tendo modificado em nada. É que os factos aditados nem alteram os elementos essenciais nem a natureza do crime que é imputado ao arguido e não são sequer aptos, seja de que forma for, a agravar quaisquer limites da respetiva sanção.
Como se vê não se verificou qualquer condenação nos termos previstos no art. 379º, nº1, al.b) e que gere a nulidade da sentença.
Improcede a sua pretensão.
*

3.3 – Impugnação da matéria de facto provada
……………………….
……………………….
……………………….
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3.4 – Da não verificação dos elementos objetivos dos crimes de difamação e de denúncia caluniosa
O recorrente suscita a presente questão no pressuposto prévio da alteração da decisão da matéria de facto – já que invoca que os factos relativos aos elementos subjetivos dos crimes em causa, que resultaram provados, foram alvo de erro de julgamento, devendo passar para o elenco dos factos não provados.
Como se viu a sua pretensão, nessa parte, improcedeu mantendo-se inalterada a matéria de facto da qual constam os elementos subjetivos dos crimes.
Assim, a apreciação da questão suscitada mostra-se prejudicada.
*
3.5 – Crime de difamação e denúncia caluniosa: concurso real ou concurso aparente
Invoca o recorrente que entre o crime de difamação agravada e o crime de denúncia caluniosa se verifica uma relação de concurso aparente e não, ao contrário do que foi decidido pelo tribunal de 1ª instância, um concurso efetivo de crimes.
Vejamos.
A fim de resolver a questão em apreço importa, antes de mais, apurar quais os bens jurídicos tutelados por cada uma das normas em questão (arts. 180º e 365º, do Cód. Penal).
No que respeita ao crime de difamação não existem dúvidas de que, com maior ou menor extensão, o bem jurídico protegido é a honra. Já no caso da denúncia caluniosa, pese embora a inserção deste tipo legal no Capítulo dos crimes contra a realização da justiça, o bem jurídico tutelado não é apenas a administração ou a realização da justiça antes revestindo natureza mista. Com efeito, os bens tutelados são, por um lado a honra e, por outro a realização da justiça. Isso mesmo nos diz Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Cód. Penal, 4ª ed., pag. 1216, em comentário ao mencionado art.365º): “Os bens jurídicos protegidos pela incriminação são a honra e a liberdade da pessoa visada e, reflexamente a realização da justiça”. No mesmo sentido, afirma Costa Andrade que “(…) no direito português vigente tudo corre a favor da interpretação que erige os interesses individuais em bem jurídico típico, reservando aos valores da realização da justiça (autoridade, eficácia, legitimação) uma tutela reflexa ou complementar» (CCCP, Parte especial, Tomo III, pag.527).
E, a esse propósito, não se pode ignorar o Acórdão de fixação de jurisprudência do STJ nº8/2006, cujo sumário é o seguinte: “No crime de denúncia caluniosa, previsto e punido pelo artigo 365.º do Código Penal, o caluniado tem legitimidade para se constituir assistente no procedimento criminal instaurado contra o caluniador” do que decorre claramente – e de forma expressa do seu teor - que o preceito em causa visa igualmente a proteção da honra do ofendido.
Assim sendo, o bem jurídico tutelado pelo crime de difamação mostra-se também ele tutelado pelo crime de denúncia caluniosa. Desta forma encontramo-nos perante uma situação de concurso aparente integrando a conduta do arguido apenas a prática do crime de denúncia caluniosa, mais abrangente e punível com a pena mais grave (neste sentido, além de Costa Andrade e Paulo Pinto de Albuquerque, obras citadas, também Ac. RL de 26/10/2005; Ac. STJ, de 14/1/2021, ambos em www.dgsi.pt).
Face ao exposto considera-se que, nesta parte, assiste razão ao recorrente procedendo assim a sua pretensão.
*
3.6 – Do conflito de direitos: direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva, direito de denúncia e liberdade de expressão
Invoca o recorrente que, ainda que se considerem verificados os elementos objetivos e subjetivos dos crimes em causa a sua conduta não será punível pois agiu no exercício do direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva.
Cumpre apreciar.
O arguido apresentou uma participação contra a assistente na qual lhe imputou a prática (no âmbito da sua profissão de magistrada do Ministério Publico) de diversos atos suscetíveis de integrarem a prática de crime e que, como tal, são ofensivos da sua honra e dignidade. Com efeito, a prática por um magistrado de atos que integram a prática de um qualquer crime, designadamente e como é o caso nos presentes autos (da imputação) do crime de denegação de justiça e prevaricação, não só são totalmente aptos a atingir a honra, o bom nome, a dignidade pessoal e profissional da pessoa em causa como o fazem efetivamente. Um qualquer magistrado que pratica tais atos não pode ser tido e considerado como pessoa séria, íntegra, honesta e imparcial, sendo estes os pilares básicos em que assenta a sua legitimação enquanto profissional. Com efeito, quem, enquanto magistrado, pratica tais atos perde de forma irremediável o seu bom nome, o respeito dos pares e de toda a comunidade.
Afirma o recorrente que, ao agir da forma descrita se encontrava a exercer o direito constitucional de acesso ao direito e à efetiva tutela jurisdicional e bem assim o direito de denúncia.
A conduta do arguido teve por base um processo criminal dirigido e titulado pela aqui assistente e em que era ofendida a esposa daquele. E, à data, havia já sido formulada acusação nesse processo crime. Ora, como forma de exercer o direito ao acesso à justiça e aos tribunais, agora invocado pelo recorrente, o mesmo podia, nesse mesmo processo, ter lançado mão de todos os mecanismos processuais adequados e previstos na lei, designadamente, apresentando requerimentos, reclamando hierarquicamente (o que fez) e recorrendo das decisões. Era esse o local e eram esses os meios próprios para exercer os seus direitos. Mas o que aqui está em causa não é a atitude do arguido nesse processo, onde estariam em causa os direitos que a sua esposa e ele próprio pretendiam efetivar, mas sim a participação que fez – e que gerou processo autónomo – contra a aqui assistente. E essa é uma “mera” participação que gerou um inquérito, na sequência do qual seria deduzido despacho de acusação ou de arquivamento contra a assistente não resultando daí o exercício de qualquer direito ou efetiva tutela jurisdicional para o ora recorrente nos termos por ele invocados.
É certo que lhe assistia, como assiste a qualquer cidadão, o direito à denúncia de factos que entende como criminosos – tal é o verdadeiro direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva, como previsto no art. 20º, da CRP. Porém, no caso concreto ficou demonstrado não só que os factos denunciados não correspondiam à verdade, como também que o arguido sabia que assim era. Tal implica que não nos encontremos já perante o exercício de um direito constitucionalmente consagrado. Pelo contrário, a conduta do arguido integra antes a prática de um crime de denúncia caluniosa. Com efeito, deixa de existir o direito legítimo de denúncia quando o denunciante conhece a falsidade dos factos. E o art. 180º, nº2, – que parece ser invocado pelo arguido – não tem qualquer aplicação no caso. É que o mesmo, na parte que prevê a não punibilidade da conduta, pressupõe não só o exercício de um direito legítimo como também a prova da imputação feita ou de fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira. Não é, como se viu a situação (não só o arguido não provou a verdade das imputações como, pelo contrário, resultou demonstrado que as mesmas não correspondiam à verdade, o que ele sabia).
O mesmo se diga da invocação do recorrente no sentido de que se verifica um conflito de direitos entre a sua liberdade de expressão e a tutela da honra e consideração da assistente. Tal direito, à semelhança dos demais já abordados, não permite a denúncia contra terceiro por factos que o denunciante sabe serem falsos. A tutela constitucional desses direitos não pode permitir um uso abusivo dos mesmos o que iria totalmente contra os interesses e as razões de justiça que os fundamentam.
Como se pode ler no Ac. do TRP de 21/1/2015, em www.dsgi.pt:
“(…)Tendo a jurisprudência mais recente e atualizada, designadamente ao nível do STJ, vindo, inclusive, a decidir no sentido de que o direito de denúncia prevalece sobre o direito à honra, devendo assegurar-se aos cidadãos a possibilidade quase irrestrita de denunciar factos que entende criminosos. (Neste sentido cfr., por todos, os acórdãos do STJ, de 18.12.2008, proferido no processo 08A2680 e o de 21.4.2010, proferido no processo 1/09.3YGLSB.S2, ambos disponíveis em www.dgsi.jstj.pt).
Contudo, contrariamente ao que pretende fazer crer a recorrente, tais considerações não têm qualquer aplicação no caso sub judice. É que, tendo ficado provado, como ficou, que a arguida agiu com perfeito conhecimento de que os factos que denunciou e participou contra o assistente não correspondiam à verdade, sendo falsos (cfr. nº 7 dos Factos Provados), é indubitável que ela usou o direito de acesso ao direito e aos tribunais em circunstâncias que vão contra o próprio fim social com que foi instituído esse direito e, como tal, não pode a sua conduta ser analisada à luz daquele fim.
Igual ordem de razões valendo para a confrontação da conduta da arguida com o direito à liberdade de expressão e informação, consagrado no artigo 37º da Constituição da República Portuguesa, que de modo algum visa tutelar, direta ou indiretamente, a possibilidade de se propalarem factos que se sabem ser falsos, com o intuito de prejudicar terceiros e de fazer que contra eles seja instaurados procedimentos criminais, sem qualquer fundamento. Por outras palavras, o interesse que presidiu à conduta da arguida vai contra a própria ordem jurídica globalmente considerada, o que exclui, desde logo, a hipótese de existência de conflito de interesses e da necessidade de reposição da justiça nas relações intersubjetivas”.
Partilhamos tal entendimento o qual se aplica inteiramente ao caso concreto.
Improcedem deste modo, e nesta parte, as pretensões recursivas.
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3.7 - Medida concreta da pena
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3.8 - Montante da indemnização cível e respetivos juros.
O recorrente contesta o valor da indemnização fixada pelo tribunal – 8.500,00€ - que considera excessiva. Pede a sua redução para o montante de 4.000,00€.
O acórdão recorrido apreciou a questão concreta nos seguintes moldes:
“(…) Todos estes danos, afectando, com relevância, o bem estar e a integridade psíquica da demandante CC, deverão, pois, ser reparados através da imposição ao autor do acto lesivo de uma obrigação pecuniária.
Retomando aqui a análise, já feita, sobre as circunstâncias em que foram perpetradas as falsas imputações da prática de crime de prevaricação e de crime de denegação de justiça e de infracções disciplinares, e acrescendo que:
- a Procuradora da República viu a sua imagem devassada perante os seus pares e os seus superiores hierárquicos, e viu perigada a imagem profissional junto da população que serve e em que se insere, pese embora não tenha tido verdadeiras repercussões pessoais e profissionais, Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo Local Criminal ... – Juiz 1á que o inquérito foi arquivado;
- a Procuradora da República sofreu (e sofre) tristeza, angústia, vergonha pelos factos que falsamente lhe foram imputados, tendo tido receio da possibilidade de vir a ter consequências disciplinares e com a perda da reputação e bom nome profissional que foi construindo ao longo de cerca de 20 anos de serviço (que lhe mereceu a notação de Muito Bom) não só junto dos seus pares, como dos utentes;
- que o demandado não tem uma situação económica acima da média, por contraposição à assistente;
Entende-se ser de atribuir por danos não patrimoniais provocados, a compensação de €8.500,00 (oito mil e quinhentos euros), sendo o pedido de indemnização civil julgado parcialmente procedente.
A esta quantia acrescem juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, contados desde a data de notificação do pedido de indemnização civil ao demandado até efectivo e integral pagamento.”
Como se vê, a decisão, nesta parte, obedeceu aos preceitos legais aplicáveis (arts. 483º e 496º, nº1, do Cód. Civil) e teve em conta os critérios legais aí estabelecidos, designadamente as lesões sofridas, o grau de culpa, a situação económica do arguido e da ofendida e a equidade.
O valor assim obtido não se mostra de todo excessivo, não existindo qualquer fundamento para a sua redução a qual, aliás, se mostraria até vexatória dado o tipo de ilícito em causa, a sua gravidade e o grau de culpa do arguido. Aliás, se peca, é por defeito.
Com efeito, a conduta do arguido/demandado afetou gravemente os direitos da assistente/demandada, causando-lhe graves danos morais. A imputação, a um magistrado, da prática de um crime no exercício das suas funções não é um facto de pouco relevo que apenas gera um ligeiro embaraço e cujas consequências rapidamente se dissipam. Pelo contrário. Os sentimentos vivenciados pela assistente – e que resultaram demonstrados - perduram necessariamente no tempo e causaram-lhe forte consternação e constrangimento. O seu bom nome e a sua honra como magistrada foram afetados o que certamente muito a abalou.
Os valores fixados a título de indemnização por danos morais não podem ser irrisórios ou tão insignificantes que se tornem humilhantes para aqueles que os sofrem. Têm que, de algum modo e da melhor forma possível, compensar o dano sofrido.
No caso, por tudo o que se disse, não existe qualquer fundamento para reduzir o valor fixado.
Porém, no que respeita aos juros de mora importa salientar que a decisão aqui em causa fixou o valor da indemnização com base na equidade, do que resulta que no seu cálculo foi também utilizado o critério atualista, este no sentido de ser fixado o valor que, nessa data, foi entendido como o adequado.
Assim sendo, por força do Ac. de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2002, são devidos juros de mora desde a data da decisão recorrida e não a partir da notificação.
Nesta parte procede a pretensão do recorrente.
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4 - DECISÃO
Pelo exposto, concede-se provimento parcial ao recurso nos seguintes termos:

a) Absolve-se o arguido da condenação autónoma pelo crime de difamação agravada p. e p. pelo art. 180º, do Cód. Penal, crime este que se encontra numa situação de concurso aparente com o crime de denúncia caluniosa;
b) Mantém-se a condenação do arguido pela prática do crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo art. 365º, nº1, do Cód. Penal (em concurso aparente com o crime de difamação), na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de 11,00€;
c) Mantém-se a condenação do arguido/demandado no pagamento, a título de indemnização por danos morais, da quantia de 8.500,00€, a que acrescem juros à taxa legal desde a data da fixação do aludido valor e até integral pagamento.
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Sem custas.
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Porto, 14 de junho de 2023
Carla Oliveira
Paula Pires
José Piedade