Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
602/20.9T8AGD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
PRIVAÇÃO DO USO
JUROS MORATÓRIOS
Nº do Documento: RP20220110602/20.9T8AGD.P1
Data do Acordão: 01/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Os danos não patrimoniais só são ressarcíveis quando pela sua gravidade mereçam a tutela do direito (cfr. artigo 496.º, nº 1 do CPCivil), daí que o simples susto sentido por um condutor com o embate traseiro e com a projecção do veículo para a frente não se enquadre nessa facti species.
II - A “privação do uso” não pode ser apreciada e resolvida em abstracto, aferida pela mera impossibilidade objectiva de utilização da coisa, uma coisa é a privação do uso e outra, que conceptualmente não coincide necessariamente, será a privação da possibilidade de uso.
III - Uma pessoa só se encontra realmente privada do uso de alguma coisa, sofrendo com isso prejuízo, se realmente a pretender usar e utilizar caso não fosse a impossibilidade de dela dispor, não pretendendo fazê-lo, apesar de também o não poder, está-se perante a mera privação da possibilidade de uso, sem repercussão económica, que, só por si, não revela qualquer dano patrimonial indemnizável.
IV - Bastará, no entanto, que a realidade processual mostre que o lesado usaria normalmente a coisa, para que o dano exista e a indemnização seja devida.
V - Não se tendo operado ex-professo um cálculo actualizado da indemnização ao abrigo do n° 2 do artigo 566.° do C. Civil com apelo também declarado v.g aos índices de inflação entretanto apurados no tempo transcorrido desde a propositura da acção, os juros moratórios devem ser contabilizados a partir da data citação, que não a contar da data da decisão condenatória de 1ª instância.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 602/20.9T8AGD.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro-Juízo Local Cível de
Relator: Des. Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra
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Sumário:
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I-RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
B… e C…, residentes na Travessa …, … intentaram a presente acção declarativa, com forma de processo comum, contra “C…, S.A.” (actualmente denominada “D…, S.A.”) com sede na Rua …., nº …, Lisboa pedindo a sua condenação a:
- Proceder à reparação do veículo de matrícula ..-..-.., propriedade da autora B….
A não ser esse o entendimento do Tribunal, pedem a condenação da ré a:
- Pagar à autora F… veículo automóvel da mesma marca, modelo, ano de fabrico, estado de quilometragem, uso e conservação ao do veículo sinistrado, em substituição deste último, de valor a arbitrar pelo prudente arbítrio do Tribunal, mas nunca de valor inferior a €10.000,00;
- Pagar o montante de €40,00 por cada dia de parqueamento do veículo de matrícula ..-..-.. na oficina, desde o dia 10/7/2019 até à entrega do veículo reparado e pronto a funcionar, em montante total a apurar em execução de sentença;
- Pagar o montante de €300,00 de custos com aluguer de veículo;
- Pagar o montante de €30,00/dia por privação de uso do veículo de matrícula ..-..-.., à autora B…, desde o dia 10/7/2019 até à entrega do veículo reparado e pronto a funcionar, em montante total a apurar em execução de sentença;
- Pagar à autora C… o montante de €6.000,00 a título de danos não patrimoniais;
- Pagar à autora C…, a título de danos patrimoniais, o montante de €35,00 por cada consulta de psicologia que venha a ter de efectuar, em montante total a apurar a final;
- Indemnizar as autoras em quantia indemnizatória mais elevada se, no decorrer do processo, se vierem a revelar danos superiores aos agora reclamados;
- Pagar juros de mora à taxa de juros de mora para operações civis desde a data da citação até integral pagamento das quantias peticionadas.
Como fundamento das suas pretensões, alegam as autoras, em síntese, que: a 10/7/2019, ocorreu um acidente de viação, que se traduziu num embate entre 3 veículos automóveis, um dos quais pertencente à autora B… e conduzido, na altura, pela autora C…; o embate ocorreu quando um terceiro veículo se encontrava parado, e atrás dele, o veículo conduzido pela autora C…; entretanto, um outro veículo, segurado na ré, não foi imobilizado em tempo útil, vindo a embater na traseira do veículo da autora, o qual, por força do embate, foi empurrado para a frente, vindo a embater no veículo que se encontrava imobilizado à sua frente; em consequência do embate, o veículo da autora sofreu danos nas partes traseira e frontal; a ré, embora assumindo a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos, fez uma proposta de indemnização que não foi aceite pelas autoras, porquanto não cobre os danos efectivamente sofridos; a autora B… pretende a reparação do veículo, ou, não sendo esse o entendimento do Tribunal, o pagamento de veículo idêntico, em valor nunca inferior a €10.000,00; pretende ainda ser ressarcida pela privação do veículo, que se encontra parqueado em oficina de mecânica desde o dia do acidente, ascendendo os custos do parqueamento a €40,00/dia; a autora B… viu-se obrigada a alugar veículo para se deslocar desde 23/7/219 até 2/8/2019, no que despendeu a quantia de €300,00; a autora C… ficou perturbada com o acidente, o que lhe tem causado perturbações no sono, e sentimentos de angústia e tristeza, tendo tido necessidade de recorrer a consultas de psicologia, com periodicidade semanal, com o custo de €35,00 por cada consulta, tendo-lhe sido diagnosticada ansiedade generalizada provocada pelo acidente, pretendendo a autora ser ressarcida destes danos.
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Citada a ré, contestou a acção, aceitando a responsabilidade pelo acidente, mas impugnando os danos ou a extensão destes, alegados pelas autoras, porquanto: a reparação dos danos foi orçada em €8.798,07; o valor venal do veículo era de €9.696,00; o valor do salvado é de €3.156,00; logo, de acordo com o disposto no art.º 41º do DL nº 291/2007 de 21/10, trata-se de uma situação de perda total; ficando o salvado na posse das autoras, comunicou-lhe, em 26/7/2019, o valor da indemnização a título de perda total, no montante de €6.540,00, tendo ainda identificado a empresa disposta a adquirir o salvado pelo preço de €3.156,00; as autoras não aceitaram a proposta da ré.
Conclui pela improcedência da acção.
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Ouvidas previamente as partes, que nada opuseram, foi dispensada a audiência prévia, nos termos do disposto no art.º 593º, nº 1 do CPCivil.
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Foi proferido despacho saneador, foi identificado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova, tudo sem reclamações.
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Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal.
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A final foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência condenou a Ré “E…, S.A.” a:
a)- mandar proceder à reparação, custeando-a, do veículo automóvel de matrícula ..-..-.., pertencente à autora B…, em conformidade com os orçamentos de reparação juntos a fls. 30 a 32 verso e 37 a 39 verso;
b)- a pagar à autora B… a quantia de €100,00 por cada mês de privação do uso do veículo sinistrado, desde a data do acidente, em 10/7/2019, até à entrega do veículo devidamente reparado, quantia essa acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a presente decisão, até integral pagamento;
c)- no mais absolveu a Ré dos pedidos contra ela formulados.
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Não se conformando com o assim decidido vieram as Autoras interpor o presente recurso concluindo pela revogação da decisão.
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Devidamente notificada, a Ré contra-alegou concluindo pelo não provimento do recurso.
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Após os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 3, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação é apenas uma a questão que importa decidir:
a)- saber se a subsunção jurídica do quadro factual que nos autos se mostra provado se encontra, ou não, correctamente feito.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
É a seguinte a matéria de facto que vem dada como provado pela primeira instância:
1. No dia 10 de Julho de 2019, pelas 7:45 horas, no IC., em Águeda, ocorreu um acidente de viação em que foi interveniente a autora C…, que conduzia o veículo automóvel Mini …, de matrícula ..-..-.., propriedade da autora B….
2. No referido acidente, estiveram envolvidos, pelo menos, 3 veículos automóveis.
3. Um desses veículos tinha a matrícula ..-..-.., era conduzido por G…, e era propriedade do F…, e tinha a sua responsabilidade civil transferida para a ré “E…”, através da apólice nº ….-…….., em vigor à data do acidente.
4. Foi ainda interveniente no referido acidente um terceiro veículo, de matrícula ..-..-.., conduzido pelo seu proprietário, H….
5. O acidente ocorreu quando o veículo de matrícula ..-..-.. se encontrava parado, bem como, imediatamente atrás deste, estava parado o veículo de matrícula ..-..-...
6. Veículos parados esses que foram surpreendidos pelo embate do veículo de matrícula ..-..-.., o qual não foi imobilizado em tempo útil, e em consequência, embateu na traseira do veículo conduzido pela autora C….
7. Após tal embate, e em consequência directa e necessária do mesmo, o veículo da autora moveu-se e embateu no veículo que se encontrava imobilizado à sua frente, por ter sido empurrado pelo veículo segurado na ré.
8. O veículo da autora ficou com danos na parte traseira e na parte frontal, em resultado do acidente.
9. A ré assumiu a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos provocados pelo veículo por si segurado.
10. Por carta datada de 26/7/2019, a ré comunicou à autora C… que:
“Após vistoria da viatura matrícula ..-..-.. na oficina I…, efectuada pelos nossos serviços técnicos J…, Lda., verificou-se que nos termos da legislação em vigor não nos é possível dar instruções de reparação da mesma em virtude de estarmos perante um sinistro abrangido pelo conceito de perda total, pelo que não sendo possível a sua reconstituição natural, fixaremos a eventual indemnização em dinheiro, nos termos da lei.
Pelo exposto e caso, após a instrução do nosso processo de sinistro, se conclua que a responsabilidade pela ocorrência do evento pertence exclusivamente ao condutor do veículo que garantimos, iremos proceder a uma indemnização pecuniária no valor Eur: 6.540,00, quantitativo este correspondente ao valor venal da viatura antes do sinistro já deduzido do valor do salvado, que se fixa em Eur: 3.156,00.
Informamos ainda que o valor acima referido respeitante ao salvado foi oferecido pela L…, S.A., Av. …, … – … – … – …, ….-… Lisboa, TELF: ………, a qual se compromete adquiri-lo por aquela quantia por um período de 45 dias a contar desta data.
Entretanto, sugerimos que V.Exa entrem em contacto com a oficina onde se encontra a viatura vistoriada, no sentido de regularizar a situação de recolha da mesma.
(…)” – cfr. doc. junto a fls. 11 verso e 12.
11. Por carta datada de 16/8/2019, a ré comunicou à autora B… que:
“Após vistoriada viatura matrícula ..-..-.., na oficina I…, efectuada pelos nossos serviços técnicos J…, Lda., verificou-se que nos termos da legislação em vigor não nos é possível dar instruções de reparação da mesma em virtude de estarmos perante um sinistro abrangido pelo conceito de perda total, pelo que não sendo possível a sua reconstituição natural, fixamos a indemnização em dinheiro, nos termos da lei.
Nesta conformidade, informamos que para efeitos de indemnização iremos considerar o valor de Eur.: 6.540, quantitativo este correspondente ao valor venal da viatura antes do sinistro já deduzido do valor do salvado, que se fixa em Eur.: 3.156,00.
Informamos ainda que o valor acima referido respeitante ao salvado foi oferecido pela empresa L…, S.A., Av. …, .. – … – … – …, ….-… Lisboa, TELF: ………, a qual se compromete a adquiri-lo por aquela quantia por um período de 45 dias a contar desta data.
Aproveitamos a oportunidade para anexar a nossa acta de liquidação a qual nos deverá ser devolvida nos termos apostos na mesma.
Entretanto, sugerimos que V.Exa entre em contacto com a oficina onde se encontra a viatura vistoriada, no sentido de regularizar a situação de recolha da mesma.
Cumpre-nos ainda informar que, conforme disposto no art.º 42º, nº 2 do Decreto Lei nº 291/2007, estando desde já a respectiva indemnização à disposição de V.Exa, cessa a partir desta data o direito a veículo de substituição.
(…) – cfr. doc. junto a fls. 10 verso e 11.
12. A proposta da ré não foi aceite pelas autoras.
13. O veículo encontra-se parqueado na oficina de mecânica de I… desde a data do acidente, até à presente data.
14. A autora B… está privada do uso da viatura desde o dia do acidente.
15. O veículo era habitualmente usado pela autora C… nas suas deslocações diárias e, ocasionalmente, pela autora B….
16. A ré não disponibilizou à autora um veículo de substituição.
17. A autora C… procedeu ao aluguer de uma viatura no período de 23/7/2019 a 2/8/2019, pelo qual pagou a quantia de € 300,00.
18. Em data não concretamente apurada, a autora C… adquiriu outro veículo automóvel.
19. A autora C… sentiu grande susto com o embate traseiro e com a projecção do veículo para a frente e subsequente embate frontal.
20. A autora C… teve, pelo menos, uma consulta de psicologia, em 19/11/2019, pela qual pagou €35,00.
21. A ré efectuou uma peritagem ao veículo da autora.
22. No âmbito dessa peritagem, o orçamento para a reparação ascendeu ao valor de €8.798,07 – cfr. docs. juntos a fls. 29 verso a 42 verso.
23. O valor do salvado foi calculado em €3.156,00.
24. O valor venal do veículo, à data do acidente, situava-se entre os €9.696,00 e os €10.908,00.
25. Do acidente, apenas resultaram danos materiais, não tendo havido feridos.
Factos Não Provados:
Não se provou que:
a) É cobrada a quantia de €40,00/dia pelo parqueamento da viatura na oficina, montante que a autora B… terá que pagar ao dono da oficina.
b) A autora B… alugou um veículo no período de 23/8/2019 a 2/8/2019, pelo qual pagou a quantia de €300,00.
c) Não raras vezes, a autora C… acorda sobressaltada, revivendo o acidente sofrido, o que lhe causa angústia e tristeza, bem como vê o seu descanso nocturno perturbado.
d) A autora C… teve consultas de psicologia com periodicidade semanal, tendo-lhe sido diagnosticada Ansiedade generalizada provocada pelo acidente de viação sofrido a 10/7/2019 e com a incerteza do desfecho do mesmo.
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III. O DIREITO
Como supra se referiu é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir:
a)- saber se a subsunção jurídica do quadro factual que nos autos se mostra provado se encontra, ou não, correctamente feito.
1- A questão do parqueamento do veículo
Como se extrai do petitório a Autora B… pede a condenação da Ré no pagamento da quantia de €40,00 por cada dia de parqueamento do veículo de matrícula ..-..-.. na oficina, desde o dia 10/7/2019 até à entrega do veículo reparado e pronto a funcionar, em montante total a apurar em execução de sentença.
O tribunal recorrido como se evidencia da decisão recorrida não acolheu essa pretensão.
Discorda a recorrente do assim decidido alegando que a decisão viola o estatuído no artigo 562.º do CCivil, ou seja, mesmo que não tendo resultado provado o montante devido a esse título sempre seria de arbitrar um montante julgado e considerado justo, equilibrado e equitativo.
Que dizer?
Antes de avançarmos na análise deste questão importa realçar que apenas nos podemos mover dentro do quadro factual que nos autos se mostra assente e que, diga-se, não foi objecto de impugnação.
Ora, sob este conspecto está apenas provado que “O veículo encontra-se parqueado na oficina de mecânica de I… desde a data do acidente, até à presente data” (cfr. ponto 13. da fundamentação factual).
Como a partir daí se pode asseverar, como alega a recorrente que, resulta do normal acontecer e das regras da experiência comum que a final, depois de reparado o veículo lhe será debitada o montante devido por tal parqueamento na dita oficina de reparação automóvel?
Repare-se que a recorrente não provou como lhe competia (cfr. artigo 342.º, nº 1 do CCivil) o vertido na petição inicial a esse respeito, isto é, que fosse cobrada a quantia de €40,00/dia pelo parqueamento da viatura na oficina [cfr. al. a) da resenha dos factos não provados].
É preciso notar que as regras de experiência comum não podem servir para fundamentar a decisão de facto, com a simples proclamação desse princípio.
Com efeito, no sistema de persuasão racional, as máximas da experiência actuam como elemento auxiliar na análise das provas produzidas, incidindo directamente na valoração das provas.
Ou seja, e de forma geral, a valoração dos resultados probatórios consiste numa operação gnoseológica que leva o juiz a aceitar a alegação factual x em decorrência da aquisição do meio de prova y mediante o recurso a uma máxima de experiência, com base na qual se pode considerar provavelmente verdadeira a alegação x em presença do meio de prova y.[1]
Acontece que, no caso em apreço, não existe aquele meio de prova y que, aliado à máxima de experiência, conduza a dar-se como demonstrado o facto em causa, ou seja, que a oficina em questão cobrará pelo parqueamento da viatura o montante diário de €40,00.
Como inferir através da regras da experiência que neste caso a oficina cobrará o referido montante?
E como não inferir o contrário?
Como assim e não tendo respaldo no quadro factual o citado pedido nada temos a censurar a este respeito à decisão recorrida.
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Improcedem, assim, as conclusões 1ª a 7ª formuladas pela recorrente.
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2- A questão dos danos não patrimoniais
A Autora C… peticionou a condenação da Ré a pagar-lhe o montante de €6.000,00 a título de danos não patrimoniais.
O tribunal recorrido julgou também improcedente esta pretensão.
Discorda a referida recorrente do assim decidido, alegando que da concatenação do quadro factual que nos autos se mostra assente devia ter sido fixada uma indemnização a esse nível.
Quid iuris?
O artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil dispõe: “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
Daqui resulta, indubitavelmente, que a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais é limitada àqueles “que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
Para além disso tal gravidade deve medir-se por padrões objectivos[2] em face das circunstâncias de cada caso, tendo presente que eles emergem directa e principalmente da violação da personalidade humana, não integrando propriamente o património do lesado, antes incidindo em bens como a vida, a saúde, a liberdade, a honra, o bom nome e a beleza, abrangendo vários danos como os derivados de receios, perturbações e inseguranças, causados pela ameaça em si mesma, e que o seu ressarcimento resulta directamente da lei, assumindo uma função essencialmente compensatória, embora sob a envolvência de uma certa vertente sancionatória.[3]
Por outro lado, a apreciação da gravidade do referido dano, embora tenha de assentar, como é natural, no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objectivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjectividade inerente a alguma particular sensibilidade humana.
Compreende-se, por isso, que “os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais”.[4]
Não quer isto dizer, como explica ainda Antunes Varela[5], que os danos não patrimoniais não devam ser atendidos noutros casos [para além da morte da vítima] (nomeadamente quando haja ofensas corporais, violação dos direitos de personalidade ou do direito moral do autor), mas logo deixa transparecer [o nº. 2 do art. 496.º do CCivil] o rigor com que devem ser seleccionados os danos não patrimoniais indemnizáveis.
Isto dito, a este respeito apenas se encontra provado que:
“- A autora C… sentiu grande susto com o embate traseiro e com a projecção do veículo para a frente e subsequente embate frontal (cfr. pontos 18. do elenco dos factos provados).
Repare-se, todavia, que não ficou provado que:
“- Não raras vezes, a autora C… acorda sobressaltada, revivendo o acidente sofrido, o que lhe causa angústia e tristeza, bem como vê o seu descanso nocturno perturbado.
d) A autora C… teve consultas de psicologia com periodicidade semanal, tendo-lhe sido diagnosticada Ansiedade generalizada provocada pelo acidente de viação sofrido a 10/7/2019 e com a incerteza do desfecho do mesmo” [cfr. als. c) e d) da resenha dos factos não provados].
Daqui resulta que, tal como conclui o tribunal recorrido, o susto que a recorrente em causa sofreu com o embate e projecção do veículo, não assume gravidade que preencha a facti species do citado artigo 496.º, nº 1 do CCivil, ou seja, não passou disso mesmo, um “susto”.
Neste âmbito importa ainda salientar, tal como refere o tribunal recorrido, que a indemnização pelas consultas de psicologia está votada ao insucesso, pois que não está provado o nexo causal, isto é, não está provado que foi em virtude do acidente que a recorrente foi a uma consulta de psicologia.
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Improcedem, desta forma, as conclusões 8ª a 14ª formuladas pela recorrente.
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3- A questão do montante fixado pela privação do uso
Como se evidencia da decisão recorrida foi fixado, nesse segmento, o montante de €100,00 por cada mês de privação do uso, até à reparação do veículo sinistrado.
Deste montante discorda a recorrente B… alegando que o mesmo é insuficiente para indemnizar os danos efetivos que surgiram na sua esfera jurídica, dendo antes ser fixado o montante de €30,00 diários, ou, considerando-se tal quantia excessiva, deve ser fixado um montante que seja julgado como justo e equitativo.
Que dizer?
A questão da ressarcibilidade da “privação do uso” não pode ser apreciada e resolvida em abstracto, aferida pela mera impossibilidade objectiva de utilização da coisa.[6]
Na verdade, uma coisa é a privação do uso e outra, que conceptualmente não coincide necessariamente, será a privação da possibilidade de uso.
Uma pessoa só se encontra realmente privada do uso de alguma coisa, sofrendo com isso prejuízo, se realmente a pretender usar e utilizar caso não fosse a impossibilidade de dela dispor.
Não pretendendo fazê-lo, apesar de também o não poder, está-se perante a mera privação da possibilidade de uso, sem repercussão económica, que, só por si, não revela qualquer dano patrimonial indemnizável.
É que bem pode acontecer que alguém seja titular de um bem, móvel ou imóvel, e apesar de privado da possibilidade de os usar durante certo tempo, não sofra com isso qualquer lesão por não se propor aproveitar das respectivas vantagens ou utilidades, como pode suceder com o dono de um automóvel que o não utiliza ou utiliza em circunstâncias que uma certa indisponibilidade não afecta, ou com o proprietário de um terreno que lhe não dá qualquer utilização.
Bastará, no entanto, que a realidade processual mostre que o lesado usaria normalmente a coisa, para que o dano exista e a indemnização seja devida.
Por isso se tem entendido que não basta a simples privação, em si mesma, sendo necessário ainda que se alegue e prove a frustração de um propósito de proceder à utilização da coisa, demonstrando o lesado que a pretenderia usar, dela retirando utilidades que a mesma normalmente lhe proporcionaria, não fora a privação dela pela actuação ilícita de outrem, o lesante.[7]
Postos estes considerandos cumpre, então, analisar a situação concreta dos autos.
E, para o fazer, importa convocar o quadro factual que dos autos resultou assente neste particular e que é, o que se segue:
“- A autora B… está privada do uso da viatura desde o dia do acidente;
- O veículo era habitualmente usado pela autora C… nas suas deslocações diárias e, ocasionalmente, pela autora B…;
- A ré não disponibilizou à autora um veículo de substituição;
- A autora C… procedeu ao aluguer de uma viatura no período de 23/7/2019 a 2/8/2019, pelo qual pagou a quantia de €300,00;
- Em data não concretamente apurada, a autora C… adquiriu outro veículo automóvel” (cfr. pontos 14. a 18. do elenco dos factos provados).
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Como resulta desta factualidade o veículo sinistrado só ocasionalmente era usado pela recorrente B… sendo, no entanto, usado pela recorrente C… nas suas deslocações diárias.
Ou seja, não fora a sua privação decorrente do acidente, a recorrente B…, ainda que ocasionalmente, fazia uso do seu veículo, sendo certo ainda que não fora essa circunstância, sempre dele podia dispor para o emprestar à sua filha que dele fazia uso diário nas suas deslocações.
Portanto, se o bem lesado satisfazia uma necessidade de uso do sujeito e deixou de a satisfazer, porque a lesão o tornou impróprio para esse fim, há aqui, sem dúvida um dano e, só assim não será se porventura essa necessidade, por qualquer razão, terminou definitivamente ou ficou suspensa na ocasião da lesão ou, ainda, se a necessidade não era assegurada exclusivamente por aquele bem e pôde continuar a ser satisfeita através de outros meios do lesado ou de terceiro, sem que tivesse ocorrido qualquer diminuição na satisfação das suas restantes necessidades.
Significa, portanto, que quando alguém é privado de um automóvel, que usava, existe na generalidade dos casos um dano, na medida em que se trata de um bem que satisfazia várias e mutáveis necessidades quotidianas do seu proprietário, familiares ou amigos, principalmente as relativas à circulação da pessoa entre locais, às resultantes da sua utilização nas sua vida profissional, às de lazer ou de qualquer outro tipo.
É certo que, não está demonstrado nos autos que a apelante B… tenha sofrido danos advenientes daquela privação.
Porém, se a privação do uso do veículo durante determinado tempo originou a perda de utilidades que o mesmo era susceptível de proporcionar e se essa perda não foi reparada mediante a forma natural de reconstituição (está demonstrado nos autos que Ré a recorrente tenha disponibilizado ao Autor veículo de substituição) impõe-se que o responsável compense o lesado na medida equivalente.
Condicionar a indemnização da prova da ocorrência de danos imputáveis directamente a essa privação é solução que, como refere Abrantes Geraldes[8], “pode justificar-se quando o lesado pretenda a atribuição de uma quantia suplementar correspondente a benefícios que deixou de obter, ou seja, aos lucros cessantes, nos termos do artigo 564.º do C.Civil, ou às despesas acrescidas que o evento determinou, já não quando o seu interesse se reduza à compensação devida pela privação que, nos termos da mesma norma, corresponde ao prejuízo causado, isto é, aos danos emergentes”.
Importa ainda ter em conta que a simples detenção do veículo, tendo um determinado valor intrínseco, determina encargos que se mantêm independentemente da utilização que lhe é dada ou do facto de ficar paralisado por razões não imputáveis ao titular.[9]
Portanto, em conclusão, a falta de prova de despesas casualmente realizadas depois do sinistro não determina necessariamente a ausência de prejuízos, os quais não deixam de ser representados pelo desequilíbrio de natureza material correspondente à diferença entre a situação que existiria e aquela que é possível verificar depois de se constatar a efectiva privação do uso do bem, sendo isso o bastante para se determinar o ressarcimento através da única via possível, isto é, mediante a atribuição de uma compensação em dinheiro, se necessário recorrendo à equidade para se alcançar a ajustada quantificação.[10]
Defender-se a tese oposta, redundará na adopção de soluções diversas a partir do mesmo evento, tudo dependendo da opção que o lesado faça pelo aluguer directo de um veículo de substituição, sendo evidente que, nesta situação, as despesas correm por conta do responsável, não sendo, porém, aceitável que este fique isento de qualquer compensação nas situações em que o lesado, por opção ou por ignorância dos seus direitos, aguarde pela conclusão da reparação.[11]
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Todavia, a questão que agora se coloca é como fixar o respectivo montante indemnizatório.
Trata-se, de questão cuja solução não se afigura linear, pois que, a teoria da diferença (artigo 566.º, n.º 2 do Código Civil) que serve de critério para encontrar o quantum da indemnização não é operacional nestes casos.
Com efeito, se aquela privação do uso não se traduzir numa diferença patrimonial quantificável entre a situação que existiria se não ocorresse a privação e aquela que existe por causa dela, ficamos carecidos de valores para calcular a diferença, não obstante a existência de um dano que tem, como é evidente, de ser indemnizado.
Como refere Menezes Leitão[12] a atribuição da quantia indemnizatória pode ter como referencial o valor locativo do veículo.
É claro que, a indemnização pela indisponibilidade do veículo nunca se poderá pautar, exactamente-nem mais, nem menos-pelo preço praticado pelas empresas de rent-a-car e para o aluguer de um automóvel da mesma classe do acidentado.
Com efeito, como avisadamente se pondera no Ac. do STJ de 5.03.2002[13] “basta pensar que neste custo [de aluguer] entram as mais diversas componentes, incluindo as despesas de exploração da empresa de aluguer e o seu lucro que a partir do momento em que o autor de facto não procedeu ao aluguer não têm de ser suportadas pela ré, cuja responsabilidade vai apenas até onde for o dano provocado“.
Se pretendermos calcular o valor de uso do veículo para o próprio, podemos aproximar-nos desse valor se somarmos o preço de aquisição e as despesas de manutenção médias ao longo do período previsível da sua utilização (revisões, reparações e seguros), dividindo a soma pelo número de dias de vida média calculada para o veículo.[14]
Porém, ainda assim, este valor difere do preço de aluguer de um veículo, já que neste caso, além do preço do automóvel e despesas de manutenção, entram outras componentes, como o lucro do empresário e os custos gerais da empresa (impostos, salários e custos com trabalhadores, seguros, etc.).
Portanto, o valor do aluguer tem se ser, por conseguinte, superior ao valor de uso digamos, doméstico e dai que não se mostre adequado, salvo se corrigido.
Paulo Mota Pinto propõe o seguinte critério: “Pensamos que o dano da privação do uso deverá ser quantificado num valor que pode ser obtido de uma de duas formas; ou (como de “cima para baixo”) a partir dos custos de um aluguer durante o lapso de tempo em causa, mas “depurados”–bereinigte Mietkosten que excluem o lucro do locador, e custos gerais como os gastos com a manutenção da frota, as provisões para períodos de paragem dos veículos, as amortizações, etc. (no direito alemão os valores constantes das referidas tabelas rondam cerca de um terço dos custos de aluguer normalmente praticados); ou (como que “de baixo para cima”), designadamente, para viaturas de profissionais e empresas, a partir dos custos de capital imobilizado necessário para obter a disponibilidade de um bem, como aquele durante o período de tempo necessário (por ex., os custos necessários para constituir uma reserva de um bem como o que está em causa)”.
Evidentemente que, para se usarem estes mecanismos, as partes têm de fornecer factos para que o tribunal possa chegar a alguma conclusão.
Ora, se as partes não oferecem os factos, o tribunal ficará impedido de utilizar estes critérios, pois o tribunal tem de se cingir aos factos articulados pelas partes (artigo 5.º do CPCivil) e aos factos instrumentais que resultem da discussão da causa [nº 2 al. a) do mesmo normativo].
Todavia, ainda que o tribunal não disponha de elementos suficientes para calcular a diferença patrimonial entre a situação actual e a que o lesado teria se não tivesse ocorrido o evento, como ocorre no presente caso[16], sempre o tribunal deverá recorrer à equidade para fixar uma indemnização, nos termos previstos no artigo 566.º, n.º 3 do CCivil.[17]
Reportado especificamente à quantificação da indemnização através de juízos de equidade, Larenz[18] afirma que se exige do juiz a formulação de “juízos de valor devendo orientar-se em primeiro lugar por casos singulares e sua apreciação na jurisprudência, mas seguindo para além disso, a sua própria intuição axiológica”.
A equidade, nas judiciosas considerações feitas no Ac STJ de 10/2/98[19] “é a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei devendo o julgador ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida”.
Assim, ponderando a justa medida das coisas e a criteriosa ponderação das realidades da vida, para utilizar as palavras do citado acórdão, parece-nos que a indemnização a atribuir ao proprietário tenha alguma correspondência relativamente ao investimento feito por si na aquisição e manutenção do veículo.
Na posse deste valor, necessariamente aproximado, pode o mesmo ser fraccionado em dias de utilização considerando o período médio de vida do automóvel, multiplicando-se, depois, o valor encontrado por dia de utilização pelo número de dias de paralisação.
Tendo em conta o cálculo a que se fez referência na nota 14 e fazendo apelo a outras decisões judiciais sobre a matéria[20], afigura-se que a quantia de €10,00 (dez euros) diários é adequada a título de indemnização pela paralisação diária de um veículo que satisfaz as necessidades básicas diárias da lesada.
Como assim, não se poderá manter a decisão recorrida neste segmento decisório devendo, portanto, a Ré ser condenada a pagar à Recorrente B… a quantia de €10,00 (dez euros) por cada dia de privação do uso do veículo sinistrado, desde a data do acidente, em 10/07/2019, até à entrega do veículo devidamente reparado.
Importa ainda ponderar que sob este conspecto a recorrente B… solicitou o pagamento da quantia de €300,00, a título de custos que alega ter suportado com o aluguer de um veículo no período de 23/7/2019 a 2/8/2019.
Acontece que, o que se mostra assente é que quem procedeu ao referido aluguer foi a autora filha, C…, que despendeu a quantia de €300,00 com esse aluguer (cfr. ponto 17. da resenha dos factos provados), razão pela qual não pode a recorrente B… ser ressarcida desse montante.
Para além disso, nunca poderia haver cumulação de uma indemnização pela privação do uso e de uma indemnização pelo aluguer de veículo de substituição, referentes ao mesmo período.
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Procedem, assim, as conclusões 15ª a 18ª formuladas pela recorrente.
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4- A questão do computo dos juros moratórios
Na sentença recorrida sobre esse conspecto discorreu-se do seguinte modo:
Por último, quanto aos peticionados juros de mora, que a autora pede a partir da citação, haverá que ter em atenção o disposto no AUJ do STJ nº 4/2002, publicado no DR nº 146/2002, Série I-A, de 27/6/2002, que uniformizou jurisprudência no sentido de que, “sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do art.º 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos arts.º 805º, nº 3 (interpretado restritivamente) e 806º, nº 1 do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.
É o caso dos autos, pelo que os juros de mora serão contados a partir da presente decisão, à taxa legal de 4%, até efectivo pagamento”.
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Salvo o devido respeito por diferente opinião, também aqui assiste razão à recorrente.
Na verdade, há que chamar, neste domínio, à colação a doutrina ínsita no Ac. Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, n°4/2002 de 9 de Maio, publicado no DR, 1ªA Série de 27-1-02, pág. 5057 e ss.
Decidiu-se no dito aresto que “sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n° 2 do artigo 506.° do C.Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.°, n° 3 (interpretado restritivamente) e 806.°, n° 1, também do C. Civil, a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação”.
No caso sub judice, e tanto quanto decorre da sentença de 1ª instância, não se operou, “ex-professo” um cálculo actualizado ao abrigo do n° 2 do artigo 566.° do C.Civil.
Não se surpreende, com efeito, nessa decisão uma qualquer decisão actualizadora da indemnização, com apelo também expresso v.g aos “índices de inflação” entretanto apurados no tempo transcorrido desde a propositura da acção, logo, os juros moratórios devem ser contabilizados a partir da data citação que não a contar da data da decisão condenatória de 1ª instância.
Só não será assim se, em data subsequente à da citação, vier a ser emitida uma qualquer decisão judicial actualizadora expressa que contemple, por majoração (e com base na estatuição-previsão do nº 2 do artigo 562.º do C. Civil), esses cômputos indemnizatórios, com apelo aos factores/índices da inflação e/ou da desvalorização ou correcção monetária.
E tem de ser assim para arredar duplicações ou cumulações que colidam os critérios de justiça material, ademais ao arrepio dos fundamentos da alteração ao disposto no artigo 805.º do C.Civil, pelo DL 262/83 de 10/6 e da aludida interpretação uniformizada.
Não há que fazer apelo a supostas actualizações implícitas, presumidas ou fictas com reporte à data do encerramento da discussão em 1ª instância ou da data da prolação da decisão final em 1ª instância, sob invocação de um abstracto cumprimento do poder-dever postulado no nº 2 do artigo 566.º do C.Civil.
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Destarte, procedem assim, as conclusões 21ª a 29ª formulada pela recorrente.
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IV-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta parcialmente procedente por provada e, consequentemente, alterando-se a decisão recorrida condena-se a Ré a pagar à apelante B… a quantia de €10,00 por cada dia de privação do uso do veículo sinistrado, desde a data do acidente, em 10/7/2019, até à entrega do veículo devidamente reparado, quantia essa acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento.
No mais mantem-se a decisão recorrida.
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Custas por apelante e apelada na proporção do decaimento (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 10 de Janeiro de 2022.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
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[1] Cfr. António Carrata “Prova e convicimento del giudice nel processo civile, in Revista di Diritto Processuale”, Ano 2003, pág. 43.
[2] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, volume I, 3.ª ed., pág. 473.
[3] Cfr. Rabindranath V. A. Capelo de Sousa in O Direito Geral de Personalidade, págs. 458 e 459, e acórdão do STJ de 22/9/2005, proferido no processo n.º 05B2470, disponível em www.dgsi.pt.
[4] Cfr. Antunes Varela, obra citada na nota 11 e mesma página.
[5] In Das Obrigações em Geral vol. II págs. 628/629.
[6] Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Positivo e Interesse Contratual Positivo, Vol. I, pág. 594/596. Coimbra Editora, 2008, entende que o dano só se concretiza ao nível das privações concretas das vantagens que a coisa proporciona e não antecipadamente ao nível da perturbação (ilícita) das possibilidades abstractas de uso que resultam para o proprietário derivadas do «jus utendi et fruendi» inerente ao direito de propriedade.
Sustenta este autor que “O dano da privação do gozo ressarcível é, assim, a concreta e real desvantagem resultante da privação do gozo, e não logo qualquer perda da possibilidade de utilização do bem–a qual (mesmo que resultante de uma ofensa directa ao objecto, e não apenas de uma lesão no sujeito) pode não ser concretizável numa determinada situação”.
[7] Cfr. neste sentido Ac. do STJ de 9/12/2008, proc. 3401/08 in www.dgsi.pt
[8] Obra citada pág. 34.
[9] Antunes Varela inclui precisamente no dano emergente “não só o prejuízo directamente causado nas coisas destruídas, como os danos reflexos e as próprias despesas frustradas (imposto automóvel, arrendamento de garagem, seguro etc.) correspondentes ao período em que o veículo não pôde ser utilizado”-Das Obrigações em Geral, 10ª Ed. Vol. I, pág. 909, nota 2.
[10] Abrantes Geraldes, obra citada pág. 47.
[11] Como salienta Menezes Leitão obra citada pág. 338 nota 686, “É manifesto, no entanto, que a conduta poupadora por parte do lesado não pode servir para obstar à indemnização do dano verificado, havendo por isso que proceder ao seu cálculo em termos gerais”.
[12] Obra citada nota 685.
[13] Proferido no Proc. nº 3968/01, e transcrito in Temas da Responsabilidade Civil, I Vol.: Indemnização do Dano da Privação do Uso, de António S. Abrantes Geraldes, 2 ª ed., Almedina, pp. 119 e ss..
[14] Veja-se neste sentido o Ac. da Relação de Coimbra de 06-03-2012 in www.dgsi.pt onde se faz o seguinte cálculo: Exemplo–Para um veículo que tivesse custado €25.000,00 euros e estimando um período de vida de 10 anos, somando as despesas com revisões, reparações e seguros durante esses 10 anos, que se calculam em ¼ relativamente ao preço de compra, teríamos um valor diário de €8,56 euros [(€25000,00 + €6250,00) : (365 x10)]. Se o preço de compra tivesse sido de €40.000,00 euros o valor subiria para €13,70 euros; se tivesse sido de €60.000,00 euros subiria para €20,55 euros, etc.
[15] Obra citada, pág. 592, nota 1699.
[16] Não poderemos utilizar, pelas razões apontadas, o referencial que a recorrente C… despendeu no aluguer de uma viatura durante o período descrito no ponto 17. da resenha dos factos provados.
[17] Como se refere no Ac. do STJ de de 3/05/2011 in www.dgsi.ptA avaliação do dano em causa, se outro critério não puder ser adoptado, será determinada pela equidade, dentro dos limites do que for provado, nos termos estabelecidos no art. 566.º, n.º 3, do CC”.
[18] Metodologia da Ciência do Direito, pág. 335
[19] Col. Jur. Ano VI, Tomo I, pág. 65.
[20] A título de exemplo, pode verificar-se que no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Março de 2010, no processo n.º 1247/07.4TJVNF, o valor considerado foi de €10,00 euros diários; no acórdão da Relação do Porto de 7 de Setembro de 2010, no processo n.º 905/08.0TBPFR, considerou-se também o valor de €10,00 euros por dia de paralisação; no acórdão da Relação de Coimbra, de 2 de Março de 2010, no processo n.º 27/08.4TBVLF, foi fixada a quantia de € 8,00 por dia de privação (ver em www.dgsi.pt).