Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
972/19.1T8AGD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
ACIDENTE DE TRABALHO
DIREITO A REPARAÇÃO
DEPENDÊNCIA ECONÓMICA
Nº do Documento: RP20220622972/19.1T8AGD.P1
Data do Acordão: 06/22/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O cumprimento dos ónus, estabelecidos no art. 640º do CPC, exige que o recorrente concretize nas conclusões a indicação, com precisão, de quais os pontos da matéria de facto provada e não provada que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso e a decisão alternativa que propõe.
II - Não o fazendo, tal configura a omissão de requisitos legais que, sem que seja admissível convite ao seu aperfeiçoamento, levam à rejeição do recurso no tocante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
III - O direito à reparação de um acidente de trabalho não depende necessariamente da celebração de um contrato de trabalho entre o sinistrado e a pessoa para quem presta a sua actividade, bastando-se, para que seja concedida a protecção da Lei nº 98/2009, com a dependência económica do acidentado relativamente à pessoa para quem presta a actividade e que dela é sua beneficiária.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 972/19.1T8AGD.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo do Trabalho de Águeda
Recorrente: L..., SA.
Recorrido: AA

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
A presente acção emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado AA, contribuinte n.º ..., Seg. Social n.º ... e residente na ..., ... Oliveira do Bairro e entidades responsáveis, Companhia de Seguros X..., SA, com sede na Rua ..., em Lisboa e a L..., SA, contribuinte n.º ..., com sede na ..., Lote ..., apartado ..., ... Oliveira do Bairro, teve início através da petição apresentada por aquele contra as últimas, - [face à discordância das partes na tentativa de conciliação que, pese embora, terem acordado na existência e caracterização do acidente como de trabalho, bem como na relação de causalidade entre o acidente e as lesões constantes do boletim de alta, a seguradora não aceitou o grau de incapacidade decorrente do relatório de perícia médica realizada ao sinistrado pelo INML, nem aceitou qualquer responsabilidade, dizendo, “em virtude do risco infortunístico, à data do acidente, não se encontrar transferido. Ou seja, o Sinistrado não era trabalhador da supra referida Entidade Empregadora e não era trabalhador por conta de outrem, pelo que, não está abrangido pela apólice titulada pela “L...”, com o n.º ...” e a entidade empregadora declinou “toda e qualquer responsabilidade pelo referido acidente, uma vez que o sinistrado não era trabalhador dependente da empresa, já que, prestava serviços para esta”] - a qual terminou pedindo que:
“Deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, e em consequência:
a) Ser reconhecido que o acidente objeto dos presentes autos constitui um acidente de trabalho;
b) Decretar-se a existência de um vínculo laboral entre o Autor e a segunda Ré, com subordinação do primeiro a esta e sob as ordens, direção e fiscalização da mesma;
c) Serem as RR solidariamente condenadas a pagar ao Autor a quantia de 29.871,51 € (vinte e nove mil oitocentos e setenta e um euros e cinquenta e um cêntimos), bem como, a pagar juros legais contados desde a data do acidente até integral e efectivo pagamento, com as legais consequências quanto a custas, procuradoria e demais encargos.”.
Fundamentou o seu pedido alegando, em síntese, ter sido admitido em 05.07.2018 pela Ré L..., SA, mediante a celebração de um contrato de trabalho a termo resolutivo, para desempenhar, de forma exclusiva, as funções de serralheiro mecânico sob as ordens e direcção da Ré, auferindo € 30.492,00 ilíquidos anuais. Por sua vez, a Ré L..., SA, celebrou um contrato de prestação de serviços com a S..., Inc. em 17.02.2013, a realizar nas instalações da F..., Inc., no ..., Estados Unidos da América.
Mais, alega que, no dia 23.07.2018 quando se encontrava no exercício das referidas funções nas instalações da F..., Inc., ao colocar uma calha de ferro debaixo de um filtro de aspiração, a cinta que suspendia o filtro rebentou, fazendo com que caísse em cima das suas mãos e sofresse lesões que lhe determinaram períodos de incapacidade para o trabalho em termos temporários e, uma vez concedida a alta clínica, sequelas causadoras de incapacidade permanente para o trabalho, ainda que parcial.
Por fim, alega que teve de despender quantias monetárias em deslocações aos Serviços do Ministério Público junto do Juízo do Trabalho de Águeda e que demandou ambas as Rés, na medida em que a Ré Empregadora, apenas, transferiu a sua responsabilidade por acidentes de trabalho para a Ré Companhia Seguradora tendo por referente o salário ilíquido anual de € 9.359,04.
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Citadas as Rés e a Segurança Social, nos termos do nº 2 do art. 1º do Decreto-Lei 59/88 de 22/2, vieram as primeiras contestar, respectivamente:
- A Ré, L..., SA, invoca que o direito do Autor caducou e alega, em síntese, que o contrato celebrado com o Autor é de prestação de serviços e não de trabalho.
Concluindo que “deve a presente Ação ser julgada improcedente, por não provada, com as legais consequências.”.
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- A Ré, Companhia de Seguros alegando, em síntese, que apenas na pendência da acção veio ao seu conhecimento que o contrato celebrado entre a co-Ré e o Autor era de prestação de serviços, tratando-se de situação ocasional, inexistindo dependência económica, não podendo, como tal, ser responsabilizada por qualquer prestação.
Conclui, assim, que deve “ser absolvida do pedido”.
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Notificado das contestações, o A. veio responder mantendo tudo quanto foi alegado e documentado na P.I.
Termina que devem as excepções deduzidas pelas RR., serem julgadas totalmente improcedentes.
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Oportunamente, nos termos que constam do despacho de 05.01.2021, foi determinado o desdobramento do processo e ordenada a organização do apenso para fixação da incapacidade do Autor, proferido saneador tabelar, apreciada e julgada improcedente a excepção da caducidade do direito de acção invocada pela Ré, L..., Lda, fixada a matéria de facto considerada assente e o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.
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Instruído o apenso, junto a esta, para fixação do grau de incapacidade do autor, foi efectuado exame por junta médica e, após, proferida decisão de que o A. esteve afectado de incapacidade temporária absoluta de 24.07.2018 a 01.04.2019 e de incapacidade temporária parcial de 20% de 02.04.2019 a 16.04.2019 e a;
. fixar em 4,92% o grau de incapacidade permanente parcial de que o Autor se encontra afectado, desde 17.04.2019 (dia seguinte ao da alta).
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Realizado o julgamento, nos termos documentados nas actas datadas de 11 e 23.11, 3.12.2021 e 14.01.2022, onde se procedeu ao aditamento aos temas da prova, com a produção de prova acrescida, foram conclusos os autos para o efeito e proferida sentença, em 24.02.2022, que terminou com a seguinte decisão:
«Em face de todo o exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, decide-se:
- declarar que o Autor AA se encontra, em virtude do acidente de trabalho objecto deste processo, afectado de uma Incapacidade Permanente Parcial de 4,92% desde 17.04.2019 (dia após a alta);
- condenar a Ré L..., SA no pagamento, ao Autor AA, de:
. € 12.148,38 a título de indemnização pelo período de incapacidade temporária absoluta sofrido;
. € 144,62 a título de indemnização pelo período de incapacidade temporária parcial sofrido;
. o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 865,72;
- condenar a Ré Companhia de Seguros X..., SA no pagamento, ao Autor, do capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 322,33;
- condenar as Rés L..., SA e Companhia de Seguros X..., SA no pagamento dos juros de mora sobre as prestações pecuniárias supra atribuídas e em atraso da sua responsabilidade, vencidos e vincendos à taxa legal, até integral pagamento, calculados:
. desde a data do respectivo vencimento relativamente às indemnizações por períodos de incapacidade temporária;
. desde 17.04.2019 em relação ao capital de remição da pensão anual e vitalícia;
- absolver a Ré L..., SA do demais contra si peticionado pelo Autor;
- absolver a Ré Companhia de Seguros X..., SA do demais contra si peticionado pelo Autor.
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Custas a cargo do Autor na proporção de 10%, da Ré C..., SA na proporção de 32% e da Ré L..., SA na proporção de 58% (n.os 1 e 2 do art. 527º do Código de Processo Civil, aplicável por força da al. a) do nº 2 do art. 1º do Código de Processo do Trabalho).
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Valor processual: € 35.805,59 (art. 120º do Código de Processo do Trabalho e Portaria nº 11/2000 de 13 de Janeiro).
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Registe e notifique (art. 24º do Código de Processo do Trabalho).
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Extraia certidão da presente sentença e remeta aos Serviços do Ministério Público para os efeitos tidos por convenientes.
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Após trânsito, proceda ao cálculo do capital de remição (n.os 3 e 4 do art. 148º, aplicável por força do art. 149º, ambos do Código de Processo do Trabalho e al. a) do nº 2 do art. 4º do Regulamento das Custas Processuais).».
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Inconformada a L..., S.A., veio apresentar recurso, nos termos das alegações juntas, que finalizou com as seguintes “CONCLUSÕES:
O Tribunal “ A Quo” deveria ter dado como provado que:
A. A existência de um contrato de prestação de serviços – e não de um contrato de trabalho – entre o Autor e a Ré, aqui Recorrido e Recorrente.
B. O Autor encontrava-se obrigado a contratar, por si próprio um seguro de acidentes de trabalho.
C. O sinistrado exercia a sua actividade sem dependência económica da Ré/Recorrente.
E, consequentemente, decidido que nenhuma responsabilidade pode ser assacada à Ré, na sequência do quadro factual que deu contornos à ação de cuja douta decisão aqui se recorre.
TERMOS EM QUE,
e nos mais de direito cujo douto suprimento se invoca, deve ser dado provimento ao presente Recurso e, em consequência, ser a douta Sentença revogada e substituída por outra que absolva a Ré, nos exactos termos peticionados, tudo com as legais consequências,
FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA.”.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Admitido o recurso como apelação, com efeito meramente devolutivo, foi ordenada a remessa dos autos a esta Relação.
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O Ex.º Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer nos termos do art. 87º nº3, do CPT, pronunciando-se no sentido de ser negado provimento ao recurso e confirmada a douta sentença recorrida, no essencial, por considerar que, deve ser rejeitado o recurso na parte que impugna a matéria de facto e por acompanhar aquela.
Notificadas deste, as parte não apresentaram resposta.
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Cumpridos os vistos, há que apreciar e decidir.
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O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, cfr. art.s 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Assim as questões a apreciar e decidir consistem em analisar se, ocorreu por parte do Tribunal “a quo” erro na apreciação da prova que fundamentou a matéria de facto provada e, nessa conformidade, se deve a decisão recorrida ser revogada, e a recorrente absolvida, como defende.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO
A 1ª instância, considerou, com relevo para a decisão da causa, os seguintes:
Factos provados
A. O Autor AA nasceu no dia .../.../1977 – cfr. doc. de fls.
B. 25, que se dá por integralmente reproduzido;
B. O Autor, no dia 23.07.2018, exercia sua actividade na F..., com sede em 300 ..., ..., ..., Estados Unidos da América;
C. Ao colocar uma calha de ferro debaixo de um filtro de aspiração, a cinta que suspendia o filtro rebentou, fazendo com que caísse em cima das suas mãos;
D. Em consequência, sofreu uma fractura exposta da falange distal do 3º dedo da mão direita, uma fractura exposta das falanges dos 2º, 3º e 4º dedos e da falange intermédia do 4º dedo da mão esquerda, bem como feridas na face palmar do 2º, 3º, 4º e 5º dedos da mão esquerda;
E. Em consequência do sinistro, o Autor esteve afectado de incapacidade temporária absoluta de 24.07.20182 a 01.04.2019, bem como de incapacidade temporária parcial de 20% de 02.04.2019 a 16.04.2019;
F. Por contrato de seguro titulado pela apólice nº ..., a L..., SA transferiu a sua responsabilidade por acidentes de trabalho na modalidade de prémio variável ou folha de férias para a Companhia de Seguros X... – cfr. doc. de fls. 14 e ss., que se dá por integralmente reproduzido;
G. No mês de Julho de 2018 a L..., SA3 remeteu à Ré Companhia Seguradora a folha de férias da qual constava o nome do Autor e um salário de € 580,00 x 14 meses, acrescido de € 112,64 x 11 meses;
H. O sinistro referido em C. foi participado à Ré Companhia Seguradora por participação de 23.07.2018;
I. A Ré Companhia de Seguros X..., SA pagou ao Autor, em consequência do sinistro sofrido, a quantia global de € 4.576,96 a título de períodos de incapacidade temporária sofridos, tendo conferido alta ao Autor em 16.04.2019;
J. Por escrito intitulado “contrato de prestação de serviços”, datado de 17.02.2013, em que interveio a Ré L..., SA e a S..., Inc., pelas mesmas foi declarado que “o presente contrato tem por objeto estabelecer as condições em que a L..., SA prestará serviços à S..., Inc.
L. Bem como que “a L..., SA prestará serviços gerais de instalação, montagem e manutenção de equipamentos para a indústria cerâmica sempre que a S..., Inc o solicitar e desde que a L..., SA tenha disponibilidade de técnicos”;
M. E que “os serviços a prestar poderão abranger tarefas de serralharia, electricidade e mecânica e decorrerão no território dos Estados unidos da América (EUA)”;
N. Assim como que “desde já ambas as outorgantes acordam expressamente que a L..., SA, se encontra autorizada a subempreitar a terceiros tais serviços”;
O. E ainda como que “é da responsabilidade da L..., SA e dos eventuais prestadores de serviços a quem forem subempreitados os mesmos garantirem e custearem o seguro de acidentes de trabalho dos técnicos” – cfr. doc. de fls. 105v. e 106, que se dá por integralmente reproduzido;
P. Por escrito intitulado “contrato de subempreitada para prestação de serviços sobre bens móveis”, datado de 05.07.2018, em que intervieram na qualidade de primeiro outorgante a Ré L..., SA e como segundo outorgante o Autor, pelos outorgantes foi declarado que a “PRIMEIRA OUTORGANTE é adjudicatária de um projecto/obra para a prestação de serviço sobre bens móveis que consiste na manutenção e reparação de máquinas e equipamentos na indústria cerâmica, cujo contrato foi celebrado relativamente à cerâmica F..., Inc. (...), com o seu CLIENTE S... Inc., por conta deste e aí prestar os seus serviços técnicos, cuja duração aqui prevista de três meses poderá variar mais ou menos tempo, dependendo da evolução dos serviços a prestar”;
Q. Bem como que “não obstante o SEGUNDO OUTORGANTE ter autonomia de decisão sobre o local dos serviços a prestar, por questões específicas e de ordem técnica, AMBOS OS OUTORGANTES concordam que os trabalhos finais serão prestados na sua essência nas instalações da empresa F..., Inc, DONA DA OBRA, localizadas em ...”;
R. E ainda que “o SEGUNDO OUTORGANTE aceita prestar os seus serviços técnicos de Serralharia Mecânica declarando desde já, que tem perfeito conhecimento do projecto/obra e dos trabalhos a desenvolver, bem como, das suas especificações técnicas. O SEGUNDO OUTORGANTE, declara ainda que é possuidor da autonomia, das competências técnicas e da experiência necessárias á prestação dos serviços que são objecto deste contrato”;
S. Mais foi declarado que “o SEGUNDO OUTORGANTE obriga-se a executar todos os trabalhos do pressente contrato mediante o(s) seguinte(s) preço(s) unitário(s):
i) Valor por cada hora do período de serviço – 11,00 EUROS”;
T. E que “entende-se por período de serviço o tempo em que o SEGUNDO OUTORGANTE estará presente no local indispensável para a prestação dos serviços que são objecto deste contrato, por este indicado, desde que sujeito a prévia comunicação ao PRIMEIRO OUTORGANTE e mediante a aceitação deste, independentemente da efectiva realização ou não desses trabalhos (…)”;
U. Assim como que “nos preços contratados estão incluídos todos os encargos com mão-de-obra, meios materiais, maquinaria e equipamentos necessários/adequados para a satisfação do objecto do contrato e que são da exclusiva responsabilidade do SEGUNDO OUTORGANTE”;
V. E ainda que “estão ainda incluídos nos preços contratados, sendo da inteira responsabilidade do SEGUNDOOUTORGANTE, para além do pagamento dos salários do pessoal eventualmente ao seu serviço, respectivos encargos sociais e os pagamentos aos seus fornecedores, todos os encargos decorrentes de seguros de riscos para acidentes de trabalho e outros decorrentes da prestação de serviços contratada”;
X. Assim como que “o SEGUNDO OUTORGANTE, emitirá factura mensal dos trabalhos realizados, de acordo com os registos referidos na alínea d) desta cláusula.
Após a factura ser conferida e considerada correta, pelos serviços administrativos do PRIMEIRO OUTORGANTE, este procederá ao seu pagamento nos TRINTA DIAS subsequentes à RECEPÇÃO do documento”;
Z. Bem como que “a data de partida prevista será 08/07/2018 e os trabalhos a executar têm termo previsto três meses depois (…)”;
AA. E que “o SEGUNDO OUTORGANTE, tem a responsabilidade de disponibilizar por sua conta e risco os meios humanos e materiais (ferramentas e maquinaria) necessários à execução dos trabalhos contratados, sem prejuízo da utilização pontual dos meios materiais do PRIMEIRO OUTORGANTE mediante prévia solicitação e aceitação deste”;
AB. Bem como que “o SEGUNDO OUTORGANTE dispõe de total liberdade para a definição e fixação dos horários de trabalho, contudo, obriga-se a executar os trabalhos de forma coordenada com os restantes trabalhos de empreitada de modo a não levar a riscos de incumprimento dos prazos de execução previstos e respeitando os condicionalismos e organização da própria obra/projecto nomeadamente por questões de funcionamento, segurança, controlos de acesso ao local e demais condições indispensáveis à planificação e execução dos serviços.
Caso se verifique risco de incumprimento dos prazos previstos, o SEGUNDO OUTORGANTE obriga-se a reforçar o período de duração diária dos trabalhos ou ainda a laborar a sábados, domingos e feriados, não podendo daí advir qualquer assunção de responsabilidade ou demais encargos, para além dos preços fixados, para o PRIMEIRO OUTORGANTE”;
AC. Assim como que “quando os trabalhos decorram fora do território nacional, é da responsabilidade do PRIMEIRO OUTORGANTE garantir e suportar, desde que no estrito âmbito das necessidades decorrentes do presente contrato, as despesas com os meios de transporte (terrestres ou aéreos), o alojamento (quarto de hotel, apartamento ou moradia), os meios de transporte entre o local de alojamento e o local dos trabalhos (desde que o SEGUNDO OUTORGANTE respeite os condicionalismos inerentes aos horários dos meios destacados para o efeito e previamente definidos)”;
AD. Bem como que “além do(s) seguro (s) do segundo outorgante, a primeira outorgante complementarmente garante um seguro de acidente de trabalho que o primeiro outorgante venha a ser sinistrado no âmbito do presente orçamento/contrato na Companhia de Seguros X..., SA – apólice ... (…)”;
AE. E que “caso a PRIMEIRO OUTORGANTE, O SEU CLIENTE OU DONO DE OBRA, verifiquem que o SEGUNDO OUTORGANTE ou o(s) trabalhador(es) por si designado(s) não dispõem das competências técnicas, experiência e autonomia necessária à execução dos trabalhos referidos na CLÁUSULA SEGUNDA, tal facto constitui motivo suficiente para o PRIMEIRO OUTORGANTE invocar unilateralmente a revisão ou a cessação do contrato com efeitos imediatos e o direito de ser ressarcidos de todas as despesas e encargos que incorra com esta situação”;
AF. Assim como que “o SEGUNDO OUTORGANTE não poderá abandonar os trabalhos de subempreitada contratados sem que tudo esteja dado como concluído e os equipamentos a funcionar correctamente, salvo autorização expressa, por escrito, do PRIMEIRO OUTORGANTE ou por motivos de força maior” – cfr. doc. de fls. 107v. a 110, que se dá por integralmente reproduzido;
AG. A S..., Inc. pertence ao mesmo grupo empresarial que a Ré L..., SA;
AH. Em data em concreto não apurada do ano de 2018, mas anterior a Julho desse ano, a Y..., SC, empresa italiana fornecedora de maquinaria industrial solicitou à L..., SA, a montagem de uma máquina por aquela fornecida à F..., Inc;
AI. O Autor exerceu a actividade de serralheiro mecânico para a Ré L..., SA por solicitação desta, na montagem da máquina referida em AH;
AJ. E exerceu tal actividade dez horas por dia, todos os dias úteis da semana e seis horas aos Sábados, auferindo € 11,00/hora desde 09.07.2018 até 23.07.2018, inclusive;
AL. Para o efeito, Autor e os outros técnicos enviados pela Ré L..., SA eram transportados em veículos da Y..., SC para o local de exercício da actividade nas instalações da F..., Inc. e destas para o hotel onde estavam instalados;
AM. No local, a Y..., SC tinha um técnico e a Ré L..., SA tinha, além do mais, um encarregado/chefe de equipa;
AN. O técnico da Y..., SC determinava a actividade a prestar pelos técnicos enviados pela Ré L..., SA, como é que tudo devia ser montado e controlava toda a montagem: tubagem, gás, queimadores, o que envolve técnicos da área da mecânica e da electricidade e que transmitia ao encarregado/chefe de equipa, que, por sua vez, dava instruções aos técnicos;
AO. O técnico da Y..., SC informava ainda os técnicos sem experiência anterior de como executar as tarefas de montagem das máquinas;
AP. Tal técnico controlava ainda se os técnicos enviados pela L..., SA estavam a executar a tarefa ou tinham competência para tal, solicitando ao encarregado da Ré L..., SA a sua substituição, se necessário;
AQ. O encarregado acompanhava a execução das tarefas pelos técnicos enviados pela L..., SA e também controlava a conformidade das mesmas;
AR. O Autor comprou ferramentas ligeiras nos EUA, que utilizou na prestação da sua actividade, e as mais pesadas como aparelhos de soldar, rebarbadoras e berbequins foram fornecidas pela Y..., SC;
AS. Quando nos Estados Unidos da América, o Autor apenas exerceu a sua actividade para a Ré L..., SA;
AT. A Ré L..., SA custeou as despesas com o transporte do Autor para os Estados Unidos da América e com o alojamento;
AU. O Autor declarou reinício de actividade junto da Autoridade Tributária e Aduaneira como sujeito Categoria B em 05.07.2018;
AV. O Autor emitiu à Ré L..., SA a factura/recibo nº ... em 09.08.2018, no valor de € 1.345,80 com a menção de “importância recebida a título de: Pagamento de bens ou serviços”, sendo € 1.207,00 de valor-base, € 277,61 de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e € 138,81 de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), do mesmo constando a referência “valor referente a serviços de Serralharia na montagem de máquinas e equipamentos na F... (USA) no mês de Julho” – cfr. doc. de fls. 27v., que se dá por integralmente reproduzido;
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AX. O Autor encontra-se com uma incapacidade permanente parcial para o trabalho de 4,92% desde 17.04.2019 (dia seguinte ao da alta) – cfr. decisão de fls. 26 do Apenso A, que se dá por integralmente reproduzida;
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Factos não provados
Com relevo para a decisão da causa não está provado que:
a). A Ré L..., SA acordou em custear a alimentação do Autor;
b). o Autor exercia a sua actividade para a L..., SA mais do que seis horas aos Sábados;
c). O Autor despendeu € 20,00 em deslocações ao Juízo do Trabalho de Águeda.”.
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B) O DIREITO
Interpõe a recorrente o presente recurso sob a alegação de que, “Dúvidas não subsistem que a decisão sobre a matéria de facto não tem qualquer fundamento nos elementos da prova documental e testemunhal constantes do processo, encontrando-se profundamente desapoiada face às provas produzidas incorrendo assim em manifesto erro na apreciação da prova produzida, e violação dos princípios do direito probatório”.
Sustenta a sua alegação, sob a afirmação de que, no seu entender, “a douta Sentença proferida apreciou de forma errada a matéria de facto produzida em audiência de julgamento e, consequentemente, não interpretou e aplicou correctamente o direito vigente aos factos em discussão”.
De seguida, transcreve os factos dados como provados na sentença recorrida e, após, alega que, “deve ser dado como provado o seguinte: que não existia um contrato de trabalho entre a Ré e o Autor, mas, sim, um contrato de prestação de serviços”, afirma que, “Com efeito, tal é o que resulta das declarações do Autor” e de imediato, prossegue, nestas, com a transcrição de excertos, - (pois, além destes, juntou aos autos, a transcrição integral da audiência de discussão e julgamento) - identificando os minutos a que correspondem, das declarações de parte do A., do depoimento da testemunha, BB, do depoimento do Legal Representante da Ré – CC e do depoimento da testemunha, DD, dizendo e alegando, no final dessas transcrições que, “como melhor resulta do depoimento das testemunhas e declarações de parte do Autor e do Legal Representante da Ré, bem como dos documentos juntos aos autos, deve ser dada como provada a existência de um contrato de prestação de serviços – e não de um contrato de trabalho – entre o Autor e a Ré, aqui Recorrido e Recorrente.
De igual modo, deve ser dada como provado que a obrigação de contratar o seguro recaía sobre o Autor.”.
Que dizer?
Desde logo, como se verifica, a recorrente termina aquela sua alegação, nos termos das conclusões supra transcritas, as quais, como é sabido e ficou dito, definem o objecto do recurso.
Donde, a primeira questão a analisar, reportar-se à impugnação da decisão de facto, já que conclui naquelas (veja-se conclusão B.) que deve ser dada como provado que, “a obrigação de contratar o seguro recaía sobre o Autor.”.
Sendo de esclarecer, também, desde já que, pese embora, a recorrente formular as conclusões A. e C. sob a alegação de que “O Tribunal “ A Quo” deveria ter dado como provado que:”, obviamente, não configura o, nelas, exposto qualquer factualidade susceptível de ser objecto de prova e, consequentemente, de ser dada como provada.
Sem dúvida, o teor das conclusões A. e B., e perdoe-se-nos a redundância, não passam de “conclusões” que, necessariamente, só poderão ser formuladas, em sede de decisão de mérito, feita a subsunção jurídica da factualidade que seja dada como provada em sede de decisão de facto.
Vejamos, então, se deve ser alterada a matéria de facto provada, como defende a recorrente.
A propósito desta questão, dispõe o nº 1 do art. 662º, do CPC (Código de Processo Civil, diploma a que pertencerão os demais artigos a seguir citados, sem outra indicação de origem) que: “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”.
Aqui se enquadrando, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão de facto feita pelos recorrentes.
Nas palavas de (Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, Coimbra, 2013, págs. 221 e 222) “… a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1ª instância”.
No entanto, como continua o mesmo autor (págs. 235 e 236), “… a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter.”.
Esta questão da impugnação da decisão relativa à matéria de facto e a sua apreciação por este Tribunal “ad quem” pressupõe o cumprimento de determinados ónus por parte do recorrente, conforme dispõe o art. 640º ex vi do art. 1º, nº 2, al. a) do C.P.Trabalho, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”.
Resulta da análise deste dispositivo que, o legislador concretiza a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando, neste novo regime, os ónus de alegação impostos ao recorrente, impondo-se que especifique, em concreto, os pontos de facto que impugna e os meios probatórios que considera impunham decisão diversa quanto àqueles e deixe expressa a solução que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova.
Ou seja, tendo em conta os normativos supra citados, haverá que concluir que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância, já que só assim, como se refere no (Ac. STJ de 24.09.2013) poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão do Tribunal “a quo”, exigindo-se à parte que pretenda usar daquela faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau sobre tais desconformidades, previamente, apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção - não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem, face ao princípio da livre apreciação da prova que impera no processo civil, art. 607º, nº 5 do CPC, cfr. (Ac. STJ de 28.05.2009 in www.dgsi.pt- lugar da internet onde se encontram os demais Acórdãos citados).
Verifica-se, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação da decisão de facto, não se satisfaz com a mera indicação genérica da prova que na perspectiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal “a quo”, impõe-lhe a concretização quer dos pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância como a especificação das provas produzidas que, por as considerar como incorrectamente apreciadas, imporiam decisão diversa, quanto a cada um dos factos que impugna sendo que, quando se funde em provas gravadas se torna, também, necessário que indique com exactidão as passagens da gravação em que se baseia, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
Sobre este assunto, no (Ac.STJ de 27.10.2016) pode ler-se: “…Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPC, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto. …”. E, do mesmo Tribunal no (Ac. de 07.07.2016) observa-se o seguinte: “… para que a Relação possa apreciar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo art. 640º, nº 1 do CPC, tendo assim que indicar: os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, conforme prescreve a alínea a); os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na alínea b); e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c).”.
Ou seja, deve o recorrente indicar não, apenas, os pontos da decisão da matéria de facto de que discorda e o sentido da decisão que pretende como, também, indicar, concretizando devidamente, os meios de prova que sustentam cada uma das alterações que pretende, indicação esta que deverá ser feita por referência a cada um dos factos ou a grupo de factos relacionados, sendo que, apenas, assim se entenderá a fundamentação que sustenta ou justifica a alteração pretendida ou, dito de outro modo, só assim será possível ao Tribunal “ad quem” perceber e saber quais são os meios de prova que, segundo o recorrente, levariam a que determinado facto devesse ter resposta diferente daquela que lhe foi dada pelo Tribunal “a quo”.
E, sendo o objecto do recurso, como é, delimitado pelas conclusões, a parte que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto deverá indicar, nas conclusões, quais os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda, assim como, o sentido das respostas que pretende, podendo a fundamentação dessa impugnação, nomeadamente, a indicação dos meios de prova, ter lugar em sede de alegações.
Por sua vez, a indicação dos meios probatórios que sustentariam diferente decisão, cfr. al. b) daquele art. 640º, nº 1, incluindo os depoimentos que hajam sido gravados, deverão ser invocados, não de forma genérica, mas de forma devidamente concretizada e identificada, com a indicação do nome das testemunhas e, ainda, se impugnada a factualidade com base em depoimentos gravados deverá o recorrente “indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”, cfr. al. a) do nº 2, do mesmo art. 640º, pois que, podendo embora proceder à transcrição dos depoimentos ou de excertos dos mesmos, tal não o dispensa contudo daquela indicação como expressamente decorre daquele dispositivo.
O qual é, também, claro e expresso, quanto às consequências que advém dessa omissão, qual seja “a imediata rejeição do recurso na respectiva parte”.
Sendo este, o regime, expressamente, previsto na lei e não podendo a sua interpretação deixar de ter em conta a sua letra, como decorre do nº 2 do art. 9º do CC, refira-se que, não se entende que tal exigência represente “sacrifício” incomportavelmente “injusto”, exagerado ou arbitrário por parte do legislador. Pois, se a reapreciação da decisão da matéria de facto representa um maior dispêndio e morosidade por parte da actividade dos Tribunais da Relação, como efectivamente representa, e até para evitar impugnações destituídas de fundamento e agilizar essa reapreciação, não se vê que a parte não possa ou não deva dar cumprimento a tais requisitos que, aliás, não só são do seu interesse, como se inserem no dever de sã colaboração, quer para com o Tribunal, quer para com a parte contrária, especialmente, no que toca ao exercício do contraditório e a fim de uma, tanto quanto possível, célere realização da justiça.
Como refere, novamente, (Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, págs. 132, 133 e 135), em comentário ao art. 640º, com o que se concorda, “sempre que o recurso envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto: a) …, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; (…); e) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto; (…)” e continua observando que, “as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (…)”.
Transpondo o exposto para o caso, como já salientámos supra, sendo necessário, em sede de impugnação da decisão de facto, que tal ocorra, “indicação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados”, verifica-se, desde logo, que a recorrente não indica nas conclusões quais os concretos pontos da decisão da matéria de facto e o sentido da resposta que, em seu entender, deveria ter sido dada, quanto à matéria de facto que, alegadamente, discorda por erro na apreciação da prova que a fundamentou. Aliás, não o faz nas conclusões, nem o fez nas alegações.
Limita-se, nas suas alegações a tecer considerações, na maioria meramente conclusivas, no sentido do erro na apreciação da prova, em seu entender, que fundamentou a matéria de facto provada, concretamente, no que toca ao entendimento, que defende, de que não se se verifica a existência de um contrato de trabalho, como se decidiu na sentença recorrida, tendo em atenção a matéria que nela foi dada como provada e que a recorrente, como dissemos, transcreve nas suas alegações.
Mas, fá-lo sem que, nas alegações, nem nas conclusões, indique e identifique, qual o facto ou factos (dos dados como provados e não provados ou dos constantes dos temas de prova) que impugna e a resposta diversa que lhes deveria ser dada e quanto aos meios de prova, se quanto às testemunhais, cumpre o que a lei exige, já no que toca às documentais, não cumpre os ónus que a respeito destas se lhe impõem, limitando-se a afirmar que o seu entendimento resulta dos “documentos juntos aos autos”, sem, no entanto, identificar qualquer documento.
Assim, só podemos afirmar, como bem concluiu o Ex.mo Procurador no parecer emitido nos autos que, a recorrente não cumpriu os ónus que se lhe impõem, nos termos do art. 640º, desde logo, no nº1 al. a).
Do exposto resulta, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação que se analisa, não se satisfazendo como se disse com a mera indicação genérica da prova que na perspectiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido, impõe ao recorrente que concretize quer os pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância quer, ainda, que especifique quais as provas produzidas que, por as ter como incorrectamente apreciadas, imporiam decisão diversa, sendo que, quando esse for o meio de prova, se torna também necessário que indique “com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição”.
Ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso.
E, a propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, já que estas não são, apenas, a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações mas, sobretudo atendendo à sua função definidora do objecto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico (conforme decorre dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 23.02.2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, de 04.03.2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, de 19.02.2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, de 12.05.2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, de 27.10.2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1 e de 03.11.2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1), que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações, das quais conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração.
Conclui-se naquele, já referido, (Ac. de 27.10.2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1), – proferido num caso em que o Tribunal da Relação não conheceu do recurso relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto não pelo incumprimento pela recorrente no corpo das alegações, dos ónus impostos pelos nºs 1 e 2, al. a) do art. 640º e sim pelo facto de se terem omitido nas conclusões a indicação de quais as alíneas da matéria de facto provada e/ou quais os números da matéria de facto não provada que se impugnam, bem como a decisão, que no entender do recorrente, deveria ser proferida sobre esses concretos pontos da factualidade provada e/ou não provada –, que o “Supremo Tribunal já por variadas vezes se pronunciou sobre a questão, tendo, de forma reiterada, decidido que, para cumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º do CPC, o recorrente terá que indicar nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso e a decisão alternativa que propõe.”. Em conformidade com esse entendimento, aí se concluiu, também, que “perante a sobredita omissão, não havia lugar ao convite ao aperfeiçoamento, mas à rejeição do recurso no tocante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.” (sublinhado nosso).
Sendo deste modo, o que se verifica é que ocorre motivo para rejeitar a, alegada, impugnação da decisão de facto, ao abrigo do disposto na al. a), do nº 1, do art. 640º.
Pois, com o devido respeito, da análise das conclusões e até da motivação da alegação da recorrente, não se consegue perceber quais os pontos concretos da decisão de facto que a mesma impugna.
De salientar que, a respeito do seguro a que alude na conclusão B), em sentido precisamente contrário, referem-se os factos F. e G. da decisão recorrida, os quais não foram impugnados pela recorrente.
É, assim, manifesto que a apelante não observou, desde logo, os requisitos previstos na al. a) do nº1 do art. 640º. A mesma omite, totalmente nas conclusões, pelo que, muito longe da indicação com precisão a que a jurisprudência alude deve ocorrer, quais os concretos factos que, alegadamente, impugna o que determina a rejeição do recurso em sede de apreciação da decisão quanto à matéria de facto, o que aqui se declara.
Pois, aquela falta, como bem se refere no já citado (Ac. de 27.10.2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1), “não se trata de qualquer deficiência das conclusões, mas de omissão de um requisito legal.
E se a deficiência conduz ao aperfeiçoamento, a omissão dos requisitos conduz à rejeição do recurso nessa parte, como se prescreve no art. 640º, nº 1 do CPC., certo como é, e consta da respetiva epígrafe, que este preceito regula, expressamente, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto.”.
É este o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, além dos já referidos, também, o (Ac. de 07.07.2016, Proc. nº 220/13.8TTBCL.G1.S1) refere que, quando o recorrente não cumpra o ónus imposto no art. 640º não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento, que está reservado para os recursos da matéria de direito.
Consideramos, assim, que a apelante omitiu o cumprimento do ónus fixado na al. a) do nº 1 do art. 640º, quanto à, alegada, impugnação da decisão de facto o que, como já dissemos, impõe a rejeição do recurso nessa parte.
Assim, é óbvio, perante a rejeição da impugnação da decisão deduzida quanto à matéria de facto, que se mantém, definitivamente, assente a factualidade que ficou supra transcrita.
*
Aqui chegados, face à decisão que antecede e mantendo-se inalterada a decisão da matéria de facto proferida e a factualidade que foi considerada pelo Tribunal “a quo”, cujo enquadramento jurídico não nos merece qualquer reparo, nem a recorrente invoca qualquer argumento susceptível de colocar em causa, o que consideramos, acertado e bem fundamentado da decisão recorrida, sem necessidade de outras considerações, resta-nos manter o que nela foi decidido, que se confirma.
Efectivamente, não logrou a recorrente invocar qualquer argumento susceptível de abalar aquela e demonstrar, a existência de um contrato de prestação de serviços entre o A. e ela, Ré/recorrente nem, como afirma, que o sinistrado exercia a sua actividade sem dependência económica da mesma, nos quais assenta o seu pedido de ser desresponsabilizada na presente acção e seria necessário, desde logo, ter provado para ilidir, no caso, a aplicação da Lei nº 98/2009.
Para fundamentar e formular esta conclusão, basta, atentar, no que, em síntese, consta da sentença recorrida, após o enquadramento jurídico efectuado, com apelo a referências doutrinais e jurisprudenciais que acompanhamos, onde se consignou e decidiu que, «No caso sub judice, o acervo fáctico dado como provado leva-nos a concluir ter sido celebrado um contrato entre a Y..., SC e a F..., Inc. de fornecimento de uma máquina industrial a montar nos Estados Unidos da América, que se reconduz, tudo revela, ao contrato misto de compra e venda e empreitada.18
A matéria fáctica revela ainda ter sido celebrado um outro contrato entre a Y..., SC e a Ré L..., SA, desta feita, tudo revela, de subempreitada, tendo por objecto a globalidade da montagem da máquina em questão.
Foi ainda celebrado o contrato datado de 05.07.2018 entre a Ré L..., SA e o Autor.
Pese embora o texto das cláusulas deste último contrato (seja no que concerne aos termos do exercício da actividade, seja quanto à própria referência ao contrato celebrado com a S..., Inc.), importa, pois, aferir, à luz da factualidade dada como provada, a que título o Autor exercia a sua actividade para a Ré L..., SA aquando do sinistro, mais propriamente se estamos em face de um contrato de prestação de serviços (lato sensu)19, ou de um contrato de trabalho.
(...).
In casu não está em causa o exercício, pelo Autor, de funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da Ré L..., SA.
O sinistro deu-se quando o Autor exercia a sua actividade por força do convénio celebrado com a Ré L..., SA em local por esta indicado, nos Estados Unidos da América.
Ponderando, contudo, estarem em causa máquinas de produção industrial – por natureza de maiores dimensões e peso –, tal facto acaba por não assumir densidade bastante, já que apenas aí poderia realizar a sua actividade (e não em instalações próprias), quer o contrato celebrado fosse de trabalho, quer de prestação de serviços.
Por sua vez, parte dos instrumentos de trabalho (os mais ligeiros) foi adquirida e utilizada pelo próprio Autor nos Estados Unidos da América e não pela Ré L..., SA, o que poderia inculcar no sentido de estarmos em face de um contrato de prestação de serviços, por aplicação do regime do art. 1210º do Código Civil.
Também este indício, contudo, não se revela fulcral, ponderando ter ficado também demonstrado que boa parte dos instrumentos (ponderando serem os mais pesados, e a própria actividade exercida) era fornecida pela Y..., SC, ou seja, parte dos meios produtivos era alheia e não do Autor.
Resultou já que os técnicos enviados pela Ré L..., SA, entre os quais o Autor, eram levados em veículos para as instalações da F..., Inc. e destas para o hotel, assim como que o Autor exercia a sua actividade seis dias por semana, sendo que dez horas de Segunda a Sexta-feira e seis horas aos Sábados.
Não deixando o Tribunal de levar em ponderação a natureza o local de exercício da actividade numa fábrica, o que, revela a experiência judiciária, é efectuado dentro de uma janela temporal limitada, o facto de haver um transporte organizado (ainda que efectuado por terceiro) e o lato número de horas de exercício de actividade diária apontam no sentido de uma hétero-determinação dessa actividade.
De facto, ainda que não haja resultado que a Ré tenha estabelecido de forma expressa um horário para exercício da actividade, os moldes como era empreendido – pela constância e carga horária – constituem uma forma indirecta de, por um lado, controlar a pontualidade e, por outro, impor um quadro temporal diário de exercício da actividade aos técnicos, entre os quais o Autor, configurável, desta forma, como um horário de trabalho previamente determinado.
Por inerência, ainda que a quantia paga ao Autor fosse calculada por referência a um critério horário, atento o número de horas diárias de exercício da actividade (e mesmo ponderando o declarado quanto ao pagamento, numa cadência, na sua essência, mensal), acaba por afirmar uma dimensão tendencialmente fixa e estável, que, pelo seu necessário reflexo ao nível da contraprestação monetária, afirma características que encontramos na remuneração.
Acresce que, embora o Autor haja sido contratado para o exercício da actividade de serralheiro mecânico, fazia-o inserido num conjunto heterogéneo de sujeitos em que existia, além do mais, um encarregado enviado pela Ré L..., SA.
Este encarregado, fosse por iniciativa própria no controlo da actividade, fosse por indicações do técnico da Y..., SC (seja quanto ao facto de o técnico estar ou não a laborar, seja quando ao modo como o fazia), não apenas dava instruções aos técnicos enviados pela Ré L..., SA, entre os quais o Autor, como controlava a conformidade da execução das tarefas e ainda, se necessário, diligenciava pela respectiva substituição.
(...).
Derradeiramente, não apenas não se apurou que o Autor haja celebrado um seguro de acidentes de trabalho nos termos dos n.os 1 e 2 do art. 1º do Decreto-lei nº 159/99 de 11 de Maio, como ficou demonstrado que a própria Ré L..., SA celebrou um contrato de seguro de acidentes de trabalho na modalidade de folha de férias, da qual constava o próprio Autor.
Aliás, nesse contrato foi declarada uma importância paga catorze vezes ao ano (revelando englobar o subsídio de Férias e de Natal) e uma outra paga onze meses do ano (apontando no sentido de se tratar dos meses com trabalho efectivo e excluindo, como tal, o período de férias…) – art. 237º, nº 2 do art. 260º, arts. 263º e 264º, todos do Código do Trabalho –, com relevo face à primeira parte da al. e) da cláusula 1ª da apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem – vide anexo à Portaria n.º 256/2011 de 5 de Julho.
É certo que o Autor se coletou para efeitos fiscais como trabalhador independente, o que pressupõe uma sua declaração fiscal nesse sentido (vide art. 112º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares – CIRS).
Certo ainda que emitiu, nessa qualidade, um recibo de quitação da importância recebida à Ré L..., SA, que teve por objecto a actividade prestada por força desse mesmo convénio, tratando-se do que vulgarmente é conhecido por “recibo verde” – hoje electrónico – da actividade prestada (art. 115º do CIRS e Portaria nº 338/2015 de 08 de Outubro).
No entanto, importa levar em consideração que o fez com início em 05.07.2018, poucos dias antes de iniciar a prestação da sua actividade para a Ré.
Trata-se de matéria, pois, insuficiente para elidir a presunção decorrente dos índices referidos, consabida a posição precária em que se encontram muitos trabalhadores, que, sob a capa de contratos de prestação de serviços, pese embora celebrarem verdadeiros contratos de trabalho, estão colectados como trabalhadores independentes, num fenómeno conhecido como de “falsos recibos verdes”.
(...).
Tudo ponderado, temos que a realidade que emerge da factualidade provada revela não o exercício de uma actividade de forma autónoma pelo Autor, traduzida na prática de um conjunto de actos ou benefícios afirmando uma obrigação de resultado, mas subordinada, submetida à autoridade e direcção da Ré L..., SA, espelhando uma obrigação de meios que característica da prestação laborativa.
Assim, face à desconformidade entre o clausulado no contrato celebrado ao abrigo do princípio da liberdade contratual (art. 405º do Código Civil) e a sua concreta execução, temos que a relação contratual entre o Autor e a Ré L..., SA se reconduz à figura do contrato de trabalho.
*
Mas mesmo que se entenda que esta factualidade não é bastante para afirmar que o Autor exercia a sua actividade ao abrigo de um contrato de trabalho, sempre não seria suficiente para afastar a aplicação do regime dos acidentes de trabalho.
De facto, a al. c) do art. 4º da Lei nº 7/2009 de 12 de Fevereiro estatui que “o regime relativo a acidentes de trabalho e doenças profissionais, previsto nos artigos 283.º e 284.º do Código do Trabalho, com as necessárias adaptações, aplica-se igualmente:
(…)
c) A prestador de trabalho, sem subordinação jurídica, que desenvolve a sua actividade na dependência económica, nos termos do artigo 10.º do Código do Trabalho”.
Por sua vez, o art. 10º do Código do Trabalho dispõe que “as normas legais respeitantes a direitos de personalidade, igualdade e não discriminação e segurança e saúde no trabalho são aplicáveis a situações em que ocorra prestação de trabalho por uma pessoa a outra, sem subordinação jurídica, sempre que o prestador de trabalho deva considerar-se na dependência económica do beneficiário da actividade”.
E o nº 2 do art. 3º da Lei nº 98/2009 de 04 de Setembro29 estabelece que “quando a presente lei não impuser entendimento diferente, presume-se que o trabalhador está na dependência económica da pessoa em proveito da qual presta serviços”.
O direito à reparação de um acidente de trabalho não depende necessariamente da celebração de um contrato de trabalho entre o sinistrado e a pessoa para quem presta a sua actividade.
O legislador entendeu abarcar um leque mais abrangente de situações, bastando-se, para conceder a protecção da Lei nº 98/2009, com a dependência económica do acidentado relativamente à pessoa para quem presta a actividade e dela é sua beneficiária30.
Partiu, por um lado, da ideia que há pessoas que, embora não juridicamente subordinadas ao beneficiário da actividade, por dele dependerem economicamente, merecem beneficiar do mesmo estatuto que os trabalhadores subordinados, pois que, pelo seu esforço físico, produzido em proveito de outrem, apenas procuram, tal como aqueles, obter o seu salário para fazer face às suas necessidades do dia-a-dia31; e, por outro, da ideia da necessidade de responsabilização do beneficiário da actividade pelos riscos derivados da sua prossecução, sendo a obrigação de reparar os danos decorrentes de acidentes um custo essa mesma actividade e que é transferido, por via de um contrato de seguro obrigatoriamente celebrado, para a uma companhia seguradora.32
Ao sinistrado laboral basta alegar e provar que presta o trabalho para outrem e que, no âmbito dessa actividade, sofreu um sinistro qualificável como acidente de trabalho para se presumir a dependência económica face à pessoa em proveito da qual presta a actividade sem subordinação jurídica.
Já ao beneficiário da actividade cabe invocar e provar factualidade susceptível de elidir essa presunção.33
Regressando ao caso dos autos, o Autor, aquando do sinistro, exercia a sua actividade para a Ré L..., SA, integrado no seu processo empresarial.
Fazia-o dez horas por dia de Segunda a Sexta-feira e ainda seis horas aos Sábados, (sendo que, nos termos do nº 1 do art. 203º do Código do Trabalho, o período normal de trabalho é, no máximo, de oito horas por dia e quarenta por semana), ocupando seis dias por semana.
Sendo certo que ficou demonstrado ter sofrido o sinistro logo no primeiro mês em que iniciou a sua actividade, o montante auferido, conforme infra analisaremos, era bem superior à remuneração mínima mensal garantida fixada para o ano de 2018 (€ 580,00) por força do Decreto-lei nº 156/2017 de 28 de Dezembro.
Por fim, era a Ré L..., SA, sociedade comercial (art. 271º e ss. do Código das Sociedades Comerciais), quem se aproveitava, nessa sua actividade profissional, cuja natureza é manifestamente lucrativa (vide art. 980º do Código Civil e nº 2 do art. 1º do Código das Sociedades Comerciais), do labor do Autor, que este apenas poderia trazer vantagem à própria Ré34.
Todo este conjunto fáctico sempre espelharia uma integração, consistência, continuidade, constância e regularidade da prestação da actividade, num continuum e com uma expressão que, por um lado, afastariam a possibilidade de aplicação do art. 16º da Lei nº 98/2009 (e cujo ónus probatório sempre recairia sobre as Rés – nº 2 do art. 342º do Código Civil35) 36 e, por outro, sempre iria no sentido da afirmação da dependência económica do Autor.
As Rés, conforme lhe impunham o nº 2 do art. 350º e nº 1 do art. 344º do Código Civil (face à presunção consagrada no nº 2 do art. 3º da Lei nº 98/2009), não provaram factualidade que permitisse concluir não ser essencialmente com os valores recebidos da Ré L..., SA que o Autor fazia face às suas necessidades económicas e do respectivo agregado familiar.37
De resto, o próprio facto de a Ré L..., SA – a não estar demonstrada a subordinação jurídica – ter celebrado um seguro de acidentes de trabalho abrangendo o Autor sempre acabaria por depor nesse mesmo sentido face ao previsto na parte final da al. e) da cláusula 1ª da apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem.
Por último, à afirmação da dependência económica não obsta a curta duração da actividade, atentos os seus objecto e natureza, considerada a já referida regularidade no exercício da actividade pelo Autor.» (sublinhados nossos).
Cremos, assim, que as conclusões que a recorrente formula de que, “deveria ter dado como provado que: “A. A existência de um contrato de prestação de serviços – e não de um contrato de trabalho – entre o Autor e a Ré, aqui Recorrido e Recorrente” e “C. O sinistrado exercia a sua actividade sem dependência económica da Ré/Recorrente.”, não têm qualquer suporte fáctico, nem a recorrente fundamenta a sua discordância, quanto ao enquadramento jurídico que se efectuou naquela.
O qual, subscrevemos, por o considerarmos correcto e devidamente fundamentado, razão porque a responsabilização da Ré/recorrente, só poderia ser declarada nos termos em que o foi, atento o quadro factual que deu contornos à acção e se apurou. O bastante para o insucesso do recurso.

Improcedem, assim, todas ou são irrelevantes as conclusões da apelação.
*
III - DECISÃO
Em conformidade, com o exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar, improcedente a apelação e confirmar na íntegra a decisão recorrida.
*
Custas pela recorrente.
*
Porto, 8 de Junho de 2022
*
O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão