Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1829/17.6T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
DESPEDIMENTO
DECLARAÇÃO EXPRESSA
Nº do Documento: RP201809101829/17.6T8PNF.P1
Data do Acordão: 09/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL (2013)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL),(LIVRO DE REGISTOS N.º280, FLS.335-353).
Área Temática: .
Sumário: I - A declaração expressa não constitui requisito absolutamente indispensável da figura do despedimento, não sendo este incompatível com a manifestação tácita da vontade de por termo ao contrato; não é, porém, compatível com um mero despedimento presumido, pois que é imprescindível que, de forma inequívoca, se possa concluir do comportamento do empregador que foi sua vontade por termo à relação laboral.
II - Não consubstancia despedimento tácito o comportamento do empregador que, em síntese, num contexto de exaltação mútua, manda o trabalhador para casa e lhe diz que depois falariam, mais lhe tendo, nesse mesmo dia, instaurado procedimento disciplinar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 1829/17.6T8PNF.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1070)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório
B…, aos 08.06.2017, intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “C…, S.A.”, pedindo que a acção seja julgada procedente, por provada e, por via dela, se:
a) Declare a ilicitude do despedimento do A., “por ter provido de decisão unilateral da Ré sem procedência de justa causa”, (sic- fls.8);
b) Condene a R. a pagar ao A. as retribuições em falta, no montante de €770, uma indemnização por antiguidade correspondente à quantia de €5.174,83, o valor de €1.540,00 a título do direito a férias e subsídio de férias do trabalho prestado em 2016, o valor de €489,42 a título de proporcionais de férias e subsídio de férias, €244,71, a título de subsídio de Natal proporcional ao tempo de serviço prestado no ano da cessação e €450,00 a título de indemnização por não ter sido prestada formação profissional, no montante global de €8.668,96, a que acresce juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Alegou para o efeito, e em síntese, que: foi admitido pela Ré em 25.02.2008, para exercer as funções inerentes à categoria profissional de empregado de armazém, auferindo a retribuição base de €770,00; cumpria um horário de trabalho de segunda feira a sexta feira, das 09h00 às 12h30 mn e das 14h00 às 18h30mn; no dia 26 de Abril de 2017, a Ré comunicou pessoalmente ao Autor para deixar de prestar o seu trabalho, pretendendo fazer cessar unilateralmente o contrato sub judice naquela data, tendo a Ré, na pessoa do seu administrador D… dito ao A. “vai-te embora, estou farto de ti” e mais tarde acrescentado “já te mandei embora, estás aqui a fazer o quê”, tendo as mencionadas afirmações sido proferidas em tom bastante exaltado e intimidatório, não restando outra alternativa ao A. senão ir embora no imediato, cumprindo o desejo e a determinação da Ré; não gozou qualquer dia das férias que se venceram a 01-01-2017, nem lhe foi pago o respectivo subsídio, nem lhe foram pagos os proporcionais de férias e de subsídios de férias e de Natal; não lhe foi prestada qualquer formação profissional.

A Ré contestou alegando que: não ocorreu qualquer despedimento, tendo sido o A. quem, aos 26.04.2017, saiu do serviço e não mais voltou a aparecer ao trabalho; nesse dia, por volta das 10h30m, quando se encontrava no armazém da empresa, seu local de trabalho, o Autor pegou num dos empilhadores da empresa conduzindo-o pelo armazém, de forma imprudente e descuidada, vindo a embater com ele no portão do armazém, danificando o portão e o empilhador, quando o Autor tinha instruções expressas para não conduzir o empilhador, tendo-se o administrador da Ré, D…, ao tomar conhecimento do acidente, dirigido ao local e inquirido o Autor sobre as razões que o levaram a utilizar o empilhador contra as ordens e instruções do encarregado do armazém e do próprio administrador, tendo o Autor respondido ao Sr. D…, com tom de voz alterado: “não precisa de me repreender, eu é que sei se posso ou não pegar no empilhador, eu sou uma pessoa responsável, o que aconteceu foi um azar”.
Após o Sr. D… ter dito ao Autor que o acidente demonstrava que não podia pegar no empilhador, conforme lhe tinha sido dito e ordenado pela entidade patronal, por razões que o mesmo conhecia, o Autor voltou a responder ao administrador em tom de voz alterado, tendo-se recusado a reconhecer a dimensão do seu erro e desafiado a autoridade do administrador da Ré, tendo.se dirigido ao mesmo num tom de voz exaltado e pouco respeitoso, à frente de diversos colegas e perante as respostas e postura de confronto e desrespeito demonstrado o Autor o Sr. D… disse-lhe : “Ó B1… se achas que é assim como pensas, se achas que tu é que sabes e que nós não percebemos nada disto, então hoje vais para casa descansar a ver se te acalmas e amanhã quando estiveres mais calmo, falamos melhor”.
Ao receber esta ordem, o Autor ausentou-se do seu local de trabalho, tendo nesse mesmo dia 26.04.2017 a Ré instaurado processo disciplinar ao Autor tendo-lhe enviado a nota de culpa em 02.05.2017, recebida pelo autor em 04.05.2017, na qual era proposta uma sanção de suspensão, com perda de retribuição e antiguidade, de 15 dias seguidos; foi ainda comunicado ao Autor que se mantinha a suspensão preventiva que lhe tinha sido aplicada no dia do acidente; que o Autor respondeu à nota de culpa, em 24.05.2017, contestando os factos que lhe eram imputados mas em momento algum alegou ter sido despedido; ao responder à nota de culpa o autor reconheceu ainda encontrar-se sujeito à alçada disciplinar da ré; em 29.05.2017 a Ré comunicou ao Autor que lhe era levantada a suspensão provisória no âmbito do processo disciplinar, comunicação que o Autor recebeu em 01/06/2017; no entanto, nunca mais apareceu ao serviço; no dia 29.06.2017 a Ré aplicou ao Autor uma sanção de suspensão, com perda de retribuição e antiguidade por um período de 15 dias; o Autor continuou a ser trabalhador da Ré e a receber as correspondentes remunerações sem qualquer reclamação; o Autor intentou a presente acção em 08/06/2017, quando ainda era trabalhador da Ré, recebendo a correspondente retribuição, tendo a Ré sido citada para a presente acção em 19/06/2017; o Autor deliberadamente, e contrariamente às instruções da Ré, deixou de aparecer no trabalho, tendo em 17 de Julho de 2017 a Ré comunicado ao Autor que o seu vínculo laboral cessara por abandono de posto de trabalho, considerando-se verificadas as presunções de abandono do posto de trabalho, constantes do artigo 403º, nº1, do CT com efeitos a partir de 17 de Julho de 2017.
Que ao contrário do que alega o Autor na sua P.I., foi-lhe paga a sua retribuição referente ao mês de Abril de 2017, bem como a do mês de Maio de 2017, tendo o A. recebido essas quantias, não tendo apresentado qualquer reclamação; a Ré assegurou ao Autor formação profissional, não sendo devido ao Autor o peticionado a esse título; o Autor litiga de má fé pugnando pela condenação do Autor em multa e ao pagamento nunca inferior a €1.500 a favor da Ré.
Em conformidade concluiu pela improcedência da acção e em consequência pela absolvição da Ré do pedido e pela condenação do Autor como litigante de má fé a pagar à Ré um quantitativo nunca inferior a €1.500 a favor da Ré.
A Ré deduziu ainda reconvenção, peticionando a condenação do Autor a pagar-lhe uma indemnização de €1.540,00, nos termos dos artigos 400º e 401º, do CT e ainda no montante de €980, de reparação do portão e empilhador danificados, no montante total de €2.520,00.
Em conformidade, concluiu pela procedência da Reconvenção e pela consequente condenação do Autor a pagar à Ré o valor global de €2.520, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.

O A respondeu concluindo pela improcedência dos pedidos reconvencionais e bem assim do pedido de condenação do Autor em litigância de má fé.

Proferido despacho saneador, admitida a reconvenção apenas quanto ao peticionado montante de €1540 (e não admitida quanto ao montante de €980), fixado à acção o valor de €11.188,96, consignados os factos assentes, identificado o objecto do litígio, enunciados os temas da prova e realizada a audiência de julgamento, objecto de gravação, foi, aos 18.12.2017, proferida sentença, que julgou a acção nos seguintes termos:
1- julgo a presente acção parcialmente procedente por parcialmente provada e em consequência :
a) Condeno a Ré no pagamento ao Autor da quantia total de €2.258,59, acrescida dos juros moratórios calculados, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento;
b) Absolvo a Ré de tudo o demais peticionado pelo Autor na presente acção.
2- julgo a reconvenção (na parte em que foi admitida a fls.155) procedente por provada e em consequência condeno o Autor reconvindo a pagar à Ré reconvinte a quantia de €1.540,00, acrescida dos juros de mora vencidos desde 12 de Junho de 2017 e dos vincendos até efectivo e integral pagamento.
*
Custas da acção a cargo do Autor e da Ré na proporção do respectivo decaimento, respectivamente de 73,95% (quanto ao Autor) e de 26,05% (quanto à Ré), (art.º 527º do Código do Processo Civil).
Tendo em conta a condenação já efectuada a fls.156, da Ré nas custas da reconvenção, na proporção de 8,76%, condeno o Autor reconvindo no remanescente das custas da reconvenção, na proporção de 91,24%.
*
Não se anota qualquer litigância de má fé na presente causa.”

Inconformado, o A. recorreu, tendo formulado, a final das alegações, as seguintes conclusões:
“a) O Autor/Recorrente não se conforma com a factualidade dada como provada nos pontos 7º, 8º, 9º, 11º, 12º, 13º, 15º, 20º, 26.º, 30º, 44º, 45º e 46º,
b) O Autor foi despedido pela Ré resultando tal das declarações de parte deste e do legal representante da Ré e da Testemunha E….
c) Tais depoimentos, conjugados e apreciados à luz das regras da experiência comum traduzem como claro e evidente o despedimento oral do Autor, pelo que foi violado o disposto no artigo 607.º n.º 5 do CPC, atenta a falta de consistência dos mesmos.
d) Ademais mostra-se violado o princípio da impressão do declaratário, consagrado no artigo 236.º do Código Civil, uma vez que à luz dos factos, outra conclusão não poderia extrair o Autor, senão a do seu despedimento, atento o facto de lhe ter reiterado mais tarde que deveria abandonar as instalações.
e) Como consequência lógica do que se referiu quanto ao despedimento os factos dados como não provados, no que respeita aos temas de prova B4, B62, B63 e B69, deverão se dados como assentes.
Termos em que, com o douto suprimento, deverá ser a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” substituída por outra que julgue a acção procedente, considerando-se o Autor despedido pela Ré sem justa causa, com as legais consequências, (…)”.

A Ré contra - alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
“A – A douta sentença recorrida não merece qualquer censura.
B – O Tribunal a quo fundamentou o ponto 7º dos factos provados com os depoimentos da testemunha E… e do Autor, de que no dia 26/04/2017 este conduziu um empilhador nas instalações da Ré, e que embateu com o mesmo contra o portão do armazém, danificando-o.
C – Face a esta prova, impunha-se concluir que o Autor não agiu de forma prudente nem cuidada.
D – O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção para dar como provados os pontos 8º e 9º, com os depoimentos credíveis e convincentes da testemunha E…, do legal representante da Ré, D… e do próprio Autor, quando afirmaram que este estava impedido de conduzir empilhadores, embora, no início do seu contrato, o fizesse.
E – Não é contrário aos direitos do trabalhador fixar-lhe uma proibição de utilizar e conduzir determinadas máquinas, quando este não revele apetência ou cuidado para o seu manuseio, sob risco de colocar em perigo o próprio trabalhador e colegas: a Ré tem 36 funcionários e apenas 3 estão autorizados a manobrar empilhadores.
F - A testemunha E…, a quem o Tribunal a quo atribuiu elevada credibilidade, depôs que o Autor infringiu, por diversas vezes, as ordens que tinha para não conduzir máquinas ou empilhadores, apesar de ser constantemente chamado à atenção.
G – Ao conduzir o empilhador, no dia 26/04/2017 o Autor violou, conscientemente, as ordens da entidade empregadora, e superiores hierárquicos, exercendo funções que sabia não lhe estarem atribuídas.
H - Não assiste qualquer razão ao Autor quando diz que é responsabilidade da Ré tê-lo deixado incumprir, consciente e deliberadamente, as ordens que lhe foram dadas.
I – Também bem o Tribunal a quo, ao dar como provado no ponto 11º, fundamentando a sua convicção com as declarações do Autor e do legal representante da Ré.
J – Impunha-se ao Tribunal a quo dar como provado que o Autor “desafiou a autoridade da Ré”, no ponto 13º, depois de se dar como provado que ele se dirigiu, de forma exaltada e pouca respeitosa, ao legal representante da entidade patronal, dizendo-lhe que “sabia fazer aquilo”, “que não era uma criança” (cfr. Ponto 12), e sem admitir o seu erro.
K – É irrelevante que do ponto 14º dos factos provados não conste a menção de que era frequente Autor e Réu tratarem-se nos moldes descritos no dia 26/04/2017, pois mesmo que fosse verdade, não torna menos desrespeitosos o tom de voz e as expressões utilizadas pelo Autor, segundo se apurou em julgamento.
L – Não se demonstrou que o legal representante da Ré tenha faltado ao respeito ao Autor, mas sempre se dirá que a reprimenda que lhe deu por ter desobedecido a ordens directas, se insere, no exercício do seu poder de direcção e disciplinar.
M – Não colhe o argumento do Autor que é difícil arrolar testemunhas que estão sob a alçada disciplinar da Ré, pois impende sobre as sobre as testemunhas o dever de falar com verdade aos factos sobre os quais são perguntadas.
N – As declarações do Sr. D…, que constam do ponto 15º dos factos provados, não podem ser interpretados como uma declaração inequívoca de que pretendia despedir o Autor, apenas porque quando se lhe dirigiu lhe deu uma “ensaboadela” e estava exaltado.
O - Se o Sr. D… quisesse mesmo despedir o Autor, não o tinha mandado para casa para descansar, nem ordenado que saísse dali, para falarem no dia a seguir.
P – Bem andou o Tribunal a quo ao entender que as declarações “Vai-te embora. Vai descansar. Amanhã a gente fala.”, que constam do ponto 15º se devem interpretar como uma suspensão provisório do trabalhador, proferida com vista a evitar discussões, sem prejuízo de as partes conversarem no dia imediatamente a seguir.
Q – As segundas declarações do ponto 15, atribuídas a D… reforço das primeiras, que o Autor não acatou, mas em momento algum manifestam a intenção inequívoca de o despedir.
R – É falso que ninguém da entidade patronal tenha contactado o Autor no dia 27/04/2017, pois a testemunha D…, que o Autor não desmentiu e mereceu a credibilidade do Tribunal a quo, afirmou ter contactado o Autor nesse dia para que se apresentasse ao trabalho, a pedido da Ré, e que já tentara contactá-lo no dia 26/04/2017, sem sucesso.
S – A esse contacto da testemunha E…, o Autor negou-se a comparecer nas instalações da Ré.
T - A Ré comunicou ao Autor diversas vezes, e de forma inequívoca que não estava despedido, e que contava com ele para aparecer ao trabalho: foi o Autor quem optou por não o fazer, preferindo recorrer á via contenciosa, alegando ter sido despedido.
U – O Autor não pôs em causa o teor das declarações que o Sr. D… e a testemunha E… lhe proferiram nos dias 26 e 27 de Abril, apenas a interpretação que o Tribunal a quo fez das mesmas.
V – A interpretação que o Autor pretende que se faça dessas declarações é contrária ao seu elemento literal e à credibilidade que o Tribunal a quo, fundamentadamente, atribuiu a cada um dos seus interlocutores, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.
W – Afigura-se irrelevante se no dia 26/04/2017, o Autor se ausentou do trabalho, levando as suas coisas consigo como que, convencido, de ter sido despedido.
X – A matéria do ponto 30º resulta dos factos provados nos pontos 28º e 29º, logo bem andou o Tribunal a quo ao considerar que “O Autor, deliberadamente, e contrariamente às instruções da Ré, deixou de aparecer ao trabalho”, quando não obstante os contactos telefónicos da Ré, e de ter sido notificado da carta de 01/06/2017 para se apresentar ao serviço, não o fez.
Y – Não faz sentido considerar que a instauração do processo disciplinar ao Autor foi uma tentativa da Ré encobrir o pretenso despedimento ilícito, porque a Ré instaurou o processo disciplinar em 26/04/2017, e remeteu a Nota de Culpa ao Autor antes de receber a sua missiva, onde alegava ter sido despedido.
Z – Em 24/05/2017, representado por Advogado, o Autor respondeu à nota de culpa, onde se propunha a sanção de suspensão por 15 dias com perda de antiguidade e retribuição, e não invocou ter sido despedido.
AA – Na resposta à Nota de culpa, o Autor pediu a absolvição da prática de qualquer ilícito disciplinar ocorrido em 26/04/2017.
BB - Em 24/05/2017, o Autor reconheceu estar sujeito ao poder disciplinar da Ré, que o vínculo laboral não cessou em 26/04/2017 por despedimento, e, tacitamente, que lhe incumbia a obrigação de se apresentar ao trabalho quando a Ré lhe comunicou o fim da suspensão provisória preventiva.
CC – Face à injustificada ausência do Autor, desde 01/06/2017, não sendo previsível que se reapresentasse ao trabalho, assistiu à Ré o direito de lhe comunicar o abandono do posto de trabalho, conforme veio a acontecer, conforme consta dos pontos 44º, 45º e 46º dos factos provados.
DD – Os temas de prova B4, B62, B63 e B69 foram dados como não provados, essencialmente, face à prova dos supra referidos pontos: ter sido atribuída mais credibilidade à testemunha E…, do que ao Autor; porque as declarações, comprovadamente proferidas pelo legal representante da Ré não podiam ser entendias como um despedimento, mas tão só como uma suspensão preventiva provisória, factualidade que o Autor não contestou na sua Resposta à Nota de Culpa; porque era impossível a Ré intentar o processo disciplinar como resposta á carta do Autor a reclamar os pretensos créditos devidos pelo seu alegado despedimento.
EE - Termos em que, e nos melhores de Direito que V. Ex.aa doutamente suprirão, deve.
Manter-se a douta sentença recorrida, nos exactos termos em que foi proferida (…)”.

A Exmª Srª Procuradora Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso, sobre o qual as partes não se pronunciaram.

Colheram-se os vistos legais.
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II. Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância
É a seguinte a decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância:
“A) Discutida a causa, resultou provada a seguinte factualidade (alinhada de forma lógica e cronológica):
1. A Ré dedica-se à actividade comercial de importação, exportação e venda de pneus e acessórios e afins, bem como a comercialização de energia eléctrica, do tipo solar, produzida por intermédio de unidade de miniprodução, (facto 1. dos factos assentes).
2. Autor e Ré celebraram um contrato de trabalho sem termo, em 25/02/2008, mediante aquele se comprometeu a exercer as funções de empregado de armazém, mediante retribuição, (facto 2. dos factos assentes).
3. O Autor foi admitido pela Ré, em 25 de Fevereiro de 2008, para exercer as funções inerentes à categoria profissional de empregado de armazém, (facto 3. dos factos assentes).
4. Para cumprir um horário semanal de segunda a sexta de oito horas por dia, das 09.00 às 12.30 e das 14.00 às 18.30 horas, com intervalo de uma hora para almoço, cumprindo assim 40 horas semanais, (facto 4. dos factos assentes).
5. Mediante a retribuição base de €770,00 (Setecentos e setenta euros), (facto 5. Dos factos assentes).
6. Até ao dia 26 de Abril de 2017 o A. sempre prestou o seu trabalho de forma assídua e pontual, (resposta ao tema da prova B2).
7. No dia 26 de Abril de 2017, por volta das 10H30, quando se encontrava no armazém da empresa, seu local de trabalho, o Autor pegou num dos empilhadores da empresa, conduzindo-o pelo armazém, de forma imprudente e descuidada, vindo a embater com ele no portão do armazém, danificando, quer o portão, quer o empilhador, (resposta ao tema da prova B11).
8. O Autor assumiu a direcção do empilhador, por livre iniciativa, sem obter qualquer ordem ou autorização, nesse sentido. (resposta ao tema da prova B12).
9. O Autor tinha instruções expressas para não conduzir o empilhador, (resposta ao tema da prova B13).
10. Como consequência do embate, o portão do armazém ficou amolgado e o empilhador danificado, (resposta ao tema da prova B14).
11. O Administrador da Ré, D…, ao tomar conhecimento do acidente, dirigiu-se ao local do mesmo, foi junto do Autor “e começou a dar uma ensaboadela das grandes” ao Autor, tendo o Sr. D… dito ao Autor, exaltado, em voz alta, “És sempre a mesma coisa! Só fazes asneiras! “ e que não tinha nada que pegar nas máquinas, que já sabia que não podia andar nas máquinas, (resposta ao tema da prova B15).
12. O Autor respondeu exaltado ao administrador Sr. D…, com tom de voz alto e alterado, que podia, que sabia fazer aquilo, que não era uma criança e que não devia falar com ele assim, que estava a falar muito alto com ele e que estava a ser malcriado com ele, (resposta aos temas da prova B16 e B18).
13. O Autor recusou-se a reconhecer que tinha errado e desafiou a autoridade do Administrador da Ré, (resposta ao tema da prova B19).
14. O Autor dirigiu-se ao Administrador da Ré num tom de voz exaltado, e pouco respeitoso, à frente de diversos colegas, (resposta ao tema da prova B20).
15. Seguidamente, no referido dia 26 de Abril de 2017, a Ré, na pessoa do seu administrador D… disse ao A. o seguinte “Vai-te embora. Vai descansar. Amanhã a gente fala” e mais tarde acrescentou “ Então já não te mandei para casa? Não te disse para tu ires descansar?”, (resposta ao tema da prova B4).
16. Ao receber esta ordem, o Autor ausentou-se do local de trabalho, (resposta ao tema da prova B22).
17. As afirmações supra mencionadas em 15. foram proferidas em tom bastante exaltado e intimidatório, não restando outra alternativa ao A., senão ir embora, cumprindo o determinado pela R., (resposta ao tema da prova B5).
18. O A. sentiu-se vexado com o comportamento da Ré, tendo deixado no imediato as instalações, cumprindo a determinação da entidade patronal, (resposta ao tema da prova B6).
19. O Autor saiu do serviço em 26 de Abril de 2017 e não mais voltou a aparecer ao trabalho, (resposta ao tema da prova B46).
20. No mesmo dia 26 de Abril de 2017, a Ré instaurou processo disciplinar ao Autor, pelos factos supra descritos, que, por sua vez, lhe foram comunicados na Nota de Culpa enviada a 02 de Maio de 2017, e por ele recebida a 04 de Maio de 2017, (resposta ao tema da prova B23).
21. Na Nota de Culpa, a Ré comunicou ao Autor que, provando-se os factos que lhe eram imputados, lhe era proposta uma sanção de suspensão, com perda de retribuição e antiguidade, de 15 dias seguidos, (resposta ao tema da prova B24).
22. Foi ainda comunicado ao Autor que se mantinha a suspensão preventiva que lhe havia sido aplicada no dia do acidente, (resposta ao tema da prova B25).
23. O Autor sabia que lhe foi aberto um processo disciplinar no qual foi proposto uma sanção de suspensão com perda de 15 dias de retribuição e antiguidade, e não de despedimento, conforme consta da Nota de Culpa, (resposta aos temas da prova B32 e B53).
24. Por carta registada de 28/04/2017, o Autor através dos seus mandatários, peticiona à Ré o “pagamento dos créditos salariais emergentes da cessação ilícita do contrato de trabalho”, conforme documento junto a fls.148 e 149, (resposta ao tema da prova B67), com o esclarecimento de que a aludida carta registada foi recebida pela Ré no dia 05/05/2017.
25. O Autor também sabia que lhe foi comunicado que “se mantém suspensa até à decisão final do processo disciplinar ou até outra comunicação” e de “que, por decisão da administração, foi levantada a suspensão de que (…) foi alvo, no âmbito do processo disciplinar que está em curso” conforme carta registada com AR datada de 26 de Maio de 2017, (resposta ao tema da prova B33).
26. O Autor respondeu à Nota de Culpa, em 24 de Maio 2017, contestando os factos que lhe eram imputados, mas em momento algum alegou ter sido despedido em data anterior, com ou sem justa causa, considerando-se sujeito ao poder disciplinar da Ré, (resposta aos temas da prova B26 e B34).
27. O Autor fez-se representar por mandatário judicial na sua Resposta, (resposta ao tema da prova B27).
28. Em 01 de Junho de 2017, a Ré comunicou ao Autor que lhe era levantada a suspensão provisória preventiva de que fora alvo no processo disciplinar, (resposta ao tema da prova B28).
29. O Autor recepcionou a comunicação do levantamento da suspensão em 01/06/2017, no entanto, não mais compareceu ao serviço, (resposta aos temas da prova B29 e B59).
30. O Autor, deliberadamente, e contrariamente às instruções da Ré, deixou de aparecer ao trabalho, (resposta ao tema da prova B37).
31. O Autor continuou a receber as correspondentes remunerações, sem qualquer reclamação, (resposta ao tema da prova B31).
32. Foi paga ao Autor a sua retribuição referente ao mês de Abril de 2017, bem como a do mês de Maio de 2017, conforme documentos juntos a fls.108 a 111, (resposta ao tema da prova B44).
33. O Autor recebeu essas quantias, não tendo apresentado qualquer reclamação, (resposta ao tema da prova B45).
34. O Autor intentou a presente acção em 08/06/2017, na qual alegou ter sido despedido, e pediu uma indemnização por antiguidade, em substituição de reintegração, demonstrando o claro propósito de não retomar o seu vínculo contratual, (resposta aos temas da prova B35, B42 e B60).
35. O Autor gozou apenas dois dias e meio (a tarde do dia 30 de Janeiro de 2017 e os dias 9 e 28 de Fevereiro de 2017) das férias que se venceram a 01-01-2017 e o autor não gozou qualquer dia de férias dos proporcionais do ano da cessação e não lhe foi pago o respetivo subsídio de férias, (resposta ao tema da prova B8).
36. Não foi ainda pago ao Autor o proporcional de subsídio de Natal relativamente ao trabalho prestado em 2017, (resposta ao tema da prova B9).
37. A Ré assegurou ao Autor uma série de acções de formação ao longo de todo o seu contrato de trabalho, em diversas áreas relacionadas com a sua profissão, (resposta ao tema da prova B48).
38. A Ré assegurou ao Autor, no mínimo, os seguintes números de horas em acções de formação contínua profissional:
- ano de 2008: 209h
- ano de 2010: 8h
- ano de 2011: 16h
- ano de 2012: 16h
- ano de 2014: 28h, conforme documentos juntos a fls.112 a 136, (resposta ao tema da prova B49).
39. A estas acções de formação, somaram-se muitas outras ministradas pela Ré em contexto de trabalho, (resposta ao tema da prova B50).
40. Muitas destas horas de acção de formação resultam de uma antecipação da respectiva prestação, nos termos planeados pela Ré, (resposta ao tema da prova B51).
41. A Ré foi citada para a presente acção, em 19/06/2017, (facto 6. dos factos assentes).
42. No dia 29 de Junho de 2017, a Ré deu como provados os factos imputados ao Autor, e determinou aplicar-lhe uma sanção de suspensão, com perda de retribuição e antiguidade, por um período de 15 dias, (resposta ao tema da prova B30).
43. Em 17 de Julho de 2017, a Ré comunicou ao Autor que o seu vínculo laboral cessara por abandono de posto de trabalho, (resposta ao tema da prova B39).
44. Entre 29 de Maio de 2017 e 17 de Julho de 2017, decorreram mais de 10 dias úteis seguidos, sem que o Autor se tenha reapresentado ao serviço, (resposta ao tema da prova B40).
45. No mesmo período o Autor não comunicou à Ré a sua ausência, nem apresentou qualquer justificação para a sua ausência, (resposta aos temas da prova B41 e B58).
46. O Autor não efectuou qualquer aviso prévio à Ré de que não se iria mais apresentar ao serviço, nem retomar a relação laboral, (resposta ao temas da prova B57 e B61).
47. Os montantes pagos ao Autor eram-lhe devidos, (resposta ao tema da prova 64).
*
B) Não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contrário dos anteriormente referidos, designadamente:
- o teor do tema da prova B1) (“Se a Ré é uma sociedade cujo escopo consiste no comércio por grosso de peças e acessórios para veículos automóveis”).
- que o A. sempre tenha prestado o seu trabalho com a diligência e cuidados exigíveis pela natureza das tarefas que desempenhava, não possuindo antecedentes disciplinares, (cfr. tema da prova B2);
- que no referido dia 26 de Abril de 2017, a Ré, na pessoa do seu administrador D… tenha dito ao A. que “estou farto de ti” e que mais tarde tenha acrescentado que “já te mandei embora, estás aqui a fazer o quê” , (cfr. tema da prova B4);
- o teor do tema da prova B7) (“Se o A. não recebeu o salário referente ao mês da cessação do contrato perfazendo o montante de €770”);
- que por força da cessação do contrato de trabalho promovida pela Ré, o Autor não tenha gozado qualquer dia das férias que se venceram a 01-01-2017, (cfr. tema da prova B8);
- o teor do tema da prova B10) (“Se ao Autor não foi prestada qualquer formação profissional no período de vigência do contrato”);
- que no dia 26 de Abril de 2017 o Administrador da Ré, D…, tendo-se dirigido ao local do acidente, se tenha limitado a inquirir o Autor sobre as razões que o levaram a utilizar o empilhador contra as ordens e instruções do encarregado do armazém, e do próprio administrador, (cfr. tema da prova B15);
- que o Autor tenha dito ao Sr. D… as seguintes expressões: “não precisa de me repreender, eu é que sei se posso ou não pegar no empilhador, eu sou uma pessoa responsável, o que aconteceu foi um azar”, (resposta ao tema da prova B16);
- o teor do tema da prova B17) (“Se o Sr. D… disse ao Autor que o acidente demonstrava de que não podia pegar no empilhador, conforme lhe havia sido dito e ordenado, pela entidade patronal, por razões que o mesmo conhecia”);
- o teor do tema da prova B21) (“Se perante as respostas e postura de confronto e desrespeito demonstrado pelo Autor, o Sr. D… disse-lhe “ O B1… se achas que é assim como pensas, se achas que tu é que sabes, e que nós não percebemos nada disto, então hoje vais para casa descansar a ver se te acalmas, e amanhã, quando estiveres mais calmo, falamos melhor”);
- que tenha sido em 29 de Maio de 2017, que a Ré tenha comunicado ao Autor que lhe era levantada a suspensão provisória preventiva de que fora alvo no processo disciplinar, (resposta ao tema da prova B28);
- o teor do tema da prova B36) (“Se o Autor deduziu a presente acção quando ainda era trabalhador da Ré, recebendo a correspondente retribuição”);
- o teor do tema da prova B38) (“Se o Autor adoptou essa atitude de se ausentar do trabalho para sustentar a sua tese de que foi despedido”);
- o teor do tema da prova B52) (“Se o Autor sabia, e não podia ignorar, que lhe fora suspenso preventivamente no dia 18/05/2017, com a Nota de Culpa, e que essa suspensão foi levantada em 29/05/2017, ainda antes de ter proposto a presente acção”);
- o teor do tema da prova B54) (“Se o Autor deduziu a presente acção para impugnar o seu alegado despedimento, sabendo que não fora despedido”);
- o teor do tema da prova B55) (“Se o Autor invocou que nunca recebeu qualquer formação profissional, e que não lhe foi liquidada a sua retribuição de Abril de 2017, que sabe não serem verdadeiros”);
- o teor do tema da prova B56) (“Se o Autor fez um uso dos meios judiciais, com o propósito de obter uma vantagem patrimonial a que sabe não ter direito”);
- o teor do tema da prova B62) (“Se a Ré optou por mover um processo disciplinar ao Autor, procurando emendar a mão do despedimento sem precedência de processo disciplinar”);
- o teor do tema da prova B63) (“Se só após o Autor reclamar os seus direitos decorrentes do despedimento, é que a Ré comunicou a suspensão sem perda de retribuição e dar-lhe conhecimento da instauração do processo disciplinar”);
- o teor do tema da prova B65) (“Se no âmbito das funções do Autor, competia a condução do empilhador”);
- o teor do tema da prova B66) (“Se o fez no exercício da sua actividade profissional, executando tarefas para a Ré no cumprimento e domínio do contrato de trabalho”);
- o teor do tema da prova B68) (“Antes da instauração do processo disciplinar”);
- o teor do tema da prova B69) (“Se apercebendo-se a Ré da sua actuação ilícita, pretendeu emendar a mão, instaurando o processo disciplinar, sem que a pretensão do Autor, tenha merecido qualquer resposta, ignorando-a”).
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Não se respondeu aos temas da prova B3) (Se a Ré, no dia 26 de Abril de 2017, comunicou pessoalmente ao Autor para deixar de prestar o seu trabalho, pretendendo fazer cessar unilateralmente o contrato “sub judice”, naquela data”) e B47) (“Não foi aplicada qualquer sanção de despedimento ao Autor”), por tais temas da prova conterem duas das questões de direito objecto da discussão dos presentes autos, e como tal serem insusceptíveis de serem respondidas directamente em sede de decisão da matéria de facto, por se tratarem de matéria de direito e conterem parte da decisão de direito da presente causa.
Pelos mesmos motivos também não se respondeu ao tema da prova B43) (“Se o A. abandonou o posto de trabalho, com efeitos a partir de 17 de Julho de 2017”) também por tal tema da prova conter uma das questões de direito objecto da discussão dos presentes autos e como tal ser insusceptível de ser respondida directamente em sede de decisão da matéria de facto.”.
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III. Fundamentação
1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, são as seguintes as questões suscitadas:
- Impugnação da decisão da matéria de facto;
- Se o A. foi despedido pela Ré.
2. Da impugnação da decisão da matéria de facto
Como decorre das conclusões, diz o Recorrente pretender impugnar a decisão da matéria de facto no que concerne aos nºs 7, 8, 9, 11, 12, 13, 15, 20, 26, 30, 40, 45 e 46 dos factos provados e als. B4), B62), B63) e B69) dos temas da prova, que foram dados como não provados e que pretende que sejam dados como provados.
Sem prejuízo e com exceção do que se dirá a propósito de alguns dos pontos impugnados, no demais o Recorrente, no essencial, deu cumprimento ao disposto no art. 640º, nºs 1, e 2, al. a), do CPC/2013.
Procedeu-se à audição integral dos depoimentos prestados pelas partes (por D…, legal representante da Ré, e pelo A.) e por todas as testemunhas inquiridas (F…, tio o A., G…, tia do A., casada com a testemunha F… e H…, companheira do A., com quem vive em união de facto, estas arroladas pelo A.; E…, chefe de secção da Ré, para quem trabalha desde 1999 e I…, trabalhadora da Ré há cerca de 15 anos, exercendo várias funções, designadamente na contabilidade, na parte financeira e nos recursos humanos, estas arroladas pela Ré).
De referir, ainda, que as declarações prestadas pelas partes e pelas testemunhas que o Mmº Juiz, em síntese, consignou na fundamentação da decisão da matéria de facto estão, no essencial, em consonância com os depoimentos prestados.

2.1. Quanto ao nº 7 dos factos provados, dele consta que: “7. No dia 26 de Abril de 2017, por volta das 10H30, quando se encontrava no armazém da empresa, seu local de trabalho, o Autor pegou num dos empilhadores da empresa, conduzindo-o pelo armazém, de forma imprudente e descuidada, vindo a embater com ele no portão do armazém, danificando, quer o portão, quer o empilhador, (resposta ao tema da prova B11).”.
Diz o Recorrente, nas alegações, que deve ser eliminado o segmento em que se refere “de forma imprudente e descuidada”.
Nos termos do art. 607º, nº 4, do CPC/2013, o juiz, em sede de decisão da matéria de facto, apenas deverá levar a tal decisão factos e não já matéria conclusiva e/ou contendo juízos de valor, o que também se impõe à Relação conforme art. 663º, nº 2, do mesmo, que para aquele remete.
Tal segmento – “de forma imprudente e descuidada” – tem natureza conclusiva, pelo que, nos termos do citado art. 607º, nº 4, do CPC, se tem o mesmo como não escrito.

2.2. Quanto aos nºs 8 e 9 é o seguinte o teor dos mesmos:
“8. O Autor assumiu a direcção do empilhador, por livre iniciativa, sem obter qualquer ordem ou autorização, nesse sentido. (resposta ao tema da prova B12).
9. O Autor tinha instruções expressas para não conduzir o empilhador, (resposta ao tema da prova B13).”
Em sede de alegações, diz o Recorrente que tais pontos deverão ser dados como não provados, o que sustenta nas suas próprias declarações, no depoimento da testemunha E…, tudo conjugado com as suas (do Recorrente) funções e com as regras da experiência comum, tendo indicado, relativamente aos depoimentos, a localização, na gravação, do tempo correspondente aos concretos excertos que invoca.

Na fundamentação da decisão da matéria de facto, quanto a este ponto, o Mmº Juiz referiu o seguinte:
“Facto provado 8. (resposta ao tema da prova B12): No depoimento credível e convincente da testemunha E…, conjugado com a parte que mereceu credibilidade ao Tribunal do depoimento de parte e declarações de parte do legal representante da Ré, D….
A testemunha E… referiu, num depoimento claro, exacto e consistente, e que por isso mereceu toda a credibilidade do Tribunal, que trabalha para a Ré desde o início da empresa, tratando-se de uma empresa familiar, em que o administrador principal, o Sr. J… (pai) sabe o nome de todos os trabalhadores, havendo uma relação de proximidade muito grande; que a testemunha é chefe de secção, embora no recibo de vencimento conste “chefe de escritório”, exercendo, mais ou menos, as funções de encarregado geral; que o presidente do Conselho de Administração é o Sr. K…, sendo também membros do conselho de administração o Sr. D… e a Srª L… (sendo estes filhos do Sr. J…); que na ausência deles e se nenhum deles estiver, é a testemunha que assume a gerência da firma; que “isso é aceite por todos os funcionários” (sic); que a testemunha assistiu ao sucedido no dia 26 de Abril de 2017; que nesse dia o Sr. J… (pai) não estava; que na manhã desse dia a testemunha já tinha visto o Autor, mas não a andar com o empilhador; que no final do 1º contentor, a testemunha estava no escritório e ouviu um grande estrondo, tendo-lhe sido dito que “o B1… já tinha estragado o portão”; que ao sair para a fábrica a testemunha cruzou-se com o Sr. B1… e disse-lhe “O B1… deitou o portão abaixo”, (sic); que o Sr. D… foi falar com o Autor, tendo a testemunha ido atrás dele; que o Autor estava à beira do cais de descarga dos camiões; que o Sr. D… foi junto do Autor “e começou a dar uma ensaboadela das grandes” (sic) ao Autor; que “exaltaram-se, falaram alto” (sic), tendo o Sr. D… dito ao Autor, em voz alta, “És sempre a mesma coisa! Só fazes asneiras! “ e que não tinha nada que pegar nas máquinas, que já sabia que não podia andar nas máquinas; que o Autor disse ao Sr. D… que podia, que sabia fazer aquilo, que não era uma criança e que não devia falar com ele assim, que estava a falar muito alto com ele e que estava a ser malcriado com ele; que a discussão foi tão grande que o Sr. K… (filho) disse ao Autor para ele ir embora : “Vai-te embora. Vai descansar. Amanhã a gente fala” (sic); que foram ditas “coisas do género” (sic); que a testemunha deixou o Sr. K… para trás e disse ao Autor para chamar o “B1… serralheiro” para ver se a gente podia dar um jeito ao portão; que de vez em quando isso acontecia; que também já aconteceu ao M…; que o Autor deitou mesmo o portão abaixo, não foi só a estrutura; que o “B1… serralheiro” deu um jeito ao portão para este fechar mas o portão teve de ser substituído; que deu um jeitinho e o portão fechou; que a testemunha foi para trás e o Sr. K… (filho) chegou à beira do Autor e voltou a dizer: “Então já te mandei para casa. Não te disse para ires descansar?”; que o Autor pegou nas coisas dele e foi-se embora; que “aí os dois já estavam calmos” (sic); que a testemunha foi ter com o Sr. K… à fábrica que disse à testemunha para não se esquecer de ligar ao Autor para este voltar dia seguinte: “Liga ao B1… para ele amanhã não se esquecer de vir”; que a Ré tem défice de pessoal na empresa e precisam de pessoas para descarregar os camiões e “se ele nos faltasse ia fazer falta como fez” (sic); que o Autor ao início fazia tudo; que ele sabia manejar as máquinas todas, “mas ele é um bocado distraído e às vezes o nível de concentração não é o maior” (sic) e foi dito que o Autor estava proibido de ir buscar as máquinas; que o Autor estava proibido de pegar nas máquinas; que havia mesmo indicações do Sr. J… (pai) de que o Autor não podia andar com os empilhadores nem com as máquinas; que o Autor descarregava os camiões à mão, dava apoio ao Sr. M… e também tratava do lixo; que neste momento só têm 10 trabalhadores e só dois trabalham com as empilhadoras; que agora cada um tem a sua máquina e cada um é responsável pela sua máquina; que o Autor de vez em quando pegava num empilhador mas ele estava proibido de pegar nessa máquina; que a testemunha dizia que se o Sr. J… (pai) ou o Sr. K… (filho) soubessem “vão-te chatear a cabeça” (sic); que no dia 26 de Abril o Autor tinha o telemóvel desligado; que a testemunha telefonou no noutro dia, de manhã, tendo o Autor atendido o telefone, tendo-lhe a testemunha dito que precisavam dele e perguntou se ele ia “pegar” ao trabalho, tendo o Autor dito que não ia, que tinha estado a chorar a tarde toda; que antes o autor nunca tinha ido para casa; que anteriormente já tinha sido dito muitas vezes ao Autor na firma para este ir para casa, mas esta foi efectivamente a primeira vez que o Autor foi mesmo para casa; que foi a primeira vez que alguém foi mesmo para casa; que para a testemunha tal sucedeu devido à discussão e a maneira como o Autor falou com o Sr. K…, o qual “levou aquilo a peito” (sic); que há regras internas: “o patrão gosta que andem com a barba feita e nem apresentados” (sic) e que foi instaurado um processo disciplinar ao Autor, tendo a testemunha prestado declarações.
Na parte que mereceu credibilidade ao Tribunal do seu depoimento de parte e das suas declarações de parte, o legal representante da Ré, D… referiu que no dia 26 de Abril de 2017 foi chamado ao armazém pelo E… que lhe disse que o autor tinha estragado o portão; que o declarante perguntou, de forma exaltada e em voz alta, ao autor porque é que o autor tinha que andar nas máquinas porque já estava entendido que o autor não devia conduzir as máquinas pelo local de trabalho; que o autor lhe respondeu de forma também exaltada e em voz alta, que sabia o que havia de fazer e sabia o que estava a fazer e que isso já tinha acontecido anteriormente.” [sublinhados nossos].
Quanto ao nº 9, o Mmº Juiz reproduziu o referido quanto ao nº 8, que deixámos transcrito, acrescentando ainda o seguinte: “que o Autor tinha instruções para não mexer na máquina; que o Sr. E… é que gere o pessoal, tendo sido quem deu a ordem para o Autor não conduzir empilhadores, após ter sido decidido que o Autor não conduzia os empilhadores; que a firma tem 38 funcionários, que a empresa tem 3 empilhadores; que os únicos 3 funcionários que estão autorizados para conduzirem os empilhadores são o Sr. N…, o Sr. O… e o Sr. P…, não existindo nenhuma ordem escrita nesse sentido e que quando o Autor conduzia um empilhador era sempre advertido pelo Sr. E….”.
Como decorre da fundamentação aduzida pela 1ª instância, que está, no essencial, em consonância com os depoimentos prestados não apenas pelo legal representante, mas também pela testemunha E…, o A. tinha instruções dos legais representantes da Ré no sentido de não conduzir os empilhadores, ainda que a testemunha E… haja igualmente referido que, por vezes, o A. os conduzia. Decorre também do depoimento deste que não foi, no dia em questão (26.04.2017), dada ordem ao A. para conduzir o empilhador, o que este fez por sua iniciativa.
E para que tais instruções existissem não era necessário que fossem dadas por escrito, podendo ser verbais, e tendo a testemunha mencionada corroborado que elas existiam.
Por outro lado, não procede o argumento do Recorrente de que as funções do A. implicavam, necessariamente, a condução do empilhador. Do depoimento da testemunha E… decorre que existiam 2 empilhadores e 8 trabalhadores do armazém, sendo que apenas três trabalhadores (que não o A.) estavam encarregues de conduzir os empilhadores. Ora, sendo dois empilhadores e oito trabalhadores, decorre que não podiam todos os trabalhadores conduzir os empilhadores ao mesmo tempo; e não é de crer, nem faz qualquer sentido, que enquanto 2 trabalhadores conduzissem os empilhadores, os restantes trabalhadores nada tivessem para fazer, caso em que não se compreenderia a necessidade desse número (8) trabalhadores. Acresce que a mencionada testemunha referiu que o A. apoiava o trabalhador M… na conferência, que descarregava os camiões à mão, que metia os pneus nas “raques”, que a descarga dos camiões envolvia, de um modo geral, 4 pessoas: uma na “máquina”, uma dentro do camião e duas a colocar os pneus na prateleira (colocam-se os pneus à mão na prateleira e depois com a máquina “leva-se ao sítio”, conforme referido pela testemunha); mais referiu que o A. tratava também do lixo.
Improcede, assim, a impugnação aduzida.

2.3. Quanto aos nºs 11, 12, 13 e 15 dos factos provados e das als. B4), B62), B63) e B69) dos temas da prova, dados como não provados, é o seguinte o teor dos mesmos:
11. O Administrador da Ré, D…, ao tomar conhecimento do acidente, dirigiu-se ao local do mesmo, foi junto do Autor “e começou a dar uma ensaboadela das grandes” ao Autor, tendo o Sr. D… dito ao Autor, exaltado, em voz alta, “És sempre a mesma coisa! Só fazes asneiras! “ e que não tinha nada que pegar nas máquinas, que já sabia que não podia andar nas máquinas, (resposta ao tema da prova B15).
12. O Autor respondeu exaltado ao administrador Sr. D…, com tom de voz alto e alterado, que podia, que sabia fazer aquilo, que não era uma criança e que não devia falar com ele assim, que estava a falar muito alto com ele e que estava a ser malcriado com ele, (resposta aos temas da prova B16 e B18).
13. O Autor recusou-se a reconhecer que tinha errado e desafiou a autoridade do Administrador da Ré, (resposta ao tema da prova B19).
15. Seguidamente, no referido dia 26 de Abril de 2017, a Ré, na pessoa do seu administrador D… disse ao A. o seguinte “Vai-te embora. Vai descansar. Amanhã a gente fala” e mais tarde acrescentou “ Então já não te mandei para casa? Não te disse para tu ires descansar ?”, (resposta ao tema da prova B4).

B4) - que no referido dia 26 de Abril de 2017, a Ré, na pessoa do seu administrador D… tenha dito ao A. que “estou farto de ti” e que mais tarde tenha acrescentado que “já te mandei embora, estás aqui a fazer o quê” , (cfr. tema da prova B4);
B62) - o teor do tema da prova B62) (“Se a Ré optou por mover um processo disciplinar ao Autor, procurando emendar a mão do despedimento sem precedência de processo disciplinar”);
B63) - o teor do tema da prova B63) (“Se só após o Autor reclamar os seus direitos decorrentes do despedimento, é que a Ré comunicou a suspensão sem perda de retribuição e dar-lhe conhecimento da instauração do processo disciplinar”);
B69) - o teor do tema da prova B69) (“Se apercebendo-se a Ré da sua actuação ilícita, pretendeu emendar a mão, instaurando o processo disciplinar, sem que a pretensão do Autor, tenha merecido qualquer resposta, ignorando-a).”

2.3.1. Quanto ao nº 11 diz o Recorrente, em sede de alegações, que “Quanto ao ponto 11.º, aproveita-se nesta sede o que acima se deixou dito quanto ao facto do Recorrente não poder utilizar o empilhador no exercício das suas funções, pelo que não se pode concordar que seja dado como provado que o legal representante da recorrida tenha dito que não tinha nada que pegar nas máquinas e que já sabia que não podia andar nas máquinas, matéria que se deverá retirar do corpo do ponto 11.º”.
Decorre, assim, que a parte impugnada tem por objecto o segmento em que se refere “e que não tinha nada que pegar nas máquinas, que já sabia que não podia andar nas máquinas”, que o Recorrente pretende que seja dado como não provado.
Remete-se para o que se disse quanto à impugnação dos nºs 8 e 9. E, por outro lado, a testemunha E… corroborou ter D… (filho), também legal representante, dito ao A., aquando do ocorrido a 26.04.2017, o que consta do nº 11, na parte ora impugnada [“(…) e que não tinha nada que pegar nas máquinas, que já sabia que não podia andar nas máquinas].
Assim, quanto ao nº 11, improcede a impugnação aduzida.
Importa todavia dizer, ainda quanto a esse nº 11, que o segmento em que se refere “e começou a dar uma ensaboadela das grandes” tem natureza conclusiva e/ou consubstancia um juízo de valor, sendo que “a ensaboadela das grandes” há-de, ou não, decorrer do que concretamente haja sido dito ao A., segmento esse que, nos termos dos art. 607º, nº 4, ex vi do art. 663º, nº 2, do CPC, se tem oficiosamente como não escrito.

2.3.2. Quanto ao nº 12 dos factos provados, o A., pese embora refira impugná-lo, nada diz relativamente à eventual fundamentação dessa impugnação e à resposta pretendida, pelo que, por incumprimento dos requisitos previstos no art. 640º, nº 1, als. b) e c), do CPC, rejeita-se a impugnação quanto ao mesmo.

2.3.3. Quanto ao nº 13 dos factos provados diz o Recorrente que “não se conforma o recorrente com a expressão “e desafiou a autoridade do administrador da Ré.”. Isto porque tal redação é conclusiva e não traduz um qualquer facto concreto ou objetivo.”.
O Recorrente tem razão, sendo que tal excerto mais não é do que uma conclusão que há-de resultar, ou não, de concretos factos, não consubstanciando ela própria um facto.
Assim, tem-se como não escrito o mencionado excerto - “e desafiou a autoridade do administrador da Ré”.

2.3.4. A propósito do nº 14 dos factos provados [“14. O Autor dirigiu-se ao Administrador da Ré num tom de voz exaltado, e pouco respeitoso, à frente de diversos colegas”] diz o Recorrente que “Sob este concreto ponto não poderemos deixar de referir que em sede de julgamento foi referido pela testemunha E…, que eram habituais as discussões entre ambos, que por vezes se exaltavam um com o outro – vide depoimento da testemunha referida, minuto 27 a minuto 29.
Pelo que, tal circunstância retirará à discussão entre ambos, uma interpretação de uma certa normalidade e confiança no tipo de relacionamento entre ambos, pelo que deverá constar do aludido ponto, a menção de que era habitual aquele tratamento entre ambos.”
Sendo o objeto do recurso, como é, delimitado pela conclusões, a parte que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto deverá indicar, nas conclusões, quais os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda.
No caso, nas conclusões, o Recorrente não faz referência à impugnação do nº 14 dos factos provados, assim como nada diz quanto ao aditamento mencionado. Assim, e nesta parte, rejeita-se a impugnação aduzida.
Não obstante, no que se reporta ao segmento “e pouco respeitoso” tem o mesmo natureza conclusiva e/ou meramente valorativa, pelo que, nos termos do já mencionado art. 607º, nº 4, ex vi do art. 663º, nº 2, do CPC, se tem tal segmento, oficiosamente, como não escrito.

2.3.4. Quanto ao nº 15 dos factos provados [“15. Seguidamente, no referido dia 26 de Abril de 2017, a Ré, na pessoa do seu administrador D… disse ao A. o seguinte “Vai-te embora. Vai descansar. Amanhã a gente fala” e mais tarde acrescentou “ Então já não te mandei para casa? Não te disse para tu ires descansar ?”] e às als. B4), B62), B63) e B69) dos temas da prova dados como não provados.
A impugnação do nº 15 dos factos provados prende-se com a impugnação aduzida relativamente às als. B4), B62), B63) e B69) dos temas da prova, que foram dados como não provados, pelo que será apreciada em conjunto, alíneas essas donde consta o seguinte:
- B4):Que no referido dia 26 de Abril de 2017, a Ré, na pessoa do seu administrador D… tenha dito ao A. que “estou farto de ti” e que mais tarde tenha acrescentado que “já te mandei embora, estás aqui a fazer o quê”;
- B62): “Se a Ré optou por mover um processo disciplinar ao Autor, procurando emendar a mão do despedimento sem precedência de processo disciplinar”;
B63):-“Se só após o Autor reclamar os seus direitos decorrentes do despedimento, é que a Ré comunicou a suspensão sem perda de retribuição e dar-lhe conhecimento da instauração do processo disciplinar”;
B69): “Se apercebendo-se a Ré da sua actuação ilícita, pretendeu emendar a mão, instaurando o processo disciplinar, sem que a pretensão do Autor, tenha merecido qualquer resposta, ignorando-a.”
A sustentar a impugnação, que é comum [quanto aos pontos B4, B62, B63 e B69 o Recorrente remete para o aduzido quanto ao nº 15], o Recorrente, em síntese: invoca os depoimentos de D… e de E…, apela às regras da experiência comum e à falta de lógica e credibilidade, mormente de consistência, dos depoimentos por aqueles prestado, designadamente: a falta de lógica entre o depoente D… ter-lhe dado “uma ensaboadela” e, depois, tê-lo mandado para casa “descansar”, sendo que, no contexto e de acordo com as regras da experiência comum, o que resulta é que o Recorrente terá sido despedido por aquele; que, tendo o A. sido mandado para casa “descansar”, lhe tivesse sido depois telefonado para que, no dia seguinte, fosse trabalhar e, bem assim que, o que ocorreu, foi que a Recorrida, tendo-se apercebido “da precipitação da sua atuação, procurou emendar a mão do despedimento ilícito, e assim se compreende a instauração do processo disciplinar ao Autor/Recorrente”.
Quanto ao nº 15, o Mmº Juiz fundamentou-o no seguinte:
- “No depoimento credível e convincente da testemunha E…, conjugado com a parte que mereceu credibilidade ao Tribunal do depoimento de parte e declarações de parte do legal representante da Ré, D…, com a parte que mereceu credibilidade ao Tribunal das declarações de parte do autor B… e com a parte que mereceu credibilidade ao Tribunal do depoimento da testemunha H….”;
- De seguida transcreveu o depoimento de E… nos termos que já acima deixámos reproduzidos, em relação ao qual foi ainda acrescentado o seguinte:
«(…) que a 2ª conversa decorreu cerca de 45 mn / uma hora depois da primeira conversa; que o Autor ficou triste mas estava calmo; que pegou na lancheira e foi embora cabisbaixo, tendo deixado ficar todas as ferramentas de trabalho dele (“depois, mais tarde, levou-as”-sic)”; (…);que nesse dia [reportando-se ao dia 27, em que foi feito o telefonema ao A.] o Sr. J… (pai) perguntou à testemunha: “Então o B1… não vem? Deixa o rapaz acalmar. Deixa ver o que o rapaz diz depois”» (sic)
- Mais referiu o seguinte:
“Na parte que mereceu credibilidade ao Tribunal do seu depoimento de parte e das suas declarações de parte, o legal representante da Ré, D… referiu que disse ao Autor para ir para casa e para voltar no dia a seguir e que passado uma hora o depoente voltou ao armazém e o Autor encontrava-se lá, tendo ele depois saído passado 20 minutos, três quartos de hora, tendo a comunicação do depoente ao Autor para ir para casa e se apresentar no dia seguinte sido uma comunicação verbal; que o depoente não comunicou ao Autor que não estava suspenso das suas funções e que o depoente já conhece o autor há 12 anos.

Na parte que mereceu credibilidade ao Tribunal das suas declarações de parte, o autor B… referiu que após lhe ter sido dito pelo legal representante da Ré, D… para ir embora, o declarante ouviu aquela comunicação a chorar mas manteve-se no posto de trabalho; que foi dar uma volta e depois foi trabalhar; que passada meia hora/40 mn chegou outra vez o legal representante da Ré, D… que o mandou mais uma vez ir embora; que o que aconteceu no dia 26 de Abril tinha acontecido uns anos antes e era recorrente; que eles mandavam o autor para casa mas que depois ou o Sr. E… ou o Sr. D… telefonava para casa do Autor e o Autor voltava; que o Autor chegou a ficar 2 dias em casa e que o encarregado geral é o Sr. E… e o encarregado de armazém é o Sr. M….
Na parte que mereceu credibilidade ao Tribunal do seu depoimento, a testemunha H… referiu que no dia 27 de Abril de 2017 o Sr. E… ligou ao Autor a perguntar o que é que se passava tendo o Autor respondido que “já deve saber”, (sic), não tendo a testemunha ouvido mais nada, tendo a testemunha visto o nome do Sr. E… no visor do telemóvel e que a testemunha aconselhou o autor a ir logo no dia 26 de Abril procurar o Advogado.”.
- Ainda que a propósito do nº 18 dos factos provados, o Mmº Juiz consignou também o seguinte:
“Na parte que mereceu credibilidade ao Tribunal das suas declarações de parte, o autor B… referiu que após ter sido mandado embora pelo legal representante da Ré, D…, ficou a chorar e nessa tarde foi procurar o seu Advogado; que já antes tinha falado com o seu Advogado a propósito desta situação; que já tinha acontecido várias vezes; que mandavam o autor para casa e ele fazia o que lhe mandavam.
Na parte que mereceu credibilidade ao Tribunal do seu depoimento, a testemunha F… referiu que a meio da manhã (cerca das 11h30mn) do dia 26 de Abril de 2017 o Autor falou telefonicamente com a testemunha, tendo-lhe dito que tinha sido despedido da empresa Ré.
Na parte que mereceu credibilidade ao Tribunal do seu depoimento, a testemunha G… referiu que no dia 26 de Abril de 2017 o Autor falou com a testemunha, tendo-lhe dito que tinha sido despedido da empresa Ré e que o Autor estava muito nervoso, perturbado e alterado.
Na parte do seu depoimento que mereceu credibilidade ao Tribunal, a testemunha H… referiu que no dia 26 de Abril de 2017, pelas 13h00mn o Autor ligou à testemunha a perguntar-lhe se o podia ir buscar, tendo a testemunha dito ao autor para ele se acalmar, estando o Autor “destroçado com o que lhe tinham feito” (sic), estando nervoso, chateado e não conseguia falar.”
No essencial, a síntese dos depoimentos feita pelo Mmº Juiz está em consonância com os mesmos, pelo que para ela se remete.
No mais:
Não vemos razão para por em causa a credibilidade e consistência do depoimento da testemunha Henrique, única com conhecimento direto dos factos por os ter presenciado, que se nos afigurou ter deposto de forma credível, sem contradições, de forma calma, segura e de modo que nos pareceu não condicionado pela circunstância de trabalhar para a Ré.
Por outro lado, a única prova em contrário foi a decorrente do depoimento do A. e das testemunhas F…, G… e H…, sendo que estas, todavia, não tiveram conhecimento direto dos factos ocorridos nesse dia 26.04.2017, apenas sabendo o que lhes foi relatado pelo A. E, quanto ao depoimento do A., para além da parcimónia com que os depoimentos das partes deve ser avaliado, não podemos deixar de referir que ele nos deixa algumas reservas pois que não foi ele totalmente verdadeiro e consistente com as declarações da própria testemunha H…. Com efeito, quanto à questão de saber se alguém da empresa, designadamente a testemunha E…, lhe teria telefonado no dia seguinte, o A. referiu que “não” quando a própria testemunha H… referiu o contrário, ou seja, que o E… lhe havia telefonado a perguntar se ele não ia trabalhar [ao que o A., segundo a testemunha, terá respondido que não ia, “que o D… havia mandado embora, que não tinha nada que ir fazer”].
Acresce que, como decorre do depoimento da testemunha E…, e aliás do próprio A., era, pelo menos por vezes, uma prática do legal representante da Ré, mandar, pelo menos o A., para “casa descansar”, o que configurava um “castigo” e não um “prémio” [os depoimentos, convergindo nessa prática, apenas divergiram quanto ao cumprimento da ordem, pois que, enquanto que a testemunha E… referiu que, não obstante, não chegou a suceder que o A. a cumprisse, tendo sido, no dia 26.04., diferente dado que a ordem foi repetida uma segunda vez, o A. referiu que chegou a ir para casa, telefonando a Ré, um ou dois dias depois, para o A. regressar ao trabalho, o que este fazia].
Não se vê, pois, razão para alterar o ponto 15 dos factos provados, sendo que nem as regras da experiência comum e da/ou da lógica determinam diferente convicção. E, quanto à versão dos factos proposta pelo A. constante do tema da prova B4, assenta ela apenas no depoimento do mesmo, não sendo corroborada por outra prova testemunhal direta, mormente pelo depoimento da testemunha E…, nem decorrendo, muito menos necessária ou de forma segura, das regras da experiência comum. A prática de mandar para casa (ainda que sem perda de retribuição), ainda que incorrecta, existia e constituía uma forma atípica de “castigo” e, diga-se que, mesmo que sem perda de retribuição (o próprio A. não logrou concretizar qualquer situação em que lhe tivesse sido efectuado qualquer desconto na retribuição), não deixa de ser um “castigo” (e não um “prémio”), ninguém gostando, pelo menos de acordo com o senso comum e com as regras da experiência comum, de ser mandado para casa por algo com que o empregador não esteja de acordo.
E também não contraria o referido a circunstância de, no caso, o legal representante ter dito à testemunha E… para telefonar ao A. no dia seguinte para ele ir trabalhar. Essa seria aliás, segundo o próprio A., a prática das vezes anteriores em que, segundo ele, tal teria sucedido, não se vendo que não pudesse, na 1ª interpelação ao A., ter-lhe dito que “falariam” amanhã” e, depois, ter dito à testemunha Henrique para telefonar ao A.
Entende-se, assim, ser de manter o nº 15 dos factos provados e, bem assim, a resposta de não provado à matéria do tema da prova B4).

No que se reporta ao contido no tema da prova B63), se é certo que a carta do A., de 28.04.2017, a reclamar os direitos na sequência do ocorrido no dia 26.04.2017, é de data anterior à nota de culpa, esta enviada ao A. aos 02.05.2017, certo é também que aquela carta apenas foi recepcionada pela Ré aos 05.05.2017 (nº 24 dos factos provados), ou seja, em data posterior ao envio da nota de culpa. Não há, assim, que estabelecer a correlação referida no ponto B63) entre a carta do A., de 28.04.2017 e a instauração do procedimento disciplinar.
E, por outro lado, quer quanto a esse ponto, quer quanto aos temas da prova B62) e B69), a prova produzida, pelo que já ficou dito, e a factualidade dada como provada, não nos permite concluir, muito menos com a necessária segurança, que o legal representante da Ré, com o seu comportamento do dia 26.04.2017, haja pretendido fazer cessar o contrato de trabalho e que, por isso, com a instauração do procedimento disciplinar visasse “emendar a mão”. E a isso não conduz, também, a alegação de que a carta do A. de 28.04.2017 não mereceu resposta. A posição da Ré sobre a mesma ficou expressa na instauração do procedimento disciplinar e tramitação subsequente, designadamente nota de culpa, comunicação do levantamento da suspensão preventiva e decisão disciplinar, donde decorre posição contrária à pretensão do A. vertida na carta de 28.04.2017. Por fim, há que não esquecer que o ónus da prova da existência do despedimento impende sobre o trabalhador (art. 342º, nº 1, do Cód. Civil), sendo que, em caso de eventual dúvida sobre a realidade de um facto, ela resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita (art. 414º do CPC).
Deste modo, improcede também a impugnação aduzida quanto aos temas da prova B62), B63) e B69).

2.3.5. Quanto aos nºs 20 [“20. No mesmo dia 26 de Abril de 2017, a Ré instaurou processo disciplinar ao Autor, pelos factos supra descritos, que, por sua vez, lhe foram comunicados na Nota de Culpa enviada a 02 de Maio de 2017, e por ele recebida a 04 de Maio de 2017”] e 26 dos factos provados [“26. O Autor respondeu à Nota de Culpa, em 24 de Maio 2017, contestando os factos que lhe eram imputados, mas em momento algum alegou ter sido despedido em data anterior, com ou sem justa causa, considerando-se sujeito ao poder disciplinar da Ré”]:
Quanto a tais pontos, o Recorrente apenas refere nas alegações que “nunca considerou que se encontrava sobre a alçada do poder disciplinar da Ré ou que mantivesse com esta qualquer vínculo laboral, pelo que não pode o Tribunal “a quo” extrair tal conclusão.”, pelo que a impugnação se restringe ao segmento do nº 26 em que se refere “considerando-se sujeito ao poder disciplinar da Ré”, sendo que, quanto ao demais desse ponto e do nº 20, não dá o Recorrente cumprimento ao disposto no art. 640º, nº 1, als. b) e c).
Quanto ao nº 26 o Mmº Juiz, na fundamentação da decisão da matéria de facto, referiu o seguinte: “Facto provado 26. (resposta aos temas da prova B26 e B34): No documento junto a fls.89 a 91.”
O segmento impugnado, tal como aliás decorre da fundamentação aduzida pelo Mmº Juiz, assenta e é uma mera conclusão do que imediatamente precede essa afirmação, ou seja, da circunstância de, na resposta à nota de culpa, o A. não aludir ao despedimento de que teria sido alvo. Ainda que fosse natural que o A. a ele aludisse e pudesse indiciar no sentido da conclusão extraída, tal não se nos afigura todavia suficientemente concludente e seguro, tanto mais tendo em conta a carta datada de 28.04.2017, ainda que remetida pelo ilustre mandatário do A. [mas que, em tal qualidade, age em nome do A.] e os depoimentos das testemunhas por este arroladas no sentido de que o A. lhes teria comunicado haver sido despedido.
Assim, no nº 26 dos factos provados, elimina-se o segmento em que se refere “considerando-se sujeito ao poder disciplinar da Ré”.

2.3.6. Quanto ao nº 30 dos factos provados [“30. O Autor, deliberadamente, e contrariamente às instruções da Ré, deixou de aparecer ao trabalho”], alega o Recorrente que:
“No que concerne com o provado no ponto 30º O Autor, deliberadamente, e contrariamente às instruções da Ré, deixou de aparecer ao trabalho.”, consideramos que o Tribunal a quo decidiu mal, por todo enunciado anteriormente.”.
Melhor dizendo, o certo é que o Autor desde o dia dos factos encontra-se plenamente convicto de que a Ré tendo adotado tal comportamento, na pessoa do seu Administrador, quis efetivamente proceder ao seu despedimento.”
Está assente que o A. não mais compareceu ao trabalho [o que decorre de toda a prova acima mencionada e da factualidade dada como provada] e nem o mesmo alega que tivesse comparecido. O que está em questão segundo o Recorrente é, pois o segmento em que se refere que o fez “deliberadamente e contrariamente às instruções da Ré”.
Não se vê qualquer interesse, para a sorte da acção, na inclusão de tal segmento na matéria de facto dada como provada. No que se reporta ao não ter comparecido ao trabalho “deliberadamente”, caso se venha a concluir no sentido de que o A. foi despedido, não tinha ele que comparecer ao trabalho ou, caso se venha a concluir no sentido da inexistência do despedimento, já está assente que o A. não compareceu ao trabalho, sendo este facto o único que releva, para além de que a expressão “deliberadamente” não deixa de ser vaga ou ambígua. É certo que, pelo menos após a carta de 01.01.2017, em que a Ré comunicou ao A. o levantamento da suspensão preventiva (nº 28 dos factos provados), o A. não compareceu ao trabalho porque não quis. Mas a tese do A. era a de que havia sido despedido e, se assim fosse, não teria que se apresentar. Questionamo-nos sobre o que, de concreto, se pretende dizer ou concluir com a expressão “deliberadamente”? Que o A. não compareceu porque pretendeu “ficcionar” um despedimento? Se, assim for, a expressão é vaga e ambígua, uma vez que, podendo embora induzir nesse sentido, não é isso todavia o que é referido no ponto em causa. E, repete-se, está assente que o A. não compareceu ao serviço. Questão diferente é se tinha a obrigação de o fazer (por não ter sido despedido) ou se não tinha tal obrigação (por haver sido despedido), sendo que tal consubstancia questão cuja apreciação deve ter lugar em sede de decisão de direito e não de matéria de facto.
Quanto ao facto de a não comparência contrariar ou não as instruções da Ré tal decorrerá dos nºs 28 e 29 [referente esta ao levantamento da suspensão preventiva], sendo certo que, concluindo-se, porventura, pela existência do despedimento não teria o A. que se apresentar ao serviço, sendo irrelevante que a não apresentação contrariasse as instruções da Ré para se apresentar. Aliás, tal afirmação é até vaga, senão conclusiva, na medida em que passaria pela concretização das instruções que teriam sido contrariadas.
Assim, no nº 30, elimina-se os segmentos deliberadamente, e contrariamente às instruções da Ré”.

2.3.7. Quanto aos nºs 40, 45 e 46 [“ 40. Muitas destas horas de acção de formação resultam de uma antecipação da respectiva prestação, nos termos planeados pela Ré. 45. No mesmo período o Autor não comunicou à Ré a sua ausência, nem apresentou qualquer justificação para a sua ausência. 46. O Autor não efectuou qualquer aviso prévio à Ré de que não se iria mais apresentar ao serviço, nem retomar a relação laboral”]
A propósito destes pontos alega o Recorrente apenas que:
No seguimento do ora alegado, não pode o Autor deixar de se insurgir perante o elencado nos pontos 44º, 45º e 46º dos factos provados.
Senão vejamos,
Nunca, em todo o processo o Autor demonstrou dúvidas quanto à conduta levada a cabo pela Ré relativamente ao seu despedimento.
Diga-se ainda, que não obstante ter procedido à resposta da nota de culpa, nunca considerou que se encontrava sobre a alçada do poder disciplinar da Ré ou que mantivesse com esta qualquer vínculo laboral, pelo que não pode o Tribunal “a quo” extrair tal conclusão.”.
O constante dos mencionados pontos não é uma consequência necessária do demais alegado pelo Recorrente [aliás, e quanto ao nº 40, não se descortina sequer qualquer relação], sendo que, questão diferente, mas que não se coloca em sede de decisão da matéria de facto, mas sim em sede de decisão de direito, é saber se o A., por ter ou não sido despedido, tinha ou não que efectuar qualquer comunicação à Ré.
Acresce que o Recorrente, relativamente a tais pontos, embora insurgindo-se contra os mesmos, não indica qualquer concreto meio de prova em que fundamenta a sua discordância, nem o sentido das respostas que, em se entender, deveriam ser dadas, pelo que, não tendo dado cumprimento ao disposto no art. 640º, nº 1, als. b) e c), rejeita-se a impugnação quanto aos mencionados pontos.

2.4. Assim, e em conclusão, os pontos alterados da matéria de facto provada em conformidade com o acima referido passam a ter a seguinte redacção:
- 7. No dia 26 de Abril de 2017, por volta das 10H30, quando se encontrava no armazém da empresa, seu local de trabalho, o Autor pegou num dos empilhadores da empresa, conduzindo-o pelo armazém, vindo a embater com ele no portão do armazém, danificando, quer o portão, quer o empilhador.
- 11. O Administrador da Ré, D…, ao tomar conhecimento do acidente, dirigiu-se ao local do mesmo, foi junto do Autor, tendo dito a este, exaltado, em voz alta, “És sempre a mesma coisa ! Só fazes asneiras! “ e que não tinha nada que pegar nas máquinas, que já sabia que não podia andar nas máquinas.
- 13. O Autor recusou-se a reconhecer que tinha errado.
- 14. O Autor dirigiu-se ao Administrador da Ré num tom de voz exaltado à frente de diversos colegas.
- 26. O Autor respondeu à Nota de Culpa, em 24 de Maio 2017, contestando os factos que lhe eram imputados, mas em momento algum alegou ter sido despedido em data anterior, com ou sem justa causa.
- 30. O Autor deixou de aparecer ao trabalho.
3. Se o A. foi despedido pela Ré
Sustenta o Recorrente, com base na alteração da decisão da matéria de facto que pretendia, que foi verbalmente despedido pela Ré no dia 26.04.2017 e que o procedimento disciplinar, subsequentemente instaurado, visou apenas enquadrar legalmente o mencionado despedimento ilícito.
Na sentença recorrida tecem-se exaustivas considerações sobre o despedimento, mormente sobre o despedimento tácito ou de facto, com vasta indicação de jurisprudência sobre a questão, tendo-se entendido no sentido de que a matéria de facto não permitia concluir no sentido do despedimento do A., sendo que a este competia o ónus prova da sua ocorrência.
A procedência do recurso quanto à questão em apreço dependia da procedência da impugnação da decisão da matéria de facto, sendo que, pese embora algumas alterações a ela introduzidas, as mesmas mostram-se todavia irrelevantes, não habilitando ou determinando diferente decisão.
De todo o modo, ainda que de forma sintética, dir-se-á o seguinte:
O despedimento constitui uma das formas de cessação do contrato de trabalho, que consiste na rutura do vínculo contratual por decisão unilateral do empregador. Ele consubstancia, pois, um negócio jurídico unilateral, que pressupõe a intenção de o contraente empregador pôr termo à relação jurídico-laboral e a correspondente manifestação dessa vontade ao trabalhador através de declaração a este dirigida, a qual tem natureza recetícia e que, por isso, se torna eficaz quando chega ao conhecimento do destinatário – cfr. art. 224º do Cód. Civil.
Nos termos do disposto no art. 217º, nº 1, do Cód. Civil, a declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio direto de manifestação da vontade; é tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.
A declaração expressa não constitui requisito absolutamente indispensável da figura do despedimento, não sendo este incompatível com a manifestação tácita da vontade de por termo ao contrato; não é, porém, compatível com um mero despedimento presumido, pois que é imprescindível que, de forma inequívoca, se possa concluir do comportamento do empregador que foi sua vontade por termo à relação laboral.
E tanto a doutrina como a jurisprudência têm aceite a existência de situações em que a vontade da entidade empregadora em fazer cessar unilateralmente o contrato de trabalho com o trabalhador ao seu serviço se pode revelar, não apenas através de uma declaração expressa, mas também de atitudes do empregador, todavia desde que inequívocas, assim conduzindo à figura do despedimento de facto.
Importa também chamar à colação o disposto no art. 236º, nº 1, do Cód. Civil, nos termos do qual a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
Tal preceito acolheu a doutrina da impressão do destinatário, de harmonia com a qual a determinação do sentido juridicamente relevante da declaração negocial será aquela que um declaratário razoável – medianamente instruído, diligente e sagaz – colocado na posição do real declaratário, deduziria, considerando todas as circunstâncias atendíveis do caso concreto, salvo se o declarante não puder razoavelmente contar com ele.
Importa também referir que, porque constitutivo do seu direito, é ao trabalhador que incumbe o ónus de alegação e prova do despedimento (art. 342º, nº 1, do Cód. Civil).

3.1. No caso, sustenta o A. que foi despedido pela Ré no dia 26.04.2017.
Da matéria de facto provada decorre que, nesse dia e na sequência do A. ter embatido com o empilhador que conduzia no portão do armazém, que ficou amolgado, o legal representante da Ré lhe disse, em tom exaltado e alto, “És sempre a mesma coisa! Só fazes asneiras!, que “não tinha nada que pegar nas máquinas, que já sabia que não podia andar nas máquinas”, tendo o A. respondido, também de modo exaltado e alto, que “sabia fazer aquilo, que não era uma criança e que não devia falar com ele assim, que estava a falar muito alto com ele e que estava a ser malcriado com ele”, na sequência do que aquele disse ao A.Vai-te embora. Vai descansar. Amanhã a gente fala” e mais tarde acrescentou “ Então já não te mandei para casa? “ Então já não te mandei para casa? Não te disse para tu ires descansar?”.
Tal factualidade é insuficiente para que se possa concluir, muito menos de forma segura e inequívoca, no sentido de que a Ré haja pretendido fazer cessar a relação laboral existente entre as partes, e nem mesmo o apelo, pelo Recorrente, ao disposto no art. 236º do CC e à teoria da impressão do destinatário autorizaria a que o A. assim interpretasse as declarações do legal representante. Do comportamento do legal representante da Ré, seja ele lícito ou ilícito, o que para os efeitos ora em apreço não importa, não decorre que pretendesse ele fazer cessar o contrato de trabalho mas, tão só, naquele momento, mandar o A. para casa e que depois falariam, comportamento que deverá, também, ser avaliado e equacionado no contexto em que ocorreu, de exaltação mútua. Se o A. interpretou tal declaração como um despedimento, fê-lo todavia por sua “conta e risco”, sendo que, na melhor das hipóteses para o A., deveria a este, nesse momento (26.04.2017), ter perpassado a dúvida quanto à intenção do legal representante. E se, porventura, dúvidas tivesse, deveria tê-las esclarecido nesse momento, no dia seguinte ou, pelo menos, nos dias próximos, designadamente solicitando à Ré o esclarecimento da sua situação e/ou, no período em que ainda não lhe havia sido formalmente comunicada a suspensão preventiva, comparecendo ao trabalho, o que não fez, nem alegou tê-lo feito, antes tendo logo [conforme carta de 28.04.2017 remetida à Ré] dado como “adquirido” o despedimento, porém sem fundamento suficiente para tanto.
Acresce que, no sentido da inexistência do despedimento, aponta todo o subsequente comportamento da Ré, que nesse mesmo dia instaurou contra o A. procedimento disciplinar, remetendo-lhe a nota de culpa aos 02.05.2017 e suspendendo-o preventivamente até 01.06.2017, data esta em que lhe foi comunicado o levantamento dessa suspensão, mais lhe tendo pago a totalidade da retribuição de abril, bem como a de maio, retribuição esta, aliás, que o A. recebeu, sem que nada tivesse referido. E, por outro lado, se, porventura, dúvidas pudesse ter o A. quanto à intenção do legal representante da Ré com o ocorrido no dia 27.04.2017, com esse subsequente comportamento da Ré não existia qualquer razão para que não fossem as mesmas dissipadas; aliás, nem se compreende que o A., considerando-se, como alega, despedido no dia 27.04.2017, tivesse recebido a retribuição do mês de maio sem qualquer observação e/ou devolvido-a, sendo que, tendo recebido a nota de culpa e a comunicação da suspensão preventiva dela constante, não podia deixar de saber que tal pagamento ocorria no contexto e por virtude da manutenção da relação laboral.
Ou seja, e em conclusão, a matéria de facto provada não permite, de forma alguma e, muito menos, com a necessária segurança como exige a figura do despedimento tácito ou de facto, a conclusão de que o A. foi despedido pela Ré no dia 27.04.2017, sendo que é sobre o A. que impende o ónus da prova do despedimento.
Acresce apenas dizer que, após a comunicação do fim da suspensão preventiva, aos 01.06.2017, foi o A. quem não compareceu ao trabalho.
Improcedem, assim, as conclusões do recurso, sendo de confirmar a sentença recorrida.
***
IV. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
***
Porto, 10.09.2018
Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1070)
Rui Penha
Jerónimo Freitas