Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2987/22.3T8PRD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCA MOTA VIEIRA
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
PROVIDÊNCIA CAUTELAR ANTECIPATÓRIA
PERICULUM IN MORA
Nº do Documento: RP202304202987/22.3T8PRD.P1
Data do Acordão: 04/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Segundo o n.º 1 do 368.º do CPC, a providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.
II - Assim, entre o mais, os requerentes de uma determinada providência cautelar comum antecipatória devem invocar perante o tribunal factos reais, concretos e próximos da propositura do procedimento cautelar que tornem altamente provável a ocorrência de um dano futuro por forma a convencer o julgador da existência do alegado perigo, isto é, devem alegar factos que permitam concluir existir um conjunto de circunstâncias que tornem altamente provável a ocorrência de um dano futuro.
III - Não sendo feita essa alegação que traduz o designado periculum in mora, porque a intervenção do Juiz não pode suprir qualquer um dos requisitos essenciais à procedência da requerida providência cautelar comum, os quais, terão obrigatoriamente de ser alegados pela parte a fim de que sobre eles possa recair a actividade probatória, segue-se que a providência não é apresentada com aquele mínimo de requisitos que permitam o respectivo prosseguimento, o que dita a improcedência da providência cautelar requerida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 2987/22.3T8PRD.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este Juízo Local Cível de Paredes - Juiz 1



ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I. RELATÓRIO
1. AA e mulher, BB, residentes na Rua ..., ..., ... Paredes, intentaram o presente procedimento cautelar comum contra CC e mulher, DD, residentes na Rua ..., ..., ... Paredes, pedindo que
-“ (…) deve a presente providência cautelar comum antecipatória, ser julgada procedente, por provada, e, consequentemente:
A) que sem audiência prévia dos Requeridos, sejam estes notificados para permitir aos Requerentes o acesso à sua propriedade pelo prazo mínimo de quinze dias úteis, período esse essencial e imprescindível a “fixar com buchas a esferovite à parede, aplicar rede, aplicar duas camadas de massa, aplicar uma mão de isolante, aplicar tinta texturada”, de modo a que os últimos finalizarem a remodelação e alteração da fachada da sua moradia,
B) seja suprida a recusa dos Requeridos em permitirem a colocação de pranchas, andaimes, escadas e a passagem de materiais e trabalhadores pelo seu prédio, durante o período de tempo necessário a que os Requerentes terminem as obras na sua moradia,
C) sejam condenados os Requeridos, no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no montante de €250,00 (duzentos e cinquenta euros) por cada dia de atraso, na colocação de pranchas, andaimes, escadas e a passagem de materiais e trabalhadores pelo seu prédio, durante o período de tempo necessário a que os Requerentes terminem as obras na sua moradia (…)”.
2. Foi ordenada a citação dos requeridos que apresentaram oposição, impugnando parte da factualidade alegada, pugnando pela improcedência das pretensões dos requerentes.
Estes, no essencial, alegam que a obra que os requerentes pretendem executar não satisfaz os requisitos para a passagem forçada momentânea a que alude o art 1349º do C.Civil, porquanto, os trabalhos que os requerentes pretendem executar , na parte em que incluem a fixação de esferovite na parede poente da casa, aplicação de rede, aplicação de duas camadas de massa e uma mão de isolante e tinta texturada, determinam a espessura de 4,5 cm.
Mais alegam que os requerentes fizeram, contra o que estava acordado, na citada parede a poente uma abertura encaixilhada a alumínio que pretendem manter a qual viola o disposto nos arts 1360ºnº1, 1363º e 1364º, todos do CCivil violam o disposto no art 1360º do CCivil
Concluem que a reação dos requeridos radica em acção dos requerentes.

3. Notificados os Autores para exercerem o direito ao contraditório com referência à oposição, aqueles vieram alegar que os requeridos actuaram em contradição com o consentimento que anteriormente deram para a obra.
4. De seguida foi proferido despacho que, considerou não verificado o designado periculum in mora e indeferiu o procedimento cautelar.
5 .Inconformados, os requerentes apelaram e terminam o recurso em 41 conclusões, nas quais, no essencial, alegam que o indeferimento do procedimento cautelar comum terá de ser reservado para situações de indiscutível improcedência do pedido e não nos casos como o presente onde a dúvida se coloca, devendo ser dado seguimento ao procedimento, ainda que se admite à partida a eventualidade do seu insucesso dentro da sua normal tramitação.

6. Foram apresentadas contra – alegações, nas quais, o requerido, pugna pela improcedência do recurso.

7. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II . DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.
A questão colocada consiste em apreciar e decidir se os factos invocados consubstanciam fundado receio de lesão do direito alegado.

III. FUNDAMENTAÇÃO.
3.1 .No relatório elaborado descrevemos, no essencial, o conteúdo da alegação feita no requerimento inicial, as pretensões formuladas pelos requerentes, a tramitação ocorrida e ainda o conteúdo do dispositivo da decisão recorrida.
3.2 .Analisado o requerimento inicial resulta que no essencial os requerentes alegam serem donos de uma moradia implantada em terreno que lhes pertencia, que no ano de 2020 lograram obter licença par a execução de obras de remodelação e alteração de fachadas, que em finais de Julho de 2020 pediram autorização aos Requeridos para entrar nesse prédio e de aí instalarem pranchas, andaimes e escadas, para poderem concluir a obra.
Os Requeridos concederam autorização para os trabalhadores dos Requerentes entrar nesse prédio e de aí instalarem pranchas, andaimes e escadas, para poderem concluir a obra.
Assim, em meados de Agosto de 2020 os trabalhadores dos Requerentes entraram nesse prédio e aí instalaram pranchas, andaimes e escadas, para poderem concluir a obra.
Deste modo, os trabalhadores executaram, no lado Poente da moradia dos Requerentes, contíguo ao prédio referido em 2), os seguintes trabalhos “montagem da prancha, lavagem das paredes e colocação de esferovite pela metade nas traseiras e na totalidade no topo da fachada”, para que a sua remodelação e alteração da fachada fique completamente finalizada.
Acontece que, os Requeridos, três ou quatro dias após a realização dos trabalhos referidos impediram a entrada dos trabalhadores no seu prédio, não autorizando a sua passagem e, por via disso, os trabalhadores dos Requerentes, não poderam efectuar os seguintes trabalhos “fixar com buchas a esferovite à parede, aplicar rede, aplicar duas camadas de massa, aplicar uma mão de isolante, aplicar tinta texturada e desmontar prancha”, e, assim, à finalização da obra na moradia dos Requerentes.
O imóvel dos Requerentes confina a Poente com o prédio dos aqui Requeridos, sito na Rua ..., ..., Paredes e na dita confrontação existe uma parede em cimento e um muro de separação encostado a uma parede em cimento, partes integrantes do prédio dos Requerentes.
Tal parede em cimento do imóvel dos Requerentes, recentemente remodelado e alterado na fachada, tem vindo desde há algum tempo a esta parte a permitir infiltrações de água da chuva, o que origina desde logo no seu interior o aparecimento de focos de humidade, fungos e mau-cheiro – Vd. fotografias – doc. 7 que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais.
Os Requerentes, com vista a resolver definitivamente o problema, pretendem no exterior daquela parede, efectuar os seguintes trabalhos “fixar com buchas a esferovite à parede, aplicar rede, aplicar duas camadas de massa, aplicar uma mão de isolante, aplicar tinta texturada”, sendo que este é o único meio e modo de obstar à continuação de tais infiltrações - Vd. fotografias – doc. 7 que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais.
Para proceder a tal reparação/intervenção “fixar com buchas a esferovite à parede, aplicar rede, aplicar duas camadas de massa, aplicar uma mão de isolante, aplicar tinta texturada”, os Requerentes necessitam de aceder à propriedade dos Requeridos, de forma a aí colocar pranchas, andaimes e escadas que lhe permitirão “fixar com buchas a esferovite à parede, aplicar rede, aplicar duas camadas de massa, aplicar uma mão de isolante, aplicar tinta texturada”, sendo que tal trabalho poder-se-á concretizar num período temporal não superior a quinze dias úteis.
No entanto, os Requeridos opõem-se, alegando no essencial que a conclusão da obra, tal como é pretendida pelos requerentes (“fixar com buchas a esferovite à parede, aplicar rede, aplicar duas camadas de massa, aplicar uma mão de isolante, aplicar tinta texturada”) , ocupará parte da propriedade dos Requeridos.
Sucede que a parede alvo da pretendida reparação/intervenção, é parte integrante do prédio dos Requerentes.
“Fixar com buchas a esferovite à parede, aplicar rede, aplicar duas camadas de massa, aplicar uma mão de isolante, aplicar tinta texturada”, mostra-se urgente, tendo em consideração que se aproxima o Inverno, altura em que as intempéries prejudicarão de forma gravosa e quiçá irremediável, as condições do imóvel dos Requerentes.
A recusa dos Requeridos em permitir a entrada urgente no seu terreno aos Requerentes cria receio fundado de lesão grave do direito de propriedade dos Requerentes, e daí o recurso ao presente procedimento cautelar já que se ajuíza que,
Concluiram pela adequação da presente providência é adequada para esconjurar rapidamente o perigo que ameaça aquele direito, e o dano que do decretamento dela resulta para o direito dos Requeridos, não excede o prejuízo que com ela se pretende evitar.
Mais referem que existe fundado receio dos Requerentes em ver as suas instalações seriamente deterioradas em função do tempo húmido que se avizinha – Inverno - de onde poderão resultar prejuízos perfeitamente evitáveis, caso não seja permitida com urgência a referida obra de “fixar com buchas a esferovite à parede, aplicar rede, aplicar duas camadas de massa, aplicar uma mão de isolante, aplicar tinta texturada”.

3.3. Isto posto, preceitua o n.º 1 do Art 362º do CPC que “sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito pode requerer a providência concretamente adequada a assegurar a efectividade deste”.
Por seu turno, o artigo 368.º prescreve que a providência é decretada quando houver “[p]robabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão” (nº 1), podendo o tribunal, no entanto, recusar a sua decretação “[q]uando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar” (nº 2 do mesmo normativo).
Tendo por base os referidos normativos vem-se generalizadamente[1] entendendo que o decretamento de uma providência cautelar não especificada (ou comum) depende da concorrência dos seguintes requisitos: (i) que muito provavelmente exista o direito tido por ameaçado, ou que venha a emergir de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor; (ii) que haja fundado receio de que outrem antes de proferida decisão de mérito, ou porque a acção não está sequer proposta ou porque ainda se encontra pendente, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito; (iii) que ao caso não convenha nenhuma das providências tipificadas nos arts. 393º a 427º; (iv) que a providência requerida seja adequada a remover o periculum in mora concretamente verificado e a assegurar a efectividade do direito ameaçado; (v) que o prejuízo resultante da providência não exceda o dano que com ela se quis evitar.
Ora para que o receio do requerente se mostre suficientemente fundado são necessárias duas condições:
Em primeiro lugar é necessário, para usarmos as palavras de Marco Gonçalves[2], o seguinte: “o requerente da providência deve trazer ao tribunal a notícia de factos reais, certos e concretos que mostrem ser fundado o receio que invoca e não fruto da sua imaginação exacerbada ou da sua desconfiança doentia, pelo que não é suficiente para o decretamento de uma providência cautelar a mera possibilidade remota de vir a sofrer danos”.
Em segundo lugar é necessário que o julgador se convença do perigo alegado. Socorrendo-nos das palavras de Lucinda Dias da Silva[3],: “importa,…, que o julgador se convença de que existe perigo, isto é, que considere provados factos que permitam concluir existir um conjunto de circunstâncias que tornam altamente provável a ocorrência de um dano futuro”.

Ora como resulta dos autos a sentença recorrida, após tecer considerações consistentes sobre os requisitos cumulativos para o deferimento de uma providência cautelar inominada, apreciou e decidiu sobre se a concreta factualidade alegada seria susceptível, a ser provada, de preencher os requisitos enunciados.
E, no essencial, a decisão recorrida no essencial, argumentou que:
“No caso em apreço - e partindo da configuração da relação material controvertida delineada pelos requerentes - parece indiscutível estarmos perante uma lesão de direito já inteiramente consumada, se bem que haja justo receio de outras lesões futuras e idênticas.
Na verdade, alegam os requerentes que desde Agosto de 2020 que os Requeridos impediram a entrada dos trabalhadores no seu prédio, não autorizando a sua passagem e, por via disso, os trabalhadores dos Requerentes, não puderam efectuar os seguintes trabalhos “fixar com buchas a esferovite à parede, aplicar rede, aplicar duas camadas de massa, aplicar uma mão de isolante, aplicar tinta texturada e desmontar prancha”, e, assim, à finalização da obra na moradia dos Requerentes.
O imóvel dos Requerentes confina a Poente com o prédio dos aqui Requeridos, sito na Rua ..., ..., Paredes e na dita confrontação existe uma parede em cimento e um muro de separação encostado a uma parede em cimento, partes integrantes do prédio dos Requerentes.
Tal parede em cimento do imóvel dos Requerentes, recentemente remodelado e alterado na fachada, tem vindo desde há algum tempo a esta parte a permitir infiltrações de água da chuva, o que origina desde logo no seu interior o aparecimento de focos de humidade, fungos e mau-cheiro.
Os Requerentes, com vista a resolver definitivamente o problema, pretendem no exterior daquela parede, efectuar os seguintes trabalhos “fixar com buchas a esferovite à parede, aplicar rede, aplicar duas camadas de massa, aplicar uma mão de isolante, aplicar tinta texturada”, sendo que este é o único meio e modo de obstar à continuação de tais infiltrações.
Os requerentes não alegam, quaisquer factos próximos ou contemporâneos da instauração do presente procedimento cautelar e que sejam susceptíveis de traduzir um acréscimo ou agravamento dos danos ou prejuízos sofridos em consequência da conduta dos requeridos praticada já lá vão mais de dois anos e meio (Agosto de 2020), tendo já passado 2 Invernos (quase três) – o do ano de 2020, do ano de 2021 e do ano de 2022.
Esta inércia na propositura desta providência cautelar é elucidativa do carácter de urgência que os requerentes ao assunto conferiram e que agora pretendem ver (urgentemente) acautelado.
Daqui, portanto, quanto a nós, salvo o devido respeito, que é muito, por opinião contrária, que se não verifique o designado periculum in mora.
Os requerentes deverão ver apreciada e decidida a questão agora aqui em causa noutra sede e no âmbito de outro meio processual e que é a o da acção declarativa de processo comum ou a Notificação Judicial Avulsa.
Assim sendo, indefiro o presente procedimento cautelar.”
Quid iuris?
Como resulta da peça recursória a divergência recursiva do apelante centra-se essencialmente em alegar que os factos alegados no requerimento inicial são suscetíveis de consubstanciar o denominado” fundado receio de lesão do direito alegado”, enquanto requisito cumulativo da providência cautelar não especificada.
Vejamos.
Antes de mais, importa adiantar que sufragamos o sentido decisório da decisão recorrida.
Como escreve Joana Castanheira[4] “Tradicionalmente as providências cautelares são consideradas medidas que visam assegurar a utilidade de uma acção principal. Caracterizadas pela dependência em relação ao processo principal, visam salvaguardar uma determinada situação jurídica que se encontra em perigo pela demora da tutela final. Desta forma, considera-se que a finalidade das providências cautelares é a salvaguarda do efeito útil da acção principal, em função da demora que lhe está associada.”
No entanto, a tutela cautelar além de ter por função salvaguardar o efeito útil da acção principal, sufragando o entendimento de Rui Pinto [5] tem no essencial por “função assegurar a posição jurídica de alguém que veja o seu direito ameaçado, isto é, que mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito”.
E a tutela cautelar não deve ser vista apenas como um meio de combate às fragilidades do sistema judicial, visando antes proteger os direitos que se encontrem ameaçados, correndo o risco de constituição de uma situação de facto consumado ou de produção de prejuízos de difícil reparação. Por conseguinte, o seu fundamento é material e a sua eficácia reporta-se ao direito substantivo e não processual.
Dito isto, acompanhando Joana Castanheira as principais finalidades das providências cautelares são: a função de garantia de um direito, a função de regulação provisória de uma situação e, por fim, a função de antecipação da tutela definitiva.
A primeira finalidade das providências cautelares é a função de garantia de um direito.
Outra finalidade das providências cautelares é a regulação provisória de uma situação até que esta seja definitivamente definida. As referidas medidas cautelares não visam rigorosamente garantir um determinado direito, mas sim regular a situação de forma a evitar a ocorrência de prejuízos e lesões que afectem gravemente o direito, enquanto a situação não é regulada definitivamente na acção principal.
Por fim, a última função das providências cautelares é a antecipação da tutela definitiva que terá lugar com a decisão final.
A função de antecipação da tutela definitiva é desempenhada, pelas chamadas providências cautelares antecipatórias. Nestas medidas cautelares há sempre uma antecipação dos efeitos materiais da sentença final a ser proferida na acção principal, em caso de procedência. No entanto, mesmo nestes casos, as referidas medidas não perdem a sua natureza de provisoriedade.
De resto, o conteúdo de uma providência cautelar é determinado pela natureza do periculum in mora, ou seja, é a natureza do perigo em causa, em cada situação concreta, que irá determinar qual a providência adequada a afastá-lo.
Desta forma, a escolha da medida cautelar pelo requerente deverá nortear-se por critérios de adequação, tendo em conta a natureza do direito em causa.
E como é sabido, as providências cautelares conservatórias são medidas que se limitam, como o próprio nome deixa antever, a conservar o status quo para que a tutela principal definitiva possa ter efeito útil.
São medidas que acautelam o efeito da acção principal através da conservação da situação existente aquando do início do litígio, da instauração da providência cautelar ou da situação que colocou em perigo o direito invocado.
São medidas não invasivas da esfera jurídica do requerido, pois limitam-se a manter uma situação já existente e, desta forma, não implicam qualquer alteração factual ou jurídica.
Em suma, são medidas que não produzem efeitos irreversíveis na esfera do requerido e não antecipam a decisão final que virá a ser proferida na acção principal.
Este tipo de providências não proporciona a tutela imediata do direito do requerente, servindo apenas para impedir o perecimento do direito ou assegurar ao titular a possibilidade de exercê-lo no futuro.[6]
A segunda modalidade de providências cautelares são as chamadas providências cautelares antecipatórias, que se traduzem na antecipação dos efeitos da futura sentença a proferir na acção principal.
Ao invés das providências conservatórias, que apenas mantêm o status quo, as providências antecipatórias provocam uma alteração no estado das coisas, satisfazendo antecipadamente o direito do requerente
Todavia, deve assinalar-se que é nosso entendimento, no seguimento de alguma doutrina que o objecto do procedimento cautelar difere do objecto da acção principal e, consequentemente, não se pode afirmar que exista uma antecipação da própria tutela. A causa de pedir cautelar é constituída pelo fumus boni iuris e pelo periculum in mora e, por seu turno, a causa de pedir da acção principal baseia-se no direito material alegado pelo autor. Concluímos assim que o periculum in mora, isto é, a situação de perigo que ameaça o direito, é um elemento exclusivo da causa de pedir cautelar. E os pedidos são distintos, na medida em que o pedido cautelar é provisório e o pedido na acção principal é definitivo. Não é a própria sentença com efeito de caso julgado que é antecipada, mas sim os seus efeitos materiais.
Quando em causa esteja um perigo de infrutuosidade da sentença a proferir na acção principal, a providência adequada será a providência cautelar conservatória.
Por sua vez, quando esteja em causa um perigo de retardamento, denominado pela doutrina italiana por pericolo di tardività, a medida decretada terá de ser antecipatória.
Por perigo de retardamento entende-se o perigo que ocorre para o requerente durante o período em que aguarda pela decisão final. Durante esse período poderão ocorrer danos e prejuízos, decorrentes da demora judicial, que ponham em causa a efectividade do direito invocado.
E como sabemos existem certos riscos de perigo em que a função cautelar meramente conservatória não será suficiente para acautelar o direito, pelo que será necessário recorrer a uma solução provisória que implicará a intromissão pelo juiz cautelar na causa principal, antecipando o seu juízo.
Providências tipicamente antecipatórias no âmbito processual civil, são: a providência de restituição provisória de posse, de alimentos provisórios, de arbitramento de reparação provisória e a providência cautelar de entrega judicial de bens objecto de locação financeira, prevista no artigo 21.º do DL n.º 149/95 de 24 de Junho.
Estas providências constituem uma antecipação da realização do direito: o possuidor passa a poder usufruir a coisa esbulhada; a quantia mensalmente recebida, a título de alimentos provisórios ou de reparação provisória, destina-se a ser consumida
Essas medidas cautelares antecipatórias revestem carácter excecional.
Aqui chegados, reafirmado que está a existência de duas categorias das providências cautelares, importa agora assinalar que as providências cautelares de natureza antecipatória continuam a ter a natureza de medidas cautelares, sendo que, importa sempre relembrar que essas medidas cautelares, pelo facto de proporcionarem a imediata satisfação do direito alegado pelo requerente, através de uma decisão de conteúdo idêntico à decisão de um processo principal, quando o conhecimento se baseia, como já referimos, numa summaria cognitio e se trata de um processo urgente e célere, não apresentam garantias de segurança jurídica como os processos principais e podem ser causa de efeitos irreversíveis na esfera do requerido e,consequentemente, da existência de decisões injustas, porque dissociadas da realidade substancial.
E por ser relevante, importa assinalar, reproduzindo Joana Castanheira:
“Não obstante existir uma forma de extinção dos efeitos da providência, nomeadamente através da sua caducidade, acontece que a situação de facto por ela criada se torna irreversível e definitiva, equivalendo à decisão final no plano dos factos.
Todos estes factores levaram a que a doutrina e jurisprudência não tenham admitido a sua existência sem mais, exigindo do juiz cautelar acrescida prudência e cuidado no seu decretamento, devendo ponderar a necessidade efectiva de decretamento de uma providência antecipatória, atribuindo às providências antecipatórias um carácter excepcional.
Desta forma, as providências cautelares antecipatórias deverão ser medidas de ultima ratio, devendo o juiz cautelar dar preferência às medidas de carácter conservatório, sempre que tais medidas tutelem adequadamente o direito invocado pelo requerente e acautelem o perigo ao qual o direito se encontra sujeito. Tudo isto tendo em consideração o princípio de mínima ingerência na esfera jurídica do requerido.
(..) Concluindo, em regra o objecto do procedimento cautelar é um minus e um aliud em relação ao objecto da acção principal: as providências cautelares não visam obter o mesmo que se pretende alcançar através da acção principal.
A excepção a esta regra é constituída pelas providências com uma finalidade de antecipação: estas providências constituem um tantus e um similis em relação ao objecto da acção principal.”
Aliás, a inversão do contencioso, prevista no art 369º1, CPC, apenas se compadece com as providências cautelares antecipatórias, na medida em que apenas estas têm os mesmos efeitos do pedido apresentado na acção principal.
E importa referir ainda que mesmo nas medidas cautelares, em que existe uma antecipação dos efeitos materiais da sentença final a ser proferida na acção principal, em caso de procedência, essas medidas não perdem a sua natureza de provisoriedade.
De resto, é nosso entendimento, seguindo doutrina consistente, que não é compatível com a natureza instrumental e provisória das medidas cautelares, conservatórias e antecipatórias, a formulação pelo requerente da providência cautelar inominada de pretensões típicas da ação principal e que sejam suscetíveis de conceder imediata satisfação do requerente

3.4. Feitas estas considerações, no caso dos autos, afigura-se-nos que as pretensões dos requerentes se fundam na norma substantiva consagrada no artigo 1349.º, n.º 1 do C.Civil,.
Nos termos do artigo 1349.º, n.º 1 do C.Civil “Se, para reparar algum edifício ou construção, for indispensável levantar andaime, colocar objectos sobre prédio alheio, fazer passar por ele os materiais para a obra ou praticar outros actos análogos, é o dono do prédio obrigado a consentir nesse actos.”
E como exemplo de suprimento do consentimento, a doutrina indica o caso do dono do prédio para nele levantar andaime, colocar objectos, fazer passar por ele matérias ou praticar outros actos análogos, quando tais actos sejam indispensáveis à reparação de algum edifício ou construção (art. 1349.º-1 CC)
O consentimento imposto pela lei ao dono do prédio constitui uma obrigação ex lege que depende da finalidade do facto (reparação ou construção de um edifício… e a necessidade do acesso (“se…for indispensável…”)
Assim, na ação principal a questão principal que deverá ser colocada é justamente a de saber se a hipótese legal abstracta admite o suprimento judicial quando o dono do prédio, onerado com a obrigação de permitir a entrada e passagem pelo mesmo, se recusa injustificadamente a consentir a realização desses actos.
No caso concreto, os Requerentes alegaram que são proprietários de um prédio urbano que confina com um outro pertença dos Requeridos, necessitam de realizar obras naquele seu prédio e, para esse efeito, de entrar no imóvel dos Requeridos, mas que estes, apesar de várias insistências, têm negado esse acesso.
Perante estas alegações dos Requerentes, o meio processual adequado para alcançarem a sua pretensão, isto é, de poderem efectivamente entrar no prédio dos Requeridos e aí colocarem andaimes e outros objectos necessários para a realização das obras, é o processo de suprimento de consentimento por recusa previsto no artigo 1000.º do C.P.Civil.
No que concerne ao suprimento de consentimento no caso de recusa, dispõe o artigo 1000.º, n.º 1 do C.P.Civil que “Se for pedido o suprimento do consentimento, nos casos em que a lei o admite, com fundamento de recusa, é citado o recusante para contestar.”
Assim, os requisitos legais são dois: admissão legal (de natureza substantiva) de suprimento do consentimento e recusa de consentimento por parte de quem tem essa obrigação.
Isto porque aqueles pedidos vertidos no requerimento inicial sob as als a) e b) só poderiam ser apreciados e decididos em processo especial de suprimento, integrado na categoria dos processos de jurisdição voluntária (título XV), e, por isso, estão sujeitos às regras estabelecidas nos artigos 986.º a 988.º do C.P.Civil.
Nos processos de jurisdição voluntária, não há, em princípio, um conflito de interesses a compor, mas um só interesse a regular, embora podendo haver um conflito de opiniões ou representações acerca do mesmo interesse
E acolhendo a argumentação da decisão recorrida afigura-se-nos que os requerentes não lograram alegar factos suscetíveis, a serem provados, de consubstanciar o requisito designado de “periculum in mora”.
Prosseguindo.
No caso em apreço - e partindo da configuração da relação material controvertida delineada pelos requerentes - parece indiscutível estarmos perante uma lesão de direito já inteiramente consumada, se bem que haja justo receio de outras lesões futuras e idênticas.
Na verdade, como foi assinalado pelo tribunal a quo, alegam os requerentes que desde Agosto de 2020 que os Requeridos impediram a entrada dos trabalhadores no seu prédio, não autorizando a sua passagem e, por via disso, os trabalhadores dos Requerentes, não puderam efectuar os seguintes trabalhos “fixar com buchas a esferovite à parede, aplicar rede, aplicar duas camadas de massa, aplicar uma mão de isolante, aplicar tinta texturada e desmontar prancha”, e, assim, à finalização da obra na moradia dos Requerentes.
Que o imóvel dos Requerentes confina a Poente com o prédio dos aqui Requeridos, sito na Rua ..., ..., Paredes e na dita confrontação existe uma parede em cimento e um muro de separação encostado a uma parede em cimento, partes integrantes do prédio dos Requerentes.
Tal parede em cimento do imóvel dos Requerentes, recentemente remodelado e alterado na fachada, tem vindo desde há algum tempo a esta parte a permitir infiltrações de água da chuva, o que origina desde logo no seu interior o aparecimento de focos de humidade, fungos e mau-cheiro.
Os Requerentes, com vista a resolver definitivamente o problema, pretendem no exterior daquela parede, efectuar os seguintes trabalhos “fixar com buchas a esferovite à parede, aplicar rede, aplicar duas camadas de massa, aplicar uma mão de isolante, aplicar tinta texturada”, sendo que este é o único meio e modo de obstar à continuação de tais infiltrações.
Todavia, os requerentes não alegam, quaisquer factos próximos ou contemporâneos da instauração do presente procedimento cautelar – 14.12.2022 - e que sejam susceptíveis de traduzir o suposto acréscimo ou agravamento dos danos ou prejuízos sofridos em consequência da conduta dos requeridos praticada já lá vão mais de dois anos e meio (Agosto de 2020), tendo já passado 2 Invernos (quase três) – o do ano de 2020, do ano de 2021 e do ano de 2022.
E como assinalamos, segundo o n.º 1 do 368.º do CPC, a providência é decretada desde que se mostre suficientemente fundado o receio do requerente, e o requerente da providência deve trazer ao tribunal a notícia de factos reais, certos e concretos, próximos ou contemporâneos da instauração do procedimento cautelar que mostrem ser fundado o receio que invoca e não fruto da sua imaginação exacerbada ou da sua desconfiança doentia, pelo que não é suficiente para o decretamento de uma providência cautelar a mera possibilidade remota de vir a sofrer danos
Tais factos devem ser aptos a convencer o julgador da existência do alegado perigo, isto é, deve alegar factos que permitam concluir existir um conjunto de circunstâncias que tornem altamente provável a ocorrência de um dano futuro.
Reportando-nos de novo à alegação dos requerentes afigura-se-nos que tendo a recusa dos requeridos ocorrido em Agosto de 2020 e tendo a presente providência sido instaurada a 14.12.2022 tais circunstâncias indiciam fortemente que o requerente não trouxe a este tribunal factos reais, concretos e próximos da propositura do procedimento cautelar que tornem altamente provável a ocorrência de um dano futuro
Assim, dos factos alegados, afigura-se-nos que é incompatível com a natureza temporária e provisória da regulação de interesses decorrente das medidas cautelares antecipatórias que aos recorrentes-requerentes seja permitido formular numa providencia cautelar inominada, como é a dos autos, a formulação de pedidos típicos e característicos da que seria a ação principal ( suprimento de consentimento e não do procedimento cautelar), esquecendo a instrumentalidade e a provisoriedade do procedimento cautelar.
Assim, não merece qualquer censura a decisão recorrida.
Solução distinta que permitisse que os requerentes satisfizessem as suas pretensões pelo meio de uma providência cautelar inominada antecipatória conduziria ao esvaziamento do objecto da acção principal e desvirtuaria a natureza das medidas cautelares.

Sumário:
……………………………
……………………………
……………………………


IV. DISPOSITIVO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.

Custas a cargo dos apelantes.

Porto, 20.04.2023
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva
Isabel Silva
____________
[1] Cfr., por todos, ABRANTES GERALDES, in Temas da Reforma do Processo Civil, vol. III, 3ª edição, Almedina, págs. 97 e seguintes, LEBRE DE FREITAS/ISABEL ALEXANDRE, in Código de Processo Civil Anotado. Vol. II, 3ª edição, Almedina, págs. 5 e seguintes e CARVALHO GONÇALVES, in Providências Cautelares, 2015, Almedina, págs. 168 e seguintes.
[2] Providências Cautelares, página 214.
[3] Procedimento Cautelar Comum, Coimbra Editora, páginas 145 e 146
[4] Joana Maria Coimbra Castanheira in “As Providências Cautelares e os Requisitos para o seu Decretamento Confronto entre o Processo Administrativo e o Processo Civil, Dissertação no âmbito do 2.º Ciclo de Estudos em Direito conducente ao grau de Mestre, na Área de Especialização em Ciências Jurídico-Políticas/Menção em Direito Administrativo orientada pelo Professor Doutor Fernando Licínio Lopes Martins e apresentada na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2018,
file:///F:/DOUTRINA/Tese%20Joana%20Castanheira.pdfprovidencias%20cautelares.pdf.
[5] Pinto, Rui, A Questão de Mérito na Tutela Cautelar - A obrigação genérica de não Ingerência e os Limites da Responsabilidade Civil, Coimbra Editora, 2009.
[6] Neste sentido: GERALDES, António Santos Abrantes, Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, 5. Procedimento Cautelar Comum, 3.ª Edição Revista e Actualizada, FREITAS, José Lebre de, MACHADO, A. Montalvão, PINTO, Rui, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, Artigos 381.º a 675.º, 2.ª Edição, Coimbra