Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
696/12.0PDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DOLORES DA SILVA E SOUSA
Descritores: CRIME DE DETENÇÃO DE ARMA
MUNIÇÕES
INCONSTITUCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
PRINCÍPIO DA NECESSIDADE DAS PENAS
PRINCÍPIO DA CULPA
Nº do Documento: RP20150325696/12.0PDPRT.P1
Data do Acordão: 03/25/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A norma incriminadora do artº 86º 1 al. d) da Lei 5/2006 de 23/2 relativa à detenção de munições, não padece de inconstitucionalidade por violação do principio da legalidade expresso no artº 29º CRP, nem do principio da necessidade da pena ínsito no artº 18º2 CRP, nem dos principio da presunção de inocência, da culpa ou do acusatório.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec. Penal 696/12.0PDPRT.P1
Comarca do Porto
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto.
2ª secção criminal.

I-Relatório.
No Processo Comum Colectivo nº 696/12.0PDPRT da Instância Central, 1ª secção criminal, da Comarca do Porto, foram submetidos a julgamento, entre outros, os arguidos B…, C… e D…, com os restantes elementos identificativos constantes do acórdão a fls. 977 dos autos.
Por acórdão de 23 de Outubro de 2014, depositado no mesmo dia, foi deliberado:
«Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este tribunal colectivo em:
I)(…)
II) Condenar o arguido C… pelo cometimento, em concurso efectivo, os termos do artigo 30º do Código Penal de:
- um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1, na pena de quatro anos e três meses de prisão
- um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, d) da Lei n.º 5/06, de 23.02, na pena de dois meses de prisão;
E, em cúmulo jurídico, ao abrigo do disposto no artigo 77º do Código Penal, na pena única de quatro anos e quatro meses de prisão.
III) Condenar o arguido D… pelo cometimento, em concurso efectivo, os termos do artigo 30º do Código Penal de:
- um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punível pelo artigo 25º, al. a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1, na pena de um ano e oito meses de prisão.
-- um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, d) da Lei n.º 5/06, de 23.02, na pena de dois meses de prisão;
E, em cúmulo jurídico, ao abrigo do disposto no artigo 77º do Código Penal, na pena única de um ano e nove meses de prisão.
IV) Condenar o arguido B… pelo cometimento, em concurso efectivo, os termos do artigo 30º do Código Penal de:
- um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punível pelo artigo 25º, al. a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1, na pena de um ano e oito meses de prisão.
- um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, d) da Lei n.º 5/06, de 23.02, na pena de dois meses de prisão;
E, em cúmulo jurídico, ao abrigo do disposto no artigo 77º do Código Penal, na pena única de um ano e nove meses de prisão.
(…)
Declaram-se perdidos a favor do Estado os estupefacientes, dinheiro, mochila, cofre, bolsa, munições, x-acto e embalagens apreendidos nos autos.
Os demais objectos apreendidos serão devolvidos aos seus donos.
Custas: vai cada um dos arguidos condenado em 5 UC de taxa de justiça e, solidariamente, nas custas do processo.
(…)»
*
Inconformados os arguidos B…, C… e D…, vieram interpor cada um o seu recurso.

O recorrente C… apresentou a motivação (original) de fls. 1120 a 1134 que remata com as seguintes conclusões:
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O recorrente B… apresentou a motivação (original) de fls. 1093 a 1118 que remata com as seguintes conclusões:
«1. O recorrente não se conforma com o Douto Acórdão, aqui recorrido, na parte em que o condena pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d) da Lei n.º 5/06, de 23/1.
2. O tipo de crime previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d) da Lei n.º 5/06, de 23/1 viola o núcleo essencial do princípio da legalidade penal, plasmado no artigo 29.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
3. O tipo legal sub judicio não cumpre esta exigência constitucional, carecendo de certeza e determinabilidade.
4. A sua redacção não permite ao comum cidadão perceber o conteúdo proibitivo da norma, nem formular sob a futura conduta um juízo de ilicitude, em muitas das situações nela “previstas”.
5. Este é um problema de interpretação literal — do próprio texto legal -, pelo qual o cidadão não deve ser responsabilizado.
6. Tanto quanto nos parece, a condenação pelo cometimento desse crime está amplamente (e inconstitucionalmente) disponível à discricionariedade judicial, operada através de um tipo incriminador tão vago, confuso e até redutor, que inviabiliza a percepção do comum dos cidadãos, quanto aos comportamentos que se visa punir e cuja prática se pretende dissuadir.
7. Mas tanto quanto julgamos, a inconstitucionalidade da norma sub judicio não decorre apenas da violação do artigo 29.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
8. De facto, consideramos que o tipo de crime previsto no artigo 86.º, n.º 1, alínea d) da Lei n.º 5/06, de 23 de Janeiro viola o princípio da necessidade das penas e das medidas de segurança, implicitamente consagrado no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa.
9. O crime de detenção de arma proibida visa tutelar o perigo de lesão da ordem, segurança e tranquilidade públicas face aos riscos da livre circulação e detenção de armas.
10. Trata-se de um crime de perigo abstracto, porque não pressupõe nem o dano/lesão nem a efectiva colocação em perigo do bem jurídico tutelado pela incriminação.
11. Rejeitamos que todas as situações (deficientemente) previstas no artigo 86.º, n.º 1, alínea d) da Lei n.º 5/06 sejam aptas a colocar em perigo o bem jurídico tutelado, e portanto, a extensão da incriminação ultrapassa a constitucional antecipação da tutela dos bens jurídicos, e viola o princípio da necessidade das penas.
12. A aplicação deste artigo implica a incriminação de um comportamento (a detenção de cartuchos vazios) que em absoluto não é apto a constituir um perigo ao bem jurídico protegido.
13. Nesta medida, o legislador ordinário previu e o julgador impõe pesados sacrifícios resultantes da aplicação de penas a quem, com o seu comportamento, não consegue sequer colocar em perigo um bem jurídico fundamental - a segurança.
14. À mesma conclusão chegamos nas situações em que um cidadão guarda uma munição de arma de fogo não vazia, mas não tem na sua disponibilidade fáctica uma qualquer arma de fogo.
15. A lei já prevê e pune a detenção da arma de fogo, o que torna inútil, exagerado e desproporcional a incriminação a guarda de munições.
16. Outro exemplo da inconstitucionalidade da norma está na incriminação penal de quem traz consigo uma munição de arma de fogo desacompanhada da arma de fogo. Tal acção é absolutamente insusceptível de criar um perigo na segurança e tranquilidade sociais.
17. Rigorosamente, o desvalor da acção idónea a causar um perigo de circulação/utilização de armas de agressão está na detenção/circulação da própria arma.
18. Ou seja, num ponto de vista de aptidão, é diferente que o cidadão detenha a arma e não detenha a munição ou que o cidadão detenha a munição e não detenha a arma.
19. Prius, pela facilidade de obtenção da munição relativamente à obtenção da arma: a munição é muito mais pequena, muito mais barata e não há uma consciência social de ilicitude com dignidade jurídico-penal quanto à sua disponibilidade fáctica.
20. Secundu, porque uma munição de arma de fogo não é idónea para ser utilizada como arma de agressão: não consegue lesar nada nem ninguém a não ser que seja projectada por uma verdadeira arma. Por outro lado, uma arma de fogo é naturalmente um instrumento susceptível de causar dano, independentemente de ser utilizada para projectar uma munição. Pode ser utilizada para deferir directamente uma pancada em algo ou alguém de maneira a causar - até - a morte de uma pessoa (pense-se numa forte pancada na cabeça da vítíma).
21. Tercius, porque a arma de fogo pode ser utilizada como instrumento de intimidação. A munição, por si só, não! E se o bem jurídico tutelado pelo crime de detenção de arma proibida é a segurança e tranquilidade públicas, também a intimidação, a ameaça e a coacção são acções desvaliosas que o crime quer prevenir.
22. Pois bem, não deixamos de considerar que não viola o princípio da necessidade de pena ou medida de segurança o “tráfico” de munições de arma de fogo. Mas o legislador ao não distinguir tipicamente a situação de quem traz consigo uma munição de arma de fogo da situação de quem exporta ou importa munições de arma de fogo ou as vende ilicitamente está a violar o referido princípio.
Por fim,
23. Consideramos que o tipo de crime previsto no artigo 86.º, n.º 1, alínea d) da Lei n.º 5/06, de 23 de Janeiro viola o princípio da culpa (artigo 32.º, n.º 2 da CRP), o princípio do acusatório (artigo 32.º, n.º 5 da CRP) e o princípio da presunção da Inocência (artigo 32.º, n.º 2 da CRP), na medida em que faz depender a verificação do crime (pelo menos em algumas situações) de um facere, posterior à prática dos factos: a justificação da posse da “arma”.
24. Além das causas de justificação que excluem a ilicitude de uma conduta nunca fazerem parte do tipo incriminador,
25. A verificação deste crime parte de uma presunção de ilicitude/culpa, que só é afastada se o arguido decidir não fazer uso de um direito que lhe é constitucionalmente garantido: o direito ao silêncio.
26. Como sabemos, o silêncio do arguido não o pode prejudicar, mas aqui faz pior: torna-o um criminoso!
27. Mas também aqui se reforça a violação do princípio da legalidade: se a justificação (a que se refere o legislador) não é a licença para a posse de arma, em que se pode traduzir?
28. Em boa verdade, o cometimento do crime está ao arbítrio do julgador, que pode admitir qualquer “justificação” ou nenhuma, a seu bel-prazer.
29. Por outras palavras, a justificação a que se refere o tipo de crime não está balizada objectivamente, como estará uma situação de exclusão da ilicitude como o estado de necessidade, a legítima defesa e a acção directa.
30. As violações dos princípios constitucionais aqui invocadas estão vertidas na norma em si mesmo considerada, e uma qualquer interpretação jurisprudencial que contorne estas questões será uma interpretação que não encontra na letra da lei uma mínima correspondência.
31. Portanto a condenação de um qualquer cidadão pelo cometimento do crime previsto no artigo 86.º, n.º 1, alínea d) do DL 5/06 é materialmente inconstitucional.
32. Daí que no caso aqui controvertido a condenação do recorrente pela prática do crime de detenção de arma proibida seja inadmissível à luz da Constituição da República Portuguesa.
33. Concomitantemente, deverá a douto decisão recorrida ser revogada, e substituído por outra que julgue a norma do artigo 86.º, n.º 1, alínea d) do DL 5/06 inconstitucional, afastando-se a sua aplicação, e consequentemente ser o recorrente absolvido do crime de detenção de arma proibida.
Princípios e disposições legais violadas ou incorrectamente aplicadas:
• Princípio da legalidade — artigo 29.º, n.º 1 da CRP
• Princípio da necessidade de penas e medidas de segurança - artigo 18.º, n.º 2 da CRP
• Princípio da culpa e da presunção de inocência — artigo 32.º, n.º 2 da CRP
• Princípio do acusatório — artigo 32.º, n.º 5 do CRP
• Artigo 86.º, n.º 1, alínea d) do Decreto-Lei n.º 5/06.
Termina pedindo o provimento do recurso e, por via disso, a alteração da decisão recorrida e a sua substituição por outra que contemple as conclusões atrás aduzidas.»
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O recorrente D… apresentou a motivação de fls. 1135 a 1159 que remata com as seguintes conclusões:
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Os recursos foram admitidos para este Tribunal da Relação do Porto, por despacho constante de fls. 1163.
O Mº Pº junto do Tribunal a quo respondeu a todos os recursos conforme fls. 1172 a 1210 pugnando pelo não provimento dos recursos.
Nesta Relação, o Ministério Público emitiu Parecer no sentido de ser negado provimento aos recursos interpostos.
Foi cumprido o artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Colhidos os vistos, realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
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II- Fundamentação.
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
1.-Questões a decidir
Face às conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
- Recurso do Recorrente C…
- 1. Qualificação jurídica dos factos relativos ao crime de tráfico de droga, pretendendo o seu enquadramento jurídico no crime do artigo 25º, al. a) do DL 15/93, de 22.01.
- 2. Medida das penas parcelares e única.
- 3. Suspensão da pena.
- Recurso do Recorrente B…
1. Inconstitucionalidade do artigo 86º, n.º1 al. d) da Lei n.º 5/06, visando a sua desaplicação e consequente absolvição do respectivo crime.
- Recurso do recorrente D…
1. Nulidade do acórdão – arts. 374º, n.º2 e 379º, n.º1 al. a) do CPP.
2. Impugnação da matéria provada sob os pontos identificados como 2.1.1. dos factos provados do acórdão e por violação do princípio in dubio pro reo.
3. Medida das penas parcelares e única.
4. Suspensão da pena.
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2. Enumeração dos factos provados, não provados e respectiva motivação.
«Discutida a causa, resultou provada a seguinte matéria de facto:
Os arguidos E…, C…, D…, B… e F… dedicaram-se nos termos abaixo indicados à venda de produtos estupefacientes, nomeadamente cocaína e heroína, tendo acordado entre todos, em data não apurada, mas anterior a 6 de Dezembro de 2012, o plano de conjuntamente procederem à dosagem, embalamento e venda de tais produtos.
Para o efeito, os arguidos acordaram ainda, entre si, utilizarem, para a preparação, dosagem e embalamento da heroína e cocaína, a casa sita no r/c B do n.º .. da Rua …, no Porto, que se encontrava devoluta e com o vidro de uma janela partido permitindo assim o acesso à mesma.
Assim, na execução do entre todos planeado, no dia 6 de Dezembro de 2012, pelas 22h30, os arguidos E…, C…, D…, B… e F… encontravam-se no interior da casa sita na Rua …, n.º .., r/c B, no Porto, a prepararem e dosearem a heroína e cocaína, para posteriormente procederem à respectiva venda.
Assim, nas referidas circunstâncias de tempo e de lugar, dentro da referida casa, em cima de uma mesa, junto à qual se encontravam todos os arguidos, num sofá e na sanita, foi encontrado:
- quinze embalagens de heroína, com o peso líquido de 5,727g;
- cinco embalagens de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 4,575g;
- um cofre contendo no seu interior, uma balança digital, utilizada na pesagem do estupefaciente; um GPS, marca “Tom Tom”; cinco lâminas de x-ato, utilizadas na dosagem do estupefaciente; um papel manuscrito com anotações relativas à venda de estupefaciente e outro com a anotação de um contacto telefónico e de e’mail; uma caixa contendo dezanove cartuchos plásticos carregados com carga propulsora de pólvora, escorva e múltiplos projéteis em chumbo, próprios para armas de fogo de alma lisa, classe C e D, encontrando-se em bom estado de conservação; a quantia monetária de 248€, em notas e moedas do BCE, provenientes das vendas de estupefaciente que já tinham efectuado (cfr. autos de exame de fls. 144 e 148, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
Os produtos estupefacientes acima descritos pertenciam aos arguidos E…, C…, D…, B… e F… que os destinavam à venda a quem se lhes dirigisse para o efeito.
Os cartuchos acima descritos também pertenciam aos arguidos E…, C…, D…, B… e F… que não tinham autorização para os deter, nem possuíam licença de uso e porte de arma.
Apesar de, em 07.12.12, terem sido presentes a primeiro interrogatório judicial e sujeitos a medidas de coacção, os arguidos E… e C… decidiram prosseguir cada um deles nos termos abaixo indicados a sua actividade de venda de heroína e cocaína.
Assim:
No dia 21 de Março de 2013, pelas 15h00, o arguido C… encontrava-se no interior da … do B.º do …, no Porto, a vender heroína e cocaína.
Nas referidas circunstâncias de tempo e de lugar, alertado por outros indivíduos que ali se encontravam, o arguido C… apercebeu-se da presença dos agentes da PSP e, de imediato encetou fuga para os andares superiores. Quando se encontrava entre o 5.º e o 6.º andar, de modo a evitar ser encontrado na sua posse, o arguido atirou para o chão uma bolsa que trazia a tiracolo e que continha vários pedaços de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 28,403g; três embalagens de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 1,203g; e 194 embalagens de heroína, com o peso líquido de 14,022g; a quantia monetária de 575€, em notas e moedas do BCE; quatro dvd’s e um telemóvel, marca “Nokia”, modelo … (cfr. auto de exame de fls. 282-3, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
De seguida, o arguido C… entrou na residência sita no n.º .. do 6.º andar da ….
O estupefaciente pertencia ao arguido C… que o destinava à venda a quem se lhe dirigisse para o efeito.
O dinheiro também pertencia ao arguido C… e era proveniente das vendas de heroína e cocaína que tinha efectuado até àquele momento.
No dia 18 de Setembro de 2013, pelas 15h00, o arguido E… encontrava-se entre os Blocos . e . do B.º … a vender heroína e cocaína, tendo vendido nessa altura, quantidade não apurada de estupefaciente a dois indivíduos cuja identidade não se logrou apurar, por preço não apurado.
Nas referidas circunstâncias de tempo e de lugar, o arguido tinha nas mãos dois cantos de plástico, um contendo cinquenta e duas embalagens de heroína, com o peso líquido de 6,253g, e outro, contendo vários pedaços de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 6,671g. O arguido tinha ainda na sua posse, dentro de uma bolsa que trazia à tiracolo, um canto de plástico contendo dezassete embalagens de heroína, com o peso líquido de 6,145g, três embalagens de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 0,435g, uma esferográfica, um papel manuscrito contendo várias anotações relativas às vendas de estupefaciente, a quantia monetária de 1310€, em notas e moedas do BCE, proveniente das vendas de heroína e cocaína que o arguido já tinha efectuado (cfr. auto de exame de fls. 376-7, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
A heroína e cocaína pertenciam ao arguido E… que a destinava à venda a quem se lhe dirigisse para o efeito.
Os arguidos E…, C…, D…, B… e F… agiram sempre de forma livre e consciente, sabendo quais eram as características, natureza e efeitos dos produtos estupefacientes que detinham e que vendiam, sempre com a intenção de obter contrapartida económica.
Sabiam ainda que a posse, detenção, cedência e venda de tais produtos é proibida por lei.
Os arguidos actuaram ainda de comum acordo e em conjugação de esforços, repartindo entre si as tarefas para a venda de heroína e cocaína, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei.
Os arguidos E…, C…, D…, B… e F… actuaram ainda e sempre de forma livre e consciente, sabendo que não podiam deter as munições acima descritas, que não eram titulares de licença de uso e porte de arma e que não tinham autorização para o efeito.
Mais sabiam que as suas condutas eram proibidas por lei.

O arguido I- E… tem 20 anos de idade (19 anos de idade à data da prática dos factos) e é solteiro. O processo de desenvolvimento de E… ocorreu inserido em agregado de condição sócio-económica considerada estável. O arguido não conheceu o pai biológico, tendo a mãe encetado novo relacionamento do qual tem mais dois filhos. O sistema familiar foi caracterizado pela estabilidade dos laços afectivos entre os vários elementos e de condições ajustadas, havendo um bom relacionamento entre o arguido e o padrasto. Estudou até ao 6º ano de escolaridade, tendo posteriormente frequentado cursos de formação profissional, designadamente na área da Geriatria, que não chegou a concluir, e apenas se conhece uma experiencia laboral fugaz, desempenhando durante algum tempo funções num estabelecimento comercial de um familiar. Privilegiou a cultura desportiva, tendo praticado Ju-Jitsu desde os 16 anos até ter iniciado o cumprimento da actual medida de coacção em Outubro de 2013. Aos 18 anos em função de um relacionamento afectivo circunstancial, o arguido foi pai; a filha, que conta dois anos de idade, vive com a mãe mas o arguido tem uma relação equilibrada, sendo-lhe permitido privar com a menor regularmente. À data dos factos pelos quais se encontra acusado, E… vivia na casa de família com a mãe, o padrasto e os dois irmãos, na Rua …, nº …, r/c, …, na cidade do Porto, inserida numa zona habitacional com problemáticas sociais associadas. A família apresentava-se na altura como um suporte de retaguarda para si, apoiando-o, uma vez que o arguido se encontrava desempregado e também não se dedicava a qualquer actividade ocupacional orientada A subsistência do agregado era assegurada pela actividade desenvolvida pelo, padrasto, enquanto trabalhador na construção civil, e a mãe numa empresa de limpezas. Não tendo uma actividade estruturada, ocupava o seu tempo com grupo de pares com comportamentos alegadamente desajustados, mas tinha igualmente um alargado círculo de amigos que referencia como tendo uma conduta normativa e boa inserção comunitária. Os tios, mas também a mãe, têm assegurado a salvaguarda das suas necessidades básicas. O presente processo é o primeiro confronto do arguido com o sistema da administração da justiça penal, sendo por si vivenciado com alguma preocupação, por recear as suas consequências, nomeadamente a eventual aplicação de pena de prisão. Face à natureza dos factos subjacentes no presente processo, em abstracto, verbaliza juízo de censura, tendo consciência da ilicitude dos mesmos, bem como dos danos e das vítimas que os mesmos provocam. O impacto do presente processo na vida pessoal do arguido tem sido sobretudo a privação de liberdade no âmbito da medida de coacção que lhe foi aplicada e que até ao momento cumpre de forma normativa. O arguido já não reside na habitação considerada à data dos factos. Na actual habitação, a casa dos seus tios, em …, Vila Nova de Gaia, o arguido não é conhecido, não sendo assinalados sentimentos de hostilidade ou rejeição à sua presença. O arguido pretende integrar-se profissionalmente no futuro, caso assim a sua situação jurídica o venha a permitir, afirmando ter enquadramento laboral numa empresa de um familiar, ou em alternativa, com o padrasto na construção civil. Quando questionado o arguido referiu que, em caso de condenação, manifesta adesão a uma medida de execução na comunidade, manifestando consciência do rigor com que teria que pautar a sua conduta, face às eventuais injunções que lhe viessem a ser definidas.
Do CRC do arguido I- E… não constam condenações.
O arguido II-C… tem 24 anos de idade (23 anos de idade à data da prática dos factos) e é solteiro. C… desconhece quem é o seu progenitor e residiu muitos anos no contexto familiar do agregado da avó materna, em virtude da sua progenitora sofrer de deficiência e alegadamente ter sido vítima de abuso/violação, que ocasionaram o nascimento de três filhos, sendo o arguido o do meio. No contexto familiar da sua avó materna, o arguido vivenciou uma série de circunstancialismos inerentes a um agregado numeroso, de estrato socioeconómico baixo, composto pelos avós e seus onze filhos. O padrão educativo desta família apresentava elevados défices, não tendo sido valorizado o investimento escolar, pelo que o arguido apenas concluiu o 5º ano de escolaridade, com registo posterior de várias retenções, inerentes ao absentismo que preconizava. Ao nível laboral nunca desempenhou nenhuma actividade estável, relatando apenas uma experiência em regime de biscate como distribuidor de publicidade no ano de 2010 e desde há cerca de um ano prestará apoio pontual numa oficina auto, como ajudante de mecânico. No quotidiano e tempos livres C… sempre manteve convívio com grupo de pares associado a comportamento transgressor e hábitos aditivos. Desde os 12 anos de idade consome substâncias com menor poder aditivo (haxixe e erva), comportamento que desvaloriza, considerando não necessitar de apoio especializado nesta área, apesar de manter consumo diário de haxixe. Mantém relação afectiva com a actual companheira há cerca de 8/9 anos, na constância da qual nasceu um descendente, actualmente com 5 anos de idade, que por decisão do Tribunal de Família e Menores do Porto foi entregue há cerca de 2 anos aos cuidados de uma familiar, alegadamente por os progenitores estarem conotados com práticas ilícitas e manterem comportamento desajustado às normas sociais. À data dos factos, o arguido refere que se mantinha integrado no agregado familiar constituído com a sua companheira (G…, 21 anos de idade) onde também residia o avô e um tio desta, entretanto falecidos. Ocupavam um apartamento tipologia 2 arrendado, localizado na Rua … na cidade do Porto, referindo que frequentemente tem alterado residência. O arguido e companheira mantinham situação de inactividade laboral, sem rendimento fixo disponível, após lhes ter sido cessada a prestação de Rendimento Social de Inserção (RSI) em novembro de 2012. Desde há cerca de 6 meses que reside somente com a companheira na Rua …, onde ocupam um apartamento tipologia 1 arrendado, localizado em zona conotada com problemáticas sociais e criminais, nomeadamente consumo e tráfico de estupefacientes. C… relativamente à situação económica do agregado diz que é “mais ou menos” (sic), recebe em média cerca de 460€ no apoio que presta na oficina auto e a sua companheira diariamente obtém cerca de 20/30€ no trabalho que executa na área da estética, na habitação onde residem. Mensalmente despendem cerca de 420€, relativos ao pagamento da renda do apartamento, água, energia eléctrica e serviço de TV cabo. O quotidiano do arguido, é ocupado com o seu agregado familiar e “carros” (sic), muda o óleo e calços de travões e à noite vai ajudar o mecânico em …, não tendo actividades estruturadas nos tempos livres. Relativamente à imagem que o arguido projecta nos locais onde tem residido foi possível apurar que é associado a práticas ilícitas. Como projecto de vida o arguido quer “melhorar a vida e sair daqui com a mulher e o filho, ir para fora e conhecer coisas novas” (sic). A situação processual do arguido, ainda que tenha gerado preocupação no seu agregado familiar de origem e constituído, não teve implicações relevantes ao nível da sua inserção, continuando a beneficiar do apoio destes. Em abstracto e no que concerne à natureza dos factos pelos quais se encontra acusado, C… é capaz de reconhecer o seu carácter ilícito, contudo diz que “não anda a roubar ninguém, nem a matar” (sic). Relativamente à existência de eventuais vítimas considera que “eu é que estou prejudicado, sujeito a ir de cana” (sic). Em caso de eventual condenação, manifesta adesão a uma medida de execução na comunidade.
Do CRC do arguido II-C… constam as seguintes condenações:

O arguido III-D… tem 26 anos de idade e é solteiro. D… é o segundo descendente de um casal de modesta condição socioeconómica. A progenitora seria o único elemento activo do agregado, trabalhando como empregada de limpeza em hotel. Até aos 9 anos de idade, o arguido viveu com os progenitores e irmão no agregado dos avós maternos, no bairro … no Porto, onde também residiam três dos seus tios. Este agregado é descrito como positivo e com uma situação financeira estável, em que todos os elementos seriam profissionalmente activos. A problemática toxicodependente do progenitor terá sido um dos motivos para a alteração de residência do núcleo familiar, passando o arguido a residir apenas com os progenitores e irmão, naquela que é a actual morada, tal mudança terá tido impacto negativo na situação financeira do agregado. D… descreve uma educação assente nos valores sociomorais vigentes, com imposição de regras e horários e supervisão aparentemente ajustada. Frequentou o ensino pré-escolar, ingressando no ensino básico em idade regular. Do seu percurso escolar, salienta-se uma retenção no 4º ano, por motivos de saúde, e uma retenção no 7º ano, que atribuiu à ausência de aproveitamento por desinvestimento nos estudos, já que considera que era um aluno médio e sem problemas de absentismo. Relata ainda uma suspensão por se envolver em briga com colegas no espaço escolar, ressalvando no entanto que este terá sido episódio único, já que nunca apresentou problemas de comportamento ou atitudes desadequadas para com os diferentes elementos escolares. No 6º ano, transitou para o ensino nocturno, começou a acompanhar grupo de pares com comportamentos desajustados e consumos de haxixe. Após abandonar a escola, ainda tentou obter equivalência ao 9º ano, através de processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências, no entanto não o completou. D… teve o seu primeiro emprego aos 19 anos, como aprendiz de soldador, onde apenas permaneceu um mês, saindo por inadaptação. Após alguns meses inactivo, trabalhou cerca de três meses como distribuidor de publicidade. Manteve-se desempregado cerca de um ano, ainda que pontualmente auxiliasse um tio no serviço de mudanças, conseguindo então integrar-se pelo período de cerca de 4/5 meses como operador de telemarketing, de onde saiu por sua vontade. Novamente em situação de desemprego, pontualmente fazia entrega de publicidade e serviços de mudanças. O arguido iniciou consumos de haxixe com cerca de 21 anos, em contexto de grupo de pares, durante algum tempo terá mantido um padrão mais regular, envolvendo-se então em alguns confrontos com a justiça. No entanto, atendendo aos pedidos da sua progenitora para que este invertesse a sua trajectória e por referência ao percurso de toxicodependência do progenitor e impacto negativo da mesma na vivência familiar, abandonou os consumos há cerca de dois anos. D… foi condenado no âmbito do processo 313/08.3PTPRT, do 2º Juízo, do Tribunal de Pequena Instância Criminal, em pena 100 dias de multa pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, por factos praticados em 25.02.2008 e no âmbito do processo 323/08.0PSPRT do 3º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal, em pena de três meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, por um crime de condução sem habilitação legal, praticado em 08.03.2008. Foi ainda condenado no âmbito do processo 192/07.8P6PRT da 4ª Vara Criminal do Porto, em pena de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, por prática de um crime de tráfico de estupefacientes, cujo trânsito em julgado ocorreu em 10.12.2008. No decorrer desta pena reincidiu na prática de um crime de idêntica natureza ao dos autos supra referenciados, cometido em 24.03.2011, motivo pelo qual lhe veio a ser cominada pena de 20 meses de prisão, cuja execução ficou suspensa por igual período de tempo, tendo nesta sequência sido prorrogado o período de suspensão da pena anteriormente aplicada por mais um ano, com regime de prova. Ao longo do período desta intervenção o arguido, apesar de alguns problemas de assiduidade, esforçou-se por cumprir as obrigações/objectivos impostos em sede do plano de reinserção social. À data dos factos pelos quais se encontra acusado, D… residia com os progenitores e irmão no actual domicílio, ainda que frequentemente pernoitasse ora no agregado dos avós maternos, ora junto da namorada. Trabalhava pontualmente com um tio em serviço de mudanças e consumia haxixe de forma regular. De salientar, que neste período se encontrava em cumprimento de pena de prisão, suspensa na sua execução, com regime de prova, no âmbito de processo acima referido. O arguido conhece os co-arguidos, alguns deles desde criança, e mantem com estes convivência, por se tratarem de indivíduos residentes no bairro …, onde viveu durante a sua infância e que continua a frequentar de forma regular, atendendo a que mantêm lá residência seus familiares, nomeadamente os avós maternos. Presentemente Mantém a mesma inserção familiar e habitacional, residindo com os progenitores e irmão em casa arrendada, inserida em conjunto habitacional, tipo “ilha”, ainda que, segundo o irmão, seja mais frequente pernoitar com a namorada, cuja morada desconhecemos, ou junto do agregado dos avós maternos, fazendo aparentemente uma vida autónoma. D… encontra-se inserido profissionalmente há cerca de 4 meses, na empresa “H…, Lda.”, onde exerce funções de distribuidor, auferindo o salário mínimo nacional. Avalia a sua actual situação financeira como equilibrada, contribuindo na economia do agregado de origem, sem adiantar valores, e ter como encargos o pagamento de mensalidade do ginásio (€28/mês) e da anuidade do seguro automóvel (cerca de €200). Na dimensão afectiva, o arguido mantém relacionamento de namoro há cerca de 2 anos, relação com alguma instabilidade, com períodos de separação. D… não mantém actualmente hábitos de consumo de estupefacientes. Ocupa os seus tempos livres no convívio com a família, namorada, alguns amigos e colegas de trabalho, relatando que não mantém convivência com indivíduos com comportamentos desviantes/criminais. Tem gosto pela prática de desporto, mencionando a frequência de ginásio aos fins-de-semana. Não sendo este o seu primeiro confronto com o sistema da administração judicial penal, D…, verbaliza alguma preocupação com a presente acusação, perspectivando no entanto um desfecho positivo do processo. O arguido dispõe de suporte familiar quer no que respeita ao presente processo, quer no seu quotidiano. O arguido em abstracto, e face à natureza dos factos, assume uma postura crítica e adopta um discurso de acordo com o social e juridicamente expectável. Quando confrontado com as anteriores condenações, nomeadamente por factos análogos aos da presente acusação D… revelou um discurso de desvinculação, observando frágil interiorização da ilicitude da sua anterior conduta criminal.
Do CRC do arguido III-D… constam as seguintes condenações:

O arguido IV- B… tem 23 anos de idade (22 anos de idade à data da prática dos factos) e é solteiro. B… é o mais novo de três descendentes, sendo que o seu processo de desenvolvimento foi assumido pela progenitora, que se constituiu como um elemento significativo e de referência afectiva na sequência do falecimento do progenitor e do irmão mais velho, ainda, durante a infância do arguido. Na condução do processo educativo dos descendentes a progenitora, que teve o apoio de familiares de origem, terá assumido um posicionamento caracterizado por alguma permissividade e ausência de assertividade. A dinâmica familiar foi condicionada pela manutenção de comportamento aditivo a estupefacientes por parte do irmão sobrevivo do arguido, que se traduziu em desavenças e dificuldades comunicacionais/relacionais, agravadas pela doença – Esquizofrenia de que é portador. O arguido ingressou no ensino em idade regulamentar, tendo revelado elevado índice de insucesso, motivado por acentuadas dificuldades de aprendizagem o que determinou a não concretização de qualquer grau de escolarização. Veio a concluir, segundo refere, o 4º ano de escolaridade já em adulto. Aos 14 anos de idade do arguido ocorreu o falecimento da progenitora, episódio repentino e de difícil gestão por parte da família e em especial por parte do arguido. Devido ao modo de vida mantido pelo arguido, quando tinha quinze anos de idade, foi institucionalizado, por ordem judicial do Tribunal de Família e Menores do Porto – 2ºJuízo/1ªSecção (processo 3186/03.9TQPRT), na “I…” pertença da J…. Ingressou nesta instituição após ter permanecido internado na “K…”, onde terá sido submetido a um tratamento de desintoxicação e acompanhamento médico especializado à problemática da toxicodependência. Durante o curto período de institucionalização, ocorrido entre 16 de Janeiro a 24 de Fevereiro de 2006 B… frequentou o sistema de ensino e experimentou o exercício de várias actividades nas áreas da limpeza, culinária e pintura. Durante este período de tempo, o arguido manteve comportamentos de fuga institucional, alturas em que regressava a casa da morada de família situada no bairro … no Porto. Entretanto B… terá passado a residir com o irmão, L… na casa morada de família ou em casa de familiares e amigos residentes no mesmo bairro. A gestão do quotidiano tem sido, desde a morte da mãe, realizada autonomamente e em função dos seus interesses, sem qualquer supervisão parental. Nunca ter concretizou experiência laboral regular, nem possui qualquer qualificação profissional. À data dos factos constantes na acusação, o arguido residia com o irmão na morada constante nos autos. Trata-se de um apartamento tipologia 3, que segundo afirma, necessita de obras de reparação/conservação, inserido em bairro social da cidade do Porto, conotado com problemáticas sociais e criminais, designadamente consumo e tráfico de estupefacientes. Nesta altura era acompanhado por esta DGRSP no âmbito de penas de prisão suspensas na sua execução com regime de prova, cujo decurso foi avaliado como, globalmente positivo. As despesas fixas mensais da habitação (renda, electricidade e água) eram asseguradas através da prestação do RSI (rendimento social de inserção) Atribuídas ao arguido e ao irmão contando com o apoio de uma tia, que sempre contribuiu com géneros alimentares para a manutenção/sustento do arguido. Ao nível ocupacional encontrava-se inactivo, gerindo o quotidiano segundo os seus interesses, sendo frequente permanecer com o irmão períodos de tempo em casa, que alternava com outros passados em casa de amigos. Contudo, B… refere que a permanência com o irmão o afectava negativamente devido ao posicionamento que este assumia, traduzido num comportamento aditivo e instabilidade emocional advinda de doença – Esquizofrenia. O arguido nessa altura era consumidor de substâncias estupefacientes, comportamento que abandonou, por completo, há cerca de ano e meio, sem ter recorrido a qualquer apoio especializado. Actualmente, B… mantém residência no mesmo endereço, sozinho, atendendo a que o irmão foi alvo de internamento e mesmo após a alta ocorrida no entretanto, não regressou ao agregado familiar, mantendo-se afastado A nível económico o arguido é beneficiário do rendimento social de inserção no valor mensal de cerca de €140, única receita fixa de que dispõe para fazer face às despesas no valor de €45 mensais, correspondentes a renda e fornecimento de água e energia eléctrica. O arguido descreve a sua situação financeira como capaz de suportar as suas despesas, tanto mais que em caso de necessidade afirma beneficiar de apoio de alguns tios e até amigos da sua progenitora. Inactivo mantém um quotidiano ocioso, sem qualquer estruturação ou organização. A única experiência estruturada em termos de trabalho ocorreu durante a execução de trabalho a favor da comunidade em substituição de pena de multa a que foi condenado e que realizou de 15 de Outubro a 12 de Novembro de 2012 na Junta de Freguesia …., cumprindo tarefas de limpeza no cemitério, tendo sido efectuada avaliação positiva do seu desempenho. O arguido no dia-a-dia costuma conviver com amigos do bairro, também sem ocupação, onde é residente e outros amigos de outros bairros das proximidades. A familiar contacta refere desconhecimento do grupo de pares que o arguido integra, mencionando que considera o arguido um individuo influenciável, característica que é reconhecia pelo arguido. Como projecto de vida futuro, o arguido indica a sua pretensão em concretizar inserção profissional, sem contudo mencionar as iniciativas que tem vindo a diligenciar nesse sentido, para além de referir estar inscrito no centro de emprego da sua área de residência, situação que decorre obrigatoriamente por ser beneficiário do RSI. Do contacto com a M… decorre informação de que o arguido frequentou de Junho a Novembro de 2012, durante o período da manhã, curso de competências básicas, sendo do conhecimento da instituição a problemática relacional do arguido e irmão, a sua desocupação, embora do seu plano de inserção assinado no âmbito do RSI decorra a necessidade do arguido buscar inserção formativa ou profissional e os deficits que apresenta ao nível das competências sociais. A nível da interacção sócio residencial o arguido e o irmão terão, no passado, sido protagonistas de algumas incompatibilidades com vizinhos por, nomeadamente, desrespeito do horário de descansado. Esta situação parece ter sido ultrapassada com a ausência do irmão do arguido da habitação.
Do CRC do arguido IV- B… constam as seguintes condenações:

O arguido V- F… tem 21 anos de idade (20 anos de idade à data da prática dos factos) e é solteiro. B… é o mais novo de uma prole de três do casamento dos pais. Tem ainda mais três irmãos consanguíneos de relacionamento afectivo paralelo mantido pelo progenitor. A dinâmica familiar foi caracterizada pelos longos períodos de permanência do pai em Espanha, onde esteve emigrado durante a infância, descrevendo um relacionamento volátil entre os progenitores, pautado por inúmeras separações e reatamentos, nunca tendo efectivado divórcio. O seu percurso de crescimento e socialização, condicionado pelas razões identificadas supra, que propiciaram deficiente supervisão parental e precoce autonomia, ocorreu junto de bairros sociais conotados com problemática de tráfico e consumo de estupefacientes, residindo durante a infância no Bairro … e posteriormente no Bairro …, convivendo igualmente com a avó materna e irmãos consanguíneos no Bairro …. Tanto o progenitor como um dos irmãos consanguíneos já cumpriram penas de prisão por crimes de tráfico de estupefacientes. Em idade própria, frequentou o sistema de ensino, tendo concluído o 6º ano de escolaridade, aos 15 anos de idade, registando várias retenções por falta de interesse nos conteúdos escolares, mas também por acompanhar outros pares que também registavam níveis de absentismo elevados. Apesar de ter abandonado o sistema de ensino há vários anos, ainda não regista qualquer experiência profissional. Há cerca 2 anos encetou relacionamento afectivo com actual companheira. Verbaliza ter iniciado consumos de estupefacientes (haxixe) aos 12 anos, que continua a manter, por aferir uma relação gratificante com este tipo de drogas, não referindo consumos de outras drogas ou álcool. Á data dos factos o arguido residia na morada dos autos, há 8 anos, com os progenitores, numa habitação inserida em aglomerado tipo “ilha” de tipologia T1, com proximidade a bairro social com práticas de criminalidade, Bairro …. Todos os elementos do agregado estavam desempregados, há vários anos, e beneficiavam de subsídios estatais (rendimento social de inserção – RSI). Verbaliza quotidiano dirigido ao convívio com a companheira residente, à data, no Bairro Pinheiro Torres e outros pares e irmãos consanguíneos no Bairro …, estruturando os seus dias em função dos consumos de haxixe, revelando não idealizar estratégias que permitissem a supressão da situação de desemprego em que se encontrava. Após os factos afastou-se dos locais supra referidos. Autonomizando-se do agregado de origem para passar a residir com a companheira no início de 2013, tendo nascido a única filha do casal no final desse ano. Contudo de referir que a residência actual, Rua …, …, casa ., fica próxima da primeira torre do Bairro …. No presente habita numa casa de tipologia T1, inserida em aglomerado tipo “ilha”. No que toca às condições económicas, refere beneficiar do RSI no valor de €350, estando aguardar pelo abono de família destinado à menor, verbalizando despesas fixas mensais a renda €85, água €25 e energia eléctrica €30. Apesar dos valores apresentados e das despesas acrescidas com a menor, F… não considera a situação económica precária, referindo receber um valor invariável por serviços de cargas e descargas que, ocasionalmente, realiza com um familiar desde o início do corrente ano a que acresce o apoio monetário do agregado de origem. No presente a companheira refere que, apesar de manter consumos esporádicos de haxixe, deixou de conviver com os pares, referidos supra, estando, desde o nascimento da filha dedicado ao agregado, entendido como prioritário, contudo não realiza procura activa de emprego que não seja a oferecida pelo Centro de Emprego onde se encontra inscrito por força da atribuição de subsídio estatal. O casal justifica pela necessidade de manter os cuidados à filha, idealizando que essa situação se altere em Setembro quando a menor for colocada em infantário. Assim, perspectivam colocação em cursos profissionais, o arguido de soldador e a companheira de cabeleireiro, nos quais referem já estar inscritos no âmbito do contrato de RSI. Aguarda colocação em habitação social, verbalizando ter diligenciado junto das entidades competentes. No meio social de residência, passado e presente, onde as condutas associadas ao consumo e tráfico de estupefacientes não transmitem especial estigmatização ou relevância aos moradores, beneficia de uma imagem social não conotada com estas práticas, sendo-lhe alocada uma representação ligada à manutenção de um estilo de vida ocioso, com recurso a subsídios estatais, não sendo perceptível rejeição social. F… verbaliza temor pelas consequências que uma condenação em pena privativa da liberdade possa ter na sua esfera pessoal e familiar, dirigindo essa preocupação a um possível afastamento da filha. Formula em abstracto, avaliação crítica relativamente à tipologia dos factos constantes na acusação, reconhecendo a ilicitude e gravidade dos factos relatados nos autos, bem como a existência de danos que possam ser infligidos a possíveis vítimas, afastando-se do descrito nos autos em concreto. Solicitado a equacionar a possibilidade de condenação o arguido, que espera ver toda a situação esclarecida em sede de julgamento e um desfecho que lhe será favorável, naquela eventualidade, manifesta adesão a uma medida de execução na comunidade.
Do CRC do arguido V- F… não constam condenações.
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2.1.2. Factos não provados.
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa, designadamente:
- Que o arguido C… deitou pela sanita outros produtos que não se lograram recuperar.
- Outros factos que se encontrem na acusação ou nas contestações e não se encontrem entre os provados, se encontrem em oposição com estes, constituam mera repetição, argumentação ou matéria instrumental ou conclusiva.
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2.1.3. Formação da convicção
O Tribunal formou a sua convicção na análise crítica do conjunto da prova produzida, a qual segundo as regras da experiência e do normal suceder das coisas, foi suficiente para, além da dúvida razoável, dar por assentes os factos que resultaram provados, nomeadamente quanto à matéria imputada aos arguidos.
Com efeito, conjugando os depoimentos das testemunhas agentes da PSP, nomeadamente as situações por eles descritas descritas e os objectos apreendidos nomeadamente o dinheiro e estupefacientes apreendidos, as folhas com apontamentos, as munições, levou o tribunal, de acordo com o normal suceder das coisas da vida, a concluir da forma como concluiu nos factos provados, ou seja que os arguidos procederam à detenção e venda de estupefaciente e detenção de munições nos termos descritos nos factos provados. Com efeito, em relação ao dia 06.12.2012, tendo em conta o facto de se encontrarem cinco indivíduos dentro duma casa abandonada, com estupefaciente em cima duma mesa e noutros pontos da casa, com um cofre com dinheiro e apontamentos dos que normalmente se encontram nas situações de tráfico de estupefacientes e que reagiram tentando impedir a entrada da polícia, tem de se concluir que as circunstâncias são esclarecedoras do que aí decorria. Em relação aos factos do dia 21.03.2013, esclarecedoras são também as circunstâncias descritas pelos agentes da PSP, na abordagem a um local onde normalmente se pratica o tráfico de estupefaciente e do que aí viram e apreenderam. Também em relação à situação de 18.09.2013 a situação descrita pelos agentes é clara.
Assim e descendo aos concretos meios de prova, teve o tribunal em conta:
Os depoimentos das testemunhas N…, O… e P…, agentes da PSP, que depuseram de modo sincero e convincente, relatando a sua intervenção no dia 06.12.2012. Assim, referiram que chegaram ao local, uma residência devoluta e que viram luz no sue anterior, tentaram abrir a porta, mas que do interior não deixavam, sendo que entraram as duas primeiras testemunhas pela janela, sendo que os cinco arguidos se encontravam no interior da residência, quatro encostados à parede e o arguido Maia a vir do quarto de banho, que havia estupefaciente em cima da mesa, na sanita e no sofá, bem como um cofre em cima da mesa com dinheiro e que havia também além de cartuchos de arma de fogo e um x-acto, outros objectos e um papel com anotações, o que tudo foi apreendido.
Os depoimentos das testemunhas Q…, S… e T…, agentes da PSP, que depuseram de modo sincero e convincente, relatando a sua intervenção no dia 21.03.2013. Assim, referiram que chegaram ao local – … do Bairro …, e que entraram de surpresa, sendo que foi dado o grito de «…», e as pessoas começaram a fugir pelas escadas acima, que perseguiram o arguido C… e que este, entre o 5º e o 6º andar deixou cair uma mochila que levava a tiracolo que foi apanhada pelo agente S…; que o arguido C… entrou numa habitação e fez uma descarga do autoclismo no quarto de banho. Descreveram os objectos e estupefaciente apreendidos. Foi ainda apreendida uma segunda bolsa lançada nas escadas da … e apanhada pelo agente T….
Os depoimentos das testemunhas U…, V… e W…, agentes da PSP, que depuseram de modo sincero e convincente, relatando a sua intervenção no dia 18.09.2013 no Bairro …. Assim, referiram que chegaram ao local – junto ao bloco . – e observaram o arguido E… a servir dois toxicodependentes que fugiu e foi interceptado com estupefaciente, dinheiro e um papel com apontamentos do tráfico, o que foi apreendido.
O depoimento sincero e isento de X…, que se referiu às condições pessoais e familiares do arguido E….
Teve também o Tribunal em conta a prova documental e pericial junta aos autos, designadamente, autos de exame de fls. 136, 144, 148, 282, 283, 376, os autos de apreensão, detenção e testes rápidos de fls. 2 a 7, 222 a 232, 245, 246; os apontamentos de fls. 18 e de fls. 242; os autos de detenção, apreensão, testes rápidos e croquis de fls. 3 a 6, 9 a 23, e 71 do apenso 138/13.4 PDPRT
Quanto às condições pessoais, modo de vida e antecedentes criminais dos arguidos teve o tribunal ainda em conta os relatórios da DGRS e o CRC juntos.
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3. Da fundamentação jurídica da decisão recorrida, com interesse para o caso, importa destacar o seguinte:
«2.2.1. Enquadramento jurídico-penal
Fixados os factos, importa apreciar da sua relevância penal.
a) Comecemos pelo crime de tráfico de estupefacientes
Dispõe o artigo 21º, n.º 1 do Dec. Lei n.º 15/93:
“Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40°, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.”
Descendo aos factos provados, verificamos que, nas circunstâncias aí descritas, nos dias 06.12.2012 e 18.09.2013, o arguido E… procedia à venda de estupefaciente (heroína e/ou cocaína) e/ou detinha estupefaciente (heroína e /ou cocaína) destinado à venda.
Por outro lado, também nas circunstâncias descritas nos factos provados, verificamos que nos dias 06.12.2012 e 21.03.2013, o arguido C… procedia à venda de estupefaciente (heroína e/ou cocaína) e/ou detinha estupefaciente (heroína e /ou cocaína) destinado à venda.
Resultou também provado que em relação ao dia 06.12.2012, os arguidos E…, C…, D…, B… e F… encontravam-se no interior da casa sita na Rua …, n.º .., r/c B, no Porto, a prepararem e dosearem a heroína e cocaína, para posteriormente procederem à respectiva venda e que detinham 248 € provenientes da venda de estupefaciente.
Acresce que resultou provado que os arguidos agiram de forma livre e consciente, sabendo quais eram as características, natureza e efeitos dos produtos estupefacientes que detinham e que vendiam, sempre com a intenção de obterem contrapartida económica, mais sabendo que a posse, detenção, cedência e venda de tais produtos é proibida por lei.
Todos os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas por lei.
Ora, tanto basta para se ter por preenchido o tipo de ilícito fundamental do tráfico de estupefacientes do citado artigo 21º.
Resta agora saber se a conduta dos arguidos não se enquadrará antes na previsão do artigo 25º do mesmo diploma.
Dispõe esta norma:
“Se, nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente aos meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:
a) Prisão de 1 a 5 anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI; (...)”
Esta última disposição legal, honrando desde logo o princípio constitucional da proporcionalidade das penas (cfr., quanto a esta matéria, Maria João Antunes, in Droga – Decisões de Tribunais de 1ª Instância – 1993, Comentários, pág. 296), destina-se a conferir relevância jurídico-penal à diferença existente na realidade social entre o grande e o pequeno tráfico de estupefacientes.
O artigo 25º al. a), conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.10.1998 (in C.J.- STJ- 1998-III-188) constitui uma “válvula de segurança do sistema”, destinado a evitar que se parifiquem os casos de tráfico menor aos de tráfico importante e significativo.
Ainda a este respeito citamos daquele mais alto Tribunal o Ac. de 22.10.1998, in BMJ 480 – pág. 43 e segs.-, quando refere que “a tipificação do artigo 25º parece significar o objectivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza, encontra a medida justa de punição em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativa da tipificação do artigo 21º e encontram resposta adequada dentro das molduras penais previstas no artigo 25º.” (cfr. ainda sobre o artigo 25º: o Acórdão do STJ de 2.12.1998, in BMJ 482 – 56 e segs., o Ac. do STJ de 12.07.2005 - Rel. Cons. Simas Santos, os Acs. do STJ de 18.05.2006 e 12.10.2006 - Rel. Cons. Pereira Madeira, o Ac. do STJ de 13.09.2006 – Rel. Cons. Sousa Fonte, o Ac. do STJ de 02.12.2013 – Rel Cons. Rodrigues da Costa, o AC. do STJ de 18.12.2013 – Rel Cons. Manuel Braz, todos em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/ -, e o Ac. do TRP de 15.03.2006 - Rel. Desemb. Paulo Valério, in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/).
Importa apreciar a imagem global do facto dos presentes autos e ver se é de afastar a aplicação do referido artigo 25º.
Vejamos então:
Se em relação aos arguidos E… e C…, dado o número plural de situações, bem como o total do estupefaciente apreendido, afigura-se ser de afastar o artigo 25º, mantendo a conduta destes arguidos enquadrada no artigo 21º, ou seja no tipo de ilícito fundamental.
Já quanto aos arguidos D…, B… e F…, se é certo que os arguidos venderam e detinham estupefaciente destinado à venda, e sendo de considerar que a quantidade de estupefacientes apreendida não é insignificante, bem como o facto de a qualidade – cocaína e heroína – ser da mais perniciosa à saúde, a verdade é que trata-se de apenas uma situação e não revelando a acção destes arguidos insistência, repetição de actos, organização ou a utilização de meios sofisticados. À luz do senso comum podemos afirmar que nos encontramos em relação a estes três arguidos perante uma situação de tráfico de pequena dimensão.
Tudo ponderado, afigura-se que a conduta dos arguidos D…, B… e F… se integra na previsão do artigo 25º, ou seja numa área de criminalidade média. Ir mais longe e integrar a conduta do arguido no artigo 21º seria, a nosso ver, desproporcionado.
b) Vejamos agora o crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 86º, n.º 1 alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção da Lei n.º 12/2011, de 27 de Abril, cuja versão da Lei n.º 50/2013 se mantém no essencial inalterada, pelo que se aplica nos termos do artigo 2º, n.º 4 do Código Penal a versão em vigor à data dos factos.
Dispõe o 86º, n.º 1 al. d) da Lei n.º 5/2006 de 23.02, na redacção da Lei n.º 12/2011, de 27 de Abril:
«1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo:
(…)
d) Arma da classe E, arma branca dissimulada sob a forma de outro objecto, faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, estrela de lançar, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 do artigo 3.º, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão eléctrico, armas eléctricas não constantes da alínea b) do n.º 7 do artigo 3.º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, silenciador, partes essenciais da arma de fogo, bem como munições de armas de fogo independentemente do tipo de projéctil utilizado, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias.
(…)
»
O crime de detenção de arma proibida é um crime de perigo abstracto e consuma-se por vários meios, como a mera detenção, uso, cedência, aquisição, venda, importação ou fabrico dos instrumentos e objectos descritos na lei, salvas as excepções consignadas.
Como elemento subjectivo exige-se o dolo.
Resultou provado que os cartuchos apreendidos aos arguidos no dia 06.012.2012 e acima descritos pertenciam aos arguidos E…, C…, D…, B… e F… que não tinham autorização para os deter, nem possuíam licença de uso e porte de arma, bem como que actuaram ainda e sempre de forma livre e consciente, sabendo que não podiam deter as munições acima descritas, que não eram titulares de licença de uso e porte de arma e que não tinham autorização para o efeito, mais sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei.
Ora, tanto basta para o comportamento dos arguidos ter preenchido todos os elementos – objectivos e subjectivos - do ilícito de detenção de arma proibida que lhes era imputado.
Os crimes de tráfico e de detenção de arma proibida cometidos pelos arguidos encontram-se numa situação de concurso efectivo nos termos do artigo 30º do Código Penal.
2.2.2. Determinação da pena.
(…)
2.2.2.3. Da substituição da pena de prisão.
(…)»
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4.- Apreciação dos recursos.
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………………………………………………
………………………………………………
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4.4. Inconstitucionalidade do artigo 86º, n.º1 al. d) da Lei n.º 5/06, visando a sua desaplicação e consequente absolvição do recorrente do crime de detenção de arma proibida (questão do recurso do recorrente B…).
Sustenta o recorrente que o tipo de crime previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d) da Lei n.º 5/06, de 23/1 viola o núcleo essencial do princípio da legalidade penal, plasmado no artigo 29.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, por carecer de certeza e determinabilidade. Argumenta que a redacção do tipo em causa não permite ao comum cidadão perceber o conteúdo proibitivo da norma, nem formular sob a futura conduta um juízo de ilicitude, em muitas das situações nela “previstas”; mais sustenta que a condenação pelo cometimento desse crime está amplamente (e inconstitucionalmente) disponível à discricionariedade judicial, operada através de um tipo incriminador vago, confuso e redutor.
Sustenta também que o tipo viola o princípio da necessidade das penas e das medidas de segurança, implicitamente consagrado no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa. Argumenta que o crime de detenção de arma proibida visa tutelar o perigo de lesão da ordem, segurança e tranquilidade públicas face aos riscos da livre circulação e detenção de armas; que se trata de um crime de perigo abstracto, porque não pressupõe nem o dano/lesão nem a efectiva colocação em perigo do bem jurídico tutelado pela incriminação; entende que nem todas as situações previstas no tipo são aptas a colocar em perigo o bem jurídico tutelado, e portanto, a extensão da incriminação ultrapassa a constitucional antecipação da tutela dos bens jurídicos, e viola o princípio da necessidade das penas. Conclui que a aplicação deste artigo implica a incriminação de um comportamento (a detenção de cartuchos vazios) que em absoluto não é apto a constituir um perigo para o bem jurídico protegido; e à mesma conclusão se chega nas situações em que um cidadão guarda ou traz consigo uma munição de arma de fogo, mas não tem na sua disponibilidade fáctica qualquer arma de fogo; entende ainda que o legislador ao não distinguir tipicamente a situação de quem traz consigo uma munição de arma de fogo da situação de quem exporta ou importa munições de arma de fogo ou as vende ilicitamente está a violar o princípio em causa.
Sustenta ainda que o tipo em causa viola o princípio da culpa (artigo 32.º, n.º 2 da CRP), o princípio do acusatório (artigo 32.º, n.º 5 da CRP) e o princípio da presunção da Inocência (artigo 32.º, n.º 2 da CRP).
Vejamos.
Como decorre do decidido em primeira instância o recorrente foi condenado pela prática de um crime p. e p. pelo artigo 86º, n.º1 al. d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro (Regime Jurídico das Armas e Munições), com base na seguinte matéria de facto: a detenção de uma caixa contendo dezanove cartuchos plásticos carregados com carga propulsora de pólvora, escorva e múltiplos projéteis em chumbo, próprios para armas de fogo de alma lisa, classe C e D, encontrando-se em bom estado de conservação.
Os recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade comportam necessariamente objecto normativo, devendo incidir sobre a apreciação da constitucionalidade de normas ou interpretações normativas. O objeto do recurso (em sentido material) são normas jurídicas, tomadas com o sentido que a decisão recorrida lhes tenha conferido. Com efeito, considerando o caráter ou função instrumental dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade face ao objecto do processo, para que o recurso tenha efeito útil, exige-se que haja ocorrido efetiva aplicação pela decisão recorrida da norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade é sindicada. Tudo para dizer, que apreciaremos a inconstitucionalidade invocada do tipo em causa, na dimensão normativa aplicada, com a concreta hipótese fáctica enunciada, não sendo, portanto, apreciados os argumentos que pressuponham hipóteses fácticas que não estão em causa nos autos. Parece esquecer o recorrente que os tribunais só estão autorizados a fiscalizar em concreto a constitucionalidade das normas legais, artigo 280º da Constituição pelo, repete-se, só nesta dimensão será a questão apreciada.
Vejamos então se a norma na dimensão aplicada padece de vício de inconstitucionalidade que a torne inválida como critério de decisão jurídica.
Quanto à inconstitucionalidade por violação do princípio da legalidade penal, vejamos.
O princípio da legalidade penal encontra a sua razão na garantia do cidadão contra intervenções punitivas arbitrárias do Estado, ganhando progressivamente o coadjuvante reforço fundamentador dos princípios democrático e da separação de poderes, com atribuição ao parlamento da competência exclusiva para definir os crimes e estabelecer as penas, e também um fundamento intrínseco, político-criminal, por constituir exigência lógica da função de prevenção (geral e especial) e do princípio da culpa que a lei penal seja clara, precisa e anterior aos factos.
O artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa, submete a intervenção penal ao princípio da legalidade, no sentido preciso de que não pode haver crime nem pena ou medida de segurança que não resultem de lei prévia, escrita, certa e estrita, estando, consequentemente, proibido o recurso à analogia.
É a seguinte a redação desta disposição constitucional, sob a epígrafe “Aplicação da lei criminal”:
1. Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a ação ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior”
2. (…)
3. Não podem ser aplicadas penas ou medidas de segurança que não estejam expressamente cominadas em lei anterior.
4. Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respetivos pressupostos, aplicando-se retroativamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido.
5. (…)

Por seu turno, o artigo 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro (Regime Jurídico das Armas e Munições), com a epígrafe “Detenção de arma proibida”, tem a seguinte redacção:
1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou exportação, usar ou trouxer consigo:
(…)
d) Arma da classe E, arma branca dissimulada sob a forma de outro objecto, faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, estrela de lançar, boxers, outra armas brancas ou engenhos ou instrumento sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º7 do artigo 3º, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão eléctrico, armas eléctricas não construídas exclusivamente com o fim de serem utilizadas como armas de agressão, silenciador, partes essenciais da arma de fogo, munições, bem como munições com os respectivos projécteis expansivos, perfurantes, explosivos ou incendiários, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias.

«O princípio da tipicidade dos crimes, vertido na conhecida formulação romana nullum crimen nula poena sine lege, pode ser visto como corolário de outro princípio, o da legalidade.
A CRP, no seu artigo 29.º, n.º 1, dispõe que «ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a ação ou omissão…» A melhor doutrina constitucional descobre nesta norma uma tripla exigência:
a) A suficiente densidade da norma incriminadora, proibindo-se o uso de conceitos vagos ou insuficientemente determinados (nullum crimen nula poena sine lege certa);
b) A proibição da interpretação extensiva das normas penais incriminadoras (nullum crime nulla poena sine lege stricta);
c) A determinação legal da pena correspondente a cada tipo de crime (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição revista, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p.495; também, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, p.672).
A doutrina penal, que se indica exemplificativamente, não se distancia desta posição.
As exigências de suficiente densidade da norma penal são condição de «um direito criminal objetivo que adequadamente cumpra a repartição de competências entre a legislação e a jurisdição – imposta pelo princípio da separação dos poderes –, que atue como fundamento normativo das decisões jurídicas concretas – imposta, por sua vez, pelo princípio da vinculação jurídica das mesmas decisões – e ofereça a prática possibilidade de controle ainda dessas decisões – como impõe o princípio da objetividade jurídica ou da exclusão do arbítrio» (A. Castanheira Neves, «O princípio da legalidade criminal», in Digesta, volume 1º, Coimbra, 1995, p. 380).
Também Taipa de Carvalho (Constituição Portuguesa Anotada, cit., Tomo I, pág. 672) escreve que «dada a necessidade de prevenir as condutas lesivas dos bens jurídico-penais e igualmente de garantir o cidadão contra a arbitrariedade ou mesmo contra a discricionariedade judicial, exige-se que a lei criminal descreva o mais pormenorizadamente possível a conduta que qualifica como crime. Só assim o cidadão poderá saber que ações e omissões deve evitar, sob pena de vir a ser qualificado criminoso, com a consequência de lhe vir a ser aplicada uma pena ou uma medida de segurança».
Sousa Brito («A lei penal na Constituição», in Estudos sobre a Constituição, II, Lisboa, 1978, pp. 197 ss, 243, 244), reconhecendo tratar-se de problema de difícil solução, sustenta que «que alguma determinação terá que haver, resulta já dos princípios da legalidade das penas e da conexão entre crime se a lei que a impõe não determinasse com suficiente segurança os pressupostos genéricos a que está ligada. Previsões legais vagas, ou de outro modo indeterminadas são um modo de desvirtuar a função de garantia da reserva de lei e do princípio da legalidade por inteiro. Isto vale tanto para os crimes, como para as contravenções, como para os pressupostos das medidas de segurança.»
22. O Tribunal Constitucional já teve oportunidade, por mais de uma vez, de se pronunciar sobre o sentido e alcance do princípio da tipicidade dos crimes. Vejam-se, a título de exemplos significativos:
«…Averiguar da existência de uma violação do princípio da tipicidade, enquanto expressão do princípio constitucional da legalidade, equivale a apreciar da conformidade da norma penal aplicada com o grau de determinação exigível para que ela possa cumprir a sua função específica, a de orientar condutas humanas, prevenindo a lesão de relevantes bens jurídicos. Se a norma incriminadora se revela incapaz de definir com suficiente clareza o que é ou não objeto de punição, torna-se constitucionalmente ilegítima.» (Acórdão n.º 168/99, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
«… O princípio da tipicidade exprime-se, em direito penal, na exigência de normas prévias, escritas e precisas. As normas incriminadoras – e, mais amplamente, as normas penais positivas, isto é, as normas que geram ou agravam a responsabilidade – só podem cumprir a sua finalidade preventiva geral e satisfazer o desígnio da segurança jurídica que enforma o princípio da legalidade e o próprio Estado de direito democrático se houverem entrado em vigor antes da prática das condutas criminosas e forem efetivamente cognoscíveis pelos destinatários» (Acórdão n.º 449/02, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
«…Num Estado de direito democrático a prevenção do crime deve ser levada a cabo com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, estando sujeita a limites que impeçam intervenções arbitrárias ou excessivas, nomeadamente sujeitando-a a uma aplicação rigorosa do princípio da legalidade, cujo conteúdo essencial se traduz em que não pode haver crime, nem pena que não resultem de uma lei prévia, escrita e certa (nullum crimen, nulla poena sine lege). É neste sentido que o artigo 29.º, n.º 1, da Constituição, dispõe que ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a ação ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior.
Essa descrição da conduta proibida e de todos os requisitos de que dependa em concreto uma punição tem de ser efetuada de modo a que “se tornem objetivamente determináveis os comportamentos proibidos e sancionados e, consequentemente, se torne objetivamente motivável e dirigível a conduta dos cidadãos” (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2007, p. 186). Daí que, incindivelmente ligado ao princípio da legalidade se encontre o princípio da tipicidade, o qual implica que a lei deve especificar suficientemente os factos que constituem o tipo legal de crime (ou que constituem os pressupostos de medida de segurança), bem como tipificar as penas (ou as medidas de segurança). A tipicidade impede, assim, que o legislador utilize fórmulas vagas, incertas ou insuscetíveis de delimitação na descrição dos tipos legais de crime, ou preveja penas indefinidas ou com uma moldura penal de tal modo ampla que torne indeterminável a pena a aplicar em concreto. É um princípio que constitui, essencialmente, uma garantia de certeza e de segurança na determinação das condutas humanas que relevam do ponto de vista do direito criminal.» (Acórdão n.º 397/2012, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
23. Dúvidas não existem quanto à razão de ser da exigência da tipicidade. A incriminação de condutas humanas é absolutamente excecional, fundada como é na necessidade de prevenir e reprimir comportamentos antissociais que, pela sua gravidade, ameaçam a vida em sociedade. Mesmo quando as condutas humanas afetam negativamente direitos e interesses de outros membros da sociedade, causando-lhes prejuízo, a reação penal é uma patologia, apenas ocorrendo quando aqueles direitos e interesses são objeto de proteção constitucional (v., neste sentido, sublinhando que a sanção penal deve constituir o derradeiro recurso jurídico para o enquadramento de uma conduta humana, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, cit., pp.493-494; Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, cit., p.671).
Ora, se apenas podem ser crimes comportamentos especialmente graves e censuráveis; e se estes comportamentos, para constituírem crimes, têm de ser previamente identificados como tais pelo legislador (e, acrescentamos, definidos de modo a poderem ser percebidos como tais pelos destinatários da norma), compreendem-se as dimensões constitucionais do princípio da tipicidade penal, tal como se referiram noutro ponto, nomeadamente as exigências de lei certa e de lei estrita.
A lei penal que institui uma conduta humana em crime não pode fazer apelo a conceitos vagos e de determinação difícil, a exigir do aplicador uma atividade perturbada e perturbadora.» vide Acórdão n.º 852/2014 do TC, disponível in www.tribunalconstitucional.pt
Da análise estrutural do artigo em análise, decorre que se trata de um crime de execução ou realização vinculada, pois o tipo descreve o modo de execução, o universo das condutas susceptíveis de originarem o perigo.
Abarca, portanto, o n.º1 as diversas modalidades de conduta ilícita: “detiver”; transportar”; “importar”; “transferir”; “guardar”; comprar”, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio”; “obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação”; “usar” “ou trouxer consigo”.
Nas várias alíneas do n.º1 enunciam-se as condutas ilícitas com recurso às definições constantes no artigo 2º ou mesmo 3º da mesma lei. Assim, no caso de munições, a conduta ilícita integra-se por referência às definições constantes do artigo 2º, n.º3 al. p); artigo 2º, n.º3 alªs r), v), s) e t). Ora, o apelo às referidas definições, que só valem para o diploma em questão, que visaram essencialmente uniformizar conceitos e, portanto, fixar uma interpretação uniforme do diploma retira qualquer margem à incerteza, e faz apelo a uma técnica contrária ao uso de conceitos vagos ou insuficientemente determinados, que visa evitar interpretação extensiva das normas penais incriminadoras; sendo que a cada grupo de condutas ilícitas semelhantes corresponde e está determinada legalmente a pena correspondente.
Tendo em conta o que deixamos exposto e perante as definições constantes do artigo 2º, nº3, nomeadamente, alª p) e artigo 2º, n.º3, nomeadamente, alªs r), v), s) e t), e mesmo 2º, n.º 5, diversas alíneas (definições do que seja “detenção de arma”; “porte de arma”; “transporte de arma”, “uso de arma”; “importação”, “exportação”; “trânsito”; “transferência”, não vemos onde foi o recorrente retirar a ideia de que se trata de um tipo incriminador vago, confuso e redutor; afirmação que, aliás fez mas não densificou.
Pelo exposto não vislumbramos qualquer inconstitucionalidade com fundamento na violação do princípio da legalidade.
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Sustenta também o recorrente que o tipo viola o princípio da necessidade das penas e das medidas de segurança, implicitamente consagrado no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa.
O Tribunal constitucional já teve oportunidade de se pronunciar sobre a constitucionalidade da al. a) do n.º1 artigo 86º do RJAM na dimensão de violação do princípio aqui em causa e, se bem que aqui esteja em causa a desaplicação, por inconstitucionalidade da al d), certo é que pela similitude da hipótese concreta usaremos a argumentação do TC no referido Acórdão, devidamente adaptada.
Com efeito escreve-se ali: «A definição de crimes, penas e medidas de segurança acarreta, inelutavelmente, uma restrição ao direito à liberdade, reconhecido como direito fundamental, pessoal, no art.º 27.º, n.º 1, da Constituição.
Por isso, o Tribunal Constitucional tem, reiteradamente, reconhecido que a regulação dessa matéria deve obediência estrita aos pressupostos materiais, que legitimam, constitucionalmente, as restrições de direitos, liberdades e garantias fundamentais, constantes do art.º 18.º, n.º 2, da Constituição: exigência de previsão constitucional expressa da respectiva restrição; vinculação da restrição à necessidade de salvaguardar um outro direito, liberdade e garantia fundamental; subordinação das leis restritivas a um princípio da proporcionalidade, o qual postula, num sentido estrito, que os meios legais restritivos devem situar-se numa justa medida e não poderão ser desproporcionados ou excessivos em relação aos fins que se pretende obter (cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, Coimbra, 4ª edição, págs. 391-393).
Discorrendo sobre esta temática, em termos que correspondem a uma leitura, constantemente repetida pelo Tribunal, dos parâmetros constitucionais e que aqui se renova (cf., a título de exemplo os Acórdãos abaixo identificados e, muito recentemente, o Acórdão n.º 165/2008, sobre questão algo semelhante com a dos autos, por respeitar a um crime de perigo relacionado com a detenção de material de guerra), diz-se lapidarmente no Acórdão n.º 108/99, disponível em www.tribunalconstitucional.pt:
«4.4.3.1. O direito penal, enquanto direito de protecção, cumpre uma função de ultima ratio. Só se justifica, por isso, que intervenha para proteger bens jurídicos – e se não for possível o recurso a outras medidas de política social, igualmente eficazes, mas menos violentas do que as sanções criminais. É, assim, um direito enformado pelo princípio da fragmentariedade, pois que há-de limitar-se à defesa das perturbações graves da ordem social e à protecção das condições sociais indispensáveis ao viver comunitário. E enformado, bem assim, pelo princípio da subsidariedade, já que, dentro da panóplia de medidas legislativas para protecção e defesa dos bens jurídicos, as sanções penais hão-de constituir sempre o último recurso.
A necessidade social apresenta-se, deste modo, como critério decisivo da intervenção do direito penal. No dizer de SAX (citado por EDUARDO CORREIA, loc. cit.), a necessidade da pena surge "como o caminho mais humano para proteger certos bens jurídicos". (Para maiores desenvolvimentos sobre esta questão, cf. o citado acórdão n.º 83/95, publicado Diário da República II Série, de 16 de Junho de 1995).
Este princípio da necessidade – que, no dizer de EDUARDO CORREIA ("Estudos sobre a reforma do direito penal depois de 1974, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 119º, página 6), marca o "limite do âmbito do direito penal" – decorre do n.º 2 do artigo 18º da Constituição. Neste preceito constitucional dispõe-se, com efeito, que "a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos".
Mas então, como adverte FIGUEIREDO DIAS ("O sistema sancionatório no direito penal português", in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Eduardo Correia, I, Boletim da Faculdade de Direito, número especial, Coimbra, 1984, página 823), há-de observar-se "uma estrita analogia entre a ordem axiológica constitucional e a ordem legal dos bens jurídico-penais", ficando toda a intervenção penal subordinada "a um estrito princípio de necessidade". "Só por razões de prevenção geral, nomeadamente de prevenção geral de integração – sublinha-se – pode justificar a aplicação de reacções criminais".
Idêntico é o pensamento de JOSÉ DE SOUSA E BRITO ("A lei penal na Constituição", in Estudos sobre a Constituição, volume 2º, Lisboa, 1978, página 218), que escreve: "Entende-se que as sanções penais só se justificam quando forem necessárias, isto é, indispensáveis, tanto na sua existência, como na sua medida, à conservação e à paz da sociedade civil".
Simplesmente, o juízo sobre a necessidade de lançar mão desta ou daquela reacção penal cabe, obviamente, em primeira linha, ao legislador, em cuja sabedoria tem de confiar-se, reconhecendo-se-lhe uma larga margem de discricionariedade.
A limitação da liberdade de conformação legislativa, neste domínio, só pode ocorrer, quando a sanção se apresente como manifestamente excessiva (cf. o citado acórdão n.º 83/95 e, bem assim, os acórdãos nºs 634/93 e 480/98, o primeiro, publicado no Diário da República II Série, de 31 de Março de 1994, e o segundo, por publicar em que, tocantemente à decisão criminalização de certas condutas, se afirmou idêntica doutrina).
Quando, pois, se não se esteja em presença de uma situação de excesso – ou, pelo menos, não seja manifesto que tal aconteça – a norma incriminadora não pode ser censurada sub specie constitutionis, em nome do princípio da proporcionalidade.».
Poucas foram as vezes em que o Tribunal Constitucional censurou o juízo de mérito feito pelo legislador acerca da definição de crimes, de penas ou de medidas de segurança.
Mas, quando o fez, o certo é que associou, geralmente, a violação do princípio da proporcionalidade ao desrespeito de outros princípios constitucionais.
Assim, nos casos julgados nos Acórdãos n.ºs 634/93, 650/93, 141/95 e 527/95, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt, sendo o último de generalização do julgamento levado a cabo pelos demais, o juízo de inconstitucionalidade – relativo ao “art.º 132.º do Código Penal e Disciplinar da Marinha Mercante, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38 252, de 20 de Novembro de 1943, na parte em que estabelece a punição daquele que, sendo tripulante de um navio e sem motivo justificado, o deixe partir para o mar sem embarcar, quando tal tripulante não desempenhe funções directamente relacionadas com a manutenção, segurança e equipagem do mesmo navio” – fundamentou-se em a norma, “ao não respeitar o princípio da subsidiariedade do direito penal e da necessidade da pena, viola[r] os princípios constitucionais da justiça e da proporcionalidade decorrentes da ideia de Estado de direito democrático (artigos 18.º, n.º 2, e 2.º da Constituição)”.
Também o Acórdão n.º 211/95, disponível no mesmo sítio, julgou “inconstitucional a norma resultante da conjugação dos artigos 132º e 133º do Código Penal e Disciplinar da Marinha Mercante, aprovado pelo Decreto-Lei nº 33.252 de 20 de Novembro de 1943, na parte em que dela resulta a punição como desertor daquele que, sendo tripulante de um navio (e não desempenhando funções directamente relacionadas com a manutenção, segurança e equipagem do mesmo navio) e sem motivo justificado, o deixe partir para o mar sem embarcar, por violação dos princípios da subsidiariedade do direito penal e da necessidade da pena (artigos 2º e 18º, nº 2, da Constituição)”.
Por seu lado, os Acórdãos n.ºs 370/94, 958/96, 329/97 e 201/98, disponíveis, igualmente, em www.tribunalconstitucional.pt, chegaram a um juízo de inconstitucionalidade sobre as normas, respectivamente, dos artigos 204º, alínea c) (burla), 203º, alínea a) (abuso de confiança), 193.º, n.º 1, alínea c) e 193.º, n.º 1, alínea b) (peculato), todos do Código de Justiça Militar, com base numa articulação do princípio da proporcionalidade com o princípio da igualdade, constituindo o referente as penas previstas para os mesmos tipos de crime no Código Penal.»
Ora, não vem posto em dúvida pelo recorrente, que o crime de detenção de arma proibida visa tutelar o perigo de lesão da ordem, segurança e tranquilidade públicas face aos riscos da livre circulação e detenção de armas, não estando assim posta em causa a ponderação levada a cabo pelo legislador sobre a necessidade de criminalização de “uma mera detenção de munições”, pois ela tem justificação, no facto de sem as munições correspondentes as armas de fogo não servirem rigorosamente para nada, portanto, as munições, enquanto parte imprescindível de um conjunto cujo uso pode ser letal, visam afastar exactamente os mesmos perigos, nomeadamente a salvaguarda da vida e integridade física de terceiros que a capacidade agressiva de tais objectos, em conjunto, colocam em risco, podendo, ainda, convocar-se a necessidade de tutela de outros bens jurídicos, como sejam a segurança das pessoas e da comunidade em geral e até do direito de propriedade, todos com indiscutível relevo e tutela constitucional (cf. art.ºs 24.º, 25.º, 27.º e 61.º).
Também não vem posto em causa, antes afirmado pelo recorrente, que o tipo legal de crime, aqui em causa, se configura como um crime de perigo comum (abstracto) e não como um crime de dano, pois não pressupõe nem o dano/lesão nem a efectiva colocação em perigo do bem jurídico tutelado pela incriminação. Assim, o desvalor da acção respeita ao perigo, representado como uma adequada possibilidade de poder sobrevir, associada à acção, a lesão dos referidos bens jurídicos.
A propósito do artigo 275.º do Código Penal, que acautelava, anteriormente, os bens jurídico-criminais, cuja protecção é agora levada a cabo pelo art. 86.º da Lei n.º 5/2006, escreve Paula Ribeiro de Faria (Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, p.891) em relação ao n.º4 daquele artigo:
“Com este tipo legal o legislador pretendeu evitar toda a actividade idónea a perturbar a convivência social pacífica e garantir através da punição destes comportamentos potencialmente perigosos, a defesa da ordem e segurança pública contra o cometimento de crimes, em particular contra a vida e a integridade física (cf. TRABUCCHI, Comentario breve al Códice Penale 695; ANTOLISEI 112; CARLO MOSCA, EncG, Armi II Armi e Munizione – Dir. Pen. 1). O bem jurídico protegido é por conseguinte a segurança da comunidade face aos riscos (em última instância para bens jurídicos individuais), da livre circulação e detenção de armas proibidas, engenhos e matérias explosivas. Aprofundadas investigações sobre a matéria elaboradas com base em dados estatísticos têm comprovado que existe uma relação directa entre as manifestações de violência criminal (política ou comum), e a detenção incontrolada de armas e explosivos, enquanto que a intervenção legislativa, administrativa, e penal, respeitando embora os direitos e garantias constitucionalmente consagrados, se revelou de particular eficácia na contenção deste fenómeno”.
E escreveu ainda: “o n.º 4 deste tipo legal pune comportamentos relacionados com acessórios de armas proibidas, encontrando-se estes separados da arma. De outra forma, serão tidos como fazendo parte integrante da mesma, preenchendo-se o n.º3 do artigo em questão. Abrangem-se aqui mecanismos de propulsão, câmara, tambor ou cano de qualquer arma proibida, silenciador ou outro aparelho análogo, mira telescópica ou munições destinadas a serem montados nessas armas, ou por elas disparadas. A intenção do legislador parece ter sido a de evitar que através da decomposição programada deste tipo de armas se possam iludir as disposições anteriores, e impedir não só a sua plena funcionalidade (no caso por exemplo das munições), como o aumento da sua perigosidade (mira telescópica)”.
Visto que estamos perante um tipo de crime de perigo comum, não se apresenta como sendo de solução fácil, para o legislador, a determinação do ponto de equilíbrio entre o desvalor ou gravidade da acção a se e a pena, pois aquele, desligado do valor do resultado, pode apresentar-se como sendo, “em geral, de pequena monta” (Manuel Lopes Rocha, Jornadas de Direito Criminal, CEJ, 1983, p. 371).
Terá sido, aliás, uma tal visão da questão, que justificou a amplitude da moldura abstracta do tipo em questão: “prisão até quatro anos, ou pena de multa até 480 dias”, visto que no tipo factual cabem condutas de gravidade variável que justificam os amplos limites da moldura penal em questão.
Por outo lado, o desvalor do resultado, adequadamente associado ao perigo corporizado nas acções consideradas ilícitas, pode atingir dimensões, verdadeiramente, catastróficas, a reclamar a previsão de uma pena que cumpra, eficazmente, a função de prevenção geral, de dissuasão de tais condutas.
Sendo que, no caso, a moldura é suficientemente elástica para permitir a adequação da pena em face das específicas circunstâncias do caso, pois varia, como vimos, entre um mês (mínimo legal) e quatro anos de prisão, sendo ainda prevista alternativamente a pena de multa com variação entre 10 a 480 dias, havendo, assim, ampla possibilidade de ajustar a pena, além de à concreta gravidade do ilícito penal imputado ao arguido e ao grau da sua culpa, aos dos demais factores concernentes à sua determinação.
Aliás, a conclusão do recorrente de que a aplicação deste artigo implica a incriminação de um comportamento (a detenção de cartuchos vazios) que em absoluto não é apto a constituir um perigo para o bem jurídico protegido, é completamente desprovido de sentido em face da “definição de munição” constante do artigo 2º, al. p) (“Munição de arma de fogo” o cartucho ou invólucro ou outro dispositivo contendo o conjunto de componentes que permitem o disparo do projétil ou de múltiplos projéteis, quando introduzidos numa arma de fogo”), pois em se tratando de “cartucho vazio” não contém o conjunto de componentes que permitem o disparo de projéctil quando introduzido na arma de fogo e, por isso, não é considerado munição; Assim, como desprovido de sentido é, dizer que o legislador não distinguiu tipicamente a situação de quem traz consigo uma munição de arma de fogo da situação de quem exporta ou importa munições de arma de fogo ou as vende ilicitamente, pois que a já mencionada amplitude da moldura abstracta do tipo em causa, e os dois tipos de sanção que a moldura abstracta comporta, prisão e multa, são sinónimos de que o legislador distinguiu múltiplas situações fácticas abrangidas pelo tipo; no que se refere às situações em que um cidadão guarda ou traz consigo uma munição de arma de fogo, mas não tem na sua disponibilidade fáctica qualquer arma de fogo, remetemos para o que acima dissemos sobre a plena funcionalidade das armas de fogo dependerem das respectivas munições.
Neste pressuposto, entendemos, não poder considerar-se, manifestamente, desproporcionada a restrição ao direito fundamental da liberdade com a cominação da pena estabelecida na norma criminal posta em escrutínio de constitucionalidade, especialmente se tivermos em atenção que a norma prevê alternativamente a cominação de uma pena de multa.
Concluindo, em matéria de criminalização, o legislador não beneficia de uma margem de liberdade irrestrita e absoluta, devendo manter-se dentro das balizas que lhe são traçadas pela Constituição; mas no controlo do respeito pelo legislador dessa ampla margem de liberdade de conformação, com fundamento em violação do princípio da proporcionalidade, só deve proceder-se à censura das opções legislativas manifestamente arbitrárias ou excessivas, o que não é o caso, com o que improcede a questão na dimensão sob apreciação.
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No que concerne à inconstitucionalidade da norma por violação do princípio da culpa, princípio da presunção de inocência e do acusatório, vejamos.
Com conteúdo adequado do princípio da presunção de inocência do arguido apontar-se-á: «a) proibição de inversão do ónus da prova em detrimento do arguido; b) preferência pela sentença de absolvição contra o arquivamento do processo; c) exclusão da fixação de culpa em despachos de arquivamento; d) não incidência de custas sobre arguido não condenado; e) proibição de antecipação de verdadeiras penas a título de medidas cautelares; f) proibição de efeitos automáticos da instauração do procedimento criminal; g) natureza excepcional e de última instância das medias de coacção, sobretudo das limitativas ou proibitivas de liberdade; h) princípio in dubio pro reo, implicando a absolvição em caso de dúvida do julgador sobre a culpabilidade do acaudado.
(…)
O princípio da presunção de inocência surge articulado com o tradicional princípio in dubio pro reo. Além, de ser uma garantia subjectiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.
Este princípio considera-se também associado ao princípio nulla poena sine culpa, pois o princípio da culpa é violado se, não estando o juiz convencido sobre a existência dos pressupostos de facto, ele pronuncia uma sentença de condenação. Os princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo constituem a dimensão jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta como suporte axiológico–normativo da pena.» vide J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume, I, págs. 518 e 519.
Portanto, a presunção de inocência influi intra processualmente, no essencial, com a distribuição do ónus da prova. O princípio in dubio pro reo complementa o da presunção da inocência mas não é uma tradução deste. Emanação do princípio da presunção de inocência é, entre o mais, o estabelecimento de regras de produção de prova e portanto de formação da convicção do julgador. Diz respeito ao "intervalo" da produção de prova, enquanto o in dubio pro reo tem o seu campo de aplicação depois de concluída a produção de prova. Na verdade, o princípio do in dubio dispõe que "a dúvida insanável sobre factos deve favorecer o arguido. (...) O princípio do in dubio pro reo não é, pois, um princípio de direito probatório, mas antes uma regra de decisão na falta de uma convicção para além da dúvida razoável sobre os factos" – cf. P.P. Albuquerque, in Comentário do CPP, pág. 61.
Por seu lado, «o princípio do acusatório (n.º5, 1ª parte) é um dos princípios estruturantes da constituição processual penal. Essencialmente ele significa que só pode ser julgado por um crime precedendo acusação por esse crime por parte de um órgão distinto do julgador, sendo a acusação condição e limite do julgamento. Trata-se de uma garantia essencial do julgamento independente e imparcial. Cabe ao Tribunal julgar os factos constantes da acusação e não conduzir oficiosamente a investigação da responsabilidade penal do arguido (princípio do inquisitório).
A «densificação» semântica da estrutura acusatória faz-se através da articulação de uma dimensão material (fases do processo) com uma dimensão orgânico-subjectiva (entidades competentes). Estrutura acusatória, significa no plano material, a distinção entre instrução, acusação e julgamento; no plano subjectivo, significa a diferenciação entre juiz de instrução (órgão de instrução) e juiz julgador (órgão julgador) e entre ambos e o órgão acusador» - vide J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume, I, pág. 522.
Como vimos, sustenta o recorrente que o tipo em causa viola o princípio da culpa (artigo 32.º, n.º 2 da CRP), o princípio do acusatório (artigo 32.º, n.º 5 da CRP) e o princípio da presunção da Inocência (artigo 32.º, n.º 2 da CRP), na medida em que faz depender a verificação do crime (pelo menos em algumas situações) de um facere, posterior à prática dos factos: a justificação da posse da “arma”. A verificação deste crime parte de uma presunção de ilicitude/culpa, que só é afastada se o arguido decidir não fazer uso de um direito que lhe é constitucionalmente garantido: o direito ao silêncio, pois se o silêncio do arguido não o pode prejudicar, aqui torna-o um criminoso. Mas também aqui se reforça a violação do princípio da legalidade: se a justificação (a que se refere o legislador) não é a licença para a posse de arma, em que se pode traduzir? Argumenta ainda que o cometimento do crime está ao arbítrio do julgador, que pode admitir qualquer “justificação” ou nenhuma, pois a justificação a que se refere o tipo de crime não está balizada objectivamente.
No tipo sob escrutínio de constitucionalidade menciona-se que uma das condutas ilícitas é a detenção… (fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente) de “outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse”.
Em primeiro lugar cumpre referir em face da redacção deste artigo que a propalada justificação de posse não se refere às armas de fogo, pois para estas ou o agente tem ou não tem licença de uso e porte de arma, ou a arma é proibida ou não é; refere-se antes “a outras armas brancas (diferentes das atrás enunciadas), ou engenhos (diferentes dos atrás enunciados) ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse.
Ao contrário do que parece pretender o recorrente “a justificação do agente para a posse deve aferir-se tendo em consideração diversos factores designadamente, o local e circunstâncias concretas em que o agente detém o objecto e a actividade profissional, desportiva, lúdica ou outra que desenvolva ou pratique”.
E, por outro lado, entendemos que o tipo em causa não parte de qualquer presunção de culpa, parte apenas dos ensinamentos das regras da experiência comum, se um agente é encontrado na posse ou a transportar, etc, (dentro das várias modalidades de acção) uma arma branca ou engenho ou instrumento sem aplicação definida que possa ser usado como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, atende-se ao seu potencial de uso como arma de agressão; isto é, à sua aptidão para em vista das suas características, se utilizada, provocar lesões ou até matar.
O direito ao silêncio reconhecido pela legislação processual penal da maioria dos ordenamentos jurídicos dos Estados de Direito modernos, encontrando consagração expressa em instrumentos jurídicos internacionais (cfr. art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e artigo 14.º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, da ONU), está intimamente ligado ao direito do arguido à não autoincriminação, entendido como o direito de não contribuir para a sua própria incriminação, conhecido pelo brocardo latino nemo tenetur se ipsum accusare. É facilmente explicável a relação deste direito com o direito ao silêncio, uma vez que, não sendo reconhecido ao arguido o direito a manter-se em silêncio, este seria obrigado a pronunciar-se e a revelar informações que poderiam contribuir para a sua condenação.
Tal princípio intervém no processo penal sob duas formas distintas: preventivamente, impedindo soluções que façam recair sobre o arguido a obrigatoriedade de fornecer meios de prova que possam contribuir para a sua condenação e repressivamente, obrigando à desconsideração de meios de prova recolhidos com aproveitamento duma colaboração imposta ao arguido.
Ora, no caso hipotizado pelo recorrente e que, aliás, nada tem de comum com a hipótese em causa nos autos, o arguido a ver-se obrigado a quebrar o seu direito ao silêncio não seria para fornecer provas para a sua condenação, mas exactamente o inverso, para dar uma explicação, que possivelmente só ele teria, para justificar a posse de objecto sem aplicação definida, e portanto contribuir para a sua absolvição.
Aliás, se os arguidos, no uso de um direito constitucionalmente consagrado, optam por não prestar declarações quanto aos factos, ainda que fazendo-o no exercício de um direito legítimo, optam, deliberadamente, por não carrear para o processo versão diferente da retratada na acusação. Se é inequívoco que os arguidos não podem ser prejudicados por usarem do direito ao silêncio, por isso não poder ser valorado como presunção de culpa, é igualmente certo que, como diz Figueiredo Dias (Direito Processual Penal) “se o arguido não pode ser juridicamente desfavorecido por exercer o direito ao silêncio, já o poderá ser de um ponto de vista fáctico, quando desse silêncio derive o definitivo desconhecimento ou desconhecimento de circunstâncias que serviriam para justificar ou desculpar, total ou parcialmente, a infracção” – cfr. também Sofia Menezes “O Direito ao Silêncio: a Verdade por trás do Mito”, Prova Criminal e Direito de Defesa, Almedina.
Não vislumbramos, assim, qualquer violação dos referidos princípios pelo que improcede a questão e, com ela, o recurso do recorrente B….
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III- Decisão.
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento aos recursos interpostos pelos recorrentes, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes, nos termos dos artigos 513.º e 514º do Código de Processo Penal (e artigo 8º, n.º9 do Regulamento das custas processuais e, bem assim, tabela anexa n.º III), fixando-se a taxa de justiça em 5 [cinco] UC para cada um.
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Processado em computador e revisto pela relatora – artigo 94º, n.º 2, do CP.P.

Porto, 25 de Março de 2015.
Maria Dolores Silva e Sousa (Relatora)
Fátima Furtado (Adjunta)