Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2666/13.2T2AGD-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: LIVRANÇA
EXIGIBILIDADE
AVALISTA
PACTO DE PREENCHIMENTO
ÓNUS DA PROVA
JUROS MORATÓRIOS
IMPOSTO DE SELO
Nº do Documento: RP201701092666/13.2T2AGD-A.P1
Data do Acordão: 01/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ªSECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS N.º 640, FLS.10-25)
Área Temática: .
Sumário: I - O avalista enquanto parte no acordo de preenchimento pode opor ao portador da livrança, que não entrou em circulação, a desconformidade com o que tiver sido ajustado acerca do seu preenchimento e desta forma, não tem aplicação o regime do art. 10º LULL, na medida em que a questão coloca-se no âmbito das relações imediatas entre portador/ beneficiário do título e o avalista.
II - Recai sobre o avalista o ónus da prova do pacto de preenchimento e o preenchimento abusivo, nos termos do art. 342º/2 CC, por constituir um facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do exequente.
III - O avalista não pode opor as exceções próprias da relação entre o subscritor e o portador da livrança, que não entrou em circulação, a causa do contrato, porque não teve intervenção na sua celebração. O cumprimento do contrato de garantia reporta-se à relação causal, ao contrato de financiamento que esteve na base da emissão e entrega da livrança em branco ao beneficiário e a respeito do qual o avalista não teve intervenção.
IV - Considera-se que ocorreu a interpelação dos avalistas do subscritor da livrança com emissão de carta por parte de beneficiário na qual se informa do montante em divida, a título de capital e juros e imposto de selo e data de vencimento.
V - O imposto de selo acresce por imposição legal ao crédito de juros, o qual é cobrado pelas instituições bancárias e entregue nos cofres do Estado, constituindo encargo dos clientes em benefício dos quais se efetua a operação.
VI – dívida de juros implica a dívida do imposto de selo e respondendo o avalista nos mesmos termos que o subscritor da livrança o avalista é devedor destes valores.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Livrança-2666/13.2T2AGD-A
Comarca de Aveiro
Proc. 2666/13.2T2AGD-A
Proc. 756/16 -TRP
Recorrente: B… e Outro
Recorrido: E…. SA
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Juiz Desembargador Relator: Ana Paula Amorim
Juízes Desembargadores Adjuntos: Manuel Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto[1]
(5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)
I. Relatório
No presente processo de embargos de executado em que figuram como:
- Embargantes: B… e C…; residentes …, .., ….-… Anadia; e D…, residente …, …, ….-… Coimbra; e - Embargado: E…, SA, com sede R…., ….-… Funchal pretendem os embargantes obter o arquivamento do processo de execução.
Alegaram em síntese, que subjacente à livrança exequenda está um contrato de emissão de garantia bancária, segundo o qual o proponente ficava obrigado a restituir ao E…, SA a importância desembolsada no prazo de oito dias a contar da data de receção do aviso que lhe fosse enviado, notificando-o desse facto, nunca tendo sido a subscritora da livrança interpelada para pagar, nem que tenha sido demonstrado que tenha sido desembolsado pela embargada qualquer valor no âmbito do contrato de garantia bancária, apenas resultando que foi solicitado o pagamento por parte da beneficiária da mesma.
Entendem ser inexigível a obrigação exequenda.
Alegaram, ainda, que a livrança exequenda não foi apresentada a pagamento aos avalistas, nomeadamente aos ora embargantes, aquando do seu preenchimento, pelo que não serão devidos os juros de mora apurados e liquidados pela embargada, só podendo ser considerados os juros de mora vencidos após a citação para a execução.
Quanto ao imposto de selo, entendem que não têm que pagar qualquer montante, por se tratarem de avalistas, citando para perfeito os Acórdãos da Relação de Lisboa de 23.01.1992 e de 19.12.1991, disponíveis no site da DGSI.
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Admitidos os embargos de executado, foi notificado o exequente para contestar, o que fez.
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Na contestação o exequente defende-se por impugnação.
Alegou, em síntese, que a livrança exequenda se destinava a assegurar o cumprimento pontual das obrigações assumidas pela sociedade F…, SA, perante o banco exequente.
A pedido desta sociedade foi prestada pelo exequente uma garantia bancária on first demand a favor da sociedade E… (Brasil), SA no valor de 850.000,00€, destinada a caução de crédito financeiro a ser concedido pelo E…, SA à empresa F… do Brasil - …, SA. A caucionar a garantia solicitada, bem como as obrigações decorrentes da sua emissão, foi emitida a livrança exequenda, em branco, subscrita pela sociedade F…, SA e pelos executados, na qualidade de avalistas, acompanhada do respetivo pacto de preenchimento.
Por carta registada remetida a 22 de março de 2013, foram os executados interpelados no sentido de procederem ao pagamento da quantia de 889.976,45€, correspondente a capital, no valor de 850.000,00€, acrescidos de juros à taxa contratual de 22%, vencidos entre 18.01.2013 e 01.04.2013, no valor de 38.438,89€, e ainda imposto de selo na quantia de 1.537,56€, pagamento que deveria ser efetuado até 1 de abril de 2013, não sendo verdade que não tenham sido interpelados para pagar.
Quanto à falta de apresentação a pagamento, tratando-se a livrança de título pagável à vista, não retira a sua exequibilidade a sua não apresentação de pagamento ao avalista, bastando que a mesma não tenha sido paga pelo subscritor.
Tendo os embargantes dado o seu aval à subscritora da livrança exequenda, por esse aval respondem da mesma forma que a sociedade subscritora, sendo esta responsável da mesma forma que o aceitante de uma letra, pelo que o avalista responde nos mesmos termos que o subscritor, estando assim dispensada a apresentação a pagamento e o protesto quanto ao subscritor de uma livrança e seus avalistas.
Alegou, ainda, que a livrança foi preenchida de acordo com o pacto de preenchimento, não se verificando qualquer abuso da sua parte aquando do preenchimento da mesma.
Quanto ao imposto de selo, tendo os embargantes, na posição de avalistas, assumido uma responsabilidade igual à da respetiva subscritora, são responsáveis não só pelo pagamento da quantia constante da livrança, mas também dos respetivos juros, sendo que por força do Código de Imposto de Selo e da Tabela Geral do Imposto de Selo, este imposto acresce por força da lei ao crédito de juros, pelo que deste modo, a dívida de juros implica a dívida de imposto de selo, devendo considerar-se integrado no imposto de selo.
Sustenta a sua posição nos Acórdãos da Relação de Lisboa de 14.01.1988, de 14.01.1998e do Supremo Tribunal de Justiça de 03.02.1987 e 16.05.1995.
Termina por pedir a improcedência dos embargos deduzidos.
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Procedeu-se à realização da audiência prévia, onde se identificou o objeto do litígio e se fixaram os temas de prova.
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Por despacho de 19 de janeiro de 2016 julgou-se extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, quanto ao executado D….
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Realizou-se o julgamento com observância do legal formalismo.
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Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:
“Pelo exposto, julgo improcedentes os presentes embargos de executado deduzidos por B… e C… contra E…, SA, determinando o prosseguimento da execução.
Custas a cargo dos embargantes – artigo 527 do Código de Processo Civil”.
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Os executados B… e C… vieram interpor recurso da sentença.
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Nas alegações que apresentaram os apelantes formularam as seguintes conclusões:
1 – Andou mal a sentença ora sob recurso ao entender que de acordo com o artigo 53º da LULL, o dever do portador apresentar o título (livrança no caso concreto) a pagamento e ao protesto por falta de pagamento, sob pena de caducidade dos seus direitos contra os garantes, não se aplica ao aceitante, nem bem assim aos avalistas, por exclusão expressa constante da dita regra legal.
2- Considerando que o referido artigo 53º da LULL apenas exclui do dever de apresentação do título a pagamento e ao protesto por falta de pagamento o aceitante, englobando no dito dever os outros co-obrigados sem excepção, na letra da lei “os outros co-obrigados”, e não “outros co-obrigados”, onde a lei não distingue o intérprete também não deve distinguir.
3 – Uma vez que a livrança não foi apresentada a pagamento aos avalistas em momento algum, nunca poderão ser devidos os juros de mora apurados e liquidados pelo Apelado, quanto muito apenas os juros após a citação no âmbito da execução.
4 – O douto tribunal a quo também não julgou de forma correcta ao entender que ocorreu interpelação dos avalistas, incluindo a fixação da data para o pagamento, ede acordo com o pacto de preenchimento da livrança.
5 – Em momento algum foram interpelados os avalistas relativamente ao preenchimento e data de vencimento da livrança, tendo apenas ocorrido interpelação para pagamento de um valor “supostamente” decorrente do accionamento da garantia bancária, mas sem ter sido feita sequer prova cabal detal pagamento.
6 – De acordo com o artigo 10º da LULL, aplicável à livrança ex vi do seu artigo 77º, a lei admite a emissão de livranças incompletas, devendo o seu preenchimento ser efectuado nos limites e termos ajustados, mediante o que se designa por contrato ou pacto de preenchimento, sendo este o acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária.
7 – O pacto de preenchimento implica o ónus da apresentação do título a pagamento ou de uma interpelação e comunicação dos elementos que o portador apôs na livrança, designadamente a respectiva data de vencimento, sendo que a jurisprudência já decidiu que tal comunicação deve ser efectuada a todos os avalistas, pois só assim podem os mesmos tomar conhecimento do montante exacto e da data de vencimento.
8 – O Apelado não cumpriu com estes requisitos, pelo que, no limite, os juros de mora liquidados são indevidos, apenas podendo ser calculados a partir da citação no âmbito da execução.
9 – Outrossim, andou mal a sentença ao entender que os Apelantes não lograram provar que a garantia bancária não foi liquidada pelo Apelado, o que constitui o “facto não provado 1”.
10 – A justificação dada pelo tribunal para ter assim decidido neste ponto da matéria de facto prende-se com os documentos referidos de fls. 54 a 65 PP e o depoimento da testemunha I…, tomando por referência a fundamentação dada para a resposta ao “facto F)” dos factos provados.
11 – Nos termos dessa justificação do “facto F)”, o tribunal alicerçou a sua convicção no depoimento que a dita testemunha prestou e em que essencialmente remeteu para os documentos juntos aos autos pelo Apelado relativamente a esse mesmo eventual pagamento, sendo que em parte alguma de tais documentos está a prova do pagamento, o que significa que a justificação dada pela sentença neste ponto é manifestamente insuficiente em termos de rigor jurídico.
12 - A justificação nem sequer foi minimamente suportada pelo conhecimento direto dos factos por parte da dita testemunha, mas apenas pelo comentário feito por esta aos documentos referidos, sendo que nem se trata de um perito na matéria.
13 – Conforme se pode ler nomeadamente no sumário do Acórdão da Relação de Lisboa, Proc. 111/11.7TBPDL-A.L1-1, proferido em 26 de Janeiro de 2016, quanto à matéria da livre apreciação da prova pelo tribunal: “II-Nem tudo o que é mencionado pelas testemunhas tem que merecer o acolhimento do Tribunal. A apreciação da prova pelo julgador é muito mais profunda, merecendo um tratamento de decifração sério, objectivo e inequívoco, distanciada do interesse subjectivo da parte. ”Disponível: rttp://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/a16d8b2e4585513080257f4f0044cd70?OpenDocument
14 – Considerando que todo o processo tem na sua base precisamente o pagamento da garantia bancária ou não por parte do Apelado, e este não junta documentos que comprovem tal pagamento, nem sequer que o indiciem, mas apenas documentos bancários praticamente ininteligíveis, há que concluir que não é razoável dar por assente que o pagamento foi realmente efectuado.
15 - Sendo certo que o ónus da prova é dos Embargantes, estes sob pena de prova diabólica não podiam vir aos autos juntar documentos negativos do pagamento,por absurdo.
16 - O facto de o Apelado apenas apresentar em tribunal para tal prova uma série de documentos confusos, técnicos, e sem qualquer explicação razoável, é no mínimo estranho.
17 - Assim, deveria ter sido dado por provado o “facto não provado 1”, ou seja, que a livrança foi preenchida sem que se encontre demonstrado que foi desembolsado pelo exequente o valor previsto no âmbito do contrato de garantia bancária e consequentemente ser revogada a sentença proferida e julgados procedentes os embargos.
18 – Também andou mal a sentença ao entender que os Apelantes têm responsabilidade no pagamento do imposto de selo liquidado pelo Apelado na livrança.
19 – Acontece que em momento algum pode ser exigido aos avalistas que paguem um imposto de selo do qual jamais seriam sujeitos passivos.
20 – A jurisprudência já decidiu no sentido defendido pelos ora Apelantes, nomeadamente nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 23.01.1992, Disponível http://www.dgsi.pt/Jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/bdca2cf8e530331480256803000459c4?OpenDocumenth e também de 19.12.1991, Disponívelhttp://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/19684491d03e2f7a802568030000c758?OpenDocument:
21 – Finalmente, entendem os Apelantes que o Apelado é parte ilegítima nos autos, na medida em que a execução foi intentada pelo E…, SA, o qual depois assumiu a posição passiva nestes embargos, nos quais foi proferida sentença em Fevereiro de 2016.
22 – Acontece que por deliberação datada de 20 de Dezembro de 2015, o Banco de Portugal ao abrigo dos artigos 145º-C, 145º-D, 145º-E, 145º-F, 145º-H, 145º-L, 145º-M, 145º-N, 145º-S, 145º-T e 145º-AA do Regime Geral das Instituições de Credito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo DL 298/92, de 31 de Dezembro, na redação em vigor àquela data, tomou a decisão de transferir grande parte dos ativos do dito E…, SA para a sociedade G…, SA, criada nesse mesmo ato para efeitos de gestão de tais activos, e bem assim para o Banco H…, SA, este adquirente de ativos selecionados. Medida consultável em https://www.bportugal.pt/ptT/OBancoeoEurosistema/Esclarecimentospublicos/Paginas/infoE....aspx
23 - Nos termos da referida deliberação do Banco de Portugal, mais concretamente de acordo com a alínea d) da medida tomada, os activos do tipo daquele dos autos, ou seja, créditos do banco sobre terceiros, foram adquiridos pelo Banco H…, SA.
24 - Portanto, a partir de tal medida, ou seja, 20 de Dezembro de 2015, o E…, SA deixou de ter legitimidade para os presentes processo executivo e apenso de embargos, sendo que até à data não houve habilitação do Banco H…, SA nos autos.
25 - Ora, o artigo 53º nº 1 do CPC diz que a execução tem de ser promovida pela pessoa que no titulo executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor.
26 - Já o artigo 54º nº 1 estipula que tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda.
27 - O incumprimento das regras supra-referidas gera uma excepção dilatória de ilegitimidade, de acordo com os artigos 576º e 577º do CPC, e no caso concreto em presença, ou seja, havendo ilegitimidade passiva do embargado, constitui uma nulidade de sentença, nos termos dos artigos 195º e 197º do CPC, o que expressamente se invoca para os devidos efeitos legais.
28 - Termos em que deve a sentença proferida ser declarada nula por esse Douto Tribunal da Relação de Lisboa, por violar a lei processual.
Termina por pedir que se julgue procedente o recurso de apelação, anulando-se a douta sentença a quo por ilegitimidade do Apelado, ou quando assim não se entenda, a revogação da sentença, substituindo-se por outra que julgue os embargos de executado totalmente procedentes (incluindo a modificação da resposta ao facto não provado 1, passando a facto provado), ou quando ainda assim não se entenda, reduzidos os juros de mora nos termos ora alegados, e em qualquer caso revogada a sentença a quo quanto ao imposto de selo.
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Não foi apresentada resposta ao recurso.
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O recurso foi admitido como recurso de apelação.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
A questão a decidir:
- ilegitimidade do apelado;
- reapreciação da decisão de facto, com fundamento em erro na apreciação da prova, quanto à concreta matéria do ponto 1 dos factos não provados;
- da inexigibilidade da obrigação exequenda por falta de apresentação da livrança a pagamento e interpelação dos avalistas e se os juros são devidos a partir da citação;
- se é devido imposto de selo sobre os juros, quando se reclama o crédito exequendo junto dos avalistas.
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2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
A) Foi dada à execução a livrança cuja cópia digitalizada se encontra a fls. 9 e 10 PP dos autos principais, cujo teor se dá aqui por reproduzido para os devidos efeitos legais.
B) A livrança com o nº……………… foi subscrita pela F…, SA pelo valor de 889.976,45€, com data de emissão de 11.06.2008 e data de vencimento de 01.04.2013.
C) No verso da livrança, a seguir às expressões “dou o meu aval à firma subscritora” encontram-se as assinaturas dos ora embargantes.
D) A pedido da sociedade F…, SA foi prestada pelo exequente uma garantia bancária on first demand a favor da sociedade E… (Brasil), SA no valor de 850.0000,00€ destinada a caução do crédito financeiro a ser concedido pelo E… (Brasil) SA à empresa participada F… do Brasil - …, SA.
E) A caucionar a garantia solicitada, bem como as obrigações decorrentes da sua emissão, foi entregue a livrança referida em A) e B), subscrita pela F…, SA e pelos executados na qualidade de avalistas, acompanhada do respetivo pacto de preenchimento.
F) Foi solicitado pelo E… Brasil ao banco exequente o acionamento da referida garantia bancária.
G) Por carta registada datada de 22 de março de 2103, foi solicitado aos embargantes o pagamento da quantia de 889.976,45€, correspondente ao valor de capital de 850.000,00€, acrescido de juros à taxa contratual de 22%, vencidos entre 18.01.2013 e 01.04.2013, no valor de 38.438,89€ e ainda imposto de selo no valor de1.537,56€, pagamento que deveria ser feito até dia 1 de abril de 2013.
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- Os Factos Não Provados:
1- A livrança exequenda foi preenchida sem que se encontre demonstrado que foi desembolsado pelo exequente qualquer valor no âmbito do contrato de garantia bancária.
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Consignou-se:
Não se responde à demais matéria por ser de direito, conclusiva ou não ter interesse para a boa decisão da causa.
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3. O direito
- Ilegitimidade do apelado -
Na última questão suscitada pelos apelantes sob os pontos 21 a 28 requer a apelante que se declare a nulidade da sentença, com fundamento na ilegitimidade da apelada, porque por efeito da deliberação do Banco de Portugal de 20 de dezembro de 2015 os ativos do tipo daquele que estão em causa nestes autos – créditos do banco sobre terceiros – foram adquiridos pelo Banco H…, SA, que não foi habilitado na ação.
Resulta dos autos que em sede de audiência prévia, que se realizou em 14 de maio de 2015, no despacho saneador considerou-se a exequente-apelada parte legitima.
A apreciação da exceção não decorreu da apreciação de uma questão previamente colocada, limitando-se o juiz a declarar a legitimidade das partes.
Atento o disposto no art. 595º/1 a) /2, 1ª parte do CPC o despacho não constitui caso julgado formal, porque a apreciação da exceção não decorre da análise de uma questão colocada com tal objeto.
O tribunal de recurso está em condições de apreciar a exceção, por se tratar de uma exceção dilatória de conhecimento oficioso – art. 577º e) e art.578º CPC -, a respeito da qual não foi proferida nos autos decisão com trânsito em julgado.
A exceção de ilegitimidade não constitui fundamento de nulidade da sentença, como defendem os apelantes.
As nulidades da sentença estão expressamente previstas no art. 615º CPC não se enquadrando a ilegitimidade em qualquer dos fundamentos ali indicados.
A nulidade da sentença constitui um vício formal da sentença, de estrutura ou de limites, que a ocorrer não impede o conhecimento do objeto do recurso (art. 665º/1 CPC).
A ilegitimidade constituindo uma exceção dilatória impede a apreciação do pedido e tem como consequência a absolvição do réu da instância – art. 278º/1 d) CPC.
Colocada a questão em sede de processo de execução impede que o processo prossiga os seus termos e determina a absolvição do executado da instância.
Aqui chegados importa verificar se o exequente tem legitimidade para a execução, face à suposta transmissão ou cedência do crédito a terceiros, por deliberação do Banco de Portugal.
Nos termos do art.53º/1 CPC o exequente é parte legítima, desde que figure como credor no título executivo. Se o título for ao portador, será a execução promovida pelo portador do título.
Porém, como se prevê no art. 54º CPC, tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda. No próprio requerimento para a execução o exequente deduz os factos constitutivos da sucessão.
Estando em causa um título extrajudicial a sucessão prevista no art.54º/1 CPC reporta-se ao período compreendido entre o momento da formação e o da propositura da ação executiva.
LEBRE DE FREITAS[2], observa a este respeito:”[é] assim dispensado o incidente de habilitação no caso de sucessão ocorrida antes da propositura da ação executiva”.
Quando a sucessão venha a ocorrer na pendência do processo de execução, o incidente de habilitação constitui o incidente adequado para fazer intervir os sucessores do credor no processo de execução, aplicando-se o regime previsto nos art. 351 a 355º (para a sucessão universa ), 356º (para a sucessão singular) e 357º (habilitação perante os tribunais superiores).
No caso concreto, analisado o título executivo em confronto com o requerimento de execução (face aos elementos que constam da certidão que instruem o processo de embargos) constata-se que o exequente figura como credor no título, por ser a pessoa à ordem de quem devia ser paga a livrança, apresentando-se como seu legítimo portador. Perante o título executivo figura como parte legítima.
A sucessão no crédito por ato entre vivos, a ter ocorrido, reporta-se a data posterior à instauração da execução, pelo que, apenas através da habilitação poderia o terceiro assumir a posição do exequente na execução.
Contudo, os apelantes não alegaram que o crédito foi transmitido, mas referem apenas que créditos de igual natureza foram transmitidos.
De todo o modo, a transmissão dos créditos não determina a ilegitimidade do credor/exequente, face ao regime previsto no art. 263º/1 CPC.
Conforme decorre deste preceito no caso de transmissão, por ato entre vivos, da coisa ou direito litigioso, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo.
Não resulta dos autos que se promoveu o incidente de habilitação visando a substituição processual do titular do crédito e por isso, o apelado, independentemente das vicissitudes do crédito continua a manter legitimidade para a execução e embargos.
Conclui-se, por julgar o embargado parte legitima para a execução e embargos à execução, improcedendo a exceção e as conclusões de recurso sob os pontos 21 a 28.
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- Reapreciação da decisão de facto-
Nas conclusões de recurso sob os pontos 9 a 17 requerem os apelantes a reapreciação da decisão de facto, quanto ao ponto 1 dos factos não provados, com fundamento em erro na apreciação da prova.
Nos termos do art. 662º/1 CPC a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto:
“[…]se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
O art. 640º CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na despectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”
O presente regime veio concretiza a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expresso a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova[3].
Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso - , motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação – fundamentação - que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
No caso concreto, os apelantes vêm impugnar a decisão da matéria de facto, com indicação dos pontos de facto impugnados, a prova a reapreciar e ainda, a decisão alternativa que deve ser proferida.
Consideram-se, assim, preenchidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto.
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Nos termos do art. 662º/1 CPC a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto:
“[…]se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
A respeito da gravação da prova e sua reapreciação cumpre considerar, como refere ABRANTES GERALDES, Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, “tem autonomia decisória”. Isto significa que deve fazer uma apreciação crítica das provas que motivaram a nova decisão especificando, tal como o tribunal de 1ª instância, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador[4].
Nessa apreciação, cumpre ainda, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Decorre deste regime que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais[5].
Cumpre ainda considerar a respeito da reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos das testemunhas, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art. 396º CC e art. 607º/5, 1ª parte CPC.
Como bem ensinou ALBERTO DOS REIS: “ […] prova […] livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei”[6].
Daí impor-se ao julgador o dever de fundamentação das respostas à matéria de facto – factos provados e factos não provados ( art. 607º/4 CPC ).
Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão.
É através dos fundamentos constantes do despacho em que se respondeu à matéria da base instrutória que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância[7].
Por outro lado, porque se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados[8].
Ponderando estes aspetos cumpre reapreciar a prova – pericial e documental -, face aos argumentos apresentados pelo apelante, tendo presente o segmento da sentença que se pronunciou sobre a fundamentação da matéria de facto.
Os documentos juntos aos autos em confronto com a prova testemunhal não justificam a alteração da decisão de facto quanto ao ponto 1 dos factos não provados pelos motivos que a seguir se expõem.
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A impugnação da decisão da matéria de facto versa sobre os seguintes factos que se julgaram não provados:
1.A livrança exequenda foi preenchida sem que se encontre demonstrado que foi desembolsado pelo exequente qualquer valor no âmbito do contrato de garantia bancária.
Na fundamentação da decisão, ponderaram-se os seguintes meios de prova:
“A resposta negativa ao facto 1 tem por base os documentos constantes de fls. 54 a 65 PP e ao depoimento da testemunha I…, que explicou que foi realizado o pagamento da garantia bancária pelo exequente ao E… Brasil, nos termos referenciados na fundamentação da resposta ao facto F).
[…]
Para responder ao facto F), o Tribunal considerou o que é admitido pelos embargantes no artigo 8º do articulado de embargos de executado, aliado aos documentos constantes de fls. 92 a 94 PP e ao depoimento da testemunha I…, que trabalhava junto do E…, agora H…, e que mereceu a credibilidade do Tribunal pela forma objetiva, serena e clara com que o prestou”.
A apelante considera que tal matéria deve ser julgada “provada”.
Assenta a impugnação no facto dos documentos referenciados na fundamentação não comprovarem o pagamento e a testemunha não revelar o conhecimento direto da matéria em causa.
As testemunhas J… e K…, funcionárias da sociedade F…, apesar de terem conhecimento da garantia concedida pelos embargantes associada à celebração de um contrato de garantia bancária, declararam desconhecer se o exequente acionou a garantia e solicitou o reembolso dos valores pagos à sociedade F… e aos embargantes.
O depoimento da testemunha I… em confronto com os documentos referenciados na decisão (juntos aos autos pelo embargado em 26 de junho de 2015 e 16 de julho de 2015) revelam-se determinantes para apurar as circunstâncias em que foi constituída a garantia bancária, as causas do incumprimento e como foi acionada e cumprida por parte da embargada.
A testemunha revelou ter conhecimento direto dos factos, porque na data em que foi constituída a garantia exercia as funções de Diretor do Centro de Empresas de Aveiro, cargo que exerceu durante 8 (oito) anos e foi o próprio que promoveu o financiamento em colaboração com o E… Brasil, angariando um novo cliente a F…. Esclareceu que os documentos, com os quais foi confrontado, constituem documentos oficiais por respeitarem a comunicações interbancárias que estão padronizadas e obedecem a um conjunto de formalidades. Referiu, ainda, que decorre das normas interbancárias que as instituições têm que manter aberta uma conta na Alemanha processando-se as transferências bancárias através dessa conta, como aqui veio a ocorrer. A testemunha depois de ler os documentos concluiu que dos mesmos decorre que foi exigido o pagamento da garantia bancária e tal pagamento veio a realizar-se, constando dos documentos o código de transferência e o valor transferido.
Disse, ainda, que depois de efetuado o pagamento e por instruções do conselho de administração do Banco diligenciou por obter o pagamento de tal quantia e foi nessa ocasião que se reuniu com o Engº B… (executado-embargante), vice-presidente da F…, no sentido de alcançar um acordo de pagamento.
Referiu, por fim, que a sociedade F… não pagou ao banco e apresentou-se à insolvência, acabando o processo com homologação de um PER. Neste processo acordou-se o pagamento em prestações do valor em divida e a sociedade F… terá procedido ao pagamento de algumas prestações, do que revelou ter conhecimento por informações prestadas por pessoa ou entidade que não identificou.
A testemunha referiu, ainda, que na ocasião em que o E… procedeu ao pagamento da garantia estava a ser intervencionado por parte do Banco de Portugal e das contas apresentadas a esta instituição constava este débito.
Conclui-se, assim, que não se anota na decisão qualquer erro notório na apreciação da prova, porque os documentos apesar de não comprovarem o pagamento evidenciam, face ao depoimento da testemunha (que revelou conhecimento direto dos factos), as diligências que foram promovidas entre as duas instituições bancárias até culminar com o acionamento da garantia e a transferência do respetivo valor para pagamento. A testemunha por efeito das funções que exerceu e exerce (ainda que em distinta entidade bancária) revelou conhecimento dos factos e depôs com objetividade e de forma espontânea merecendo credibilidade o seu depoimento.
Nenhuma outra prova foi produzida sobre a matéria, como se começou por referir, pois as testemunhas J… e K… declararam nada saber quanto a esta concreta questão, apesar de terem conhecimento que os embargantes se constituíram avalistas no âmbito de uma garantia bancária.
Mantém-se, assim, a decisão por não resultar demonstrado qualquer erro notório na apreciação da prova.
Improcedem as conclusões de recurso sob os pontos 9 a 17.
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- Da inexigibilidade da obrigação exequenda por falta de apresentação da livrança a pagamento e interpelação dos avalistas -

Nas conclusões de recurso sob os pontos 1 a 3 insurge-se a apelante contra o segmento da sentença que considerou que o portador não carecia de apresentar a livrança a pagamento ou a protesto para exercer os seus direitos contra os avalistas.
Defende a aplicação do regime do art.53º LULL ao caso concreto e uma vez que a livrança não foi apresentada a pagamento, os juros vencem-se apenas a partir da citação para os termos da execução.
Na sentença defende-se a posição que comummente é seguida na jurisprudência, no sentido de estar dispensado o protesto para pagamento, quando o portador do título pretende exercer os direitos contra o avalista do subscritor da livrança.
A questão que se coloca consiste, assim, em determinar se o portador da livrança para exercer os seus direitos contra os avalistas do subscritor tem que apresentar a livrança a pagamento ou a protesto, por só dessa forma ser exigível a obrigação exequenda.
A promoção do processo de execução está dependente da verificação de pressupostos específicos: o título executivo e que a obrigação exequenda se mostre certa liquida e exigível.
A prestação é exigível como observa LEBRE DE FREITAS: “quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende, de acordo com estipulação expressa ou com a norma supletiva do art.777º/1 CC de simples interpelação ao devedor”[9].
Nos termos do art. 77º da LULL são aplicáveis às livranças as disposições relativas ao aval (art. 30º a 32º) e ainda, os art. 43º a 50º e 52º a 54º, quanto ao direito de ação por falta de pagamento.
Dado o formalismo cambiário, o exercício dos direitos do portador pode ficar dependente de um ato formal destinado a servir de comprovação: o protesto.
O protesto comprova a recusa de aceite ou de pagamento, conforme determina o art. 44º da LULL.
O efeito do protesto é o da manutenção dos direitos contra os outros obrigados cambiários.
Como refere OLIVEIRA ASCENSÃO: “[n]este sentido, não é um ato contra quem recusou aceitar ou pagar, até porque eventuais direitos contra estes se mantêm, independentemente do protesto ( art. 53º: à excepção do aceitante )“[10].
A questão de saber se é necessário o protesto para acionar o avalista do aceitante/subscritor da livrança tem obtido na doutrina diferente tratamento jurídico, sendo que na jurisprudência a questão tem tratamento unânime e uniforme, no sentido de não julgar necessária tal formalidade.
Na apreciação da matéria cumpre ter presente o art. 32º/ § 1º conjugado com o art. 53º§ 1 da LULL.
Conforme decorre do art. 30º da LULL o aval constitui a garantia típica dos títulos de crédito.
Nos termos do art. 32º da LULL:
“O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada.
A sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma. ( … )“
O art. 53º§ 1º da LULL prevê:
“Depois de expirados os prazos fixados para se fazer o protesto por falta de aceite ou por falta de pagamento o portador perdeu os seus direitos de acção contra os endossantes, contra o sacador e contra os outros co-obrigados, à excepção do aceitante.“
Na medida em que a obrigação do avalista é uma obrigação autónoma, mas a respeito da qual o avalista responde na medida objetiva da obrigação do avalizado, nos termos e na quantidade em que este seria responsável, conclui-se que intervém nos termos que caberia ao avalizado intervir e por isso, não se justifica o protesto para pagamento[11].
OLIVEIRA ASCENSÃO analisa a questão nos seguintes termos: “[n]a realidade, há dois tipos de responsáveis cambiários:
- os responsáveis directos;
- os responsáveis por via de regresso.
Aos responsáveis por via de regresso cabe uma responsabilidade que tem fonte diversa da do sacado/aceitante. Eles podem exigir a comprovação solene e literal do incumprimento por parte do aceitante.
Já o avalista toma uma responsabilidade directa: não é aceitante, mas responde no lugar do aceitante. Não tem uma expectativa de que o protesto seja realizado, porque a sua obrigação envolve já tudo aquilo por que o aceitante podia responder. A declaração formal de que não houve pagamento é neste caso irrelevante“[12].
Em sentido diferente, pronunciaram-se Ferrer Correia, “ Lições de Direito Comercial “, vol. III, ed. 1975, pag. 231, Paulo Sendim e Evaristo Mendes “ Aval “ e Nuno Madeira Rodrigues “ Das Letras, Aval e Protesto “, 2ª ed., pag. 62 e seg., sendo certo que este último autor, defende em certas situações a dispensa de protesto quanto ao avalista (administrador/gerente – aval a título pessoal; cônjuges; sociedades em relação de domínio total).
Na jurisprudência, em defesa da tese de dispensa de protesto do avalista do aceitante para o exercício de direitos contra o avalista, podem consultar-se entre outros os Ac. STJ 10.09.2009- Proc. 380/09.2YFLSB, Ac. STJ 23.04.2009 – Proc. 08B3905, Ac. STJ 09.09.2008-Proc.08A1999. Ac. STJ 23.09.2003 – Proc. 03A2211, Ac. STJ 20.03.2003 – Proc 02B4698 – www.dgsi.pt.
Quanto a nós, ponderando a particular natureza do aval e a sua relação com a obrigação do aceitante na letra / subscritor da livrança, somos levados a aderir à posição unânime da jurisprudência dos tribunais superiores.
Daqui resulta que na interpretação do art. 53º da LULL, por remissão do art. 77º da LULL a ação contra o avalista do subscritor da livrança, não se extingue por falta de protesto para pagamento e constando da livrança a data de vencimento, em conformidade com o pacto de preenchimento, a obrigação incorporada no título é uma obrigação exigível, por ter prazo certo.
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Nas conclusões de recurso sob os pontos 4 a 8 insurge-se a apelante contra o segmento da decisão que julgou ter ocorrido interpelação dos avalistas e fixação de data para pagamento de acordo com o pacto de preenchimento.
Consideram os apelantes que o pacto de preenchimento implica o ónus da apresentação do título a pagamento ou de uma interpelação e comunicação dos elementos que o portador apôs na livrança, designadamente a respetiva data de vencimento, sendo que a jurisprudência já decidiu que tal comunicação deve ser efetuada a todos os avalistas, pois só assim podem os mesmos tomar conhecimento do montante exato e da data de vencimento. O apelado não cumpriu com estes requisitos, pelo que, no limite, os juros de mora liquidados são indevidos, apenas podendo ser calculados a partir da citação no âmbito da execução.
A questão que se coloca consiste em apurar se os avalistas podem invocar em sua defesa o seu incumprimento do pacto de preenchimento e se não foi cumprido o pacto de preenchimento da livrança e reflexos no crédito cambiário, em sede de juros.
Resulta dos factos provados que a pedido da sociedade F…, SA foi prestada pelo exequente uma garantia bancária on first demand a favor da sociedade E… (Brasil), SA no valor de 850.0000,00€ destinada a caução do crédito financeiro a ser concedido pelo E… (Brasil) SA à empresa participada F… do Brasil - …, SA ( alínea D)).
A caucionar a garantia solicitada, bem como as obrigações decorrentes da sua emissão, foi entregue a livrança referida em A) e B), subscrita pela F…, SA e pelos executados na qualidade de avalistas, acompanhada do respetivo pacto de preenchimento (alínea E)).
A livrança foi emitida contendo apenas as assinaturas do subscritor e avalistas e o seu preenchimento ocorreu em momento ulterior.
Quando a execução foi instaurada, a livrança, entretanto preenchida pela beneficiária, apresentava todos os requisitos definidos pelos artigos 75ºe 76º da LULL para assim ser considerada e, portanto, para servir de base à execução (artigo 46º, c) do Código de Processo Civil e atual art. 703º/1 c) CPC ).
Tratando-se de uma execução baseada num título extra-judicial, os embargos podem ter como fundamento, além da “inexequibilidade do título” e das outras causas previstas no artigo 729º do Código de Processo Civil para a execução fundada em sentença, qualquer fundamento “que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração” (artigo 731º CPC).
Ao opor à execução a excepção de preenchimento abusivo, os executados estão a apontar a inobservância de um acordo respeitante à relação extracartular que os liga, o que no caso é admissível, por se tratar de questão suscitada no âmbito das relações imediatas (artigos 10º e 77º, II, da LULL).
Como se refere no Ac. Rel. Coimbra de 23.02.2010[13] “[…] na distinção entre relações imediatas e mediatas, considerar-se-á relação imediata “aquela que é anterior à transmissão da letra e, depois desta, a que se estabelecer no plano que existe entre ela e a transmissão seguinte, e assim sucessivamente: a relação imediata é a que se estabelece na mesma fase de circulação da letra”. Operando-se a circulação do título cambiário mediante endosso (artigo 11º, § 1º, da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças), é este ato que irá determinar o corte entre as sucessivas relações, tendo o mesmo valor que o endosso o acordo de transmissão ao tomador (veja-se o artigo 11º, § 2º, da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças). Em termos sintéticos, afirma-se que “os sujeitos que estão numa relação imediata são aqueles que participam numa mesma convenção executiva, ou que, por força da lei, ficam colocados juridicamente na posição de um dos participantes nessa convenção “.
Dispõe o art. 10.º da LULL, aplicável às livranças face ao estatuído no art. 77.º da mesma lei:
“Se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave.”
O preceito reporta-se à figura jurídica da “ livrança em branco “, cujos requisitos indispensáveis são:
a) que no título se contenha já assinatura de, pelo menos, um dos obrigados cambiários;
b) que haja um acordo de preenchimento dos elementos restantes.
A livrança em branco deve ser preenchida em conformidade com o acordo de preenchimento, sem prejuízo dos direitos do portador estranho a esse mesmo acordo e de boa fé.
O pacto de preenchimento constitui o ato pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a sede do pagamento, a estipulação de juros[14].
Como expressivamente se refere no Ac. STJ 14 de dezembro 2006[15]: “[e]ste acordo que pode ser expresso ou induzir-se perante os factos que forem assentes reporta-se à obrigação cartular em si mesma, o que pode ou não coincidir com a obrigação que esta garante e que daquele é causal ou subjacente.
Mas ali valem, tão somente, os critérios da incorporação, literalidade, autonomia e abstracção e não a “causa debendi“ bastando-se para a execução a não demonstração, pelo executado, de ter sido incumprido o pacto de preenchimento, que pode ser invocado no domínio das relações imediatas.
Este princípio é válido para os avalistas, desde que tenham subscrito o pacto de preenchimento”.
Ponderando a particular natureza do aval, salienta-se no Ac. STJ 11.02.2010[16]: “[a]tenta esta autonomia, o avalista não pode defender-se com as excepções do avalizado, salvo no que concerne ao pagamento.
Realmente, tendo em conta a natureza da obrigação do avalista, destinada à satisfação do direito do credor, se o avalizado pagar ou satisfizer de outro modo a sua dívida ao portador da letra, este não pode exigir do avalista um segundo pagamento.
O princípio da independência das obrigações cambiárias e da obrigação do avalista da do avalizado (arts. 7° e 32° da LULL) não obsta a que o avalista oponha ao portador a excepção de liberação por extinção da obrigação do avalizado (desde que o portador seja o mesmo em relação ao qual o avalizado extinguiu a sua obrigação".
Pelo que, em princípio, o acordo de preenchimento apenas diz respeito ao subscritor da Iivrança e ao seu portador.
Não tendo o avalista, também e ainda em princípio, legitimidade para discutir questões relacionadas com o pacto de preenchimento.
A não ser que tenha também intervindo na sua celebração.
Podendo então opor ao portador, se a livrança não tiver entrado em circulação, ou seja, se não tiver saído do domínio das relações imediatas, não sendo, assim, detida por alguém estranho às relações extra-cartulares, a excepção do preenchimento abusivo“.
Conclui-se, assim, que o avalista enquanto parte no acordo de preenchimento pode opor ao portador da livrança, que não entrou em circulação, a desconformidade com o que tiver sido ajustado acerca do seu preenchimento e desta forma, não tem aplicação o regime do art. 10º LULL, na medida em que a questão coloca-se no âmbito das relações imediatas entre portador/ beneficiário do título e o avalista.
Daqui decorre que recai sobre o avalista o ónus da prova do pacto de preenchimento e o preenchimento abusivo, nos termos do art. 342º/2 CC, por constituir um facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do exequente.
Neste sentido, podem consultar-se, ainda, Ac. Rel Porto 03 de abril de 2014, Proc.1033/10.4TBLSD-A.P2; Ac. Rel. Porto de 03 de junho de 2014, Proc.448/11.5TBPRG-A.P1, Ac. Rel. Porto 05 de maio de 2014, Proc.3862/11.2TBVNG-A.P.1; Ac. Rel. Lisboa de 08 de outubro de 2015, Proc. 607/10.8TCFUN-A.L1-6; Ac. STJ 15 de maio de 2014, Proc.1419/11.7TBCBR-A.C1.S1;Ac. STJ 10.09.2009- Proc. 380/09.2YFLSB, Ac. STJ 09.09.2008 - Proc. 08A1999, Ac. STJ 17.04.2008 – Proc. 08A727, Ac. STJ 23.09.2003 – Proc. 03A2211, Ac. STJ 04.03.2008 – Proc. 07A4251, todos disponíveis em www.dgsi.pt
Contudo, não podemos ignorar que alguma jurisprudência vem defendendo a necessidade de interpelar os avalistas quanto às obrigações decorrentes dos contratos de preenchimento das livranças.
Considera-se que o principio da boa fé e o dever de atuação em conformidade com ele, consagrado, entre outros, no art. 762º n.º2 do Código Civil, impõe ao exequente a obrigação de informar aos avalistas dos títulos, simultaneamente partes no pacto de preenchimento, quais os montantes em dívida e as datas de vencimento e em que termos será preenchido o título em caso de não pagamento, com realce para os casos, como o presente, em que os subscritores dos pactos não são parte nos contratos cujo cumprimento os títulos visam garantir.
Este entendimento vem expresso nos Ac. da Rel. Lisboa 20-01-2011, Proc. 1847/08.5TBBRR-A.L1-6 onde consta no sumário: “é necessária interpelação prévia do avalista quando, sendo o título entregue em branco ao credor (para este lhe apor a data de pagamento e a quantia prometida pagar, em termos deixados ao seu critério), pois só assim o avalista tem conhecimento do montante exato e da data em que se vence a garantia prestada.” e ainda acórdãos da RL de 20.01.2011, proferido no processo n.º 847/08.5TBBRR-A.L1-6 e de 08.12.2012, no processo n.º 5930/10.9TCLRS-A.L1-6, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
No caso dos autos, a livrança dada à execução não entrou em circulação e, por outro lado, os executados-avalistas, entre os quais se incluem os apelantes, participaram na celebração do pacto de preenchimento, pois subscreveram tal acordo, conforme resulta dos factos provados e no qual ficou consignado o acordo de preenchimento, determinando as obrigações garantidas pelo título.
Neste contexto os avalistas do subscritor da livrança encontram-se nas relações imediatas face à entidade beneficiária do título e por esse motivo, podem opor ao beneficiário o preenchimento abusivo do título.
Contudo, os avalistas-apelantes não lograram provar, como era seu ónus, que não foi observado o pacto quanto ao montante em divida, data de vencimento e local de pagamento –art.º 342º/2 CC.
O facto da exequente não ter feito prova do pagamento da garantia mostra-se irrelevante no contexto da questão em litígio.
A responsabilidade do avalista não é contratual, mas cambiária, sendo o dador de aval responsável da mesma maneira que a pessoa por ele avalizada – art. 32º da LULL.
O avalista encontra-se numa posição autónoma em relação ao avalizado e nunca numa posição subsidiária, pois responde sempre logo em primeira linha e responde, ainda que a obrigação que garantiu seja nula por razão que não seja um vício de forma.
Como refere OLIVEIRA ASCENSÃO: “o avalista não se pode defender invocando vícios que atingiram a obrigação do avalizado […]. Ele responde, mesmo que o avalizado não deva responder. A garantia dada pode funcionar separadamente da obrigação deste“[17].
Daqui decorre que se a obrigação do avalizado dá apenas a medida objetiva da obrigação do avalista mas é independente da deste, a obrigação não é acessória.
O avalista não pode opor as exceções próprias da relação entre o subscritor e o portador da livrança, que não entrou em circulação, a causa do contrato, porque não teve intervenção na sua celebração. O cumprimento do contrato de garantia reporta-se à relação causal, ao contrato de financiamento que esteve na base da emissão e entrega da livrança em branco ao beneficiário e a respeito do qual o avalista não teve intervenção.
O avalista, ao contrário do que acontece com o fiador (art. 637º/1 CC) não pode defender-se com as excepções do avalizado, salvo as que importem a liberação ou extinção dessa obrigação, mas no caso não invocou tal fundamento em sua defesa.
Acresce ao exposto, que resulta dos factos provados e que não foram objeto de impugnação, que o exequente comunicou aos avalistas a intenção de proceder ao preenchimento da livrança com indicação expressa da data de vencimento, pois como se provou sob o ponto G), por carta registada datada de 22 de março de 2103, foi solicitado aos embargantes o pagamento da quantia de 889.976,45€, correspondente ao valor de capital de 850.000,00€, acrescido de juros à taxa contratual de 22%, vencidos entre 18.01.2013 e 01.04.2013, no valor de 38.438,89€ e ainda imposto de selo no valor de 1.537,56€, pagamento que deveria ser feito até dia 1 de abril de 2013.
Conclui-se, assim, que não merece censura a sentença quando concluiu que os embargantes não lograram demonstrar a violação do pacto de preenchimento e ocorreu a respectiva interpelação por parte do beneficiário da livrança, quanto à data aposta para pagamento da livrança, sendo devidos os juros a contar da data de vencimento por se tratar de obrigação com prazo certo (art. 804º,805º/2 a),806º/1 CC).
Improcedem as conclusões de recurso sob os pontos 4 a 8.
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- Do imposto de selo sobre os juros -
Nas conclusões de recurso sob os pontos 18 a 20, os apelantes insurgem-se contra a sentença pelo facto de considerar que os apelante-avalistas são responsáveis pelo pagamento do imposto de selo, renovando os argumentos e jurisprudência em que fundamentou os embargos.
Na sentença apreciou-se a questão com os fundamentos que se transcrevem:
“Prescreve o Artigo 1.º, nº1 do Código do Imposto de Selo, aprovado pelo DL 287/2003 que “O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.”
E o artigo 3/3, alínea j) do referido Código estabelece que se considera titular do interesse económico, nas letras e livranças, o sacado e o devedor.
Posto isto, comungamos da posição do Acórdão da Relação do Porto de 22.01.2001, onde se defende que o imposto de selo acresce ao crédito de juros devidos pela letra, devendo considerar-se integrado no título executivo, posição que já vinha sido defendida pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 16.05.1995, que no seu sumário refere o seguinte: “As outras eventuais despesas previstas no artigo 48, ns. 1 e 3 da Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças são todas aquelas que sejam necessárias para conservar a ação cambiária do portador.
O imposto de selo - artigo 120-A da Tabela Geral do Imposto do Selo, alínea b) - incide sobre os juros das operações bancárias, constituindo encargos dos clientes beneficiários da operação. (…) E embora o Imposto (...) não sejam despesas necessárias à conservação da ação cambiária, são no entanto despesas que acrescem legalmente aos juros devidos pela letra e, como tal, integram-se no título executivo e determinam os limites da ação executiva.”
E sufragamos desta posição, porquanto sendo o devedor o titular do interesse económico, respondendo o avalista nos mesmos termos que o subscritor da livrança – nos termos dos artigos 32§1 e 77 da LULL, o mesmo é devedor destes valores.
Acresce, por outro lado, que incidindo este imposto sobre o crédito de juros, e fazendo estes parte das quantias que são incluídas no preenchimento da livrança e da quais é responsável o devedor, não se pode cindir essa responsabilidade numa livrança avalizada na sua integralidade pelos ora embargantes, que, acrescenta-se, não fizeram qualquer ressalva nesse sentido aquando da aposição do aval, exigindo o credor ao subscritor um montante que inclua o valor respeitante ao imposto de selo que incide sobre os juros e aos avalistas um valor deduzido da importância inscrita a esse título, o que, a nosso ver, contraria o disposto no artigo 32§1 da LULL.
Assim, também quanto a este ponto improcedem os embargos de executado, sendo devida pelos embargantes, a importância colocada na livrança exequenda a título de imposto de selo”.
Não vemos motivo para não acolher tal posição, fazendo nossos os argumentos ali expostos, face ao enquadramento jurídico e a interpretação defendida com apoio em jurisprudência publicada no site do itij[18],seguindo neste sentido o Ac. STJ 30 de abril de 1996, Proc.087981, acessível em www.dgsi.pt.
Com efeito, por efeito do regime previsto na Tabela Geral do Imposto de Selo, este imposto acresce por imposição legal ao crédito de juros. Por injunção legal esse imposto é cobrado pelas instituições bancárias e entregue nos cofres do Estado, constituindo encargo dos clientes em benefício dos quais se efetua a operação. Deste modo, como se salientou na sentença recorrida, a dívida de juros implica a dívida do imposto de selo e respondendo o avalista nos mesmos termos que o subscritor da livrança o mesmo é devedor destes valores por isso se mantém a decisão.
Improcedem, assim, as conclusões de recurso sob os pontos 18 a 20.
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Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pelos apelantes.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.
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Custas a cargo dos apelantes.
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Porto, 9 de Janeiro de 2017
(processei e revi – art. 131º/5 CPC)
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
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[1] Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.
[2] LEBRE DE FREITAS A Ação Executiva – À luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2014, pag. 143
[3] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, Julho 2013, pag. 126.
[4] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, ob. cit., pag. 225.
[5] ABRANTES GERALDES Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Almedina, janeiro 2000, 3ª ed. revista e ampliada pag.272.
[6] ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, vol IV, Coimbra, Coimbra Editora, pag. 569.
[7] Ac. Rel. Guimarães 20.04.2005 - www.dgsi.pt.
[8] Ac. Rel. Porto de 19 de setembro de 2000, CJ XXV, 4, 186; Ac. Rel. Porto 12 de dezembro de 2002, Proc. 0230722, www.dgsi.pt
[9] JOSÉ LEBRE DE FREITAS A Acção Executiva –Á luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2014,pag. 98
[10] Oliveira Ascensão “ Direito Comercial “, vol. III, ed. 1992, (ob. cit., pag. 200)
[11] (Ferrer Correia “ Lições de Direito Comercial “, vol. III, pag. 215 e Oliveira Ascensão “ Direito Comercial “, vol. III, ed. 1992, pag. 170)
[12] (ob.cit., pag. 204)
[13] (proc. 254/09.7TBTMR-A.C1- www.dgsi.pt)
[14] Cfr. Ac. STJ 11.02.2010 – Proc. 1213-A/2001.L1.S1 – www.dgsi.pt
[15] (Proc. 06A2589-www.dgsi.pt)
[16] Ac. STJ 11.02.2010 – Proc. 1213-A/2001.L1.S1 – www.dgsi.pt
[17] OLIVEIRA ASCENSÃO (Direito Comercial, vol. III, ed. 1992, pag. 170)
[18] Ac. Rel Porto 22.01.2001, Processo 0051560 e Ac.STJ 16 de maio de 1995, Proc. 086084, amos em www.dgsi.pt.