Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2126/10.3TTPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: TRANSFERÊNCIA DE LOCAL DE TRABALHO
DESLOCAÇÃO DO TRABALHADOR
Nº do Documento: RP201407092126/10.3TTPRT.P1
Data do Acordão: 07/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – Não sendo conhecido escrito que titule o contrato de trabalho em vigor entre as partes, é o que resulta da efectiva execução contratual que permite fixar qual é o local estabelecido para o cumprimento da prestação laboral.
II – Apesar de estabelecido o local de trabalho por força de estipulação expressa ou por força da execução contratual, e ainda que judicialmente reconhecida a sua localização, o empregador tem o poder de o modificar, desde que se verifiquem ulteriormente os pressupostos legais para o exercício deste poder modificativo.
III – A transferência de local de trabalho, individual ou colectiva, só é admissível se o “interesse da empresa” o exigir, ou seja, deve tratar-se de uma decisão que possa explicar-se em termos de racionalidade de gestão, sendo que, no caso da transferência colectiva, é conferida uma protecção absoluta ao interesse organizativo e gestionário do empregador, presumindo a lei o interesse funcional da empresa.
IV – Se a empresa quiser transferir singularmente um seu trabalhador, cabe-lhe alegar e provar que o faz por exigência organizativa objectivamente relevante, sem o que essa pretensão, desde logo, se assume como ilegítima, independentemente da alegação e prova do prejuízo (ou inexistência dele) que a transferência acarreta para o trabalhador.
V – São distintos os conceitos de “transferência de local de trabalho” e de “deslocação” do trabalhador que se encontra adstrito às deslocações inerentes às suas funções ou indispensáveis à sua formação profissional.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2126/10.3TTPRT.P1
4.ª Secção

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
II
1. Relatório
1.1. B…, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra C… pedindo:
“a) Ser decretado que o núcleo essencial das tarefas correspondentes à extinta categoria de Coordenador corresponde hoje à de Director Regional;
b) Ser o Réu condenado a atribuir ao Autor esta última categoria, ou a que ele Réu venha a designar como lhe equivalendo, com as respectivas funções, e tal na delegação do Réu de Matosinhos;
c) Ser fixada ao Réu a sanção pecuniária compulsória de € 500,00, que deverá pagar ao Autor por cada dia em que não cumpra com o sentenciado, peticionado nas duas alíneas que antecedem, após o trânsito em julgado da respectiva decisão.
d) Caso se entenda que assiste ao Réu o direito de ordenar ao Autor que preste a sua actividade em Póvoa de Varzim/Vila do Conde, seja decretado que essa sua transferência para esse local reveste carácter temporário, sendo o seu local de trabalho em Matosinhos.
e) Sendo, na hipótese da alínea que antecede, o Réu condenado a, enquanto se mantiver essa transferência, custear o acréscimo de despesas tidas pelo Autor com as deslocações a tal localidade, que se cifram em 60 Km diários, e a atribuir-lhe a «ajuda de custo» de refeições que estiver então em vigor para os assalariados do Réu – e que, à data da suspensão do contrato de trabalho, eram, respectivamente, € 0,37 por Km, e de € 14,71 por dia.
- e, de qualquer forma –
f) ser o R. condenado a pagar ao Autor a quantia de € 2.806,62, acrescida quanto à de € 2.415,00 dos juros moratórios à taxa legal que se vencerem desde 2010.11.20 e até efectivo embolso.”
Em fundamento da sua pretensão, alegou, em síntese: que foi contratado para exercer as funções da categoria profissional de Coordenador, pela «D…», na Delegação de Matosinhos, desde Novembro de 1987, sujeito ao regime do contrato de trabalho nos termos do artigo 10.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.° 165/85, de 16 de Maio e passou a integrar o quadro de pessoal do R. que foi criado em substituição da D... (extinta pela Portaria n.º 311/2008, de 23 de Abril); que em acção judicial intentada contra a D… em 1999 esta foi condenada a reconhecer ao Autor a categoria de Coordenador, com todas as regalias inerentes; que posteriormente a D… atribuiu ao Autor a categoria de “Responsável por Unidade Operacional” e ordenou em Maio de 2006 que o Autor fosse prestar essa actividade na delegação da Póvoa de Varzim/Vila do Conde; que as funções de Responsável pela Unidade Operacional não correspondem à de Coordenador e a alteração do local de trabalho foi ilegal pois não foi alegado interesse da empresa nessa deslocação do Autor, não resultou de mudança do estabelecimento, nem foi concretizado se era temporária ou definitiva; que o Réu, em desconformidade com a atitude que sempre teve com outros assalariados, não custeou as despesas decorrentes do acréscimo de custos de deslocação do Autor em razão dos quilómetros percorridos em viatura própria e dos acréscimos com refeições, comunicando-lhe que lhe atribuía apenas o valor de um passe; pretende o Autor que a sua situação laboral esteja devidamente definida quando cessar a suspensão do seu contrato de trabalho iniciada em 2006.11.01 e decorrente da cedência ocasional de trabalhador à Área Metropolitana do Porto, onde presta trabalho agora em comissão de serviço.
Na contestação apresentada o R veio arguir a excepção de caso julgado por estar já definida pelo Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Março de 2001 a categoria profissional de Coordenador do A., estando o R, que sucedeu nas obrigações e atribuições da D…, vinculada ao ali sentenciado, independentemente de entretanto ter sido extinto o cargo de Coordenador. Além de impugnar parte da factualidade constante da petição inicial, alega ainda o R, em suma: que em 1999 foi extinto o cargo de Coordenador e simultaneamente foram criados os cargos de Responsável de Unidade Operacional e de Director Regional, exercidos em comissão de serviço, tendo aquele substituído o cargo de Coordenador; que em Abril de 2008 com extinção da D… e a criação do R. foi extinto o cargo de Director Regional, que era um cargo de chefia; que, por força da necessidade de cumprimento da sentença, foi o Autor transferido para a Unidade Operacional de Póvoa de Varzim/Vila do Conde, que não tinha qualquer chefia, onde exerceu as funções de Responsável de Unidade Operacional entre 2006.06.19 e 2006.11.06, data em que foi autorizado o acordo de cedência para a Área Metropolitana do Porto; que as ajudas de custo só são atribuídas quando o trabalhador está deslocado em serviço, enquanto que no caso do Autor o que se verifica é uma transferência atípica (para cumprir uma decisão judicial) e definitiva para outro local de trabalho.
O A. respondeu à contestação nos termos de fls. 158 e ss., refutando que se verifique o caso julgado e concluindo como na petição inicial,
Foi proferido despacho saneador, em que se julgou improcedente a excepção de caso julgado, essencialmente porque “os pedidos das duas acções não são idênticos porquanto na presente acção aquele [o A. ] pretende, em primeira linha, o reconhecimento de que o núcleo essencial das tarefas correspondentes à extinta categoria de Coordenador corresponde hoje à de Director Regional e a condenação da Ré a atribuir-lhe essa categoria profissional”. Foi dispensada a fixação de matéria de facto assente, bem como a organização de base instrutória, fixando-se à acção o valor de € 30.001.00.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova nela produzida, e foi ulteriormente proferido despacho a decidir a matéria de facto em litígio (fls. 558 e ss.), não tendo havido reclamações.
Após, a Mma. Julgadora a quo proferiu em 30 de Setembro de 2013 sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente e em consequência, declara-se que o núcleo essencial das tarefas correspondentes à extinta categoria de Coordenador corresponde actualmente à de Responsável de Unidade Operacional e condena-se o Réu a atribuir ao Autor esta última categoria ou a que venha a designar como lhe equivalendo, com as respectivas funções na Unidade Operacional de Matosinhos; fixa-se uma sanção pecuniária compulsória de € 500,00 por cada dia em que não cumpra com o acima sentenciado após o trânsito em julgado, absolvendo-o no mais peticionado.
Custas pelo Autor e Réu, na proporção de 1/3 e 2/3 respectivamente.»
1.2. O A. veio, ao abrigo do disposto no artº 613 nº 2, 614º nº 1 e 615 nº 1 al. d) do CPC, alegar que um dos pedidos que formulou foi o de o Réu ser condenado a pagar-lhe a quantia de € 2.806,62, acrescida quanto à de € 2.415,00 dos juros moratórios desde 2010.11.20 e até efectivo embolso, sendo que a sentença não se pronunciou sobre esse pedido, apesar de os factos elencados na sentença sob os nºs 19, 38 e 39 e o decretamento da ilegalidade da transferência do local de trabalho do Autor imporem a condenação do Réu no referido montante peticionado, deixando de se pronunciar sobre uma questão que lhe foi colocada ou, se assim se entender, incorrendo em inexactidão devida a omissão ou lapso manifesto cujo suprimento requer, com a condenação do Réu no pagamento da mencionada quantia. Requer ainda a reforma da decisão quanto a custas por entender que não deveria ter de suportar mais do que ¼.
1.3. O R, inconformada interpôs recurso da sentença em 15 de Janeiro de 2013, pugnando pela sua absolvição. Formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“A) A sentença proferida enferma claramente de ambiguidade face às diversas fundamentações apresentadas para a decisão adoptada a final, ficando o Recorrente sem conhecer efectivamente quais os motivos de direito que geraram o deferimento parcial das pretensões do Autor, ora Recorrido.
B) O Recorrente não consegue compreender se a decisão de condenação ao reconhecimento de Matosinhos como local de trabalho do Recorrido se fundamenta no alegado incumprimento do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, ou, pelo contrário, na inexistência dos pressupostos legais que deveriam estar verificados para que a decisão de transferência fosse considerada lícita.
C) Face ao modo como se encontra redigida a sentença, esta contradição evidente gera a ininteligibilidade parcial da sentença e é, consequentemente, geradora de nulidade, face ao artigo 615.º, n.º 1, c) do Código de Processo Civil.
D) Sem prescindir, a Mma Juiz julgou incorrectamente os pontos de facto dos articulados referentes aos temas da categoria profissional atribuída ao Recorrido pelo Recorrente; do local de trabalho/transferência de local de trabalho; das despesas suportadas com a deslocação para a unidade operacional da Póvoa do Varzim/Vila do Conde; mas também do alegado incumprimento do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça – factos também constituem objecto do presente recurso, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, a) do Código de Processo Civil.
E) Desde logo, e contrariamente ao que alega a Mma Juiz a quo, é falso que o Réu tenha negado atribuir ao Autor as funções de “Coordenador”, conforme resulta aliás da correspondência trocada entre as partes, constante do processo.
F) Com efeito, na correspondência então trocada entre a Senhora Directora do D..., Dra. E..., e o ora Recorrido, resulta evidente que a expressão “responsável directo” da unidade corresponde à anterior designação “Coordenador” (cuja designação se encontra extinta desde 1999).
G) Posteriormente, por carta datada de 8 de Julho de 2010, assinada pelo então Director do C..., Eng.º F..., foi-lhe expressamente reconhecida a categoria de “Coordenador” (Facto Provado n.º 37).
H) E de tal modo foi sua preocupação garantir que o Autor poderia de facto exercer as funções correspondentes à anterior categoria de “Coordenador” que chegou mesmo ao ponto de encontrar uma situação individualizada, que passaria pelo exercício das funções inerentes à sua categoria na Delegação da Póvoa do Varzim/Vila do Conde;
Por outro lado,
I) Contrariamente ao que alega a Mma. Juiz do Tribunal a quo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça referenciado no processo não decide no sentido da atribuição de um local de trabalho específico ao trabalhador, pois essa nunca foi o “thema decidendi”.
J) O objecto do litígio dizia única e exclusivamente respeito à delimitação fáctica das funções inerentes à categoria de Coordenador e ao reconhecimento de tal categoria ao ora Recorrido.
K) Em momento algum o local de trabalho do Recorrido é mencionado como matéria objecto do litígio, e em lado algum da fundamentação das decisões se pode extrair que os tribunais consideraram o local de trabalho como um direito irrenunciável ou conexo com a categoria que foi reconhecida ao Recorrido.
L) A própria Mma Juiz a quo dá como provado que o pedido que esteve na base no acórdão que viria a ser proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça nada tem que ver com a determinação do local de trabalho do Autor, mas tão só e apenas com a sua categoria e montantes auferidos ou devidos nessa qualidade.
M) Na verdade, não poderia o STJ decidir no sentido de colocar o Autor “integralmente” (genericamente) na situação laboral em que se encontrava anteriormente à acção judicial, porque tal não é admissível em processo laboral (no qual os pedidos têm de ser concretamente deduzidos, em vez da apresentação de um pedido genérico de anulação, como se de uma acção administrativa se tratasse…).
N) Por outro lado, o juiz apenas poderia condenar o oro recorrente em objecto diverso do pedido (“extra vel ultra petitum”) «quando isso resulta da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 514.º do Código de Processo Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho» (cf. artigo 74.º do Código do Trabalho).
O) Ora, o tribunal manifestamente não tomou essa decisão, porque tal não resulta da sentença proferida em 1.ª instância.
P) Finalmente, sempre compete dizer que, mesmo que o Recorrente tivesse requerido que o tribunal determinasse a Delegação de Matosinhos como o seu local de trabalho, a verdade é que jamais poderia um tribunal dar razão ao Recorrido.
Q) Com efeito, o artigo 193.º do Código do Trabalho veio determinar que «o trabalhador deve em princípio, exercer a actividade no local contratualmente definido, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte» [artigo 194.º - transferência de local de trabalho].
R) Sucede que o Recorrido jamais fez prova de que o seu contrato de trabalho define Matosinhos como seu local de trabalho…
S) Sem prescindir, e mesmo que o Supremo Tribunal de Justiça definisse Matosinhos como sendo o local de trabalho do Autor, jamais poderia o tribunal a quo por em causa a decisão de transferência do Autor para outro local de trabalho, sem apreciar criticamente a legalidade de tal transferência, no contexto do poder de direcção do empregador.
T) Ora, o artigo 194.º do Código do Trabalho de 2009 dispõe que «o empregador pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho, temporária ou definitivamente: a) em caso de mudança ou extinção, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço; b) Quanto outro motivo do interesse da empresa o exija e a transferência não implique prejuízo sério para o trabalhador».
U) No caso em apreço, verifica-se que a entidade empregadora decidiu transferir o local de trabalho do Autor por razões de natureza organizacional que, como bem reconhece o tribunal a quo, se prendem com o facto de, à data do proferimento da sentença, encontrar-se um responsável directo na unidade Póvoa do Varzim/Vila do Conde, estando a unidade de Matosinhos a ser efectivamente dirigida pela Senhora Directora Regional do Norte.
V) Por outro lado, a transferência não implicou prejuízo sério para o trabalhador, nem este sequer invocou ou demonstrou tal prejuízo nos articulados e na audiência de julgamento.
W) Quanto às razões de natureza organizacional e ao interesse da empresa, ficou demonstrado, em face dos depoimentos das testemunhas que parcialmente se transcreveram, que não se afigurava desejável, do ponto de vista da gestão empresarial, ordenar à Dra. G... (responsável da unidade operacional de Matosinhos entre 1998 e a presente data) para ser ela – e não o Recorrido – a mudar de local de trabalho.
Com efeito:
X) À data de 2006, a Dra G... já se encontrava trabalhar na referida unidade, como coordenadora (subsequentemente intitulada de “responsável de unidade operacional”), desde 28 de Outubro de 1998, isto é, há 8 anos seguidos (actualmente já trabalha nessa unidade há 16 anos seguidos) ;
Y) A Dra. G... foi convidada pelo então Conselho de Administração do C... assumir as referidas funções de coordenação, no seguimento de processo de exoneração do Recorrido, em 1998;
Z) A Dra. G... vem desempenhando essas funções de forma competente e com bons resultados, tendo o perfil adequado para a função;
AA) A Dra. G... era Directora Regional do Norte (categoria exercida em comissão de serviços entre 19 de Novembro de 1998 e 23 de Abril de 2008 – data de criação do C...), e a sede da Direcção Regional era em Matosinhos, actividade que acumulava com a coordenação da Delegação da Póvoa do Varzim/Vila do Conde;
BB) A decisão de criação das Direcções Regionais foi adoptada em 1998 e abrangia todo o território nacional;
CC) A função de Directora Regional, não obstante ter competências exclusivas, era exercida de forma paralela à da coordenação das Delegações de Matosinhos;
DD) O esvaziamento de funções de Direcção Regional não justificou a cessação de funções de coordenação da unidade operacional da Póvoa do Varzim/Vila do Conde, por serem funções distintas;
EE) Com a extinção da Direcção Regional, em 2008, a Dra. G... manteve-se na unidade onde já se encontrava a trabalhar desde 1998, exercendo as mesmas funções para as quais tinha sido contratada;
FF) O Recorrente tinha interesse na manutenção da Dra. G... como coordenadora da unidade de Matosinhos.
GG) O Recorrente tinha e tem interesse que a Dra. G... acumule funções de coordenação na unidade da Póvoa enquanto não for nomeado outro coordenador (como seria o caso do Recorrido).
HH) Por essa razão, quando o Recorrido regressou ao C..., foi ordenada a sua transferência definitiva para a unidade operacional da Póvoa do Varzim/Vila do Conde.
II) A decisão de transferência do Recorrido para a unidade operacional da Póvoa do Varzim/Vila do Conde resultou de um interesse sério da empresa e não de um interesse pessoal dos representantes da Recorrente.
JJ) Para corroborar este elenco de argumentos, foi produzida prova testemunhal abundante.
KK) Face a tudo o exposto, resulta evidente que a alegação da Mma Juiz de que “a decisão de transferência do trabalhador para a Delegação da Póvoa do Varzim/Vila do Conde carece de fundamento legal” não pode proceder.
LL) Com efeito, e contrariamente ao alegado pelo Recorrido e pela Mma Juiz, o facto de a unidade se encontrar sem responsável há cerca de oito anos não justifica que Recorrente, atentas as opções disponíveis para poder dar cumprimento à sentença judicial, não tivesse o direito, no âmbito do poder de direcção que se lhe encontra atribuído, de fazer deslocar o Dr. B... para a referida unidade.
MM) Por outro lado, contrariamente à tese da Mma Juiz, não só o Supremo Tribunal de Justiça não determina que o Autor, ora Recorrido, seja colocado como Coordenador na Unidade Operacional de Matosinhos, como a própria lei, que a Mma Juiz a quo deveria conhecer e aplicar, não determina que o local de trabalho de um trabalhador seja inamovível!
NN) Ao caso subjudice acresce o facto de ter ficado por provar qual é o local de trabalho do Recorrido contratualmente definido…
OO) Ora, para que a mudança de local de trabalho de um trabalhador opere legalmente, há dois pressupostos que devem estar verificados para que tal decisão possa ser cumprida, nos casos em que a mesma não resulte de mudança ou extinção, total ou parcial, do estabelecimento (tanto na versão do Código de 2003, como na de 2009): - Deve haver motivo do interesse da empresa que o exija; e - A transferência não implique prejuízo sério para o trabalhador.
PP) No caso em apreço, já ficou suficientemente demonstrado que a empresa tinha interesse na transferência do trabalhador (vejam-se conclusões U) a II) ).
QQ) Como é entendimento da jurisprudência (vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4 de Fevereiro de 2009), o interesse da empresa, para efeitos de transferência de um trabalhador, «deve ser um interesse objectivamente avaliável, fundado em razões de natureza empresarial relacionados com aspectos de índole organizativa, produtiva ou técnica».
RR) Também a doutrina (cfr. por exemplo o Prof. Madeira de Brito, no seu Código do Trabalho anotado, em co-autoria com Pedro Romano Martinez, Luis Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, Guilherme Dray, Luís Gonçalves da Silva, Almedina, 2009) tem definido o interesse da empresa como um “interesse objectivo”, isto é, um interesse de natureza organizacional, por contraposição a um interesse pessoal, por exemplo de um dirigente da empresa.
SS) Ora, no presente caso, ficou demonstrado à exaustão que o interesse do recorrente fundou-se em razões de natureza empresarial relacionadas com aspectos de índole organizativa (com o objectivo de evitar que uma única unidade operacional tivesse dois responsáveis, com a mesma categoria e funções), e não a um ”capricho” fundado no livre arbítrio do empregador, motivado por razões de natureza pessoal, alheias ou contrárias ao interesse da empresa.
TT) Por outro lado, o Recorrido não alegou nenhum prejuízo sério derivado da sua transferência de local de trabalho, nem a Mma Juiz sequer apreciou esta questão na sua sentença.
UU) Ora, entre a muita jurisprudência publicada sobre o tema, o Tribunal da Relação de Lisboa, no seu acórdão de 4 de Fevereiro de 2004, veio determinar que «prejuízo sério para o trabalhador deve corresponder a um prejuízo que não lhe seja exigível suportar, na medida em que ponha em causa interesses relevantes, designadamente de natureza pessoal, familiar, profissional ou económica».
VV) No caso em apreço, o trabalhador, residente do Porto, não teria qualquer prejuízo sério com a sua mudança de local de trabalho, pois nem sequer teria de mudar de residência.
WW) Acresce que neste caso o Recorrido propôs-se inclusivamente pagar ao Recorrido o acréscimo de despesas que teria de realizar com a sua deslocação até a unidade operacional da Póvoa do Varzim/Vila do Conde, sendo que, como é sabido, existe inclusivamente uma linha de metro de superfície entre a cidade do Porto e a Póvoa do Varzim.
Sem prescindir,
XX) Na sua decisão final, a Mma Juiz não se pronuncia deliberadamente sobre a questão referente ao montante que entende ser-lhe devido a título de “ajudas de custo” e despesas com alimentação durante o período de tempo em que esteve a exercer funções de Coordenador da unidade operacional da Póvoa do Varzim/Vila do Conde.
YY) Ou seja, a Mma Juiz a quo decidiu não se pronunciar sobre um dos pedidos expressamente formulados pelo Autor, questão que foi aliás suscitava pelo seu Ilustre Mandatário.
ZZ) Ora, considerando a tese da ilegalidade da transferência do Autor para a Póvoa do Varzim/Vila do Conde (com a qual não se concorda), esta questão deveria em qualquer caso ter sido apreciada, pois o Recorrido chegou efectivamente a deslocar-se e a exercer funções naquela unidade entre 19 de Junho e 6 de Novembro de 2006.
AAA) Acresce também que a Mma Juiz não apreciou a questão na legalidade de transferência do trabalhador, em face do critério de “inexistência de prejuízo sério”.
BBB) Ora, tal pronúncia afigurar-se-ia essencial para que a Mma Juiz pudesse concluir pela legalidade/ilegalidade da transferência.
CCC) Em ambos os casos, e não o tendo feito, a Mma Juiz deixou de se pronunciar sobre questões que deveria apreciar, o que gera a nulidade da sentença (artigo 615, n.º d) do Código de Processo Civil), a qual igualmente se invoca para todos os efeitos legais.
Finalmente,
DDD) Os factos dados como provados n.ºs 6 e 22, ou carecem de evidência face à prova documental e gravada, ou entram em manifesta contradição com os fundamentos da decisão adoptada.
EEE) Com efeito, e por um lado, o Autor apenas começou a exercer as funções de Coordenador da Delegação de Matosinhos no dia 1 de Março de 1988 (antes dessa data, isto é entre Novembro e Fevereiro de 1987, era apenas Formador na Delegação).
FFF) Por outro lado, não poderia o tribunal dar como provado que A delegação da Póvoa de Varzim não tinha um «Coordenador» há cerca de oito anos, pelo que não necessitaria agora de alguém que exercesse essas funções (artigo 22 dos Factos Provados).
GGG) Com efeito, e como demonstrado supra, a opção de preenchimento da “vaga” da coordenação da unidade da Póvoa do Varzim/Vila do Conde apenas não foi contemplada em momento anterior, por razões de análise de custo-benefício realizadas pela Recorrente.
HHH) A Recorrente, à data de 1998, concluiu que a acumulação da unidade de Matosinhos com a Póvoa, pela Dra. G..., permitia fazer “mais” com menos recursos financeiros.
III) Por outro lado, e contrariamente ao alegado pela Mma Juiz, o facto de a unidade se encontrar sem responsável há cerca de oito anos não justifica que Recorrente, atentas as opções disponíveis para poder dar cumprimento à sentença judicial, não tivesse o direito, no âmbito do poder de direcção que se lhe encontra atribuído, de fazer deslocar o Dr. B... para a referida unidade.
JJJ) Em suma, o artigo 22 deveria ser retirado do elenco dos Factos Provados.
KKK) Face a tudo o exposto, a Mma Juiz deveria ter concluído pela legalidade de transferência do local de trabalho do Recorrido, de Matosinhos para a Póvoa do Varzim, mantendo intactas todas as funções inerentes à categoria de responsável da unidade operacional.
Nestes termos e nos mais de Direito, deverão V. Exas. revogar parcialmente a sentença proferida pelo Tribunal a quo, e assim farão JUSTIÇA!.”
1.4. O A. respondeu à alegação do R nos termos de fls. 667 e ss., suscitando a questão prévia do efeito devolutivo do recurso e defendendo a improcedência das conclusões da apelação e manutenção da sentença recorrida.
1.5. Mostra-se lavrada a fls. 690 decisão reformatória da sentença, com o seguinte teor:
“O Autor veio alertar para o facto de a sentença ter deixado de se pronunciar sobre o pedido de condenação da Ré no pagamento da peticionada quantia de € 2.806,62 acrescida dos juros moratórios até efectivo embolso, baseada nas despesas que teve de suportar com a deslocação para Vila do Conde durante 75 dias.
Após análise do processo, verifica-se que assiste razão ao Autor e que tal se deveu ao facto do referido pedido ter sido formulado após o pedido subsidiário, cuja apreciação ficou prejudicada. Assim, na sequência da ilegalidade da transferência do Autor para a Delegação da Póvoa de Varzim/Vila do Conde, compete à Ré satisfazer os custos acrescidos que o mesmo teve de suportar com as deslocações e refeições, o que perfaz a quantia peticionada.
Assim, ao abrigo dos arts. 615.º, n.º 1, al. d) e 617.º do C.P.Civil reforma-se a sentença no sentido de condenar ainda a Ré no pagamento ao Autor da quantia de € 2.806,62 acrescida quanto à de € 2.415,00 dos juros calculados à taxa legal desde 2010.11.20 até efectivo embolso.
(…)
No que concerne à repartição das custas, considera-se a mesma adequada face ao peticionado pelo Autor e respectiva sucumbência, pelo que se mantém tal decisão.”

1.6. O R veio então, após a reforma da sentença, e não se conformando com a mesma, alargar o âmbito do seu recurso a fls. 693 e ss., concluindo do seguinte modo:
“A) Na douta sentença, o tribunal a quo nada diz a respeito das alegadas despesas que o Recorrido diz ter suportado com refeições, cuja realização efectiva não se encontra provada;
B) Por outro lado, o próprio tribunal não dá como provado que o recorrente tivesse por hábito pagar aos seus assalariados a quantia de € 14,71 diários para efeitos de ajuda de custo relativamente aos almoços;
C) Assim sendo, conclui-se pela falta de fundamentação da sentença, face à prova dada como provada e não provada, relativamente ao peticionado pelo Recorrido a título de reembolso de despesas com almoços;
D) A ordem de deslocação para Póvoa do Varzim/Vila do Conde não só teve fundamento legal, como teve a natureza de deslocação a título definitivo (mudança do local de trabalho), sendo que, nesse caso, não pode o Recorrido exigir o pagamento de ajudas de custo a título de deslocações em missões de serviço;
E) O Recorrido não se encontra em nenhuma das situações que, em face da lei, lhe daria direito a ser reembolsado por despesas realizadas com deslocação em missão de serviço mediante a utilização de viatura própria;
F) Registe-se em todo o caso que, justamente em cumprimento da lei, durante o tempo em que se deslocou até ao seu novo local de trabalho, o Recorrido foi abonado numa quantia mensal destinada a pagar-lhe o passe social para a utilização do metropolitano de superfície.”
1.7. O A. respondeu também a esta alegação do R nos termos de fls. 700 e ss., defendendo a improcedência das conclusões da alegação do recorrente e a confirmação da decisão complementar recorrida.
1.8. O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo, acrescentando a Mma. Juiz a quo no seu despacho que entende não se verificarem os vícios da sentença invocados pela recorrente.
1.9. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido de ser rejeitada a impugnação da matéria de facto e de se negar provimento ao recurso. Apenas o R se pronunciou sobre este Parecer, discordando do mesmo nos termos de fls. 725 e ss.
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
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Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013[1], de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho – ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal de acordo com as conclusões da recorrente, incluindo as formuladas no alargamento do âmbito do recurso (artigo 617.º, n.º 3 do CPC), prendem-se com a análise:
1.ª – da nulidade da sentença;
2.ª – da impugnação da decisão de facto;
3.ª – da legalidade da transferência de local de trabalho do recorrido;
4.ª – do pagamento de ajudas de custo (kms e alimentação).
Antes de prosseguir, cabe ter presente que se mostra definitivamente decidida – por não impugnada no recurso de apelação, quer em via principal, quer subordinada, o que acarretou o seu trânsito em julgado (cfr. o artigo 635.º, n.º 4 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, a que corresponde o artigo 684.º, n.º 4 do Código de Processo Civil revogado) –, a questão de saber se a extinta categoria profissional de Coordenador foi substituída pela de Director Regional, sendo neste momento pacífico que, como declarado na sentença da 1.ª instância, o núcleo essencial das tarefas correspondentes à extinta categoria de Coordenador corresponde actualmente à de Responsável de Unidade Operacional, tendo transitado em julgado o segmento da sentença que condenou o R a atribuir ao Autor esta última categoria ou a que venha a designar como lhe equivalendo, com as respectivas funções.
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3. Da nulidade da sentença
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Afirma o R recorrente nas suas conclusões que a sentença enferma de ininteligibilidade parcial – pois não consegue compreender se a decisão de condenação ao reconhecimento de Matosinhos como local de trabalho do recorrido se fundamenta no alegado incumprimento do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, ou, pelo contrário, na inexistência dos pressupostos legais que deveriam estar verificados para que a decisão de transferência fosse considerada lícita –, o que gera a sua nulidade face ao artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC (conclusões A a C).
Afirma, ainda no final das conclusões, que a sentença é nula por omissão de pronúncia nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC relativamente ao que foi peticionado pelo recorrido a título de “ajudas de custo” e despesas com alimentação, bem como sobre a questão a legalidade de transferência do trabalhador, em face do critério de “inexistência de prejuízo sério” (conclusões XX a CCC).
Mas no requerimento de interposição de recurso (fls. 613) não faz qualquer alusão à nulidade da sentença, nem tão pouco anuncia que a vai arguir.
Ora, por força do estatuído no art. 77.º do Código de Processo de Trabalho, a arguição de nulidades da sentença deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso. Este normativo pressupõe que o anúncio da arguição e a corresponde motivação das nulidades (a substanciação das razões por que se verificam) devem constar do requerimento de interposição do recurso que é dirigido ao órgão judicial “a quo”, permitindo ao juiz recorrido aperceber-se, de forma mais rápida e clara, da censura produzida e possibilitando-lhe o eventual suprimento das nulidades invocadas.
Em consonância com esta especialidade estabelecida pela lei processual laboral, a jurisprudência tem considerado pacificamente que não deve ser conhecida pelo tribunal ad quem a nulidade da sentença em processo laboral que não foi arguida no requerimento de interposição de recurso.
É certo que se tem admitido que aquela exigência se mostrará cumprida no caso de o requerimento e a alegação constituírem uma peça única, com a indicação no requerimento de interposição de recurso a que se apresenta a arguição de nulidades da sentença e a exposição dos motivos determinantes das nulidades feita na alegação, imediatamente a seguir ao requerimento stricto sensu, de forma perfeitamente clara e autónoma – vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2007.10.31, Recurso n.º 1442/07, de 2008.03.12, Recurso n.º 3527/07, sumariados in www.stj.pt, em consonância com o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 304/05, de 8 de Junho de 2005, in Diário da República, II Série, n.º 150, de 5 de Agosto de 2005 (também em www.tribunalconstitucional.pt), que julgou inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade a norma constante do art. 77.º do CPT/99 “na interpretação segundo a qual o tribunal superior não pode conhecer das nulidades da sentença que o recorrente invocou numa peça única, contendo a declaração de interposição de recurso com referência a que se apresenta a arguição de nulidades da sentença e alegações e, expressa e separadamente, a concretização das nulidades e as alegações, apenas porque o recorrente inseriu tal concretização após o endereço do tribunal superior”.
Mas tem sido igualmente jurisprudência constante do Tribunal Constitucional a de não ser inconstitucional o entendimento de que o tribunal “ad quem” está impedido de apreciar as nulidades da sentença, em processo laboral, sempre que as mesmas não tenham sido expressamente arguidas no requerimento de interposição do recurso (Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 403/2000, in D.R., II Série, de 2000.12.13, reportado ao artigo 72º n.º 1 do CPT/81 e n.º 439/2003, in www.tribunalconstitucional.pt, reportado ao artigo 77º n.º 1 do CPT/99).
No fundo, apenas se admite ser desproporcionado que, relativamente aos recursos interpostos das decisões proferidas em 1.ª instância - em que existe uma unidade formal do requerimento de interposição do recurso e das alegações -, o tribunal ad quem decline o seu conhecimento quando o recorrente referencia genericamente a existência do vício decisório no dito requerimento, mas vem a efectivar a sua substanciação no corpo alegatório de forma clara e autónoma. Embora este comportamento não observe inteiramente o prescrito no art. 77.º do Código de Processo do Trabalho, admite-se que nestas situações o tribunal superior aprecie a questão da nulidade desde que a motivação desta, no corpo da alegação, se mostre explanada de forma expressa e de molde a facilitar ao juiz a percepção, imediata e sem necessidade de maiores indagações, de que está colocada a questão da nulidade da sentença.
No caso sub judice, o recorrente não chega sequer a arguir a nulidade no requerimento de interposição de recurso dirigido ao tribunal a quo, aí não lhe fazendo qualquer referência, pelo que não pode apreciar-se a sua argumentação no sentido de saber se verifica a nulidade da sentença nos termos do preceituado no artigo 615.º do Código de Processo Civil.
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4. Fundamentação de facto
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4.1. Como se deduz das conclusões e do corpo das alegações, o R. recorrente impugna a decisão de facto fixada na 1.ª instância.
Invoca a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, como questão prévia no que diz respeito à pretendida sindicância da decisão de facto, que o recorrente não cumpre na íntegra os ónus impostos pelo art. 640.º do CPC.
A propósito dos requisitos para a impugnação da matéria de facto, estabelece o artigo 640.º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, lei processual aplicável à data em que foram produzidas as alegações[2], o seguinte:
«Artigo 640.º
Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto

1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 — No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 — O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.»
Para sindicar o cumprimento destas especificações legais, tal como sempre decidimos à luz do correspondente artigo 685.º-B do Código de Processo Civil revogado, cabe ter presente o objectivo da sua previsão.
Com as normas relativas à interposição de recurso e apresentação da motivação, o legislador pretendeu criar um conjunto de regras de natureza prática a observar pelos recorrentes e que permitam ao tribunal ad quem apreender, de forma clara, as razões que levam o recorrente a atacar a decisão recorrida, de modo a que possam ser apreciadas com rigor (nem mais, nem menos do que é pedido, com ressalva das matérias de conhecimento oficioso). Actualmente, tornou-se claro que é necessária a formulação de um pedido concreto quanto à alteração da decisão de facto, com a indicação pelo recorrente da “decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
Assim, o critério subjacente à definição da conformidade das conclusões com o comando dos artigos 639.º e 640.º do CPC está necessariamente relacionado com a respectiva aptidão para exercerem a sua função delimitadora e sinalizadora do campo de acção interventiva do tribunal de recurso. É esta função das conclusões que legitima a existência de normas processuais que as exijam.
Na mesma lógica delimitadora e sinalizadora da intervenção do tribunal de recurso se situam os requisitos legais para a impugnação da matéria de facto, cuja inobservância, atenta a especificidade desta impugnação, justifica a rejeição do recurso no que se refere a tal matéria, com vista a prevenir o uso injustificado do recurso e a delimitar o seu objecto e os termos da cognição do tribunal ad quem (pela identificação, precisa, dos pontos de discordância e das razões da discordância), tudo na perspectiva do uso racional e justificado do meio recursório.
Além disso, cabe ter presente que, uma vez que as conclusões delimitam o objecto do recurso – artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1.º, n.º 2, alínea a), e 87.º do Código de Processo do Trabalho, na redacção aprovada pelo Decreto-Lei n.° 295/2009, de 13.10 –, é necessária a indicação, nas conclusões, pelo menos, dos concretos pontos de facto de cuja decisão o recorrente discorda, embora se admita que a indicação dos meios de prova em que o recorrente sustenta a sua discordância possa ter lugar nas alegações, pois que consubstancia matéria relativa à correspondente fundamentação.
No caso em análise – e com excepção do que se reporta aos pontos 6 e 22. da matéria de facto, que ulteriormente se apreciarão (conclusões DDD a JJJ) –, o R. recorrente não especificou nas suas conclusões os concretos pontos de facto elencados na sentença que considera incorrectamente julgados, não o fazendo também por referência aos articulados das partes, o que sempre seria admissível se entendesse que deveriam dar-se como provados factos que a 1.ª instância considerou não provados e que, por esse motivo, a sentença não elencou.
Esclarece-se que impugnar especificadamente os factos é enumerá-los um a um, para que o tribunal de recurso identifique, sem margem para dúvida, quais os pontos de facto que deverá apreciar, o que o recorrente, in casu, não fez nas conclusões.
O recorrente limitou-se a afirmar que “a Mma Juiz julgou incorrectamente os pontos de facto dos articulados referentes aos temas da categoria profissional atribuída ao Recorrido pelo Recorrente; do local de trabalho/transferência de local de trabalho; das despesas suportadas com a deslocação para a unidade operacional da Póvoa do Varzim/Vila do Conde; mas também do alegado incumprimento do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça – factos também constituem objecto do presente recurso, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, a) do Código de Processo Civil” (conclusão D) e veio depois emitir considerações genéricas sobre a matéria factual e jurídica, sem uma delimitação precisa, sem que individualizasse os concretos pontos de facto de que discorda e fazendo até afirmações factuais que não fez constar, sequer, da contestação que apresentou na acção
Além disso, e como bem nota a Exma. Procuradora-Geral Adjunta no seu douto Parecer (que nesta parte não foi contraditado pelo recorrente na resposta que lhe conferiu), o R. recorrente:
- não especificou as decisões que, no seu entender, deveriam ter sido proferidas, relativamente a cada um dos factos que no corpo das alegações referenciou (21º a 28º e 31º a 43º da petição inicial e 29º a 34º da contestação), não observando assim a imposição da al. c) do n.º 1 do artigo 640.°;
- não especificou, mesmo no corpo das alegações, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, relativamente à matéria respeitante ao "incumprimento do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça" e à "suposta ilegalidade da decisão de transferência do recorrido para a unidade operacional da Póvoa do Varzim/Vila do Conde", em desconformidade com o ónus imposto pela alínea a) do n.º l , do art. 640.° do CPC; e
- não especificou os concretos meios probatórios, constantes da gravação realizada, que impunham diferente decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, não observando o preceituado na alínea b) do n.º l , e alínea a), do n.º2, da mesma disposição legal.
Na verdade, e quanto a este último aspecto, o recorrente identifica no desenvolvimento das suas alegações as testemunhas cujos depoimentos invoca como constituindo meios probatórios a reapreciar – E…, G…, H…, I… e J… – e aponta excertos dos seus depoimentos, mas indica as testemunhas quanto à generalidade dos factos que impugna, ao invés de relacionar ou conectar cada facto com o concreto meio de prova que, no seu entender, sustentaria diferente decisão. Ou seja, mesmo esta indicação das testemunhas não é feita de modo estruturado e coerente, descrevendo o recorrente esses depoimentos ao mesmo tempo que emite considerações de direito e não dando a conhecer ao tribunal superior os termos precisos em que pretende a alteração da decisão de facto proferida na 1.ª instância e as razões de tal alteração.
Já no que se reporta aos pontos 6. e 22. da matéria de facto, o recorrente cumpriu de modo suficiente os ónus legais, indicando correctamente nas conclusões os pontos de facto impugnados e o sentido da decisão pretendida (conclusões DDD a JJJ), bem como nas alegações os fundamentos da impugnação com indicação dos meios de prova em que funda a sua discordância.
De acordo com a parte final do corpo do artigo 640.º, n.º1 do Código de Processo Civil, não é possível o aperfeiçoamento das conclusões quando não se cumpram as especificações legais nele previstas (regime que corresponde ao artigo 685.º-B, n.º 1 do anterior CPC).
Esta maior exigência do legislador tem plena justificação uma vez que, dirigindo o recorrente a sua pretensão a um tribunal que não intermediou a instrução da causa na 1.ª instância e que vai actuar através de um reexame da decisão recorrida quanto a concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, deve cumprir com rigor e precisão as exigências legais, sinalizando correctamente o que pretende, e não limitar-se a uma manifestação inconsequente de inconformismo[3].
Deve pois rejeitar-se o recurso no que respeita à impugnação da decisão de facto, com excepção do que se reporta aos pontos 6. e 22. da matéria de facto.
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4.2. Apreciando a impugnação deduzida quanto a estes pontos da decisão de facto, relembremos que nos mesmos considerou a sentença provado que:
«6 – Desde Novembro de 1987 que o «D…» atribuíra ao Autor as funções da categoria profissional de Coordenador, na Delegação deste de Matosinhos.»
«22 – A delegação da Póvoa de Varzim não tinha um «Coordenador» há cerca de oito anos, pelo que não necessitaria agora de alguém que exercesse essas funções.»
Alega o recorrente que estes factos ou carecem de evidência face à prova documental e gravada, ou entram em manifesta contradição com os fundamentos da decisão adoptada. Segundo aduz, é falso que o A. tenha exercido funções de coordenador desde o mês de Novembro de 1987, como apenas exerceu as referidas funções a partir de 1 de Março de 1988. Alega também que o facto de a unidade se encontrar sem responsável há cerca de oito anos não justifica que o recorrente, atentas as opções disponíveis para poder dar cumprimento à sentença judicial, não tivesse o direito, no âmbito do poder de direcção que se lhe encontra atribuído, de fazer deslocar o A. para a referida unidade. Invoca o depoimento da testemunha J…, quer para sustentar que o recorrido não exerce funções de Coordenador desde o início do contrato de trabalho, quer para sustentar que, mesmo que a Póvoa não tenha um responsável directo há oito anos (isto é, presente no local), não quer dizer que não necessidade de um dirigente “residente”.
Retira-se da sua alegação que pretende que os pontos 6. e 22. da matéria de facto se considerem não provados (ou retirados do elenco, como refere).
No que diz respeito ao ponto 6., verifica-se que o mesmo reproduz quase ipsis verbis a alegação constante do artigo 16.º da petição inicial e este, por sua vez, remete também para a alegação do artigo 1.º da mesma petição inicial.
Quer o artigo 1.º da petição inicial, quer o artigo 16.º da mesma peça, foram expressamente reputados de verdadeiros pelo R no artigo 1.º da sua contestação, ao alegar no mesmo ser “verdade” o alegado em tais artigos.
Ora a admissão de um facto por acordo, nos articulados, permite situá-lo no elenco de matéria assente por via de um mecanismo de prova plena – cfr. os artigos 490º, nº 2, 1.ª parte do CPC em vigor à data da apresentação da contestação (7 de Março de 2011), e 646º, nº 4, in fine, do Código de Processo Civil em vigor à data da prolação da decisão de facto (9 de Julho de 2013), e artigo 347º do Código Civil.
Assim, deve manter-se o ponto 6. da matéria de facto, aliás consonante com o ponto 1. que o recorrente não impugna no recurso, irrelevando de todo que as testemunhas sobre ele se tenham pronunciado e tenham relatado factualidade diferente da expressamente aceite pelo R como verdadeira.
Quanto ao ponto 22., o recorrente não questiona verdadeiramente a sua primeira parte – em que se afirma que a delegação da Póvoa de Varzim não tinha um «Coordenador» há cerca de oito anos – mas a sua segunda parte em que se afirma a desnecessidade de um Coordenador, pois alega que o facto de a unidade se encontrar sem responsável há cerca de oito anos não justifica que o recorrente não tivesse o direito, no âmbito do poder de direcção que se lhe encontra atribuído, de fazer deslocar o A. para a referida unidade e que não houvesse “necessidade” de um dirigente “residente” na Póvoa.
Ora, analisando a decisão proferida sobre a matéria de facto em litígio e vertida na acta de fls. 558 e ss. (vg. fls 563), verifica-se que o facto que a Mma. Julgadora a quo aí considerou provado foi que:
«22 – A delegação da Póvoa de Varzim não tinha um «Coordenador» há cerca de oito anos.»
Nada mais do que isto ficou a constar das respostas à matéria de facto controvertida.
Assim, não há qualquer justificação para que na sentença se tenha acrescentado ao ponto 22. da matéria de facto a afirmação constante da sua segunda parte, impondo-se agora a sua eliminação.
Aliás, deve dizer-se que a referida afirmação - pelo que não necessitaria agora de alguém que exercesse essas funções - é manifestamente uma afirmação que encerra um juízo valorativo ou matéria conclusiva.
Com efeito, para afirmar que o recorrente não necessitaria de alguém que exercesse as funções de Coordenador quando comunicou ao A. que passaria a desempenhar funções na unidade de Póvoa de Varzim/Vila do Conde, é imprescindível estarem provados factos que revelem essa desnecessidade, sendo a conclusão por esta um juízo valorativo a efectuar face a tais factos. Pode discutir-se se o facto de a delegação da Póvoa de Varzim não ter um Coordenador “residente” (para usar as palavras da recorrente) há cerca de oito anos é, ou não suficiente para revelar tal desnecessidade, ou, até, se é apto a revelá-la, mas o que não pode é afirmar-se a verificação de tal desnecessidade na decisão de facto.
Embora na lei processual civil actualmente em vigor inexista preceito igual ou similar ao artigo 646.º, n.º 4 do Código de Processo Civil revogado, a separação entre facto e direito continua a estar, como sempre esteve, presente nas várias fases do processo declarativo, quer na elaboração dos articulados, quer no julgamento, quer na delimitação do objecto dos recursos. O direito aplica-se a um conjunto de factos que têm que ser realidades demonstráveis e não podem ser juízos valorativos ou conclusivos. Apenas os factos são objecto de prova – cfr. os artigos 341.º do Código Civil e 410.º do Código de Processo Civil de 2013.
Por isso não podem os tribunais deixar de continuar a enfrentar a sobejamente conhecida dificuldade da destrinça entre os factos (reconstituição histórica do mundo do ser) e as questões de direito (actividade perceptiva do dever ser)[4], entre o saber o que constitui um puro facto ou o que se traduz já numa conclusão que apenas se pode afirmar perante a análise e valoração de factos concretos.
Uma vez que a afirmação da desnecessidade de Coordenador pelo facto de a delegação não o ter há um determinado período de tempo, como resulta do já exposto, não constitui a afirmação de um facto, positivo ou negativo, como necessariamente se impunha também à face do CPC em vigor à data da elaboração da decisão da matéria de facto (cfr. o respectivo art. 653.º), mas encerra manifestamente um juízo, o qual deverá ser feito em face de outros factos concretos, nunca poderia manter-se tal afirmação na factualidade a atender para a decisão jurídica do pleito (cfr. o artigo 607.º e 663.º do Código de Processo Civil actualmente em vigor).
Assim, altera-se o ponto 22. da matéria de facto constante da sentença, que passará a ter a seguinte redacção:
«22 – A delegação da Póvoa de Varzim não tinha um «Coordenador» há cerca de oito anos.»
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4.3. Os factos a atender para a decisão jurídica do pleito, após a intervenção deste Tribunal da Relação, são os seguintes:
«[...]
1--O Autor foi contratado pelo «D…», tendo passado a, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer as funções da categoria profissional de Coordenador, na Delegação deste de Matosinhos, desde Novembro de 1987.
2--Essa entidade era um «centro protocolar» criado no âmbito e de harmonia com o preceituado no DL nº 165/85, de 16.05, sendo, nos termos do respectivo art. 10º nº 1, dotado de personalidade jurídica de direito público, com autonomia administrativa e financeira e património próprio.
3--O respectivo objecto era o da promoção e execução de acções de formação profissional no sector das pescas.
4--O referido «D…» foi extinto pela Portaria n.º 311/2008, de 23 de Abril e em sua substituição foi criado o ora Réu, em cujas atribuições, mormente «no domínio da coordenação e execução da formação profissional a nível nacional dos profissionais e candidatos às profissões nos sectores da pesca e aquicultura, indústria transformadora de pescas», sucedeu.
5--O pessoal que integrava o «D…» integra agora o aqui Réu, desempenhando para este as mesmas funções que desempenhava para aquele, sem alteração sequer dos respectivos locais de trabalho, sendo que, inclusivamente, as várias instalações onde funciona o ora Réu são as mesmas onde funcionava o «D…».
6—Desde Novembro de 1987 que o «D…» atribuíra ao Autor as funções da categoria profissional de Coordenador, na Delegação deste de Matosinhos.
7--Por força de lhe ter sido ilicitamente retiradas as respectivas tarefas, e de concomitantemente lhe ter sido retirada uma parte da respectiva retribuição, o Autor intentou, no Tribunal do Trabalho de Matosinhos, uma acção em que requereu que lhe fosse atribuída novamente aquela categoria, que ele vinha exercendo desde 1987, com as respectivas funções inerentes, lhe fosse pago o vencimento respectivo, de harmonia com os direitos adquiridos (mormente no que respeitava a antiguidade) e lhe fossem pagas pelo aí demandado as diferenças salariais correspondentes à diferença entre o que o «D…» lhe passara a pagar e o que lhe deveria ter pago, acrescidas dos respectivos juros legais.
8--Acção essa que sob o nº 41/99 correu termos na 1ª Secção desse Tribunal, e em que foi proferida sentença em 10.12.99, que, parcialmente alterada por Acórdãos do Tribunal da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça, veio a transitar em julgado, e que condenou o «D…» a, além do mais, «reconhecer ao Autor» «a categoria de Coordenador, com todas as regalias inerentes».
9--Devido ao facto de o «D…» não ter cumprido voluntariamente, quer a condenação no pagamento das diferenças salariais e respectivos juros, quer a condenação a atribuir-lhe a referida categoria, o Autor teve de intentar contra ele uma execução para pagamento de quantia certa e, no que ora releva, uma execução para prestação de facto.
10--Por não tendo cumprido com o sentenciado quanto a esta última, foi o «D…» condenado a pagar ao ali e aqui A. uma indemnização de € 5.000,00, em Maio de 2006.
11--Em Abril de 2008, na sequência da referida extinção do D… e da criação do C… (ao abrigo da portaria n.º 311/2008, de 23 de Abril), foram extintos todos os cargos de chefia até à aprovação de nova estrutura (o que, até à data, não aconteceu, aguardando-se a publicação de novo diploma legal que permita a adopção de medidas destinadas à concretização do processo de reestruturação do C… ao abrigo do Programa de Reestruturação da Administração central do Estado, abreviadamente designado por PRACE); com esta extinção dos cargos de chefia, mantiveram-se alguns dos seus titulares em gestão.
12—Em 1998 foi extinto o “Coordenador”, e simultaneamente foram criados o “Responsável de Unidade Operacional” e o “Director Regional”.
13--As funções inerentes à “categoria” de Coordenador consistiam na gestão corrente de uma Unidade Operacional, ou seja, propunham o plano de actividades formativas, faziam a gestão do pessoal e pedagógica e, após a referida extinção aquelas funções passaram a ser exercidas pelo “Responsável de Unidade Operacional”.
14—A partir de 1997/1998 a gestão financeira foi centralizada nos serviços de Lisboa, deixando os “Coordenadores “ de exercer essas tarefas.
15-O “Director Regional” tinha como conteúdo funcional a gestão de duas ou mais Unidades Operacionais, exercido em regime de comissão de serviço, cargo esse que foi extinto com a criação do C….
16--Os Responsáveis de Unidade Operacional deixaram de reportar directamente ao Director do D…, passando a estar na dependência hierárquica dos Directores Regionais, o que limitou a sua capacidade de decisão pois as suas decisões estavam dependentes da aprovação do Director Regional.
17—O «Coordenador» encontrava-se sob a subordinação directa do «Director», seu imediato superior hierárquico, e posteriormente à criação do “Director Regional” passou a estar subordinado a este, que igualmente se encontra sob a subordinação directa do «Director», também seu imediato superior hierárquico.
18—As alterações ocorridas relativas ao modelo de gestão das Unidades decorreram da evolução da própria estrutura do D… e das novas exigências impostas pelos diversos órgãos aos quais o Centro tinha que prestar contas.
19--O Autor exerceu as referidas funções de Responsável de Unidade Operacional da Póvoa de Varzim/Vila do Conde entre 19/06/2006 e 06/11/2006, data em que foi autorizado o acordo de cedência para a Área Metropolitana do Porto.
20--Durante este período em que exerceu funções na unidade operacional da Póvoa de Varzim/Vila do Conde, e por força da transferência de local de trabalho, foi pago mensalmente ao Autor o acréscimo de custos de deslocação, no montante equivalente a transporte público.
21—O Réu comunicou, em 2006.05.03 ao Autor que a partir dessa data passava a desempenhar funções de Responsável directo da Unidade Operacional da Póvoa de Varzim/Vila do Conde, através do documento de fls. 94 do qual fez constar o seguinte:
“Exmo. Sr. Dr.
Venho comunicar a V. Exa. que a partir desta data passará a desempenhar funções de Responsável directo da Unidade Operacional da Póvoa de Varzim/Vila do Conde (anteriormente designada Delegação da Póvoa de Varzim/Vila do Conde).
Esta decisão justifica-se pela circunstância de aquela Unidade Operacional se encontrar sem Responsável directo, encontrando-se a de Matosinhos a ser efectivamente dirigida pela Senhora Directora Regional do Norte.
Assim, e por motivos de organização dos serviços deste Centro de Gestão Participada, deverá assumir aquelas funções a partir desta data. (…)»[5]
22—A delegação da Póvoa de Varzim não tinha um «Coordenador» há cerca de oito anos.
23--O Autor respondeu ao antecessor do Réu nos termos constantes de fls. 95 a 99 cujo teor se dá por reproduzido.
24--A esta missiva respondeu o antecessor do Réu ao Autor em 2009.06.06 nos termos constantes de fls. 100 cujo teor se dá por reproduzido.
25--Não obstante a discordância do Autor, este obedeceu à ordem, pese embora não a considerar legítima, o que comunicou ao antecessor do Réu por carta de 2006.06.19 junta a fls. 101.
26--E obedeceu sem, por essa ocasião pôr ostensivamente em causa a respectiva legitimidade, dado estar entretanto pendente a possibilidade de ele Autor ser «ocasionalmente cedido» à «Área Metropolitana do Porto», cedência que esta última entidade solicitara ao antecessor do Réu, nomeadamente em 2006.05.17.
27--O Autor solicitou ao antecessor do Réu, por carta de 2006.07.31 a apreciação sobre o modelo a utilizar no custeio dos valores relativos ao acréscimo dos custos com as deslocações nos termos de fls. 104 cujo teor se dá por reproduzido.
28--Pedido que, por falta de resposta, o Autor reiterou por carta de 2006.09.07, na qual solicitava que ao antecessor do Réu cumprisse com o pagamento dos acréscimos com a deslocação, tendo em conta que ele Autor se deslocava e sempre se deslocara em viatura própria, por meio da fixação do montante de € 0,37/Km, por ser o previsto por aquele para atribuição em deslocações de trabalhadores seus em viatura própria; destinada a suportar os acréscimos de despesas, mormente com refeições, resultantes de se encontrar a prestar a sua actividade, não no seu local de trabalho habitual – Matosinhos – mas sim em Vila do Conde — documento de fls. 105 cujo teor se dá por reproduzido.
29--A esta carta respondeu o antecessor do Réu por ofício de 2006.11.24, que anexava um documento interno de 20 do mesmo mês, juntos a fls. 106 a 110 cujo teor se dá por reproduzido, comunicando ao Autor em seguida que lhe atribuía o valor do «passe» social no K…, ou seja, € 48,50 mensais.
30--O antecessor do Réu cedeu temporariamente o Autor, com a concordância deste, à referida «Área Metropolitana do Porto», a partir de 2006.11.01, tendo por isso o seu contrato de trabalho ficado suspenso a partir de então.
31—Por carta junta a fls. 114 o Autor, para além de remeter os documentos juntos a fls. 111 a 113 relativos à sua cedência, afirmou que a sua categoria profissional é a de Coordenador.
32--E voltou a manifestar essa sua discordância relativamente às descritas atitudes do antecessor do Réu em carta que lhe remeteu em 2007.03.08, a qual concluiu da seguinte forma, solicitando que o «D…» o esclarecesse das seguintes questões que colocou:
«I-Considerando a obrigatoriedade de aplicar critérios de Legalidade, bem como de Igualdade de Tratamento entre Trabalhadores pelo D…, solicito que me sejam pagos o equivalente a Ajudas de Custo e as Deslocações em Viatura Própria, relativamente aos 75 dias que efectivamente me desloquei para Vila do Conde;
II-Considerando o facto de me encontrar actualmente em regime de Suspensão Temporária do meu Contrato de Trabalho, solicito que me informem qual será o meu local de prestação do trabalho uma vez cessada a suspensão, ou seja se, na perspectiva do D…, este procedeu ou não a uma efectiva transferência do meu local de trabalho de Matosinhos para Vila do Conde e, em caso afirmativo, se essa transferência é temporária ou definitiva, sempre na perspectiva do D….
Fico desde já a aguardar a resposta a ambas as questões»
- documento de fls. 115 a 117 cujo teor se dá por reproduzido.
33--A esta carta respondeu o antecessor do Réu em 2007.10.08, na qual sucintamente reitera o que já dissera, ou seja, que procedera à transferência do Autor para «cumprir a sentença», não aceitando que o acréscimo de custos implicados pela deslocação seriam um «prejuízo sério» e eximindo-se de contribuir para as despesas de combustível com a alegação de que a utilização de viatura própria seria uma «opção» do trabalhador—documento de fls. 118 a 120 cujo teor se dá por reproduzido;
34--Na pendência da renovação que teve lugar em Dezembro de 2009, o Autor passou a exercer funções para a aludida entidade em “comissão de serviço”, com efeitos a partir de 2010.01.19.
35--Essa nomeação do Autor foi devidamente comunicada ao Réu pela referida entidade, em 2010.01.20.
36--No âmbito dessas tentativas, o Autor remeteu ao ora Réu uma carta, em 2010.06.22, em que solicitou que o Réu o informasse, quanto aos seguintes pontos, assim que cessasse a sua cedência à «Área Metropolitana do Porto»:
a) Qual a categoria profissional que o aqui Réu entendia dever atribuir-lhe.
b) Em que localidade entendia o Réu dever ser o Autor colocado.
c) Se essa localidade não fosse Matosinhos, se a transferência do Autor seria temporária ou definitiva.
d) Sempre se essa localidade não fosse Matosinhos, que acréscimos salariais entendia o ora Réu atribuir-lhe, e a que título (despesas de deslocação, ajudas de custo ou outros).
37--O Réu respondeu a esta carta por uma sua de 2010.07.08, por via da qual transmitiu ao Autor, em síntese:
-Que confirmava que o local de trabalho do Autor seria na Unidade Operacional de Póvoa de Varzim/ Vila do Conde.
-Que a categoria profissional do Autor seria a de Coordenador, «conforme decisão judicial».
-Que contudo não lhe era «possível prestar de forma clara e definitiva, todos os esclarecimentos» que o Autor lhe solicitara, alegadamente por ele Réu se encontrar «em processo de reestruturação, aguardando a implantação da nova estrutura», nomeadamente – dizia – «porque se aguarda a definição das Unidades Operacionais que poderão ser desactivadas, não sendo possível, desde já, determinar se a Póvoa de Varzim/Vila do Conde estará nessa situação».
38--O Autor, antes de o seu contrato de trabalho ter sido suspenso por força da sua cessão temporária, prestou o seu trabalho na delegação do antecessor do Réu de Vila do Conde durante 75 dias, o que implicou que para lá se deslocasse, percorrendo em cada dia 60 Kms em viatura própria.
39--O Réu, nas deslocações em serviço, atribuiu uma compensação monetária calculada à razão de quilómetros percorridos em viatura própria segundo as tabelas em vigor para o funcionalismo público, sendo esse montante, à data, de € 0,37.
[...]».
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5. Fundamentação de direito
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5.1. Em sede de aplicação do direito aos factos, a questão fundamental que se perfila consiste em aferir da legalidade da transferência de local de trabalho do recorrido operada com a comunicação do R. de 3 de Maio de 2006 para passar a desempenhar funções de Responsável directo da Unidade Operacional da Póvoa de Varzim/Vila do Conde (facto 21.).
À solução desta questão, atenta a data em que se efectivou a comunicação do R. ao A. de que a partir dessa data passava a desempenhar funções de Responsável directo da Unidade Operacional da Póvoa de Varzim/Vila do Conde (3 de Maio de 2006) aplica-se o quadro normativo do Código do Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, por terem os factos respectivos ocorrido na sua vigência (que se verificou em 1 de Dezembro de 2003, nos termos prescritos no artigo 3.º, n.º 1 da lei preambular).
Cabe ter presente que o A. foi admitido ao serviço do “D…”, mas que este foi extinto pela Portaria n.º 311/2008, de 23 de Abril e em sua substituição foi criado o ora Réu, em cujas atribuições sucedeu, mormente «no domínio da coordenação e execução da formação profissional a nível nacional dos profissionais e candidatos às profissões nos sectores da pesca e aquicultura, indústria transformadora de pescas». Como decorre da referida Portaria e é pacífico entre as partes, o pessoal que integrava o extinto D… passou para os quadros do recorrente C…, que sucedeu nas atribuições e obrigações daquele.
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5.2. A sentença recorrida julgou procedente o pedido de condenação do R. a atribuir ao A., na Delegação do R. de Matosinhos, funções de Responsável de Unidade Operacional (ou a categoria profissional que venha a designar como lhe equivalendo), tendo como pressuposto que o A. exerceu funções de Coordenador na Delegação de Matosinhos desde Novembro de 1987 e, depois de lhe ter sido alterada a sua situação laboral, a D… foi condenada em 2001 a reconhecer ao A. a categoria profissional de Coordenador com todas as regalias inerentes, devendo considerar-se ilegal a decisão que o R. tomou em Maio de 2006 de transferir o A. para a Delegação de Póvoa do Varzim/Vila do Conde.
Segundo se retira da sentença, a mesma afirmou a ilegalidade da ordem de transferência da D… porque:
- não cumpre a determinação das instâncias judiciais, pois devia ter colocado o A. na situação laboral em que se encontrava anteriormente à acção judicial;
- os fundamentos invocados pelo R. não são atendíveis por não revelarem interesse atendível da empresa, uma vez que a Unidade da Póvoa já se encontrava sem responsável há cerca de 8 anos, pelo que não necessitaria agora de alguém que aí exercesse estas funções, e a Unidade de Matosinhos não tinha responsável directo em 2006, pois o Director Regional que a dirigia tinha a seu cargo a gestão de duas ou mais Unidades Operacionais;
- o R., depois de interpelado pelo A. (que se encontra em comissão de serviço na área Metropolitana do Porto), transmitiu a este em Julho de 2010 que o seu local de trabalho seria na Unidade Operacional de Póvoa do Varzim/Vila do Conde, mas que não lhe era «possível prestar de forma clara e definitiva, todos os esclarecimentos» que o Autor lhe solicitara, por ele Réu se encontrar «em processo de reestruturação, aguardando a implantação da nova estrutura», nomeadamente «porque se aguarda a definição das Unidades Operacionais que poderão ser desactivadas, não sendo possível, desde já, determinar se a Póvoa de Varzim/Vila do Conde estará nessa situação»;
- com esta atitude o R. mantém a ilegalidade cometida e o A. passa a correr o risco de ficar sem unidade para chefiar pois o R. coloca a hipótese de desactivar a Unidade Operacional de Póvoa do Varzim/Vila do Conde.
Conclui a sentença que “o local de trabalho do Autor é na Unidade Operacional de Matosinhos onde deverá exercer as funções correspondentes à de Responsável da mesma (ex-Coordenador) e nunca poderá ser prejudicado por não ter exercido essas funções em resultado da acção judicial ou da comissão de serviço”.
Por seu turno o R. recorrente sustenta que a sentença deveria ter concluído pela legalidade da transferência do local de trabalho do recorrido de Matosinhos para a Póvoa do Varzim, mantendo intactas as funções de Responsável da Unidade Operacional, pois:
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça referenciado no processo não decide no sentido da atribuição de um local de trabalho específico ao trabalhador, pois esse nunca foi o “thema decidendi” e o objecto do litígio dizia única e exclusivamente respeito à delimitação fáctica das funções inerentes à categoria de Coordenador e ao seu reconhecimento (conclusões I a O);
- o recorrido jamais fez prova de que o seu contrato de trabalho define Matosinhos como seu local de trabalho (conclusões P a T);
- a entidade empregadora decidiu transferir o local de trabalho do Autor por razões de natureza empresarial e organizacional que se prendem com o facto de, à data do proferimento da sentença, encontrar-se um responsável directo na unidade Póvoa do Varzim/Vila do Conde, estando a unidade de Matosinhos a ser efectivamente dirigida pela Senhora Directora Regional do Norte, tendo o R. o objectivo de evitar que uma Unidade tivesse dois responsáveis com a mesma categoria profissional e funções (conclusões U a II e PP a SS);
- a transferência não implicou prejuízo sério para o trabalhador, nem este sequer invocou ou demonstrou tal prejuízo nos articulados e na audiência de julgamento (conclusões V e TT a WW).
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5.3. Para decidir a questão da legalidade da indicada transferência, é necessário, antes de mais, esclarecer qual o local de trabalho do A. à data em que foi determinado que iniciasse funções na Unidade Operacional de Póvoa do Varzim/Vila do Conde já que, por definição, só se o mesmo estiver previamente fixado em local distinto, pode falar-se em transferência de local de trabalho.
E, seguindo a argumentação expressa pelo recorrente, deverá antes de mais aferir-se se a força de caso julgado da decisão final proferida na acção comum nº 41/99 que correu termos na 1ª Secção do Tribunal do Trabalho de Matosinhos compreende o reconhecimento de que o local de trabalho do A. é na delegação do R de Matosinhos.
Analisando a matéria de facto e as decisões proferidas em tal processo (certificadas a fls. 234 e ss.), verifica-se que o A. instaurou aquela acção por lhe terem sido ilicitamente retiradas as respectivas tarefas e de, concomitantemente, lhe ter sido retirada uma parte da respectiva retribuição. Como relatado no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Março de 2001 que pôs termo à acção, o A. pediu “que se decrete que o A. sempre exerceu para o Réu as funções características da categoria profissional de Coordenador, na Delegação de Matosinhos, e se condene o Réu: a) a reconhecer ao A. tal categoria, com todas as regalias à mesma inerentes, mormente cometendo-lhe as respectivas funções, atribuindo-lhe os subalternos que sempre teve e o gabinete de trabalho respectivo; b) na sanção pecuniária compulsória …; c) a pagar ao A. o salário mensal de …; d) a pagar ao A. a mencionada diferença de…; e) a pagar ao A. a quantia de … a título de danos não patrimoniais”.
A sentença da 1.ª instância, datada de 1999.12.10, julgou a acção parcialmente procedente e provada e decidiu:
“a) condenar o Réu a atribuir e reconhecer ao A. a categoria de Coordenador, cujas funções sempre exerceu desde Novembro de 1987, com todas as regalias inerentes.
b) condenar o R. a pagar ao A. a diferença salarial de (…) acrescida de juros (…).
c) absolver o R. do demais pedido.»
Considerou a sentença que os pedidos de “manutenção de subalternos” e de ser “atribuído ao A. o mesmo gabinete” não tinham fundamento legal.
O Acórdão da Relação do Porto, datado de 22 de Maio de 2000, concedeu em parte provimento ao recurso do A. reconhecendo que o mesmo “tem direito a receber do R., além da remuneração de base correspondente à categoria profissional de Coordenador, o subsídio por isenção de horário de trabalho”. No que diz respeito à vertente do recurso do R que questionava a categoria profissional do A., concluiu a Relação que “[d]este modo, devendo a categoria profissional de qualquer trabalhador corresponder à natureza e espécie das tarefas por ele efectivamente executadas no exercício da sua actividade laboral, e constando tal categoria profissional de Regulamento Interno, impõe-se concluir, como a primeira instância, pela atribuição ao A. do direito à categoria de coordenador, na Delegação do R de Matosinhos”, negando neste aspecto provimento à apelação.
Por seu turno o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 13 de Março de 2001, negou a revista do Réu que impugnou o acórdão recorrido em dois domínios: o primeiro, na parte em que confirma o direito do A. à categoria profissional de Coordenador e o segundo no que respeita à condenação no pagamento do subsídio de isenção de horário de trabalho, pelo que não corresponde à verdade a afirmação feita pelo recorrente na resposta ao Parecer da Exma. Procuradora-Geral Adjunta de que o Supremo Tribunal de Justiça se pronunciou exclusivamente sobre esta segunda questão da isenção de horário de trabalho (a fls. 727).
Relativamente ao primeiro domínio, decidiu confirmar o acórdão recorrido, desenvolvendo considerações sobre o direito do A. à categoria profissional de Coordenador (vide a certidão do acórdão, particularmente a fls. 72-74 destes autos) e expressando a final que “o decidido se mostra apoiado em fundamentação correcta e suficiente, que bem podia ter levado o Supremo a fazer aplicação do disposto no artigo 713.º, n.º 5 do Cód. Proc.Civil”.
Como decorre do disposto no artigo 295.º do Código Civil e constitui jurisprudência pacífica, a interpretação de uma sentença judicial - ou de um acórdão -, como acto jurídico que é, deve obedecer à disciplina legal atinente à interpretação das declarações negociais constante dos arts. 236.º a 238.º do Código Civil[6].
A determinação do âmbito do caso julgado de uma decisão judicial pressupõe a respectiva interpretação à luz daquelas regras, não bastando na concretização do seu sentido considerar a parte decisória da mesma, cumprindo tomar em consideração também a respectiva fundamentação e a relação desta com o dispositivo, visando garantir a harmonia e a coerência entre estas duas partes.
Tendo em consideração o teor das decisões proferidas na acção n.º 41/99, e tendo presente que deve fazer-se a sua análise conjugada (uma vez que os tribunais superiores analisaram sucessivamente a decisão que os antecedeu no iter processual), entendemos que, não obstante na parte decisória da sentença declarativa condenatória da 1.ª instância, se ter condenado o Réu “a atribuir e reconhecer ao A. a categoria de Coordenador, cujas funções sempre exerceu desde Novembro de 1987, com todas as regalias inerentes”, sem especificar em que consistiam estas, uma vez que na fundamentação dos dois acórdãos que reanalisaram a questão da categoria profissional se explicitou que a atribuição ao A. do direito à categoria de Coordenador o era “na Delegação do R de Matosinhos”, o que também constava do pedido e não foi excluído na sentença inicial, deve concluir-se que a decisão final daquele processo abarca o reconhecimento de que o local de trabalho do A., no qual deveria efectivar-se o reconhecido direito à categoria profissional de Coordenador, é a delegação da R, em Matosinhos.
Seja como for, e ainda que inexistisse aquela declaração judicial, tendo em consideração que o A. foi contratado e passou a exercer as suas funções na Delegação de Matosinhos desde Novembro de 1987 (factos 1. e 6.), não havendo notícia de que antes de 2006 tenha desempenhado o seu trabalho numa outra Delegação do D…, sempre seria de considerar que o local de trabalho do A. era na Unidade de Matosinhos.
De modo algum colhe a argumentação do recorrente de que o recorrido jamais fez prova de que o seu contrato de trabalho define Matosinhos como seu local de trabalho (conclusões P a T).
Com efeito, tendo em consideração que o contrato de trabalho é um negócio meramente consensual – artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (L.C.T.) em vigor à data em que as partes se vincularam e artigo 102.º do Código do Trabalho de 2003 –, é possível alcançar a determinação dos seus contornos pelo comportamento das partes, pela análise da situação de facto[7].
No caso sub judice, não sendo conhecido escrito que titule o contrato de trabalho em vigor entre as partes, apenas o que resulta da efectiva execução contratual permite delimitar este elemento fundamental do convénio que é o local do cumprimento da prestação laboral, pelo que, em face do que ficou provado nos factos 1. e 6., nenhuma outra conclusão poderia ser retirada senão a de que, à data em que lhe foi comunicado para desempenhar as suas funções na Unidade da Póvoa do Varzim (2006.05.03), o local de trabalho do A. era em Matosinhos.
Assim, quer por força da execução contratual, quer por força do que ficou decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido na acção n.º 41/99 do Tribunal do Trabalho de Matosinhos, é de considerar que o local de trabalho do recorrido em 2006.05.03 – data em que se verificou a ordem cuja legalidade foi questionada na presente acção – era na Unidade de Matosinhos.
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5.4. Vejamos, então, se a referida ordem de transferência foi legal, como defende a recorrente, à luz do regime jurídico da transferência do local de trabalho constante do Código do Trabalho de 2003, à data em vigor.
5.4.1. O local de trabalho é, em geral, definido como o centro estável de actividade de certo trabalhador[8] e constitui um elemento essencial do contrato de trabalho.
Uma vez estabelecido o local de trabalho, é aí, e só aí, que a prestação de trabalho é, em princípio, devida. O princípio de que os contratos devem ser pontualmente cumpridos previsto no art. 406.º do Código Civil tem aqui como corolário que o empregador não pode, em princípio, transferir o trabalhador sem o seu acordo.
Por isso o Código do Trabalho de 2003 inclui nos comportamentos vedados ao empregador o referido na alínea f) do respectivo art. 122.º de transferir os seus empregados “… para outro local de trabalho, salvo nos casos previstos neste Código e nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, ou quando haja acordo”.
A localização do trabalho assume grande relevo na relação contratual de trabalho, quer para o empregador (porque, em geral, a prestação do trabalhador só servirá o seu interesse se o for no local onde dele precisa), quer para o trabalhador (na medida em que contende com a organização da sua vida aos mais diversos níveis: pessoal, familiar, habitacional e social)[9].
Ao excluir, como princípio, a modificação unilateral do condicionalismo geográfico em que tem lugar a realização do trabalho, estabelecendo uma correlativa garantia do trabalhador no art.º 154º n.º 1 ao dispor que “… o trabalhador deve, em princípio, realizar a sua prestação no local de trabalho contratualmente definido, sem prejuízo do disposto nos artigos 315º a 317º”, o legislador denota que, na ponderação que faz do confronto entre o interesse do empregador na mobilidade e o do trabalhador na estabilidade, dá primacialmente relevo à natural importância que para este último assume a localização do trabalho e expressa, desde logo, os desvios consentidos ao assinalado princípio.
A garantia da inamovibilidade do trabalhador não é, assim, absoluta, podendo o local de trabalho ser unilateralmente alterado através de uma declaração negocial do empregador dirigida ao trabalhador fundada em razões de natureza empresarial, embora a lei trace limites ao exercício deste poder. Apesar de estabelecido o local de trabalho por força de estipulação expressa ou por força da execução contratual, e ainda que judicialmente reconhecida a sua localização (como ocorre no caso sub judice), o empregador tem o poder de o modificar, desde que se verifiquem ulteriormente os pressupostos para o exercício deste poder modificativo.
Não acompanhamos pois a sentença sob censura na parte em que a mesma ancora a ilegalidade da ordem de transferir o A. de local de trabalho na circunstância de a mesma não cumprir a determinação das instâncias judiciais.
Embora as decisões judiciais do referido processo n.º 41/99 reconheçam ser o local de trabalho do recorrido a Delegação de Matosinhos do recorrente, como resulta do já exposto, é manifesto que tais decisões não cristalizam o direito do trabalhador a ocupar aquele local de trabalho, podendo o empregador determinar a alteração do mesmo, desde que se verifiquem ulteriormente à prolação daquelas decisões os respectivos pressupostos legais.
5.4.2. Cabe pois ver se, em Maio de 2006 – data em que o antecessor do R. determinou a transferência de local de trabalho do A. através do escrito documentado a fls. 94 – se verificavam os pressupostos legais para o empregador determinar a transferência do A. ora recorrido para local de trabalho distinto daquele que anteriormente ocupava e foi judicialmente reconhecido.
O artigo 315º do Código do Trabalho prevê as duas situações em que é admitida a mudança definitiva de local de trabalho por determinação da entidade patronal ao dispor nos seguintes termos:
«Mobilidade geográfica
1 — O empregador pode, quando o interesse da empresa o exija, transferir o trabalhador para outro local de trabalho se essa transferência não implicar prejuízo sério para o trabalhador.
2 — O empregador pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho se a alteração resultar da mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço.
3 — Por estipulação contratual as partes podem alargar ou restringir a faculdade conferida nos números anteriores.
4 — No caso previsto no nº 2, o trabalhador pode resolver o contrato se houver prejuízo sério, tendo nesse caso direito à indemnização prevista no nº 1 do artigo 443º.
5 — O empregador deve custear as despesas do trabalhador impostas pela transferência decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação e resultantes da mudança de residência.»
No n.º 1 do preceito prevê-se a chamada transferência individual, que pressupõe a simples mudança de um posto de trabalho, permanecendo imutável o complexo físico da organização empresarial. O conceito indeterminado de “prejuízo sério”, tal como sucedia no regime previsto no antecedente art.º 24º da LCT aprovada pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, continua a desempenhar uma função central no tratamento normativo desta matéria. A existência de um “prejuízo sério” habilita o trabalhador, nesta modalidade de transferência, a optar por: (i) permanecer no seu local de trabalho, desobedecendo à ordem patronal (ius resistentiae); ou (ii) resolver de imediato o vínculo, com o consequente direito a indemnização. No que concerne ao critério de repartição do ónus da prova, as alterações ao regime da transferência do trabalhador introduzidas pelo Código do Trabalho, apesar de serem claras quanto à atribuição do ónus da prova ao trabalhador no caso de transferência colectiva, não eliminaram as divergências doutrinárias e jurisprudenciais no caso de transferência individual.
Por seu turno, o n.º 2 do citado art.º 315º dispõe sobre os casos da denominada transferência colectiva. Ao contrário do que sucede na transferência individual, o único meio de resistência consentido aqui ao trabalhador, reconduz-se à resolução do vínculo, necessariamente acompanhada da respectiva indemnização, desde que a transferência seja susceptível de lhe causar “prejuízo sério”. No domínio probatório desse prejuízo, o regime actual estabelece uma relevante diferença relativamente ao regime anterior: enquanto o mencionado art.º 24º da L.C.T. reconhecia ao trabalhador, nesta modalidade de transferência, a faculdade de romper o vínculo, salvo se a entidade patronal provar que da mudança não resulta prejuízo sério para o trabalhador (parte final do n.º 2), o regime vigente eliminou essa presunção e o consequente ónus infirmativo a cargo do empregador. Neste caso de transferência colectiva, a existência de “prejuízo sério” perfila-se como pressuposto constitutivo do direito do trabalhador a resolver o contrato com indemnização, a este cabendo o ónus da sua prova[10].
Em ambos os casos a transferência só é admissível se o “interesse da empresa” o exigir. Ou seja, em qualquer caso, deve tratar-se de uma decisão que possa explicar-se em termos de racionalidade de gestão e não uma decisão tomada de ânimo leve, sendo que no caso da transferência colectiva é conferida uma protecção absoluta ao interesse organizativo e gestionário do empregador.
Assim, se a empresa quiser transferir singularmente um seu trabalhador, cabe-lhe alegar e provar que o faz por exigência organizativa objectivamente relevante, sem o que essa pretensão não deixará, desde logo e sem mais, de se assumir como ilegítima[11].
Só depois de reconhecer o interesse da empresa é que cabe ao tribunal avaliar os eventuais prejuízos do trabalhador que legitimam a oposição à transferência, o que não deixará, apesar disso, de exigir um confronto entre esses dois interesses conflituantes: o interesse do trabalhador na “estabilidade geográfica” da prestação e o interesse empresarial.
A legalidade da ordem de transferência não se basta com estes requisitos substanciais. A par deles, exige-se também que o empregador observe os requisitos plasmados no art. 317.º do Código do Trabalho, tornando-se imperioso, em suma, que o empregador cumpra o prazo legal e indique, por escrito, o fundamento que o leva a implementar a transferência.
No presente recurso não estão em causa os requisitos procedimentais, mas os requisitos substanciais enunciados (a exigência do interesse da empresa e a inexistência de prejuízo sério para o trabalhador).
E, de entre eles, perfila-se em primeiro lugar a análise do invocado “interesse da empresa”.
Na transferência individual (definitiva ou temporária), o juízo do tribunal sobre a legitimidade da ordem pressupõe que se demonstre que o interesse da empresa exige a transferência (ao invés do que sucede na transferência colectiva em que a lei presume “juris et de jure”um interesse funcional da empresa), devendo a justificação objectiva de gestão que está na base da transferência do trabalhador constar da ordem de transferência nos termos do artigo 317.º do Código do Trabalho e sendo a partir desta que se vai sindicar se o interesse da empresa ali invocado justifica a anunciada alteração contratual.
Segundo Albino Mendes Baptista, o interesse da empresa corresponde a razões organizativas, produtivas ou técnicas que constituam “um motivo de gestão empresarial objectivamente avaliável”[12].
Maria do Rosário Palma Ramalho, a propósito deste pressuposto, salienta que “só um fundamento objectivo de gestão pode, efectivamente, justificar a ultrapassagem do acordo das partes por um acto unilateral do empregador, em projecção do princípio da prevalência dos interesses de gestão”[13].
Pedro Madeira de Brito, também a este propósito, escreve que “face à necessidade de sindicabilidade judicial deste pressuposto, cabe ao juiz verificar se existe uma alteração na organização que justifique a utilização da faculdade (…).”[14]
Tendo presente este enquadramento normativo e doutrinário, relembremos o teor da comunicação da R. ao A. de 3 de Maio de 2006:
“Exmo. Sr. Dr.
Venho comunicar a V. Exa. que a partir desta data passará a desempenhar funções de Responsável directo da Unidade Operacional da Póvoa de Varzim/Vila do Conde (anteriormente designada Delegação da Póvoa de Varzim/Vila do Conde).
Esta decisão justifica-se pela circunstância de aquela Unidade Operacional se encontrar sem Responsável directo, encontrando-se a de Matosinhos a ser efectivamente dirigida pela Senhora Directora Regional do Norte. Assim, e por motivos de organização dos serviços deste Centro de Gestão Participada, deverá assumir aquelas funções a partir desta data (…)».
Deve precisar-se, antes de mais, que a transferência determinada nesta comunicação entregue ao recorrido em 3 de Maio de 2006 (facto 21.) deve qualificar-se como uma transferência definitiva, pois que a ordem escrita emitida não contém qualquer indício de que se revestisse de carácter temporalmente limitado o exercício funcional que ali era determinado ao A., a desenvolver na Unidade da Póvoa do Varzim/Vila do Conde. Aliás, a tratar-se de transferência temporária, da ordem deveria constar o tempo previsível da alteração que, salvo condições especiais, não pode exceder seis meses (artigo 316.º, n.º 3 do Código do Trabalho).
No que diz respeito aos motivos invocados na comunicação para fundamentar a ordem de transferência, da análise do seu texto e dos demais factos que ficaram provados na sentença – e de outros não nos podemos socorrer, vg. dos factos que ex novo o recorrente vem alegar no recurso – cremos não poder retirar-se que, no desenvolvimento da actividade empresarial sobreveio um facto que tenha alterado a dinâmica organizacional que se verificava antes de Maio de 2006 e que justifique haver, nesta ocasião, um interesse empresarial da recorrente em usar da faculdade de alterar o local de trabalho do recorrido.
Com efeito, a primeira razão invocada – encontrar-se a Unidade da Póvoa do Varzim/Vila do Conde sem responsável directo – verificava-se à data da prolação da já referida sentença da 1.ª instância de 10 de Dezembro de 1999 e, também, dos Acórdãos da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça ulteriormente proferidos, pois que se verificava já desde há cerca de 8 anos relativamente a Maio de 2006 (facto 22.).
Assim, sem qualquer outra explicitação no texto da comunicação que denote haver um interesse objectivo em alterar em Maio de 2006 um status quo sedimentado há tão longo tempo e, particularmente, um status quo que se verificava por ocasião do reconhecimento judicial ao recorrido do seu direito de desempenhar as funções de Coordenador naquele local de trabalho (na Unidade de Matosinhos), entendemos que este motivo não é atendível para justificar a transferência.
Quanto à segunda razão invocada – de que a Unidade de Matosinhos estava a ser efectivamente dirigida pela Senhora Directora Regional do Norte –, cabe ponderar que o Director Regional tinha como conteúdo funcional a gestão de duas ou mais Unidades Operacionais (facto 15.)[15], mas pressupunha a existência de Responsáveis de Unidade Operacional (os que passaram a exercer as funções inerentes à categoria profissional de Coordenador), que a si reportavam (facto 16.), pelo que, sem que o empregador tenha adiantado no texto em que determinou a transferência qualquer elemento demonstrativo de que a Directora Regional estava a desempenhar concomitantemente as funções que em abstracto caberiam ao Responsável de Unidade Operacional, torna insubsistente em termos objectivos essa razão. Se, como emerge dos factos provados (factos 13. a 15.), as Unidades têm Responsáveis de Unidade Operacional que têm a seu cargo a gestão corrente de uma Unidade (com excepção da gestão financeira, desde 1998) e reportam a um Director Regional que gere duas ou mais Unidades, o facto de o Director Regional estar a dirigir Matosinhos, por si só, e sem qualquer outra explicação demonstrativa da desnecessidade em tal Unidade de um Responsável de Unidade Operacional que procedesse à sua gestão corrente, não justifica objectivamente haver um interesse empresarial do empregador em transferir o trabalhador do seu local de trabalho na Unidade de Matosinhos para a Unidade da Póvoa do Varzim/Vila do Conde.
Não têm qualquer respaldo nos factos provados (nem constam do texto da transferência) as afirmações da recorrente constantes das alegações de recurso de que a Directora Regional trabalhava “como Coordenadora” na Unidade de Matosinhos, que cumulava essa actividade com a de Directora Regional e exercia ambas as actividade de forma paralela em 2006 (conclusões W a JJ), não se inferindo dos mesmos factos que a recorrente tivesse o “objectivo de evitar que uma única unidade operacional tivesse dois responsáveis, com a mesma categoria e funções” (conclusão SS), nem tal objectivo foi enunciado no texto da transferência.
Deve aliás dizer-se que a afirmação que a recorrente fez constar na conclusão Y da apelação – afirmação também indemonstrada – de que Directora Regional foi “convidada pelo então Conselho de Administração do C… a assumir as referidas funções de coordenação, no seguimento de processo de exoneração do recorrido, em 1998”, milita em sentido inverso ao da sua pretensão de demonstrar um interesse objectivo e sério da empresa na transferência do recorrido, na medida em que na identificada acção judicial n.º 41/99 foi julgada ilícita a aludida exoneração do ora recorrido das suas funções de Coordenador na Delegação de Matosinhos do R.. É manifesto que não pode a recorrente invocar um acto ilícito seu para fundar a decisão que tomou de alterar o local de trabalho do recorrido, transferindo-o para a Delegação de Póvoa do Varzim/Vila do Conde, quando tal decisão, nos termos da lei, deve ter na sua base apenas interesses empresariais de natureza objectiva e organizacional.
Assim, porque entendemos que os motivos invocados não demonstram a existência de interesses empresariais do empregador objectivamente avaliáveis e justificativos da sua decisão de transferência do local de trabalho do recorrido, é de concluir que a decisão tomada em Maio de 2006 de transferir o recorrido da Unidade de Matosinhos para a Unidade da Póvoa do Varzim/Vila do Conde representou uma violação da sua garantia legal da não modificação do local de trabalho.
Quanto à questão do eventual “prejuízo sério” que eventualmente pudesse resultar para o A. da efectivação da ordem de transferência, não se coloca a necessidade da apreciação do mesmo, na medida em que a afirmação da inexistência do interesse da empresa é de “per si” suficiente para afirmar a ilegalidade da ordem de transferência, o que torna esta questão prejudicada (artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil).
Aliás, é de notar que nem o A., nem o R. alegaram nos articulados da acção o que quer que fosse susceptível de fundamentar a existência ou inexistência de tal prejuízo, o que afasta a possibilidade de fundar a ilegitimidade da ordem de transferência na verificação de um prejuízo sério.
5.4.3. Em suma, por não estar demonstrado que a transferência do local de trabalho do recorrido determinada em 3 de Maio de 2006 era, então, exigida pelo interesse objectivo da empresa, cabendo ao empregador alegar e provar os factos que permitissem concluir pela existência daquele interesse que constitui pressuposto necessário da legalidade da transferência (artigos 342.º, n.º 2 do Código Civil), o que não logrou fazer, a ordem de transferência emitida em deve ser julgada ilícita, e deve confirmar-se o decidido em 1.ª instância no que diz respeito à condenação do recorrente a atribuir ao A. a categoria de Responsável de Unidade Operacional, ou a que venha a designar como lhe equivalendo, na Unidade Operacional de Matosinhos.
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5.5. Na decisão que procedeu à reforma da sentença proferida após o julgamento (fls. 690-691), o tribunal a quo, apreciando o pedido de condenação do R. no pagamento da quantia relativa às despesas que teve de suportar com a deslocação para Vila do Conde durante 75 dias, decidiu que, «na sequência da ilegalidade da transferência do Autor para a Delegação da Póvoa/Vila do Conde, compete à Ré satisfazer os custos acrescidos que o mesmo teve de suportar com as deslocações e refeições, o que perfaz a quantia peticionada», e veio a condenar o recorrente no pagamento ao Autor da quantia de € 2.806,62 acrescida quanto à de € 2.415,00 dos juros calculados à taxa legal desde 2010.11.20 até efectivo embolso.
Na petição inicial, o A. alegou que o R. deve custear o acréscimo de despesas tidas pelo Autor com as deslocações pelo montante em vigor para os assalariados do Réu – e que, à data da suspensão do contrato de trabalho, era de € 0,37 por Km – e bem assim a atribuir ao Autor a «ajuda de custo» dado ele, por força da transferência para Vila do Conde, ter de custear os seus almoços nessa localidade, pelo montante em vigor para os assalariados do Réu – e que, à data da suspensão do contrato de trabalho, era de € 14,71 diários – obrigação que deverá incluir o tempo que o Autor teve de fazer essas deslocações, antes da sua cedência à «Área Metropolitana do Porto» durante os 75 dias em que prestou o seu trabalho na delegação do antecessor do Réu de Vila do Conde, percorrendo em cada dia 60 Km em viatura própria. Daqui conclui que deverá o Réu ser compelido a pagar-lhe o subsídio de deslocação à razão de € 0,37 por Km, o que perfaz a quantia de € 1.665,00 e a pagar-lhe a quantia, também diária, correspondente à diferença entre o subsídio de refeição que o antecessor dele atribuiu ao Autor – € 4,71 – e a da «ajuda de custo» que deveria ter-lhe atribuído – € 14,71 –, ou seja, a quantia de € 750,00, e que sobre esse montante global de € 2.415,00 deverá o Réu pagar juros à taxa legal, a contar desde 2006.11.01 e até efectivo embolso que somam já, até 2010.11.20, a quantia de € 391,60.
A este propósito, o tribunal a quo considerou provado que:
«19--O Autor exerceu as referidas funções de Responsável de Unidade Operacional da Póvoa de Varzim/Vila do Conde entre 19/06/2006 e 06/11/2006, data em que foi autorizado o acordo de cedência para a Área Metropolitana do Porto.
20--Durante este período em que exerceu funções na unidade operacional da Póvoa de Varzim/Vila do Conde, e por força da transferência de local de trabalho, foi pago mensalmente ao Autor o acréscimo de custos de deslocação, no montante equivalente a transporte público.
(…)
27--O Autor solicitou ao antecessor do Réu, por carta de 2006.07.31 a apreciação sobre o modelo a utilizar no custeio dos valores relativos ao acréscimo dos custos com as deslocações nos termos de fls. 104 cujo teor se dá por reproduzido.
28--Pedido que, por falta de resposta, o Autor reiterou por carta de 2006.09.07, na qual solicitava que ao antecessor do Réu cumprisse com o pagamento dos acréscimos com a deslocação, tendo em conta que ele Autor se deslocava e sempre se deslocara em viatura própria, por meio da fixação do montante de € 0,37/Km, por ser o previsto por aquele para atribuição em deslocações de trabalhadores seus em viatura própria; destinada a suportar os acréscimos de despesas, mormente com refeições, resultantes de se encontrar a prestar a sua actividade, não no seu local de trabalho habitual – Matosinhos – mas sim em Vila do Conde — documento de fls. 105 cujo teor se dá por reproduzido.
29--A esta carta respondeu o antecessor do Réu por ofício de 2006.11.24, que anexava um documento interno de 20 do mesmo mês, juntos a fls. 106 a 110 cujo teor se dá por reproduzido, comunicando ao Autor em seguida que lhe atribuía o valor do «passe» social no K…, ou seja, € 48,50 mensais.
(…)
38--O Autor, antes de o seu contrato de trabalho ter sido suspenso por força da sua cessão temporária, prestou o seu trabalho na delegação do antecessor do Réu de Vila do Conde durante 75 dias, o que implicou que para lá se deslocasse, percorrendo em cada dia 60 Kms em viatura própria.
39--O Réu, nas deslocações em serviço, atribuiu uma compensação monetária calculada à razão de quilómetros percorridos em viatura própria segundo as tabelas em vigor para o funcionalismo público, sendo esse montante, à data, de € 0,37.»
Alega o recorrente, a este respeito, que os factos provados nada dizem quanto a despesas que o recorrido diz ter suportado com refeições, nem que o recorrente tivesse por hábito pagar aos seus assalariados a quantia de € 14,71 diários para efeitos de ajuda de custo relativamente aos almoços, pelo que a sentença não tem fundamentação para a condenação a título de reembolso de despesas com almoços. A respeito das despesas com deslocações em viatura própria, o recorrente invoca que o tribunal não fez qualquer apreciação dos factos que deveriam estar na base da legitimidade de um pedido de reembolso de deslocação em viatura própria e que a mudança definitiva do local de trabalho para Póvoa do Varzim teve fundamento legal, não podendo o recorrido exigir o pagamento de ajudas de custo a título de deslocações em “missões de serviço” pois não se deslocou em missão de serviço, mas porque havia sido transferido do seu local de trabalho, não lhe sendo aplicável um regime de pagamento de ajudas de custo que, pela sua natureza, apenas visa reembolsar deslocações em missões de serviço realizadas em território nacional[16].
Analisada a factualidade apurada e visto o regime jurídico aplicável, entendemos que lhe assiste razão.
É certo que, independentemente da legalidade da transferência definitiva, o recorrido exerceu durante 75 dias as suas funções num local de trabalho distinto cumprindo a ordem de transferência (ainda que logo tenha comunicado que a não considerava legítima – facto 25.).
Assim, entendemos que nesse período incumbe ao empregador custear as despesas do trabalhador “impostas pela transferência decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação” nos termos do artigo 315.º, n.º 5 do Código do Trabalho de 2003.
Ora, quanto às despesas de alimentação, nada consta da matéria de facto provada susceptível de alicerçar a condenação constante da sentença, designadamente que, conforme alegado, o R. pagasse aos outros trabalhadores que houvessem sido transferidos um valor distinto e superior ao subsídio de € 4,71 que o A. aceita ter-lhe sido diariamente pago pelo R.. Não estando demonstrado que, a este propósito, haja um acréscimo de custos decorrente da deslocação, não se verifica a hipótese do artigo 315.º, n.º 5 e inexiste um qualquer outro fundamento, designadamente relacionado com o princípio da igualdade de tratamento relativamente a outros trabalhadores, que justifique o peticionado.
Quanto ao valor dos quilómetros percorridos, os factos apurados também não confortam a invocação do princípio da igualdade de tratamento face aos demais assalariados do R. pois ficou provado que o Réu atribui uma compensação monetária calculada à razão de quilómetros percorridos em viatura própria segundo as tabelas em vigor para o funcionalismo público (à data, de € 0,37), nas “deslocações em serviço”, o que constitui realidade distinta de uma “transferência de local de trabalho”.
Mesmo no âmbito do Código do Trabalho – para já não falar no Decreto-Lei n.º 106/98 de 24 de Abril a que o R. faz apelo, que estabelece normas relativas ao abono de ajudas de custo e de transporte pelas deslocações em serviço público – os conceitos de “transferência de local de trabalho” e de “deslocação” do trabalhador que se encontra adstrito às deslocações inerentes às suas funções ou indispensáveis à sua formação profissional, como estabelece o artigo 154.º, n.º 2 do Código do Trabalho de 2003, são realidades destrinçáveis.
Embora estejam normalmente associados às deslocações a que se refere o artigo 154.º, n.º 2, acréscimos remuneratórios que compensam o trabalhador pelas maiores despesas em que possa incorrer em virtude das deslocações[17], a fonte do pagamento de tais acréscimos (geralmente de índole contratual) não coincide com a fonte do pagamento do acréscimo de despesas com deslocações em que incorra o trabalhador que viu alterado o seu local de trabalho em consequência de uma ordem de transferência definitiva (no caso não está em causa o pagamento das despesas de mudança de residência), que tem a sua génese no artigo 315, n.º 5 do Código do Trabalho.
É nos termos deste preceito, que ao A. devem ser custeados os acréscimos com despesas de deslocação para o local de trabalho e no regresso a casa naqueles 75 dias em que cumpriu a ordem de transferência de local de trabalho.
Seguindo o entendimento expresso no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2006 (Recurso n.º 1826/06 - 4.ª Secção, in www.dgsi.pt) as despesas a pagar deverão ser aquelas que um bom pai de família realizaria e, dentro de um princípio de justo equilíbrio das prestações a que as partes se vincularam e de um critério de razoabilidade, pelo que, não estando provada a impraticabilidade do uso dos transportes públicos, o empregador deve compensar o trabalhador através do pagamento das despesas que ele está obrigado a fazer com a utilização desses transportes e que anteriormente não tinha que fazer.
Ora no caso em apreço ficou provado que o R. comunicou ao Autor que lhe atribuía o valor do «passe» social no K…, ou seja, € 48,50 mensais e que durante este período em que exerceu funções na unidade operacional da Póvoa de Varzim/Vila do Conde, e por força da transferência de local de trabalho, foi pago mensalmente ao Autor o acréscimo de custos de deslocação, no montante equivalente a transporte público (factos 29. e 20.), pelo que, não tendo o A. comprovado a realização de despesas concretas em que tenha incorrido por força da transferência, se consideram adequadamente compensados os custos de deslocação por elas determinados.
Sendo assim, os factos provados não sustentam mínima e suficientemente a condenação do empregador no pagamento de qualquer outro montante a título de acréscimo de despesas, tendo, portanto, o recorrente de ser absolvido nessa parte.
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5.5. As custas na 1ª instância e no recurso deverão ser suportadas por A. e R. na proporção do decaimento que, segundo o resultado final do recurso e da causa, se fixa em 1/3 para o recorrido e 2/3 para o recorrente (artigo 527.º do Código de Processo Civil).
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6. Decisão
Em face do exposto:
5.1. julga-se parcialmente procedente a impugnação da decisão de facto deduzida e, em consequência, altera-se o ponto 22. da matéria de facto nos termos sobreditos;
5.2. julga-se improcedente a impugnação deduzida quanto ao ponto 6. da mesma matéria;
5.3. rejeita-se a impugnação deduzida quanto ao demais alegado na apelação relativamente à decisão de facto;
5.4. concede-se parcial provimento ao recurso e revoga-se a decisão condenatória da 1.ª instância na parte em que condenou o Réu no pagamento ao Autor da quantia de € 2.806,62 acrescida quanto à de € 2.415,00 dos juros calculados à taxa legal desde 2010.11.20 até efectivo embolso, absolvendo-se o Réu deste segmento do pedido e no mais se mantendo a condenação dela constante.
Custas pelo recorrente e pelo recorrido na proporção de 2/3 e 1/3, respectivamente.
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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, anexa-se o sumário do presente acórdão.
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Porto, 9 de Julho de 2014
Maria José Costa Pinto
João Nunes
António José Ramos
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[1] Preceito a ter em vista pelo Tribunal da Relação no presente momento processual, por força dos arts. 5.º a 8.º da Lei Preambular do Código de Processo Civil de 2013.
[2] Em face do disposto nos artigos 5.º e 8.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o novo Código de Processo Civil, é o mesmo aplicável aos processos pendentes nos actos que se desenrolem a partir de 1 de Setembro de 2013. As alegações de recurso foram apresentadas em 25 de Outubro de 2013.
[3] Vide Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra, 2014, p. 135.
[4] Vide Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra, 1985, p. 410, nota 1, e as obras aí citadas.
[5] Transcreve-se a parte relevante do documento para melhor esclarecimento e porque se trata de facto plenamente provado por documento – artigo 376.º do Código Civil – sendo certo que o ponto da matéria de facto o dava como “reproduzido”.
[6] Vide os Acs. do STJ de 2014.03.12, Processo: 177/03.3TTFAR.E1.S1, de 2006.03.08, Revista n.º 3640/05, da 4.ª Secção, de 2002.04.16, sob a referência 02B3349, in www.dgsi.pt, e de 97.01.28, in CJ, Acs. do STJ, tomo I, p. 83 e ss
[7] Vide o Acórdão da Relação do Porto de 2013.09.09, Processo n.º 260/07.6TTVRL.P1, relatado pela ora relatora e os Acs. do STJ de 90.9.26 (in A.D. 1990, p.1622), de 2005.02.23 (Revista n.º 2268/04), de 2007.05.02 (Rev. n.º 2567/06) e de 2008.01.16 (Rev. n.º 2713/07), todos da 4ª Secção), todos no âmbito da qualificação das relações contratuais estabelecidas. Referindo-se expressamente ao local de trabalho e citando pertinente doutrina, vide João Leal Amado, in Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Coimbra, 2011, p. 251.
[8] Vide Monteiro Fernandes, in “Direito do Trabalho”, 13.ª edição, Coimbra, 2006, p. 420.
[9] Vide o Ac. do STJ 2007.10.10, Recurso n.º 48/07, da 4.ª Secção, sumariado em www.stj.pt, Jurisprudência/Sumários de Acórdãos. Vide também a este propósito Bernardo Lobo Xavier, in “Curso de Direito do Trabalho”, 2.ª edição, Lisboa, 1993, pp. 346-347
[10] Vide, entre outros, João Leal Amado, in ob. cit., p. 74.
[11] Vide as considerações gerais expendidas no Ac. do STJ de 5 de Julho de 2007, Recurso n.º 743/07, da 4.ª Secção, proferido no âmbito do Código do Trabalho de 2003 e sumariado em www.stj.pt. Vide ainda Júlio Gomes, in Direito do Trabalho, Volume I, Coimbra, 2007, pp. 641-642 e o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2009.03.12, Recurso n.º 3054/08 - 4.ª Secção, quanto ao ónus da prova do interesse da empresa.
[12] In “Estudos sobre o Código do Trabalho - A Mobilidade dos Trabalhadores à luz do novo Código do Trabalho”, p. 83.
[13] In “Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais”, Coimbra, 2006, p.414
[14] In Código do Trabalho Anotado, sob a coordenação de Pedro Romano Martinez e outros, 8.ª edição, Coimbra, 2009, p. 338, a propósito do interesse da empresa para efeitos do ius variandi, mas por remissão do texto que o autor escreveu na mesma obra a propósito da transferência definitiva de local de trabalho, a p. 494.
[15] É certo que ficou também provado ter sido esse cargo extinto com a criação do C…, mas como este foi criado apenas em 2008 e nos estamos a reportar à análise da legalidade de uma ordem emitida em Maio de 2006, não é ponderável essa realidade.
[16] Lembra o recorrente o disposto no Decreto-Lei n.º 106/98 de 24 de Abril, cujos artigos 18.º e 20.º dizem, respectivamente, o seguinte: Artigo 18.º (Meios de transporte) “1 — O Estado deve, como procedimento geral, facultar ao seu pessoal os veículos de serviços gerais necessários às deslocações em serviço. 2 — Na falta ou impossibilidade de recurso aos meios referidos no número anterior, devem utilizar-se preferencialmente os transportes colectivos de serviço público, permitindo-se, em casos especiais, o uso do automóvel próprio do funcionário ou agente ou o recurso ao automóvel de aluguer, sem prejuízo da utilização de outro meio de transporte que se mostre mais conveniente desde que em relação a ele esteja fixado o respectivo abono.” Artigo 20.º (Uso de automóvel próprio) “1 — A título excepcional, e em casos de comprovado interesse dos serviços nos termos dos números seguintes, pode ser autorizado, com o acordo do funcionário ou agente, o uso de veículo próprio nas deslocações em serviço em território nacional. 2 — O uso de viatura própria só é permitido quando, esgotadas as possibilidades de utilização económica das viaturas afectas ao serviço, o atraso no transporte implique grave inconveniente para o serviço”.
[17] Vide Pedro Madeira de Brito, in Código do Trabalho Anotado, citado, p. 492.
________________
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:

Local de trabalho
Transferência de local de trabalho
Interesse da empresa
Deslocação

I – Não sendo conhecido escrito que titule o contrato de trabalho em vigor entre as partes, é o que resulta da efectiva execução contratual que permite fixar qual é o local estabelecido para o cumprimento da prestação laboral.
II – Apesar de estabelecido o local de trabalho por força de estipulação expressa ou por força da execução contratual, e ainda que judicialmente reconhecida a sua localização, o empregador tem o poder de o modificar, desde que se verifiquem ulteriormente os pressupostos legais para o exercício deste poder modificativo.
III – A transferência de local de trabalho, individual ou colectiva, só é admissível se o “interesse da empresa” o exigir, ou seja, deve tratar-se de uma decisão que possa explicar-se em termos de racionalidade de gestão, sendo que, no caso da transferência colectiva, é conferida uma protecção absoluta ao interesse organizativo e gestionário do empregador, presumindo a lei o interesse funcional da empresa.
IV – Se a empresa quiser transferir singularmente um seu trabalhador, cabe-lhe alegar e provar que o faz por exigência organizativa objectivamente relevante, sem o que essa pretensão, desde logo, se assume como ilegítima, independentemente da alegação e prova do prejuízo (ou inexistência dele) que a transferência acarreta para o trabalhador.
V – São distintos os conceitos de “transferência de local de trabalho” e de “deslocação” do trabalhador que se encontra adstrito às deslocações inerentes às suas funções ou indispensáveis à sua formação profissional.

Maria José Costa Pinto