Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1070/12.4TBVLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: INÊS MOURA
Descritores: FACTOS ALEGADOS
ESSENCIALIDADE
DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
ANULAÇÃO DA DECISÃO
Nº do Documento: RP201901101070/12.4TBVLG.P1
Data do Acordão: 01/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 159, FLS 38-45)
Área Temática: .
Sumário: Não constando da decisão da matéria de facto, nem como provado, nem como não provado, um facto essencial alegado pela parte e, não tendo o mesmo sido introduzido pelo tribunal em sede de julgamento, de modo a permitir às partes o contraditório e a apresentação de prova, não pode este Tribunal da Relação substituir-se à 1.ª instância na ampliação da matéria de facto provada, sob pena de limitação daqueles direitos, antes se impondo a anulação da decisão, por necessidade de ampliação da matéria de facto.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. Nº 1070/12.4TBVLG.P1
Apelação 1ª

Relator: Inês Moura
1º Adjunto: Francisca Mota Vieira
2º Adjunto: Paulo Dias da Silva

Sumário: (art.º 663.º n.º 7 do C.P.C.)
........................................................
........................................................
........................................................

Acordam na 3ª secção do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
Vem o A. B... intentar a presente acção declarativa sob processo ordinário contra C... - Companhia Portuguesa de Seguros, S.A., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a título de indemnização uma renda mensal de €2.493,99, durante cinco anos, num total de €149.639,40.
Alega, em síntese, para fundamentar o seu pedido, que celebrou com a R. um contrato de seguro de Acidentes Pessoais em 1 de Junho de 1995, que identifica, em vigor à data do acidente sofrido pelo A. em sua casa em 8 de Novembro de 2009, quando caiu das escadas que utilizou para verificar o estado do telhado ao constatar a existência de infiltração de chuva nos tectos, acidente de que resultou a fractura da sua perna direita, cujas sequelas lhe determinaram uma incapacidade permanente global de 65% de acordo com a TNI, sempre superior a 50% de invalidez prevista no contrato, necessária para que lhe fosse paga a referida renda mensal peticionada nestes autos, que a Ré se recusou a pagar.
Devidamente citada a R. apresentou contestação, pugnando pela improcedência do pedido formulado pelo A. Alega que o A. aderiu a um seguro de grupo do ramo “acidentes pessoais”, constando das condições contratuais que o referido seguro cobre a invalidez permanente sofrida pela pessoa segura como resultado de acidente, estando apenas garantidas as desvalorizações iguais ou superiores a 50% aferidas nos termos da Tabela de Desvalorizações da apólice, que consta das condições gerais entregues ao Autor antes da adesão ao seguro, e não com recurso à Tabela Nacional de Incapacidades (TNI), sendo que a desvalorização a atribuir ao A. pelas lesões que foram consequência do acidente, ao nível do fémur, é inferior a 50%, não tendo o sinistro enquadramento contratual.
O A. veio responder dizendo que aquando da adesão ao seguro em causa apenas lhe foi entregue o doc. nº 1 da contestação, as condições particulares e a acta adicional foram enviadas por carta de 6/2/2010, sendo aplicável a Tabela Nacional de Incapacidades e não a Tabela de Acidentes Pessoais da C....
Foi dispensada a realização da audiência preliminar, tendo sido elaborado despacho saneador, com fixação dos factos assentes e elaborada a base instrutória, que não sofreram reclamação.
Procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais.
Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a R. do pedido contra ela formulado.
É com esta decisão que o A. não se conforma e dela vem interpor recurso, concluindo pela revogação da sentença proferida e pela sua substituição por outra que julgue procedente o pedido apresentado, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que se reproduzem:
1ª - “As cláusulas de limitação do risco assumido ou de exclusão de certos riscos, não sendo nulas ou proibidas nos termos do regime das cláusulas contratuais gerais, têm de ser comunicadas ao tomador do seguro; o dever de informação decorre de regras gerais (art. 227º do CC), do art. 6º da LCCG e dos deveres de informação do segurador (arts. 176º e ss do RGAS e arts 2º e ss do DL nº 176/95 de 26 de Julho)”.
- “O DL 446/85 de 25/10, ao disciplinar o regime das denominadas cláusulas contratuais gerais, veio estabelecer que a inobservância dos deveres de comunicação – artº 5º - e do dever de informação – art.º 6º - tem como consequência a exclusão de tais cláusulas dos contratos singulares em que se integrem – art.º 8º, alíneas a) e b) do referido DL 446/85 de 25/10. Neste sentido, Ac RP de 12/9/2017 (Proc. nº 1759/13.0TBPNF.P1, www.dgsi.pt).
3ª - “Perante as respostas dadas a essa matéria de facto podemos extrair a ilação de que, se a Ré não logrou provar que comunicou as condições gerais ao Autor aquando da adesão ao seguro, nem que o tomador do seguro de grupo o tenha feito, então ficou demonstrada a inobservância do dever de comunicação e de informação pela seguradora, exigidos pelo regime das cláusulas contratuais gerais e, consequentemente as mesmas ficam excluídas do contrato celebrado com o Autor, não podendo a percentagem da invalidez permanente ser aferida em função da tabela de Desvalorizações, mas devendo ser aferida em função da TNI aprovada pelo DL nº 352/2007 de 23/10”.
– Pode ainda ser colocada “a questão da validade da condição geral vertida no contrato de seguro que consagra a aferição da invalidez em função de uma Tabela de Desvalorizações, distinta da TNI aprovada pelo DL nº 352/2007 de 23/10, porquanto é sustentado em parte da jurisprudência a nulidade de tal cláusula por aquele diploma legal ter natureza imperativa”. (Neste sentido, Ac RP de 7/4/2016 (Proc. nº 335/10.4TTOAZ.P1, www.dgsi.pt).
5ª - Não podem assim restar duvidas que no caso presente a tabela a aplicar
é a TNI.
- É certo que a competência exclusiva para realizar a perícia médico legal em causa é de INML de acordo com o disposto no artigo 467, Nº 3 do CPC e no nº 2 do artigo 2º da Lei nº 45/2004 de 19.8.
7ª - Mas é também igualmente certo que nenhuma dessas disposições legais impõe ao Tribunal, o resultado de qualquer perícia, sendo esta livremente apreciada por este conforme o disposto no artigo 489 do Cód. Proc. Civil.
- E como é óbvio qualquer perícia tem de respeitar as normas legais que a regulam. De resto é isso mesmo que estipula o nº 5 do artigo 5º da Lei 45/2004.
9ª - Ora, dos autos constam elementos mais do que suficientes para pôr em causa a perícia do INML dado que esta, tendo em conta as lesões sofridas pelo Autor em consequência do acidente e dadas como provadas, viola frontalmente as disposições legais da TNI.
10ª - Está provado que do acidente e como consequência directa do mesmo resultou para o A. a fractura transtrocantárica da perna direita, que gerou, pelo menos, lesões ao nível femural (facto 2) e igualmente como consequência directa da mesma e da dita fractura transtrocantérica da perna direita com lesões a nível femural, aludida em B), o autor sofreu consolidação de fratura femural em posição viciosa com encurtamento e limitação da mobilidade articular da anca, com rigidez na flexão da articulação coxo-femural (flexão limitada a 90º) e dismetria do membros inferiores, com encurtamento do membro inferior direito aparente de 5cm (facto 13).
11ª - Ora, erradamente e violando as disposições da TNI aplicáveis ao caso o INML seguiu o princípio da capacidade restante quando deveria ter observado o princípio da adição dos elementos observados uma vez que está em causa a consolidação de fractura com encurtamento (5 cm) de membro inferior e limitação articular conforme cap. I 11.2.1 a) do Anexo I da TNI. Acresce que o INML considerou apenas a flexão quando existem limitações na abdução e na adução. Por último, não se aceita igualmente o fundamento para a aplicação de valor inferior no encurtamento da perna direita do sinistrado quando o mesmo é de 5% (o item vai de 4,1 a 5 cm). Assim, nos termos do capitulo I 11.2.1 c) teriam de ser atribuídos ao A. 15% de desvalorização pelo encurtamento do seu membro inferior.
12ª - Aplicando as normas da TNI temos:
Capitulo I 11.2.1. c) – ‘1,15 (valor intermédio tendo em conta a correcção do IML)
Capítulo I 10.2.2.1.d) – 0,03 (limitação na flexão)
Capitulo I 10.2.2.3 a) – 0,08 (limitação na adução)
Capítulo I 10.2.2.4 a) – 0,07 (limitação na abdução)
Capitulo I 11.2.3. d) – 0,15 (encurtamento de 5 cm do membro inferior)
Procedendo à adição dos elementos observados, conforme prescreve a alínea c) do Nº 11.2.1 do Capítulo I – Anexo I da TNI (e não à capacidade restante como erradamente fez o INML) obteremos o valor de 0,48 que multiplicado pela bonificação de 1,5 (em razão da idade) dá 0,72, ou seja, 72% de IPP.
13ª – Acresce que todas as juntas médicas a que o Autor foi submetido lhe atribuíram IPP´S superiores a 50% e o mesmo se diga dos peritos judicial e do A..
14ª – A m. juiz “a quo” dispunha no autos de factos mais do que suficientes para recusar o resultado da Perícia do INML e para atribuir ao A. uma IPP superior a 50%.
15ª - Ao não fazê-lo a sentença recorrida violou entre outras as seguintes normais legais: artigo 489 do C.P.C. e as regras da TNI constantes do Capítulo I 11.2.1 c) Capítulo I 10.2.2.3 d) Capítulo I 10.2.2.4 a) Capítulo I 11.2.3. d)
A R. veio responder ao recurso interposto, pugnando pela sua improcedência e manutenção da sentença recorrida.
II. Questões a decidir
Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608 n.º 2 in fine:
- da desconsideração da tabela anexa ao contrato de seguro e aplicação da Tabela Nacional de Incapacidades;
- de ter resultado para o A. em consequência do sinistro uma IPP superior a 50% de acordo com a TNI.
III. Fundamentos de Facto
São os seguintes os factos considerados provados pelo tribunal de 1ª instância (não tendo sido impugnada a decisão sobre a matéria de facto):
1. Em 8 de Novembro de 2009, cerca das 18 horas, o autor, em sua casa, caiu das escadas que utilizou para verificar o estado do telhado daquela, tendo sido transportado pelo INEM para o Hospital ..., no Porto (alínea A) dos factos assentes);
2. Do evento descrito em A) resultou para o autor fractura transtrocantérica da perna direita, que gerou, pelo menos, lesões ao nível femural (alínea B) dos factos assentes);
3. O autor, em 1 de Junho de 1995, aderiu a um seguro do grupo ramo “acidentes pessoais”, em que figura como pessoa segura o aqui autor e seguradora a aqui Ré, contrato esse titulado pela apólice certificado n.º AP........, Produto C..., o qual se encontrava em vigor à data aludida em A) (alínea C) dos factos assentes);
4. Nos termos do acordo aludido em C), a Ré obrigou-se a pagar ao autor uma renda mensal de € 2493.99, durante cinco anos, no caso de morte ou invalidez permanente de, pelo menos, 50%, e no pagamento imediato de capital de € 4.987.98, correspondente à Opção 7 (alínea D) dos factos assentes);
5. Nos termos do mesmo acordo, em caso de morte, os pagamentos são efectuados aos beneficiários indicados pelo segurado e, em caso de invalidez permanente igual ou superior a 50%, à pessoa segura (alínea E) dos factos assentes);
6. Nos termos das condições particulares do contrato de seguro firmado entre autor e ré, “A este contrato são aplicáveis as disposições acima apresentadas e as Condições Gerais do Seguro de Acidentes Pessoais e Especiais do produto subscrito, onde constam nomeadamente a definição das coberturas acima indicadas, os riscos excluídos, as obrigações da Seguradora e do Tomador do Seguro, e a Tabela para servir de base ao cálculo das indemnizações devidas por invalidez permanente como consequência de acidente, entregues ao Tomador do seguro aquando da subscrição, podendo, a todo o momento, ser solicitadas segundas vidas dessas Condições directamente à Seguradora” (alínea F) dos factos assentes);
7. Nos termos do ponto 10 das Condições Gerais do contrato de seguro em causa, sob o item Tabela de Desvalorizações Aplicadas a este Contrato, “ A Tabela de Desvalorizações para servir de base ao cálculo das indemnizações devidas por invalidez permanente é a que consta no anexo as Condições Gerais da Apólice de Acidentes Pessoais da C... e que se junta um quadro resumo das situações de maior significado” (alínea H) dos factos assentes);
8. O autor participou à Ré o evento aludido em A) em 8 e 13 de Setembro de 2010 (alínea I) dos factos assentes);
9. Na sequência do descrito em E), a Ré, por carta datada de 22 de Setembro de 2010, comunicou ao autor que “ A apólice de Acidentes Pessoais relativa ao Seguro C1..., garante o pagamento de indemnização em caso de morte ou invalidez permanente (igual ou superior a 50% a ser atribuída de acordo com a Tabela de Incapacidades de Acidentes Pessoais), desde que resultante de acidente. Após apreciação pela nossa Acessoria Médica, concluímos que a Invalidez Permanente Parcial (IPP) que V. Exa. apresenta configura um grau de desvalorização inferior a 50%, pelo que não estão reunidas as condições para activação das garantias da apólice”(. Alínea J) dos factos assentes);
10. O autor deu conhecimento à Ré do teor do documento junto a fls. 21, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, na sequência do que esta, por carta datada de 8/11/2011, comunicou ao autor a manutenção de decisão de encerramento do processo, constando de tal missiva que “Após apreciação pela nossa Acessoria Técnica, concluímos que a avaliação constante no atestado multiusos contempla diversas patologias de que V. Exa. sofre e não unicamente as resultante de acidente enquadráveis nas garantias da apólice. Acresce que a desvalorização atribuída é em conformidade com a Tabela Nacional de Incapacidades e não com a Tabela Integrante das Condições da Apólice” (alínea L) dos factos assentes);
11. Por missiva datada de 26/11/2011, a Ré reiterou o exposto em H) (alínea M) dos factos assentes);
12. O evento aludido em A) ocorreu em virtude do autor ter constatado a existência de infiltração de chuva nos tectos de sua casa (resp. quesito 1º);
13. Do evento descrito em A), e como consequência directa do mesmo e da dita fractura transtrocantérica da perna direita com lesões a nível femural, aludida em B), o autor sofreu consolidação de fratura femural em posição viciosa com encurtamento e limitação da mobilidade articular da anca, com rigidez na flexão da articulação coxo-femural (flexão limitada a 90º) e dismetria do membros inferiores, com encurtamento do membro inferior direito aparente de 5cm (resp. quesito 2º);
14. O autor foi submetido a Junta Médica, com o registo n.º 537/2010, tendo sido emitido em 3.09.2010 atestado médico de incapacidade multiusos no qual é atestado que o autor era portador de deficiência que, nessa data, lhe conferia uma incapacidade permanente global de 60%, definitiva, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades- Anexo I (resp. quesito 3º);
15. Fixando-lhe um grau de incapacidade em 0,6042 (resp. quesito 4º);
16. Resultante, pelo menos em parte, do evento aludido em A) (resp. quesito 5º);
17. O Autor foi submetido a nova Junta Médica, desta feita em 7 de Outubro de 2011, com o registo n.º 241/2011 (resp. quesito 7º);
18. Tendo sido emitido atestado médico de incapacidade multiusos no qual é atestado que o autor era portador de deficiência que, nessa data, lhe conferia uma incapacidade permanente global de 70%, definitiva, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades- Anexo I (resp. quesito 8º);
19. Fixando-lhe um grau de incapacidade em 0,7001 (resp. quesito 9º);
20. Resultante, pelo menos em parte, do evento aludido em A) (resp. quesito 10º);
21. O Dr. D... emitiu em 14/10/2010 informação clínica referente ao Autor, no qual concluiu pela atribuição ao autor de uma incapacidade definitiva de 65%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades (resp. quesito 11º e 12º);
22. Sendo 0,10 as respeitantes ao capítulo I, nº 10.1.1(resp. quesito 13º);
23. Sendo 0,20 respeitantes ao capítulo I, n.º 11.1.1.b) (resp. quesito 14º);
24. E de 0,51 (por adição dos respectivos coeficientes observados), respeitantes ao capitulo I, ponto 11.2.1 c) (resp. quesito 15º);
25. O autor recebeu o documento intitulado Condições Particulares e Acta Adicional por carta remetida pela Ré em 6 de Fevereiro de 2010 (resp. quesito 17º);
26. O descrito em B) produziu, para o autor, uma incapacidade permanente, que, nos termos da Tabela de Desvalorizações aludida em H), é inferior a 50% (resp. quesito 19º).
IV. Razões de Direito
- da desconsideração da tabela anexa ao contrato de seguro e aplicação da Tabela Nacional de Incapacidades
Alega o Recorrente que a cláusula do contrato de seguro que para aferir a invalidez remete para uma tabela de incapacidades própria, anexa ao contrato, assim pretendendo excluir a aplicação da tabela nacional de incapacidades, não lhe foi comunicada, não podendo por isso a Seguradora socorrer-se da mesma; mais refere que sempre teria de considerar-se tal cláusula nula, pelo facto da tabela nacional de incapacidade ter natureza imperativa, enquanto instrumento aferidor da invalidez.
Se é certo que nos presentes autos a controvérsia das partes se centrou na discussão da tabela aplicável para determinar a incapacidade do A., defendendo este a aplicação da tabela nacional de incapacidades aprovada pelo Decreto-Lei 352/2007 de 23 de Outubro e entendendo a R. que a tabela aplicável é a tabela de desvalorizações anexa ao contrato de seguro de acidentes pessoais celebrado, integrante das Condições Gerais da apólice, a verdade é que a sentença recorrida veio precisamente a sufragar o entendimento de que ao caso se aplica a tabela nacional de incapacidades, excluindo a aplicação da tabela de incapacidades anexa ao contrato de seguro.
Ali se refere o seguinte nos excertos que se reproduzem: “As chamadas cláusulas de exclusão de certos riscos ou, mais correctamente, de limitação do risco assumido, em princípio, são válidas, mas é necessário atender ao regime das cláusulas contratuais gerais. As cláusulas de limitação do risco assumido ou de exclusão de certos riscos, não sendo nulas ou proibidas nos termos do regime das cláusulas contratuais gerais, têm de ser comunicadas ao tomador do seguro; o dever de informação decorre de regras gerais (art. 227º do CC), do art. 6º da LCCG e dos deveres de informação do segurador ( arts. 176º e ss do RGAS e arts 2º e ss do DL nº 176/95 de 26 de Julho). «A massificação de determinado tipo de relações contratuais, com relevo especial para os contratos de seguro, implicou a estipulação de “condições gerais” e “condições especiais”, aplicáveis a todos os contratos de um determinado tipo, elaboradas sem a intervenção do contraente segurado, que se limita a aceitá-las ou não, e que se reconduzem por isso às denominadas cláusulas contratuais gerais, regidas pelas disposições do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro. Estas condições gerais passam a fazer parte da apólice e dos contratos celebrados, não só pela sua subscrição mas também pela sua aceitação – art.º 1º e 4º do DL 446/85 de 25 de Outubro. No entanto as estipulações gerais apenas integrarão o contrato celebrado desde que a respectiva aceitação pelo aderente, tenha sido precedida da sua comunicação informada por parte de quem propõe tais cláusulas - artigos 5º e 6º do DL 446/85 de 25 de Outubro. (…) Ora, perante as respostas dadas a essa matéria de facto podemos extrair a ilação de que, se a Ré não logrou provar que comunicou as condições gerais ao Autor aquando da adesão ao seguro, nem que o tomador do seguro de grupo o tenha feito, então ficou demonstrada a inobservância do dever de comunicação e de informação pela seguradora, exigidos pelo regime das cláusulas contratuais gerais e, consequentemente as mesmas ficam excluídas do contrato celebrado com o Autor, não podendo a percentagem da invalidez permanente ser aferida em função da tabela de Desvalorizações, mas devendo ser aferida em função da TNI aprovada pelo DL nº 352/2007 de 23/10. De todo o modo, também se poderia colocar a questão da validade da condição geral vertida no contrato de seguro que consagra a aferição da invalidez em função de uma Tabela de Desvalorizações, distinta da TNI aprovada pelo DL nº 352/2007 de 23/10, porquanto é sustentado em parte da jurisprudência a nulidade de tal cláusula por aquele diploma legal ter natureza imperativa. Neste sentido, Ac RP de 7/4/2016 (Proc. nº 335/10.4TTOAZ.P1, www.dgsi.pt), cujo sumário em parte passo a citar: “VII- O Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23.10, tem caracter imperativo, pelo que as incapacidades no domínio dos direitos laborais e civil passaram a ser obrigatoriamente calculados de acordo com as suas tabelas, impedindo que as partes possam fixar livremente outras formas de cálculo de desvalorização e respectivas percentagens para efeitos de indemnização por dano corporal.”
Daqui decorre que a sentença proferida excluiu a aplicação ao caso da tabela de desvalorização anexa ao contrato de seguro, como era pretendido pela R., por considerar, por um lado, que a cláusula geral que determina a sua aplicação não foi comunicada ao A. e por outro lado, que a tabela nacional de incapacidades aprovada pelo Decreto-Lei 352/2007 de 23 de Outubro é de aplicação obrigatória enquanto elemento aferidor das incapacidades.
Nesta questão a sentença recorrida deu razão ao A., no sentido de ao caso ser aplicável a tabela nacional de incapacidades, não se vislumbrando por isso motivo para que o A. a viesse suscitar no âmbito do presente recurso, concluindo que no caso a tabela a aplicar é a TNI. Tal questão está aliás adquirida para os autos, encontrando-se a coberto dos efeitos do julgado, uma vez que a R. na resposta que apresenta ao recurso não veio requerer a ampliação do seu objecto.
Conclui-se por isso que ao caso é aplicável a tabela nacional de incapacidade enquanto elemento ao abrigo do qual deve ser aferida a desvalorização do A., tal como entendeu a sentença sob recurso.
- de ter resultado para o A. em consequência do sinistro uma IPP superior a 50% de acordo com a TNI
Vem o Recorrente pôr em causa a valorização conferida pelo tribunal a quo à perícia realizada pelo IML que concluiu que a incapacidade de que ficou a padecer em consequência do sinistro é inferior a 50%, invocando o resultado das juntas médicas a que foi submetido e a posição de peritos médicos revelada nos autos.
A determinação da incapacidade de que o A. ficou a padecer é absolutamente relevante para se determinar se o sinistro por ele sofrido é susceptível de se integrar na previsão do contrato de seguro celebrado, que tem como pressuposto do pagamento da indemnização a verificação de uma incapacidade da pessoa segura igual ou superior a 50%. É ao A. que compete a prova de tal facto, por se tratar de um elemento constitutivo do direito que o mesmo pretende fazer valer nestes autos, nos termos disposto no art.º 342.º n.º 1 do C.Civil.
Como se viu, no caso a incapacidade deve ser determinada nos termos da tabela nacional de incapacidades.
Na sentença proferida refere-se a respeito desta questão: “… a incapacidade atribuída ao Autor, à luz de qualquer uma daquelas tabelas, é sempre inferior a 50%, não tendo enquadramento contratual. Isso mesmo resulta, de forma inequívoca e objectiva, do relatório pericial efectuado pelo INML, instituto com competência exclusiva para realizar as perícias médico-legais, de acordo com o disposto no art. 467º nº 3 e Lei nº 45/2004 de 19/8 (neste sentido AC RP de 24/10/2016, Proc. nº 30789/15.6T8PRT-A.P1), segundo o qual, a invalidez permanente de que o Autor ficou a padecer depois do acidente relatado nos autos, é de 20% segundo a Tabela de Desvalorizações anexa ao contrato de seguro em apreço (ver fls. 309v), ou de 30,93% no máximo, segundo a TNI (ver fls. 320 e 340). Isto é, independentemente da Tabela a que se recorra para calcular o grau de invalidez permanente de que ficou o Autor afectado depois da queda que sofreu e lhe determinou fractura transtrocantérica da perna direita, nunca a mesma atinge 50%, não sendo suficiente para accionar o seguro de acidentes pessoais contratado com a Ré.
Verifica-se, no entanto, que a sentença recorrida retira esta conclusão, sem que da decisão sobre a matéria de facto constem os factos necessários a suportá-la, no que se refere ao grau de invalidez calculada de acordo com a tabela nacional de incapacidades.
Na verdade, dos factos provados (ponto 26) apenas decorre que a queda que o A. sofreu causou-lhe lesões que lhe produziram uma incapacidade permanente inferior a 50% nos termos da tabela de desvalorizações anexa ao contrato seguro. Não temos na decisão de facto, nem como facto provado, nem como facto não provado, qualquer facto que incida sobre a desvalorização ou incapacidade sofrida pelo A. avaliada de acordo com a tabela nacional de incapacidades, susceptível de suportar uma decisão no sentido de que a incapacidade que para o A. resultou do sinistro é inferior a 50%, como conclui a sentença recorrida.
É verdade que na sentença se refere que é essa a conclusão a que chega a perícia realizada pelo IML, à qual é conferida especial credibilidade, mas não podem confundir-se os factos com os meios de prova que se destinam a comprová-los. A perícia do IML é apenas um meio de prova, tal como as juntas médicas realizadas, os pareceres dos peritos médicos ou os documentos e depoimentos prestados no processo.
Uma coisa diferente dos elementos probatórios é o facto concreto que tem de resultar precisamente da avaliação conjugada que o tribunal faz desses diversos elementos, nem sempre coincidentes, para considerar um facto provado ou não provado – no caso o facto que tem de ser apurado e que é essencial para a decisão da causa é a incapacidade permanente que resultou para o A. da queda ocorrida, calculada de acordo com a tabela nacional de incapacidades.
Quer da motivação apresentada para a resposta à matéria de facto, quer da fundamentação jurídica, decorre que o tribunal recorrido teve como pressuposto da decisão da causa, que a incapacidade do A. calculada de acordo com a tabela nacional de incapacidades é inferior a 50% considerando a perícia realizada pelo IML, contudo essa matéria não se encontra vertida na decisão de facto – nem nos factos provados, nem nos factos não provados encontramos qualquer facto relativo à incapacidade do A. calculada de acordo com tal tabela, sendo que o relevante não é apenas saber o que é referido pela perícia do IML (que é um meio de prova) mas antes o facto que a mesmo se destina a apurar.
Desta falta resulta aliás a dificuldade que é manifesto que o A. teve no presente recurso, por querer contrariar um facto que o tribunal de 1ª instância teve como pressuposto da decisão da causa, sem que o mesmo constasse da decisão de facto, não lhe permitindo por isso a devida impugnação nos termos do art.º 640.º do C.P.C..
Constata-se que a falta de tal facto terá resultado da circunstância do mesmo não ter sido integrado na base instrutória à qual o tribunal respondeu, embora tenha sido um facto invocado pelo A. na sua petição inicial, onde no art.º 18.º o mesmo alega que as deficiências descriminadas no art.º 17.º lhe conferem uma incapacidade de 65% de acordo com a TNI aprovada pelo Decreto-Lei 352/2007 de 23 de Outubro.
Uma vez que se tratou de matéria de facto não levada à base instrutória, e não tendo a mesma sido introduzida pelo tribunal em sede de julgamento, de modo a permitir às partes o contraditório e a apresentação de prova, como é seu direito, reconhecido no art.º 3.º n.º 3 do C.P.C., afigura-se que este tribunal não pode substituir-se ao tribunal de 1ª instância na ampliação da matéria de facto provada, não obstante os elementos probatórios constantes dos autos, sob pena de limitação daqueles direitos, impondo-se por isso a anulação da decisão proferida por necessidade de ampliação da matéria de facto, nos termos do art.º 662.º n.º 2 al. c) do C.P.C..
Afigura-se assim necessária a ampliação da matéria de facto, de modo a podermos ter uma resposta à questão de saber qual a incapacidade que resultou para o A. das lesões decorrentes da queda ocorrida, designadamente se a mesma foi superior a 50% de acordo com a tabela nacional das incapacidades.
Em conclusão, torna-se indispensável a anulação da decisão para a ampliação da matéria de facto de modo a que o tribunal de 1ª instância responda à seguinte matéria alegada e constitutiva do direito do A., essencial à decisão da causa:
“Do evento descrito 1) resultou para o A. uma incapacidade permanente superior a 50% calculada de acordo com a tabela nacional das incapacidades?”
A anulação da decisão proferida em razão da indispensável ampliação da matéria de facto, não prejudica a restante parte da decisão não viciada, sem prejuízo do disposto no art.º 662.º n.º 3 al. c) do C.P.C.
IV. Decisão:
Em face do exposto, anula-se a sentença proferida, determinando-se a ampliação da matéria de facto necessária à decisão da causa, nos termos referidos e sem prejuízo do disposto no art.º 662.º n.º 3 al. c) do C.P.C.
Custas conforme for devido a final
Notifique.
*
Porto, 10 de Janeiro de 2019
Inês Moura
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva
(assinado electronicamente)