Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
849/20.8T8PRD-E.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDO VILARES FERREIRA
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
APOIO JUNTO DOS PAIS
NULIDADE DA DECISÃO
Nº do Documento: RP20230124849/20.8T8PRD-E.P1
Data do Acordão: 01/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PROCEDENTE; DECISÃO DECLARADA NULA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A medida de promoção e proteção de “apoio junto dos pais”, com previsão nos artigos 35.º, n.º 1, a) e 39.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, deve concretizar tanto quanto possível as práticas que consubstanciam o dito apoio.
II – Omitindo a decisão de aplicação da dita medida o conhecimento de questões suscitadas pelo progenitor em torno da concretização do apoio necessário, nomeadamente em matéria económica e social, incorre em vício de nulidade, nos termos do art. 615.º, n.º 1, d), 1.ª parte do Código de Processo Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROCESSO N.º 849/20.8T8PRD-E.P1
[Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo de Família e Menores de Matosinhos – Juiz 1]

Relator: Fernando Vilares Ferreira
Adjunto: Alberto Taveira
Adjunta: Maria da Luz Seabra


SUMÁRIO:
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EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, acordam os Juízes Desembargadores da 2.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.
RELATÓRIO
1.
Os autos de promoção e proteção n.º 849/20.8T8PRD-E respeitam às crianças AA, nascida a .../.../2013, e BB, nascido a .../.../2015, filhos de CC e DD.
2.
Em 29.06.2020 o Tribunal determinou a aplicação de medida de promoção e proteção junto dos pais, ao abrigo do preceituado nos arts. 35.º, n.º 1, al. a) e 39.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), com o seguinte conteúdo:
[1. A medida aplicada será de apoio junto dos pais, com quem os menores vivem, com acompanhamento regular da Segurança Social, designadamente da Exma. Gestora encarregue do acompanhamento, a Exma. Dr.ª EE (art. 35º, n.º 1 al. a) e 39º ambos da LPCJP);
2. Os pais obrigam-se a zelar pela educação, saúde, higiene, alimentação e bem-estar dos menores, estabelecendo regras e limites, de forma assertiva e coerente aos menores, de acordo com as regras sociais em vigor;
3. Os pais comprometem-se a frequentar consultas de psicologia e a estar receptivos às intervenções da EMAT de Paços de Ferreira, da APAV e da Equipa do RSI;
4. O presente acordo terá a duração de 3 meses, findo este período deverão sujeitar-se a uma reavaliação deste processo;
5. Os pais declaram dar o seu consentimento à execução da presente medida.]
3.
Em 29.11.2022, em sede revisão da dita medida, foi proferida a seguinte decisão:
[No âmbito deste processo de promoção foi aplicada às crianças a medida de promoção de apoio junto dos pais a executar junto da mãe.
A medida foi já revista.
Decorreram mais de 18 meses desde a aplicação da medida de promoção a executar em meio natural.
A emat juntou relatório.
O MP promoveu a prorrogação da medida em execução.
Foram cumpridas as formalidades dos arts 84 e 85 da LPCJP.
Cumpre decidir:
Importa atender aos seguintes factos constantes dos relatórios e demais documentos nos autos, não impugnados.

Em junho de 2020 foi aplicada a medida de promoção de apoio junto dos pais a executar junto de ambos.
Atualmente, as crianças residem com a mãe em casa arrendada em Matosinhos com três quartos.
Desde pelo menos agosto de 2022 a mãe tem dois quartos arrendados a dois homens, pelo valor, cada um, de 250 euros.
As crianças desde então dormem no mesmo quarto da mãe e na mesma cama.
A mãe está desempregada desde as férias do verão, recebe subsídio de desemprego no valor mensal de 538 euros.
A mãe foi de férias no início de junho sem os filhos, tendo os mesmos ficado aos cuidados da sua mãe, avó materna das crianças.
O progenitor foi entrevistado no dia 30/09/2022, tendo referido ter estado 4 meses sem ver os filhos. Mais referiu que continua a trabalhar no “A...” de Segunda a Sexta feira, das 8h30 às 17h, auferindo 710 euros. Continua também a realizar hemodiálise numa clínica em Paredes, às Segundas, Quartas e Sextas feiras, das 18h às 22h. Relativamente ao seu problema renal refere atualmente estar bem adaptado ao tratamento e fazer uma vida normal.
O progenitor afirmou pretender continuar a residir em Paços de Ferreira e estar satisfeito com o seu local de trabalho, estando previsto que venha a desempenhar funções mais diferenciadas.
Afirma receber apoio em géneros alimentares através do seu local de trabalho e ter cerca de 400 euros de despesas fixas, por mês.
Afirmou que não consome haxixe, nem álcool, nem tem plantação de canábis em sua casa. No passado, quando tinha 15 ou 16 anos, afirma ter sido detido por posse de haxixe, num festival de dança e música. Numa outra situação, no passado, enquanto vivia com a D. DD, afirma que tinha cannabis em casa para ela e esta chamou a polícia para o incriminar.
As crianças afirmaram que a avó tinha sido “má com a mãe” (sic) e o BB acrescentou que a avó pôs as mãos no pescoço da mãe, que lhe bateu com a cabeça na parede e que partira um móvel. Afirmaram que o avô magoou a avó, mas que foi sem intenção e porque ela estava a dar pontapés.
Depois de questionados, os irmãos afirmaram ter saudades e querer estar com o pai. O BB, de forma espontânea, afirmou que gostaria de viver uma semana com a mãe e outra semana com o pai. Ambos afirmaram estarem dois homens a viver na sua casa, neste momento, não se alongando quanto ao quotidiano com eles.
De acordo com informação recolhida na APAV e após pedido da EMAT a progenitora e as crianças iniciaram acompanhamento psicológico naquela entidade em Maio de 2022, de acordo com preferência manifestada pela progenitora quanto àquela entidade. De acordo com informação recolhida no mês de Setembro, verificava-se assiduidade às consultas agendadas.
No que respeita ao acompanhamento psicológico que vem sendo realizado à progenitora, a APAV informa que “(…) verificou-se a presença de esquemas cognitivos e emocionais desadaptativos e condicionadores de dinâmicas relacionais saudáveis, maioritariamente potenciados por uma vinculação insegura com a sua figura materna, com quem reporta ter vivenciado episódios de violência psicológica no decorrer do seu desenvolvimento infantojuvenil, com repercussões significativas na vida adulta. A Sra. DD tem vindo a revelar-se colaborativa e ativamente envolvida no processo de acompanhamento, mostrando-se igualmente comprometida no desenvolvimento de competências parentais (…) tem-se mostrado empenhada na minimização do impacto negativos nos filhos do anterior contexto familiar disfuncional e proactiva face à reorganização do seu projeto de vida” (sic.).
Conforme refere a EMAT a decisão do processo crime, cuja audiência final já começou é importante para fixar o regime de visitas dos filhos ao pai.
Do exposto resulta que a situação de perigo se mantém.
Pese embora a aplicação da medida de promoção às crianças, esta não surtiu nenhum efeito.
Os pais persistem com os conflitos parentais.
A mãe mantém relação pouco positiva com a mãe, sendo que de quando em vez, deixa as crianças aos cuidados desta, invocando precisar de férias sem as crianças.
Acresce que as condições de vida das crianças pioraram. A mãe está desempregada, não tendo projectos sólidos para o futuro.
Para fazer face às despesas, arrendou dois dos três quartos que a asa dispõe a dois hospedes do sexo masculino, pessoas estranhas à vida das crianças.
As crianças desde então (pelo menos desde as férias do verão) passaram a dormir com a mãe no mesmo quarto e cama.
Por outro lado e não obstante o acompanhamento psicológico das crianças e da mãe, e ter o mesmo já apresentando avanços positivos, o certo é que o BB apresenta recentemente comportamentos desadequados na escola, apresentando-se mais instável.
A primeira medida de promoção aplicada à AA e ao BB foi em junho de 2020 com execução em meio natural.
A medida foi já revista.
Decorreram mais de 18 meses desde a aplicação da medida de promoção a executar em meio natural.
A situação de perigo em nosso entendimento não só não melhorou, como atá a nosso ver se agravou.
Pelo exposto, prorrogo a medida em execução por 3 (três meses)

Cumpre referir que as medidas de promoção devem ser aplicadas tendo em vista a situação de perigo que a elas deu causa, e quando se revelarem inúteis ou ineficazes, deve ser ponderada alteração da medida em execução.
Pelo que e com tal fito convida-se a Técnica nomeada nos autos, a apresentar relatório em três meses, ponderando, se a situação se mantiver, alterar a medida em execução.
Na esteira do pugnado pela EMAT entendemos que as perícias ao pai e às crianças pode vir a ser útil, e quanto a nós também à mãe.
Pelo que ordeno a sua realização com caracter urgente.
Solicite ao processo crime que informe da decisão final proferida.
dn]
4.
Não se conformando com aquela decisão, a progenitora DD interpôs o presente recurso de apelação, com subida em separado e efeito devolutivo, assente nas seguintes CONCLUSÕES:
1.ª – Vem o presente recurso interposto do despacho que determinou a prorrogação da medida de apoio junto dos pais, por mais 3 meses.
2.ª – O despacho de que ora se recorre padece de nulidade por ilegalidade, já que violou o disposto nos artigos 60º, nºs 1 e 2 e 35º, nº 1 alínea a) da LPCJP (Caducidade da medida), e, bem assim, o disposto nos artigos 62º, nº 4 da LPCJP e 607º, nº 3, 615º, nº 1 alínea b) do C.P.C. (falta ou insuficiência de fundamentação e falta de pronúncia) e artigos 84º, 114º e 119º da LPCJP.
3.ª – A imposição e observância de prazo curto, no máximo 18 meses, na aplicação da medida provisória prevista no art. 35º/1ª) LPCJP, tem subjacente o interesse da criança e do jovem em perigo, por forma a garantir uma situação de estabilidade.
4.ª – Esgotado tal prazo, só havendo ponderosas razões para a sua prorrogação é que a medida não cessará, pelo que tal decisão (de prorrogação) deverá ser devidamente fundamentada, garantindo a observância dos princípios consagrados no art. 4º LPCJP, nomeadamente: o interesse da criança, o de intervenção mínima e proporcionalidade e o da prevalência da família.
5.ª – O despacho recorrido não respeita as normas e aqueles princípios consagrados na LPCJP.
6.ª – Desde logo, não contém, na sua motivação, uma única referência aos elementos de facto e argumentos levados pela progenitora ao processo nos seus requerimentos refª 43636611, de 21/10/2022 e refª 43831605, de 21/11/2022, aquando da sua audição nos termos do art. 85º da LPCJP, os quais foram, pela mesma, comprovados documentalmente e não impugnados pelo Ministério Público, pela Técnica da EMAT, pelo progenitor, não tendo sido feita uma única referência ou apreciação ao teor desses factos, no despacho recorrido, incorrendo, assim, a decisão no vício de falta de pronúncia sobre questões que devesse apreciar, já que a progenitora, em sede de exercício do art. 85º da LPCJP requereu alterações e aditamentos à medida proposta no parecer técnico que não foram, sequer, apreciadas.
7.ª – De igual modo, nos presentes autos, não foram cumpridas as normas dos artigos 84º, 114º e 119º da LPCJP que preveem a Audição dos menores, o Debate Judicial e Alegações dos progenitores, não tendo tais diligências se verificado, mais a mais tendo-se esgotado, há muito, o prazo de 18 meses de duração da medida, facto que, a fortiori, as imporia.
8.ª – Para além disso, o despacho recorrido faz afirmações absolutamente falsas por desatualizadas e não correspondentes à realidade no momento em que foi proferido e, inclusive, não correspondente a alguma da informação prestada no relatório pela EMAT, das quais retira conclusões inadmissíveis sendo, pelo contrário, as informações favoráveis ali feitas à progenitora completamente omitidas.
9.ª – Em particular, o parecer técnico refere, expressamente, que “a mãe mostra-se colaborativa e ativamente envolvida no processo de acompanhamento e, igualmente comprometida no desenvolvimento das responsabilidades parentais e na minimização do impacto negativo nos filhos do anterior contexto familiar” – cfr. relatório EMAT de 28/10/2022, fls. 587 e seguintes -, não a propondo para qualquer exame.
10.ª – Encontra-se junto ao processo informação de que a progenitora já não vive com a sua mãe (avó materna), que tem projetos profissionais em curso e um relatório escolar que dá conta da evolução notável do menor BB na escola e ao nível do relacionamento interpessoal - cfr. documento 2 junto com refª 43831605, de 21-11-2012 apresentado pela progenitora, e art. 52º e 53º e doc. 9 a 11 juntos com requerimento da progenitora refª 43636611, de 21/10/2022.
11.ª – A progenitora DD aufere apenas o subsídio de desemprego de €538, tem gastos mensais comprovados de €950 e não tem apoio familiar nem económico de qualquer espécie, quer da S. Social, quer de familiares, quer do progenitor. Todo o apoio alimentar e psicológico que conseguiu foi unicamente por sua iniciativa.
12.ª – De qualquer modo, não há registo ou sinais nos autos de quaisquer incidentes nem razões concretas para avaliar que o risco se tenha agravado, e, no que respeita aos arrendamentos questionados, a progenitora demonstrou que os hóspedes são pessoas que, para além de estarem a permitir a “sobrevivência” do agregado, respeitam o mesmo, a progenitora e os seus filhos e o espaço em que vivem, coisa que nem o pai dos menores nem a avó materna conseguiram fazer quando viviam com os menores!
13.ª – A progenitora tem, aliás, se sentido muito discriminada, injustiçada, isolada e pouco apoiada e entende que, os diversos processos, em particular este processo de promoção e proteção, não têm levado em conta a real situação do agregado familiar, em particular, o facto de o progenitor trabalhar e não pagar nem contribuir para a pensão e despesas, ignorando o facto de ser ele, e não a progenitora, o arguido no crime de violência doméstica, sempre se exigindo muito mais à mãe do que ao pai, a quem, as diversas entidades intervenientes, não têm feito quaisquer exigências ou reparos, sendo condescendentes quanto às violações reiteradas aos seus deveres de pai, o qual não teve, até ao momento, qualquer atuação positiva com impacto nas condições de vida dos menores, não contribui financeiramente para as suas necessidades com o pouco que foi estipulado e não dá estabilidade emocional à mãe para que ela possa cuidar dos menores diariamente, designadamente, reunindo o apoio de familiares dele (como a avó paterna ou tias, suas irmãs) que possam ajudá-la.
14.ª – O Tribunal a quo manifesta, com a decisão recorrida, desconhecer, com acuidade, todos os pormenores e evolução do presente processo de promoção e proteção, porquanto refere categoricamente que a situação dos menores se agravou e tudo indica que não. O relatório é, no mínimo, desatualizado e está a melindrar a vida de duas crianças e de uma mãe.
15.ª – As decisões tomadas em processo de promoção e proteção de menores exigem explanação da respetiva motivação, tomada com cautela e prudência máxima, e, não superficialmente ou por mera intuição ou simples adesão à conclusão estabelecida em relatório técnico, sem analisada e verificada a veracidade de toda a informação trazida inclusive recentemente pela progenitora aos autos, e, a sua correspondência com a realidade, no momento em que é proferida, mais a mais, havendo sinais nos autos que indiciam e provam que este deve ser o momento em que os menores mais estabilidade e segurança têm e transparecem, sob pena de lesão irreversível e contraproducente do interesse superior dos menores aqui em causa.
16.ª – Cumpre às instituições fazer, junto deste agregado, um reforço positivo aos elementos do mesmo, manifestando confiança nos seus elementos (de que a mãe é elemento essencial), salientar tudo o que tem sido feito de bom pela progenitora e alocar-lhes os recursos que faltam para terem paz.
17.ª – Mostram-se violados os artigos 4º, 60º, nºs 1 e 2 e 35º, nº 1 alínea a) e 62º/4, 84º, 114º e 119º da LPCJP e 607º, nº 3, 615º, nº 1 alínea b) do C.P.C., e bem assim, a Convenção dos Direitos do Homem e a Convenção dos Direitos da Criança.
18.ª – Por tudo o exposto, deve ser revogado o despacho recorrido, substituindo-o por outro que, colmatando a falta e/ou insuficiência de fundamentação do anterior e com base em elementos documentais juntos aos autos, prorrogue a medida de promoção e proteção de Apoio junto dos pais, com as seguintes especificidades:
1. Declare verificada a colaboração e o envolvimento ativo da progenitora no processo de acompanhamento, a qual se mostrou e mostra comprometida no desenvolvimento das responsabilidades parentais e na minimização do impacto negativo nos filhos do anterior contexto familiar, dispensando-a de ser submetida a perícia às competências parentais;
2. Apoio concreto a executar junto do pai, no sentido de o intimar a comprometer-se mais no desenvolvimento e cumprimento das responsabilidades parentais em particular, no desenvolvimento de uma atitude proativa de se relacionar mais empaticamente e serenamente com a progenitora e comparticipar regularmente nas despesas que lhe forem apresentadas, tudo por forma a minimizar o impacto negativo, nos filhos e nas suas condições de vida, do atual incumprimento do progenitor;
3. Apoio económico, que permita à progenitora fazer face às despesas fixas com a casa onde vive com os menores, que sustenta sozinha (renda, água, luz, internet, andante, atividades extracurriculares, alimentação) e lhe permita, o mais rapidamente possível, libertar as divisões arrendadas da casa onde vive;
4. Apoio técnico, no sentido de obter, o mais rápido e diligentemente possível, habitação social ou outra, na atual área de residência que lhe permita estabilizar, de forma definitiva e sustentável, o agregado familiar que forma com os menores;
5. Que os exames aos menores aguardem ou seja deferida a análise da necessidade da sua realização para a próxima revisão da medida, aí se determinando se efetivamente necessários.
5.
Nas contra-alegações que apresentou, o progenitor CC concluiu assim:
1.ª – O aqui alegante entende inexistirem quaisquer nulidades ou falta de comprimento de normas por parte do Tribunal a quo e que o conteúdo do despacho recorrido não está ferido de falsidade nem está desactualizado.
2.ª – Também não colhe o argumento da falta de audição das crianças/menores, ou da falta de debate judicial, uma vez que se está apenas perante uma revisão de medida anteriormente aplicada.
3.ª – Não se concebe a recusa da progenitora em se submeter às perícias de competências parentais, contrariamente ao pai, que as aceita, bem como outras perícias, como sejam o despiste de consumo de estupefacientes, em virtude de falsas acusações da progenitora.
4.ª – Tudo conforme última acta de acordo de alteração das responsabilidades parentais, constante do apenso D dos presentes autos. Acordo esse que, por sinal a mãe se recusou a cumprir por ter “mudado de opinião” quanto ao acordo alcançado e impedindo assim o progenitor de ver os menores até ao presente.
5.ª – A progenitora reclama um apoio económico que lhe permita fazer face ás despesas fixas…” a fim de esta poder libertar as divisões arrendadas onde vive a dois cidadãos estrangeiros do sexo masculino, desconhecidos dos menores que, por sua vez, tiveram que abandonar os seus quartos para os mesmos serem arrendados a duas pessoas que lhes são desconhecidas e com quem se viram obrigados a conviver, passando a ter que dormir na cama da progenitora.
6.ª – A progenitora defende o adiamento dos exames aos menores aguardem. O que, dado o facto de o PPP ser um processo de natureza urgente, e no superior interesse dos menores, não se consegue vislumbrar a razão pela qual pretende a progenitor adiar os referidos exames.
7.ª – A progenitora insiste que o progenitor não cumpre com as suas obrigações parentais e que não paga alimentos e despesas dos menores, quando sabe perfeitamente que, desde que esse encontra a trabalhar na presente entidade patronal, recebe “religiosamente” as quantias apuradas no apenso C dos presentes autos, todos os meses na sua conta bancária.
8.ª – E ainda que o progenitor tem feito um esforço hercúleo para pagar também as despesas apresentadas no início do corrente ano lectivo, como bem sabe que tem feito, apesar também das suas dificuldades económicas e problemas de saúde graves de que padece.
9.ª – Não é o pai que não tem uma intervenção positiva na vida dos menores, é sim a mão que não o permite.
10.ª – Já que o pai se encontra há mais de meio ano sem praticamente poder ver os menores, impedido de o fazer mesmo depois de ter sido alcançado um acordo entre os progenitores mediante o qual os menores passaram um sábado de 15 em 15 dias com o pai.
11.ª – Acresce que os menores manifestam uma vontade enorme de estar com o pai, defendendo até o menino que gostaria de estar o mesmo tempo com o pai e com a mãe!!!
12.ª – Termos em que, ponderados todos os contra-argumentos supra expostos, deverá proceder o recurso apresentado pela progenitora, sem prejuízo de vir a ser alcançada uma medida que preveja o convívio dos menores com o pai, como estes tanto desejam, uma vez que não se encontra o mesmo ferido de qualquer vício ou nulidade.
6.
Também contra-alegou o Ministério Público, pugnando pela improcedência do recurso.

II.
OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de questões nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPCivil).
Assim, partindo das conclusões das alegações apresentadas pela Apelante, o que importa decidir no presente recurso é, desde logo, se a decisão padece do vício de nulidade apontado pela Apelante, e depois se se justifica a alteração da solução jurídica alcançada pela decisão recorrida.
De permeio entre aquelas questões, a Apelante alude nas suas alegações/conclusões à falta de consideração de elementos de facto que levou ao processo através de certos requerimentos, assim como refere que a decisão sob recurso faz afirmações absolutamente falsas por desatualizadas e não correspondentes à realidade no momento em que foi proferida, não correspondendo sequer à informação trazida aos autos pela EMAT por via do respetivo relatório.
Não obstante uma certa ambiguidade sobre o sentido e alcance de semelhante alegação, importa ter presente que a invocação de erro na apreciação da prova só faz sentido no contexto da impugnação da decisão da matéria de facto.
Nos termos do art. 640.º, n.º 1, do CPCivil, “Quando seja impugnada a decisão da matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
No caso dos autos, mostra-se evidente que a Apelante nem se dá sequer ao trabalho de especificar “os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados” e, consequentemente, a correspondente decisão que deveria ser proferida.
Assim, perante o incumprimento do mencionado ónus da Recorrente, a impugnação da decisão da matéria de facto, por erro na apreciação da prova, não é objeto de conhecimento nesta instância de recurso.

III.
FUNDAMENTAÇÃO
Da invocada nulidade da decisão
Nos termos do art. 615.º, 1, do CPCivil, a sentença enferma de vício de nulidade nos casos em que, para além do mais: “b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão”; “d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Estamos perante nulidades da decisão ou de julgamento (por contraposição a nulidades processuais), de natureza meramente formal.
A Apelante invoca expressamente a nulidade da decisão com fundamento na norma da al. b) do n.º 1 do cit. art. 615.º.
É incontroverso na nossa jurisprudência que apenas a absoluta falta de fundamentação constitui fundamento de nulidade formal nos termos da disposição em apreço.
É para nós evidente que a decisão recorrida não padece de tal vício, porquanto se mostra suficientemente estruturada, com a indicação dos fundamentos de facto e de direito que a sustentam.
Se a fundamentação, considerada por si mesma, será ou não merecedora de censura, por não observar o direito aplicável, ou por contrariar os factos provados, é questão que contende já com o acerto do julgamento, logo de natureza substancial, e por isso fora do alcance do citado normativo.
Alude ainda a Apelante à falta de pronúncia sobre questões que devia conhecer, por não fazer uma única referência aos elementos de facto e aos argumentos por si trazidos ao processo por via dos seus requerimentos refª 43636611, de 21/10/2022 e refª 43831605, de 21/11/2022.
Neste âmbito é indispensável que se tenha presente a distinção entre argumentos e questões estruturais, sendo que só estas últimas constituem objeto de conhecimento obrigatório para o tribunal.
No caso, o que se impunha ao Tribunal a quo era que apreciasse e decidisse se havia ou não razões para prorrogar a medida de proteção consubstanciada em “apoio junto dos pais”, e em que termos.
Compulsados os autos, verificamos que a progenitora, chamada a pronunciar-se, ao abrigo do preceituado no art. 85.º, n.º 1, da LPCJP, fê-lo nos termos que constam do seu requerimento de 21.11.2022 (Ref.ª CITIUS 33924417), deixando aí expresso, para além do mais:
[ 24.º - A medida de acompanhamento junto da progenitora tem sido útil e determinante mas, apesar de tudo, se revelado insuficiente para, por um lado, alterar ou adaptar convenientemente os padrões de atuação do progenitor e, por outro, para fazer face às necessidades dos menores, designadamente ao nível de apoio financeiro, o qual, noutras comarcas são plenamente postas em prática, sem constrangimentos.
25.º - Razões pelas quais, entende que a prorrogação da medida de acompanhamento junto dos pais deve, necessária e simultaneamente prever:
1. Apoio concreto a executar junto do pai, no sentido de o intimar a comprometer-se mais no desenvolvimento e cumprimento das responsabilidades parentais em particular, no desenvolvimento de uma atitude proativa de se relacionar mais empaticamente e serenamente com a progenitora e comparticipar regularmente nas despesas que lhe forem apresentadas, tudo por forma a minimizar o impacto negativo, nos filhos e nas suas condições de vida, do atual incumprimento do progenitor;
2. Apoio económico, que permita à progenitora fazer face às despesas fixas com a casa onde vive com os menores, que sustenta sozinha (renda, água, luz, internet, andante, atividades extracurriculares, alimentação) e lhe permita, o mais rapidamente possível, libertar as divisões arrendadas da casa onde vive.
3. Apoio técnico ou administrativo, no sentido de obter, o mais rápida e diligentemente possível, habitação social ou outra, na atual área de residência que lhe permita estabilizar, de forma definitiva e sustentável, o agregado familiar que forma com os menores;
4. Que os exames aos menores aguardem ou seja deferida a análise da necessidade da sua realização para a próxima revisão da medida, aí se determinando se efetivamente necessários.
Termos em que, requer-se a V. Exa. que ponderadas as razões e elementos de facto ora alegados, se digne:
1. Prorrogar a medida de promoção e proteção proposta pela Técnica, com os aditamentos referidos em 25º, pontos 1 a 4 supra;]
Ou seja, a progenitora, não só não se opôs como se pronunciou favoravelmente à prorrogação da execução da medida de apoio junto dos pais, mas sem deixar de concretizar as ações que em seu entendimento deveriam consubstanciar o dito apoio.
Dentre as medidas de promoção e proteção dirigidas ao “meio natural de vida”, conta-se o “apoio junto dos pais”, que “consiste em proporcionar à criança ou jovem apoio de natureza psicopedagógica e social e, quando necessário, ajuda económica” (arts. 35.º, n.º 1, a) e 39.º da LPCJP).
Não basta, pois, que o tribunal se limite a determinar a medida de “apoio junto dos pais” enquanto conceito, sendo imprescindível que concretize minimamente o conteúdo da mesma.
Não obstante da decisão recorrida resulte uma evidente preocupação com a dimensão “psicopedagógica” do apoio, a ponto de determinar a realização de exames médicos às crianças e aos progenitores, o que bem se compreende no contexto da factualidade conhecida, a verdade é que é absolutamente omissa relativamente às preocupações manifestadas pela progenitora no que concerne à carência de apoio económico e social, tomando por referência o superior interesse das crianças.
Tais preocupações, consubstanciadas nas pretensões formuladas pela progenitora no dito requerimento, mormente sob os pontos 2) e 3) do respetivo artigo 25.º), redundam afinal em verdadeiras questões estruturais, por se afirmarem essenciais à determinação do conteúdo da medida de promoção e proteção em apreço.
Veja-se que é a própria decisão recorrida que afirma: “as condições de vida das crianças pioraram. A mãe está desempregada, não tendo projectos sólidos para o futuro. Para fazer face às despesas, arrendou dois dos três quartos que a asa dispõe a dois hospedes do sexo masculino, pessoas estranhas à vida das crianças. As crianças desde então (pelo menos desde as férias do verão) passaram a dormir com a mãe no mesmo quarto e cama”. Ainda assim, ignorou por completo a apreciação da justificação dada pela progenitora para o arrendamento de dois dos três quartos da sua habitação, assim como a pretensão de contar com o apoio económico e social, em ordem a poder libertar-se dos ditos constrangimentos que afetam o bem-estar das crianças.
Tendo o conhecimento das ditas questões sido descurado em absoluto pela decisão recorrida, é patente a nulidade desta, nos termos do art. 615.º, n.º 1, d), 1.ª parte, do CPCivil.
O conhecimento cabal das referidas questões em matéria de direito exige, naturalmente, o prévio apuramento da matéria de facto relevante, o que só é possível levar a cabo pela 1.ª instância, determinando, mesmo oficiosamente, a produção dos meios de prova que tenha por adequados e necessários.

IV.
DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, julgamos o recurso procedente e, em consequência, decidimos:
a) Declarar a nulidade da decisão recorrida;
b) Determinar a prolação de nova decisão pela 1.ª instância em termos que possam suprir os vícios que deixámos assinalados à decisão recorrida;
c) Não são devidas custas pelo recurso (cf. art. 4.º, n.º 1, als. a) e i), do Regulamento das Custas Processuais).
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Porto, 24 de janeiro de 2022

Os Juízes Desembargadores,
Fernando Vilares Ferreira
Alberto Taveira
Maria da Luz Seabra