Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
110/13.4TACHV.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO VAZ PATO
Descritores: CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE
INTEMPESTIVIDADE
Nº do Documento: RP20141126110/13.4TACHV.P1
Data do Acordão: 11/26/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: É intempestivo o requerimento de constituição de assistente apresentado depois de proferido despacho de não pronúncia.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 110/13.4TACHV.P1

Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I –
B… e C… vieram interpor recursos do douto despacho que indeferiu, por serem extemporâneos, os requerimentos de constituição de assistentes por eles apresentados.

São as seguintes as conclusões da motivação dos recursos:
«1.º - Os assistentes não concordam com a decisão que os impede de intervir nos autos, por não ter admitido a sua constituição de assistentes, pelo que da mesma vêm recorrer.
2.º A decisão recorrida viola o disposto no art.º 68°, n.º 3, al. a) do CPP.
3.º O facto de não ter sido requerida a constituição de assistente até cinco dias antes do debate instrutório, apenas impediu os denunciantes de intervir no debate instrutório.
4.º Não os impediu de se constituírem assistentes até cinco dias antes da audiência de julgamento.
5.º Estabelece o artigo 68.º, n.º 3, al. a), que “os assistentes podem intervir em qualquer fase do processo aceitando-o no estado em que se encontrar, desde que o requeiram ao juiz, até cinco dias antes do debate instrutório ou da audiência de julgamento”.
6.º Os ofendidos/denunciantes, não podem ser obrigados a participar na fase facultativa da instrução requerida pelo arguido.
7.º Se coartarmos aos ofendidos a faculdade de se constituírem assistentes no caso de ser proferido despacho de não pronuncia no âmbito da instrução requerida pelo arguido, equivale a obrigar os ofendidos a intervir na fase da instrução requerida pelo arguido!
8.º Transforma-se uma faculdade (a de se constituir assistente e intervir na instrução) numa obrigatoriedade.
9.º Ora, não é esse manifestamente o espírito da lei.
10.º O legislador confere aos ofendidos a faculdade de intervirem na instrução se o requererem até cinco dias antes do debate instrutório.
11.º Mas caso os ofendidos decidam não intervir na instrução têm sempre a faculdade de se constituírem assistentes após a prolação da decisão instrutória, quer esta seja de pronúncia ou de não pronúncia, e até cinco dias antes da audiência de julgamento.
12.º E a questão ganha particular relevo se for proferido despacho de não pronuncia porque nesse caso, para poderem apresentar recurso da decisão, é obrigatória a sua constituição como assistentes.
13.º Não se pode estabelecer essa dicotomia entre obrigatoriedade de se constituírem assistentes (pois sendo proferido despacho de não pronuncia seria coartado o seu direito a adquirir essa qualidade) e faculdade de se constituírem assistentes (pois sendo proferido despacho de pronuncia apenas adquirem essa qualidade quando e se quiserem).
14.º Tal seria ilegal e mesmo inconstitucional por violação grosseira do princípio da igualdade.
15.º Pelo que, deveria ter sido admitida a constituição de assistentes dos denunciantes, por tempestiva.
16.º E para poder recorrer da decisão instrutória, os denunciantes teriam que se constituir assistentes, e só o poderiam fazer, após serem notificados da decisão instrutória, dentro do prazo de apresentação do recurso, e sempre antes dos cinco dias da audiência de julgamento.
17.º Conforme dispõe o art. 277º, nº 3, por remissão do art. 283.°, nº 5, este, por força do disposto no art. 307.°, nº 5 e o art. 68°, nº 3, al. a), todos do CPP.»

O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta à motivação dos recursos, pugnando pelo não provimento destes.

D…, arguido nos autos também apresentou resposta a essa motivação, pugnando também pelo não provimento do recurso.

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando também pelo não provimento dos recursos.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II – A questão que importa decidir é, de acordo com s conclusões da motivação dos recursos, a de saber se os requerimentos de constituição de assistentes apresentados pelos ora recorrentes deverão, ou não, ser indeferidos, por serem extemporâneos.

III. É o seguinte o teor do douto despacho recorrido:

«Em 12/12/2013 vieram os ofendidos B… e C… requerer a sua constituição como assistentes nos presentes autos.
Encontram-se representados por advogado e liquidaram a taxa de justiça devida.
Cumprido o disposto no art. 68º, n.º4, do Cód. Proc. Penal, veio o Magistrado do Ministério Público promover que a mesma seja indeferida por extemporânea nos termos do art. 68º, n.º3, al. a), do Cód. Proc. Penal.
Por sua vez, o arguido também manifestou a sua oposição uma vez que os ofendidos não se constituíram assistentes dentro do prazo de 5 dias antes da realização do debate instrutório.
*
Estabelece o art. 68º, n.º3, al. a), que os assistentes podem intervir em qualquer fase do processo aceitando-o no estado em que se encontrar, desde que o requeiram ao juiz, até cinco dias antes do debate instrutório ou da audiência de julgamento.
«Muito embora a lei adjectiva, no nº 3 do art. 68º, admita a intervenção como assistente (de quem para o efeito tenha legitimidade) em qualquer altura do processo, aceitando-o no estado em que se encontrar, essa intervenção está condicionada pelas limitações temporais também estabelecidas naquele preceito[2]. Interessa-nos aqui, em particular a que consta da al. a), que faz depender a admissão da intervenção como assistente de requerimento apresentado até cinco dias antes do início do debate instrutório ou da audiência de julgamento.
Sendo inequívoco que o ofendido não pode intervir como assistente no debate instrutório se não requerer a sua admissão em tal qualidade com a antecedência fixada naquele preceito[3], levanta-se então a questão de saber se, realizado aquele debate, ainda está a tempo de a requerer em momento posterior.
A resposta é francamente positiva no caso de o debate culminar com a prolação de despacho de pronúncia: o prosseguimento dos autos para a fase de julgamento não preclude a possibilidade de o ofendido vir a ser admitido a intervir como assistente nessa fase, desde que o requeira atempadamente[4].
Em nosso entender, situação diferente se verifica no caso de a fase instrutória se encerrar com a prolação de despacho de não pronúncia; nesse caso, o ofendido já não estará em tempo de ser admitido a intervir nos autos como assistente[5]. A razão fundamental que subjaz a este entendimento reside no facto de o processo penal se encontrar “organizado e estruturado em fases procedimentais distintas e autónomas, pelo que achando-se uma delas finda só deverá ser admissível a intervenção como assistente se e quando a seguinte tenha lugar. Daí que os prazos estabelecidos na lei para formulação do pedido de constituição como assistente tenham por referência: o início do procedimento, a dedução de acusação ou o arquivamento do inquérito, o debate instrutório, isto é, o último acto de instrução, e a audiência de julgamento.» (…)
«Nessa medida, o ofendido precavido, que pretenda intervir no debate instrutório para defesa dos seus interesses e manter em aberto a possibilidade de recorrer na eventualidade de vir a ser proferido despacho de não pronúncia, deve constituir-se assistente nos autos até ao limite temporal fixado na al. a) do nº 3 do art. 68º. Não o fazendo, sujeita-se a ver precludida em definitivo a sua possibilidade de intervenção, no caso de o arguido não vir a ser pronunciado» - cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16/01/2008, proferido no Proc.0715837 e disponível em www.dgsi.pt.
Em face do exposto, e aderindo na íntegra a posição explanada no aresto citado, por extemporânea indefere-se a constituição dos arguidos como assistentes para os termos dos presentes autos.
Custas pelos requerentes.
Notifique.»

IV – Cumpre decidir.
O douto despacho recorrido indeferiu, por serem extemporâneos, os requerimentos de constituição de assistente apresentados pelos ora recorrentes. Esses requerimentos foram apresentados depois de proferido despacho de não pronúncia.
Estatui o artigo 68º, nº 3, a), do Código de Processo Penal que os assistentes podem intervir em qualquer altura do processo, aceitando-o no estado em que se encontrar, desde que o requeiram ao juiz até cinco dias antes do início do debate instrutório ou da audiência de julgamento. É neste preceito que se apoia o douto despacho recorrido.
Alegam os recorrentes que deste preceito se retira apenas que, se não for requerida a constituição de assistente até cinco dias antes do início do debate instrutório, não poderá a pessoa com essa faculdade intervir nesse debate na qualidade de assistente, podendo ainda apresentar tal requerimento até cinco dias antes do início da audiência de julgamento. Seguindo a interpretação do douto despacho recorrido – sustentam os recorrentes -, essa pessoa ficaria obrigada a intervir como assistente numa instrução (fase facultativa do processo) requerida pelo arguido, o que contraria o espírito da lei. Estamos perante uma faculdade, não perante uma obrigatoriedade. Se essa pessoa decidir não intervir na instrução como assistente, teria sempre a faculdade de se constituir como tal após a prolação da decisão instrutória, quer esta seja de pronúncia ou de não pronúncia, e até cinco dias antes da audiência de julgamento. Seria inconstitucional, por violação do princípio da igualdade a diferença entre a obrigatoriedade de constituição de assistente em caso de não pronúncia e a faculdade de constituição de assistente em caso de pronúncia.
Vejamos
Afigura-se-nos que a letra e o espírito do citado artigo 68º, nº 3, a), do Código de Processo Penal só permitem a interpretação seguida no douto despacho recorrido.
Parece claro, desde logo, que este preceito estabelece dois limites temporais para a constituição de assistente como tal. Esses limites não são relativos apenas à intervenção como assistente no debate instrutório ou na audiência de julgamento.
O legislador pretende limitar temporalmente a constituição de assistente e esse limite depende da proximidade da decisão judicial que põe termo ao processo, seja na fase de instrução, seja na fase de julgamento. Se o processo terminar na fase de instrução, com a não pronúncia, o requerimento de constituição de assistente terá de ser apresentado até cinco dias antes do debate instrutório. Se houver instrução que conduza à pronúncia, ou se não houver instrução, seguindo-se a fase de julgamento, o requerimento de constituição de assistente terá se ser apresentado até cinco dias antes da audiência de julgamento. Numa e noutra situação, de modo paralelo, fica excluída a possibilidade de constituição de assistente já na fase de recurso da decisão que põe termo ao processo, seja a não pronúncia, seja a sentença.
A interpretação sustentada pelos recorrentes retiraria sentido útil ao primeiro dos limites temporais previstos no preceito em causa: nunca os cinco dias antes do debate instrutório funcionariam como limite para a constituição de assistente (só funcionaria como tal o limite de cinco dias antes da audiência de julgamento) e seria possível essa constituição já na fase de recurso da decisão de não pronúncia que põe termo ao processo. Para dar algum sentido útil a esse limite temporal, os recorrentes interpretam-no como limite para a intervenção como assistente no debate instrutório, não como limite para a intervenção como assistente enquanto tal, o que, como vimos, não encontra qualquer apoio na letra e espírito da lei.
Alegam os recorrentes que a interpretação seguida no douto despacho recorrido torna obrigatória a constituição como assistente na fase de instrução. Mas não é isso que se verifica. A intervenção como assistente não é obrigatória, nem na fase de instrução, nem na fase de julgamento. É sempre facultativa. Mas está sujeita a um limite temporal relacionado com a proximidade da decisão judicial que põe termo ao processo. Como o processo pode terminar na fase de instrução, com a não pronúncia, a pessoa com a faculdade de se constituir assistente, se quiser fazê-lo, terá de se precaver para a eventualidade de isso se verificar e, para isso, terá de apresentar o requerimento respetivo até cinco dias antes do debate instrutório, não podendo deixar essa constituição para a fase de recurso de uma decisão de não pronúncia. Na fase de julgamento, de modo paralelo, essa pessoa também terá de apresentar o requerimento de constituição de assistente até cinco dias antes da audiência e não poderá deixar essa apresentação para a fase de recurso da sentença.
Esta é a opção clara do legislador, opção que pode ser discutida no plano da política legislativa, mas que nesta sede há, tão só, que respeitar. E não se vislumbra em que é que esta opção fere o princípio da igualdade ou outro princípio constitucional.
Podem ver-se, neste sentido, entre outros, os acórdãos desta Relação de 19 de junho de 2002, in C.J., 2002, III, pg. 221; e de 16 de janeiro de 2008, proc. nº 0715837, relatado por Maria Leonor Esteves, in www.dgsi.pt.
O douto despacho recorrido não é, pois, merecedor de reparo.
Impõe-se, assim, negar provimento ao recurso.

Cada um dos recorrentes deverá ser condenado em taxa de justiça (artigo 513º, nº 1, do Código de Processo Penal).

V – Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento aos recursos, mantendo-se o douto despacho recorrido.

Condenam cada um dos recorrentes em 3 (três) U.C.s de taxa de justiça.

Notifique

Porto, 26/11/2014
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Vaz Pato
Eduarda Lobo