Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
22918/16.9T8PRT-H.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO VENADE
Descritores: PROCESSO DE REGULAÇÃO DE RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ATRIBUIÇÃO DA CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
CAUSA PREJUDICIAL
Nº do Documento: RP2020022022918/16.9T8PRT-H.P1
Data do Acordão: 02/20/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais não configura, por regra, causa prejudicial ao processo de atribuição de casa de morada de família.
II - Só se as vantagens obtidas com a suspensão de um processo de jurisdição voluntária forem claramente superiores ao que sucederia se a instância prosseguisse é que se deve suspender o prosseguimento desses autos, raciocínio mais exigente quando possa estar em causa o interesse de uma criança.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 22.918/16.9T8PRT-H.
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B…, residente na Rua …, n.º …., Porto, intentou ação de atribuição de casa de morada de família contra o ora recorrente C…, residente na Rua …, nº …, …, …. - … Porto.
Pede a atribuição da casa de morada de família, sita na Rua …, nº …, …, Porto de que ela e ex-marido são proprietários, devido:
aos superiores interesses dos menores em terem uma residência condigna, espaçosa, confortável e que se ajuste às suas necessidades de vida e idades;
à necessidade premente de habitação para a requerente e seus filhos que consigo residem;
às condições que a casa de morada de família tem para albergar a requerente e os seus dois filhos;
às diferentes condições económicas de Requerente e Requerido, sendo as deste superiores.
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Contestou o requerido, negando os factos que teriam motivado a saída de casa da requerente tendo antes sido essa saída fruto de um plano urdido pela mesma.
Mais referiu, no que aqui pode ter interesse, que:
a mesma requerente não tem necessidade de que a casa de morada de família lhe seja atribuída pois tem ao seu dispor, gratuitamente, uma outra casa onde habitar, cuja utilização lhe é facultada pelos pais;
o processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais encontra-se ainda em curso, por decidir, e nele o requerido pede a fixação de um regime de residência alternada, o que, através de requerimento apresentado em 28/05/2019 voltou a requerer que fosse fixado a título provisório;
embora a residência dos filhos esteja, por enquanto, estabelecida apenas junto da progenitora, trata-se de uma decisão meramente provisória, realizada com assento num juízo perfunctório acerca do interesse deles;
o tempo que os filhos passam com o requerido não difere substancialmente daquele em que estão com a requerente, sendo que nos períodos em que estão confiados ao pai residem com este na casa de morada de família;
é incredível que os pais da requerente a queiram obrigar, bem como aos netos, a sair do imóvel onde se encontram;
o que a requerente pretende é «forçar» o requerido a sair do imóvel para, desse modo, colocá- lo, numa situação de carência habitacional, que o impossibilite de residir com os filhos e forçar também a realização da partilha nos moldes que almeja;
uma vez que o pedido formulado pela requerente tem também como causa de pedir e fundamento principal a circunstância de os filhos residirem com ela, tendo essa residência sido estabelecida a título provisório, importa que se decida primeiro, a título definitivo, com quem passarão os filhos a residir;
a ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais configura causa prejudicial relativamente a esta já que nela se discute e pretende decidir algo – a residência dos filhos – que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada pela requerente nestes autos.
Peticiona assim que a instância do processo seja suspensa até que seja proferida decisão no processo de regulação de responsabilidades parentais.
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Em 25/09/2019 o tribunal indefere tal pedido de suspensão de instância.
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Interpõe o requerido recurso desse despacho apresentando a seguintes conclusões:
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A recorrida apresentou contra - alegações no sentido de se manter a decisão recorrida.
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2). Fundamentação.
2.1). De facto.
1). Por sentença proferida em 12/02/2018, transitada em julgado em 16/03/2018, foi decretado o divórcio entre o aqui recorrente e recorrida.
2). Por requerimento de 18/11/2016, a aqui recorrida/mãe intentou processo de regulação de responsabilidades parentais.
2.1). Em 30/03/2017, em sede de conferência de progenitores, o tribunal proferiu a seguinte decisão:
«Nos presentes autos, ponderados todos os argumentos, declarações dos progenitores e das crianças, rotinas que já vêm sendo implementadas às crianças, diálogo com os pais propósito do acerto de um regime provisório, considerando o interesse delas, o princípio da equidade e justa composição do litígio e tendo presente:
As crianças sempre tiveram desde bebés uma empregada doméstica, sendo as refeições confecionadas por ela, e ela continua a trabalhar em casa do pai.
Neste momento estão a viver num andar que pertence aos avós.
Desde que os pais se separaram, o pai não se irrita tanto e fala com eles normalmente.
Os jovens em relação aos convívios com o progenitor, aceitam fins de semana alargados e férias.
Aceitam que as férias devem ser divididas igualmente entre os progenitores.
Não gostavam de residir alternadamente com cada um dos progenitores.
Aceitam ir para casa do pai às quartas feiras ou quintas feiras até segunda feira.
Ambos os progenitores são economistas, o pai é coordenador da zona norte do D…, auferindo cerca de €3.500,00 e a mãe trabalha no E… cerca de €2.500,00.
O Tribunal considerando a opinião das crianças e nessa medida, ao abrigo do art. 38º e 28º do RGPTC provisoriamente decide fixar o seguinte regime:
Fixar a residência as crianças com a progenitora.
As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da criança, nomeadamente a escolha do estabelecimento de ensino privado a frequentar pela criança, a educação religiosa, desportiva ou cultural da criança, as intervenções cirúrgicas, a orientação escolar ou profissional da criança, a alteração da residência para o estrangeiro, a administração de bens recebidos por doação ou herança, a autorização para casamento, a obtenção de licença para condução de ciclomotores e a representação em juízo, são exercidas em comum por ambos os progenitores, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informação ao outro logo que possível.
O exercício das responsabilidades parentais, relativas aos atos da vida corrente da criança cabe ao progenitor com quem resida habitualmente, cabendo ao outro progenitor o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida da criança.
As práticas educativas incumbem ao progenitor com quem reside habitualmente.
As crianças de 15 em 15 dias, ficam com o pai de quarta feira no final do horário lectivo até segunda feira de manhã, entregando-os no colégio ou em casa quando não haja escola.
Na sexta feira que antecede o fim de semana da progenitora, o pai poderá jantar com os filhos à sexta feira.
O progenitor poderá almoçar com os filhos durante a semana, sem prejuízo das obrigações escolares dos mesmos.
O período de férias escolares de Verão das crianças será repartido em partes iguais entre os progenitores por períodos de 15 dias e a combinar entre ambos.
Até finais de Maio os progenitores combinarão as férias de Verão, sendo que este ano o progenitor passará a segunda quinzena de Julho com os filhos.
As crianças passarão a primeira semana das férias da Páscoa com a progenitora e a segunda semana com o progenitor, alternando.
Este ano o Domingo de Páscoa é passado com o progenitor.
As crianças passarão a véspera e o dia de Natal alternadamente com cada um dos progenitores, este ano passam a véspera de Natal com a mãe e o dia de Natal com pai.
As crianças passarão a véspera e o dia de Ano Novo alternadamente com cada um dos progenitores, este ano passam a véspera de Ano Novo com o pai e o dia de Ano Novo com a mãe.
Véspera período compreendido entre as 17h e as 11h do dia seguinte.
Dia período compreendido entre as 11h e as 20h.
No aniversário das crianças, estas tomam uma das principais refeições com cada um dos progenitores e a combinar entre ambos.
Este ano nos aniversários das crianças estas jantam com o pai.
Caso os progenitores não se entendam, nos anos pares prevalece a vontade do pai e nos anos ímpares prevalece a vontade da mãe.
A título de pensão de alimentos os progenitores acordam em que o pai suportará 60% de todas as despesas inerentes aos filhos e a mãe suportará 40% das mesmas, excluindo-se a alimentação e vestuário que cada um suportará.» - sublinhado nosso -.
2.2). Em 30/05/2017 foi proferido o seguinte despacho: «A titulo provisório e considerando a concordância dos progenitores, as crianças na 6º feira que antecede o fim de semana com a mãe serão recolhidas pelo pai, logo após as atividades letivas das mesmas.».
2.3). Em 07/12/2017 é proferido o seguinte despacho:
« Nos presentes autos de regulação em curso, veio a requerente a fls. 585 e ss requerer a alteração do regime provisório proferido em 15.03.16, elencando e argumentando factos, razões e sugerindo as alterações que entende necessárias ao regime provisório em vigor, dando-se aqui por reproduzidos os argumentos.
Por sua vez, o requerido em resposta a fls. 601, também vem esgrimir um conjunto de factos e argumentos vários, pugnando quer pela não alteração do regime em vigor, quer aceitando algumas alterações desde que assegurem a plena igualdade, aliás argumento também utilizado pela progenitora no que tange, por exemplo aos almoços durante a semana do pai com os filhos.
Mais à frente o requerido progenitor apresenta, também ele, a fls. 641 e ss requerimento onde tece várias considerações no sentido de provisoriamente se fixar residência alternada ao que a requerente respondeu a fls. 674 e ss com todos os argumentos que julga suficientes para impedir alteração nesse sentido.
Com requerimentos e contra requerimentos já vamos em 1092 folhas de processo.
Como as partes bem sabem o regime provisório fixado tem exactamente a natureza que se lhe deu, carácter provisório, e visa regular os mínimos julgados, e devidamente fundamentados, suficientes para ir ao encontro justo e equitativo das partes sempre pensando no interesse superior dos filhos.
Por esta razão, o que vem alegado a propósito da alteração substancial do regime provisório não convence este tribunal ou sequer justifica que se parta para uma alteração radical do sistema de residência que está provisoriamente fixado e muito menos justifica que se tente de alguma forma reduzir o seu alcance, restringindo convívios, quando no momento em que se fixou pretendeu-se, exactamente o contrário. Se é verdade que não se decidiu por uma residência alternada fixando-a junto da mãe, visou-se proporcionar aos jovens um convívio mais lato na presença do pai.
Na sequência do que estamos a dizer torna-se inoportuna, nesta fase processual, qualquer alteração substancial do regime em vigor, que sendo provisório poderá ter outros contornos em sede de decisão definitiva.
Estamos em plena instrução, já mais próximos da fase de julgamento, pelo que não tem utilidade ou pertinência ouvir prova para alterar o regime em vigor que se nos afigura perfeitamente adequado e razoável garantindo o mínimo indispensável aos interesses das crianças e seus relacionamentos afetivos com as figuras parentais dos autos.
Posto isto, não se descura alguma pertinência relativamente a alguns dos aspetos do regime que não foram na altura considerados, mas que são pertinentes.
Assim e desde logo:
No que diz respeito aos almoços que o pai tem com os filhos, o regime estipulado não impõe que o pai almoce todos os dias com os filhos, mas tentando sanar algum sentimento de injustiça do lado da mãe, determina-se que nos dias em que as crianças pernoitem como pai durante a semana, a mãe também possa com elas almoçar se assim o pretender.
Caso um desses dias seja feriado, o almoço será alternado por pai e mãe.
Naturalmente e para esclarecer, estamos a falar das semanas que coincidem com o período lectivo das crianças, pois que relativamente aos demais períodos a situação já está acautelada, com repartição de períodos pelos pais.
Relativamente à 6ª feira solicitada pela progenitora, a parte não pode esquecer que o período onde a mesma se insere só ocorre de 15 em 15 dias, e que a 6ª feira atribuída ao pai se destina a evitar hiatos temporais longos de afastamento de convívio, pelo que não é pertinente o por si solicitado.
Relativamente à alternância da prevalência da vontade dos pais, nada temos a acrescentar ao já decidido no regime provisório.
No que diz respeito às férias do Natal e Ano Novo, o tribunal aceita a proposta da progenitora no sentido do período em questão ser repartido em dois períodos iguais (repartição dos dias deve ser igual), a gozar de forma alternada e sem prejuízo do que está regulado com aos dias festivos da época, podendo o 1º período ser da mãe e o 2º do pai.
Quanto à Páscoa a situação mostra-se já regulada, devendo seguir-se a alternância, sendo pertinente que a alternância coincida com a alternância do Domingo de Páscoa.
Quanto à festividade da véspera do S. João, aceita-se na íntegra a proposta da progenitora, ponto 39, (final do período letivo ou 9h da manhã, se a véspera não for dia letivo, até às 20h do dia de S. João), podendo iniciar-se a alternância com a progenitora.
Quanto aos aniversários e dia dos pais, os jovens poderão tomar uma das refeições principais com o aniversariante, a indicar por este.
Quanto ao Carnaval, trata-se de um período curto, não tendo grande sentido reparti-lo pelo que deverá ser gozado na íntegra com ou outro de forma alternada, começando este ano com o pai.
Quanto aos horários de recolha das crianças aceita-se que em cada de dia não letivo a recolha se faça às 10h, as conduções sejam a cargo de quem vai visitar.
Nas quintas feiras de recolha e segundas feiras de entrega progenitor, em dia não letivo, as crianças serão recolhidas pelo pai depois do almoço, pelas 14h e entregues pelo pai na segunda feira também depois do almoço pelas 14h.
Relativamente ao pedido de alteração da pensão de alimentos, não se nos afigura, por ora, oportuna qualquer alteração atendendo à distribuição dos encargos já fixada e ao facto de, como diz a progenitora, os jovens almoçarem na escola ou com o pai.».
2.4). Em 13/11/2019 em sede de conferência, foi proferido o seguinte despacho:
«Nos termos do artº 4º, complementado com o artº 12º do R.G.P.T.C., o Tribunal rege os princípios das suas intervenções em sede de processo tutelar de acordo com o superior interesse dos menores, mas também reflectindo acerca das Responsabilidades Parentais, em termos tais que permitam que as decisões tomadas favoreçam, sempre que possível, que os progenitores assumam integralmente os seus deveres para com os filhos.
Decidir de harmonia com os interesses dos menores significa, nalguns casos, tomar em conta a opinião dos menores; todavia, sob pena de subversão dos princípios em que nos movemos nesta jurisdição, tal opinião não pode ter carácter vinculativo sob pena de nos desvincularmos da função jurisdicional, na vertente da Justiça Tutelar.
Da presente diligência retira-se que os progenitores, pese embora alguma abertura e tentativa de superação do défice comunicacional que os atinge não logram ainda alcançar consenso numa matéria que é basilar e que se prende com o conceito de regime do exercício das responsabilidades parentais.
A antecedente promoção, com a habitual qualidade, coloca a tónica em dois aspectos que são verdadeiramente estruturantes da justiça de menores, a saber: o respeito que ambos os progenitores devem revelar pela interpretação que o outro faz do respectivo papel e a necessidade de haver uma paulatina implementação de um regime que permita ao progenitor não residente com os menores ter a oportunidade de, no terreno, consolidar o seu papel parental.
Tal só será possível com a implementação de um regime que permita a este Tribunal, no concreto do quotidiano e com base na lição de vida que o mesmo trará aos progenitores e aos menores, aferir da possibilidade de um regime igualitário e no regime de residência alternada.
Assim, nos termos e com os fundamentos expostos, à luz do superior interesse dos menores, e de harmonia com o direito que ambos têm a uma vivência enriquecida com ambos os progenitores, afigura-se-me ser de alterar o regime anterior nos seguintes termos:
- Janeiro de 2020: na primeira semana, os menores estarão com a progenitora, com inicio a 3 de Janeiro, regressando ao progenitor na semana seguinte. No restante período, ficarão, alternadamente, com cada um dos progenitores, até ao final do mês.
- Fevereiro, Março, Abril/ 2020: Mantem-se o regime provisório já fixado nos autos.
- Maio e Junho/ 2020: O progenitor terá consigo as crianças, alternadamente.
O regime antecedente deverá ser acompanhado pelo ISS, com relatórios trimestrais.»
2.4.1). A mãe, ora recorrida, interpôs recurso de tal decisão.
2.5). Os autos de atribuição de casa de morada de família foram intentados em 03/05/2019 pela ora recorrida/mãe.
2.5.1). Em sede de contestação a tal pedido, o ora recorrente/pai menciona que:
a ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais configura causa prejudicial relativamente a esta já que nela se discute e pretende decidir algo – a residência dos filhos – que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada pela requerente nestes autos.
Requer assim que sejam suspensos os autos ao abrigo do disposto no artigo 272.º, n.º 1, do C. P. C. até ser proferida sentença no processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais respeitante aos filhos menores.
2.5.2). Em 25/09/2019 o tribunal profere o seguinte despacho:
«Nos presentes autos de atribuição de casa de morada de família que B… intentou contra C…, peticionando que lhe seja atribuída a casa sita na Rua …, n.º …, …, Porto, frustrada a tentativa de conciliação (cfr. Acta de fls. 70), foi o requerido notificado para contestar a acção, o que fez, peticionando, para além do mais, a suspensão da mesma, ao abrigo do artigo 272, n.º1 do Código de Processo Civil.
Para tanto, invoca que o pedido formulado pela requerente tem também como causa de pedir a circunstância de os filhos residirem com ela; ora, tendo tal residência sido fixada a título provisório, importa aguardar que se decida, a título definitivo, com quem passarão os filhos a residir. Daí que, segundo o requerido, a acção de regulação das responsabilidades parentais configure causa prejudicial relativamente à de atribuição da casa de morada de família.
A requerente veio já pronunciar-se em relação à matéria, pugnando pelo indeferimento da pretendida suspensão.
Cumpre decidir.
Nos termos do artigo 272, n.º1 do CPC, o Tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
Sustenta o requerido que tal se verifica nos presentes autos, invocando que o pedido formulado pela requerente tem também como causa de pedir a circunstância de os filhos residirem com ela; ora, tendo tal residência sido fixada a título provisório, importa aguardar que se decida, a título definitivo, com quem passarão os filhos a residir. Daí que, segundo o requerido, a acção de regulação das responsabilidades parentais configure causa prejudicial relativamente à de atribuição da casa de morada de família.
É certo que os critérios legais de decisão para atribuição da casa de morada da família são as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal, entre outros fatores relevantes, como a situação económica de cada uma das partes, o seu estado de saúde, a sua idade, a capacidade profissional de cada uma delas.
No entanto, cumpre ter presente que a questão da constituição de arrendamento da casa de morada de família, regulada como processo de jurisdição voluntária no art. 1413.º do anterior CPC (art. 990º do NCPC) e prevista, como efeito do divórcio, no art 1793.º do CC., constitui um incidente autónomo, a tramitar como processo de jurisdição voluntária, por apenso ao processo de divórcio.
Uma das consequências de estarmos em pleno domínio de jurisdição voluntária é que as resoluções podem ser alteradas com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem essa alteração – artigo 988, n.º1 do CPC.
Assim, patente se torna que inexiste como necessária uma relação de prejudicialidade entre a regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas a um menor e a decisão sobre a atribuição da casa de morada da família, por efeito do divórcio, a um dos seus progenitores.
É que tal decisão, procedente de um processo de jurisdição voluntária, pode ser alterada no caso de alteração relevante das circunstâncias que foram o seu pressuposto, como seja a da residência de um filho com um ou com o outro dos membros do casal dissolvido. É o que resulta do disposto no art. 1793º, nº 3 do C. Civil, bem como do disposto no art. 988º, nº 1do N.C.P.C. (neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, 2337/13.0TBVNG.P1, de 29.4.2014, relatado pelo Exmo Sr. Desembargador Rui Moreira).
Razão pela qual, sem mais delongas, indefiro a requerida suspensão da presente acção.».
2.5.3). Encontra-se designado o dia 31/03/2020 para inquirição de algumas testemunhas e sugeridos os dias 16/04/2020, 21/04/2020, ou 28/04/2020 para inquirição de outras testemunhas.
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Estes factos têm por base o teor constante do processo consultado via eletrónica.
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A questão a decidir é saber se a instância do processo de pedido de atribuição de casa de morada de família deve ser suspensa enquanto não estiver decidida a ação de regulação de responsabilidades parentais.
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2.2). Dos argumentos do recurso.
O recorrente pretende que seja suspensa a instância do processo de atribuição de casa de morada de família que a recorrida intentou ao abrigo do disposto no artigo 990.º, do C. P. C. por ainda não estar decidido, no processo de regulação de responsabilidades parentais dos dois filhos menores, a quem é atribuída a guarda.
O artigo 272.º, n.º 1, do C. P. C. determina que «o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.».
Concordamos com a noção de causa prejudicial mencionada no recurso em causa (e nas contra-alegações) no sentido de que ela existe quando a questão de facto que se discute na causa prejudicial pode influenciar e modificar os fundamentos da causa dependente, o que se deve evitar por uma questão de «economia e coerência dos julgamentos entre duas ações pendentes que apresentem entre si uma especial conexão» - veja-se Ac. da R. P. de 18/12/2018, www.dgsi.pt. -.
Nos termos do artigo 990.º, n.º 1, do C. P. C. «aquele que pretenda a atribuição da casa de morada de família, nos termos do artigo 1793.º do Código Civil, ou a transmissão do direito ao arrendamento, deduz o seu pedido, indicando os factos com base nos quais entende dever ser-lhe atribuído o direito.».
O artigo 1793.º, n.º 1, do C. C. determina que «pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada de família, quer essa seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.».
Assim, para se decidir esta questão, um dos fatores a atender pelo tribunal é o interesse dos filhos do casal em residir na casa de morada de família com o progenitor guardião e, por isso, é necessário saber a quem se encontra atribuída a guarda dos filhos.
No caso dos autos, essa guarda «só» está atribuída a título provisório, em termos que pensamos ser de residência alternada, o que significa que os filhos têm esse tipo de residência alternada com cada um dos progenitores, cabendo ao progenitor que tem consigo o filho a viver, nesse período, o exercício exclusivo dos atos da vida corrente dos menores.
Como se denota das alegações da requerente e requerido nos articulados dos autos de atribuição de casa de morada de família, ambos alegam necessitar da habitação e, aquando da apresentação dos respetivos articulados, a guarda dos menores tinha sido atribuída à mãe/requerente, o que atualmente já não sucede nesses termos, como acima referido.
Ou seja, as circunstâncias fácticas alegadas já não são atuais no que respeita ao que se pode vir a concluir do interesse dos filhos na atribuição da casa de morada de família, o que não invalida, para nós, a possibilidade de o julgamento se realizar tendo por base o que ocorre no momento da decisão.
Essa atualidade da decisão é imposta pelo artigo 611.º, n.º 1, do C. P. C. e, em especial, é permitida e exigida pelos artigos 987.º e 988.º, n.º 1, do C. P. C., respeitantes aos critérios de julgamento e valor das resoluções em processos de jurisdição voluntário, como é o presente processo.
O tribunal, neste tipo de processos, deve adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna e as decisões que forem tomadas podem ser alteradas com fundamento em circunstâncias supervenientes, sejam estas as ocorridas depois da decisão sejam as ocorridas antes e que então se desconheciam.
Ora, o tribunal teve a informação necessária para decidir provisoriamente, por duas vezes, sobre a quem deveria ser confiada a guarda dos menores sem que haja notícia nos autos que tal decisão não pudesse ser proferida por falta de factos para o efeito.
Essa informação para poder decidir a atribuição da casa de morada de família continua ao dispor do tribunal, tendo nos autos um circunstancialismo que lhe permite concluir qual será o melhor interesse dos menores.
Na verdade, se o tribunal decidiu que a guarda deveria ser atribuída em conjunto aos pais, é porque analisou que essa situação, que implica residência em dois locais, e depois entendeu que era essa a melhor decisão para proteger os interesses dos filhos do casal.
Para decidir a quem deve ser atribuída a casa de morada de família, desde logo, no que respeita ao interesse dos filhos, tem então o tribunal, à partida, informação que lhe permite concluir qual será esse interesse pelo que pode decidir com segurança a questão, tudo sem prejuízo do que resultar demonstrado das diligências de prova que se efetuarão no processo e que já estão parcialmente marcadas para março de 2020.
Dir-se-á que a informação que constava nos autos fez concluir o tribunal por uma decisão provisória a título de atribuição de guarda dos menores e assim a decisão (que se pretende definitiva) da atribuição da casa de morada de família nunca estará assente em juízos definitivos e seguros.
Eventualmente assim poderá o ser, não só neste caso mas em todos em que está em causa um processo de jurisdição voluntária pois, como vimos, as decisões podem sempre ser alteradas se ocorrerem factos supervenientes com o alcance supra mencionado e como em especial está previsto para este tipo de processo no artigo 1793.º, n.º 3, do C. C. («o regime fixado, quer por homologação do acordo dos cônjuges, quer por decisão do tribunal, pode ser alterado nos termos gerais da jurisdição voluntária.»).
Se o tribunal ao decidir a quem deve ser atribuída a casa de morada de família se vir confrontado com a fixação da guarda dos menores a outra pessoa ou noutros termos do que aqueles já provisoriamente fixados, se ainda não tiver proferido decisão, atenderá a essa nova realidade e profere uma decisão atual (o que sucederia mesmo em sede de um processo contencioso); se já tiver decidido a questão da atribuição da casa de morada de família e surgir essa alteração, aquela pode sempre vir a ser alterada se alguma das partes assim o entender.
Aqui se denota que a suspensão de instância do processo de atribuição de casa de morada de família por ainda não estar regulada a atribuição da guarda dos menores não iria trazer qualquer benefício ao julgamento e decisão neste processo pois, além de poder ser atualizada a situação fáctica antes de ser proferida a decisão, se já houver decisão pode sempre ser alterada.
É certo que a circunstância de se estar perante um processo de jurisdição voluntária, nesta questão da suspensão de instância, assume um caráter ambivalente do juízo a ponderar sobre a possibilidade de tal suspensão pois:
por um lado, regendo-se por aqueles critérios de oportunidade e posterior alteração das decisões, diminui-se a produção dos efeitos que se desejam que a suspensão pode provocar – coerência de decisões – pois está sempre ao alcance do tribunal alterar a decisão – afigura-se que este o sentido do que se menciona no Ac. da R. P. de 29/04/2014 citado no despacho recorrido, ainda que não fosse esse o objeto desse recurso pelo que a análise, sendo muito douta, é natural e forçosamente sumária;
por outro lado, os mesmos critérios de oportunidade podem fazer concluir, no caso concreto, que a suspensão da instância é efetivamente o melhor caminho para se obter a decisão mais «conveniente e oportuna» - Ac. do S. T. J. de 12/04/2011, www.dgsi.pt aqui num outro tipo de processo de jurisdição voluntária -.
Na nossa visão, só se as vantagens obtidas com a suspensão de um processo de jurisdição voluntária forem claramente superiores ao que sucederia se a instância prosseguisse é que se deve suspender o prosseguimento dos autos, raciocínio mais exigente quando possa estar em causa o interesse de uma criança, como é o caso.
No fundo, consideramos que neste tipo de processos de jurisdição voluntária tem de estar sempre presente na decisão de suspender a instância um critério de oportunidade que será semelhante àquele que, em sede de processo contencioso se menciona quando se suspende por «motivo justificado».
No caso em análise, como se referiu, sendo certo que é necessário saber a quem foi atribuída a guarda dos menores por tal ser um fator a ponderar na decisão da atribuição da casa de morada de família, atendendo a que:
tem o tribunal meio de, no processo em causa, ter informação sobre essa atribuição de guarda, ainda que em termos provisórios;
possui o tribunal meios para aferir atualmente qual a decisão que, ao atribuir a casa de morada de família, melhor salvaguarda o interesse dos menores, incluindo pela produção de prova apresentada pelas partes;
nada indica nos autos que seja melhor para as partes e para os menores não proferir decisão, sendo certo que, em situações em que os pais vivem intensamente as suas posições processuais, como aparenta ser o caso, uma indefinição de decisão do que é melhor para os menores sempre lhes será prejudicial e, assim, inoportuno e inconveniente;
a decisão que for tomada pode sempre ser alterada,
entende-se que não deve a instância dos autos de atribuição de casa de morada de família ser suspensa, assim se confirmando a decisão recorrida.
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3). Decisão.
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto por C… e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo do recorrente.
Registe e notifique.

Porto, 2020/02/20
João Venade
Paulo Duarte Teixeira
Fernando Baptista