Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
15905/20.4T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO
FUNDAMENTOS
ÓNUS DA PROVA
QUESTÃO NOVA
Nº do Documento: RP2022110715905/20.4T8PRT.P1
Data do Acordão: 11/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Não se ter provado o contrário de um facto alegado, não significa que este deva ser considerado provado, como se fosse uma decorrência necessária. São realidades distintas e tal traduzir-se-ia numa inversão do ónus de prova, em violação do disposto nas regras estabelecidas no art.º 342.º do CC.
II - Recaindo sobre a Ré, a quem cabe demonstrar os fundamentos da extinção do posto de trabalho, o ónus de alegação e prova dos mesmos (art.º342.º do CC), não lhe basta que não se prove o contrário para garantir a prova de um facto, antes lhe incumbido a sua demonstração com prova idónea e suficiente.
III - Não resultando da decisão de despedimento por extinção do posto de trabalho e dos anexos onde constam os fundamentos que a sustentaram, que a recorrente tenha definido qualquer critério para selecção dos trabalhadores a despedir, como agora quer fazer crer - menores habilitações profissionais, menor experiência na função e menor antiguidade na empresa -, que aplicado à trabalhadora e ao seu colega […], sempre levaria a que fosse “forçoso concluir pela escolha da Recorrida como a trabalhadora elegível para a extinção do posto de trabalho”, vem esta tentar contornar a possibilidade de improcedência da impugnação da matéria de facto, mas indevidamente, visto que coloca uma questão de direito que não foi submetida à apreciação da 1.ª instância, nem de resto tinha base factual para ser colocada, dado que claramente tal não resulta do procedimento observado no despedimento por extinção do posto de trabalho.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 15905/20.4T8PRT.P1
SECÇÃO SOCIAL


ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO


I.RELATÓRIO
I.1 No Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo do Trabalho do Porto, AA, através da apresentação do formulário a que se referem os artigos 98.º C e 98.º D, co CPT, deu início à presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, a qual veio a ser distribuída ao Juiz 3, demandando “A..., S.A”, pedindo que julgada a acção procedente seja declarada a ilicitude do seu despedimento por extinção do posto de trabalho, que por aquela R. lhe foi comunicada por escrito.
Juntou a decisão de despedimento.
Designado dia para a audiência de partes, procedeu-se a este acto, mas sem que se tenha conseguido alcançar o acordo entre as partes.
A Ré veio apresentar articulado motivador do despedimento, nos termos do artigo 98º-J do CPT, invocando os factos e fundamentos que motivaram a decisão de despedimento e juntando o respectivo processo de extinção do posto de trabalho.
Alega, no essencial, que no ano de 2020, por força da pandemia Covid-19, no primeiro semestre registou uma descida no valor total dos prémios e um aumento da taxa de sinistralidade, o que conduziu a uma diminuição de proveitos, prevendo que a taxa de sinistralidade viesse a aumentar nos próximos meses e anos. Por isso, decidiu extinguir o posto de trabalho ocupado pela autora de Técnica Administrativa Financeira no Departamento Financeiro, passando as respectivas funções para o responsável daquele departamento e a parte mais administrativa das funções assumidas pelo Assistente de Administração.
Mais alega que a autora era a única trabalhadora a ocupar aquele posto de trabalho e que não existe outro posto compatível com a categoria da autora.
A trabalhadora contestou, pugnando pela ilicitude do despedimento de que foi alvo, negando que a ré tenha levado a cabo uma reestruturação e alegando que os motivos invocados na decisão de despedimento são falsos, atendendo ao facto da ré ser uma empresa de seguros de crédito e, a pandemia, com o aumento da sinistralidade, provocou um aumento de trabalho para a ré. Refere, ainda, que a ré recebeu apoios do Estado para fazer face à sinistralidade daí decorrente.
Por outro lado, alega que das 18 pessoas do quadro de pessoal da ré havia 10 com a categoria de especialista operacional, entre as quais a autora, ficando sem saber a razão para ter sido despedida e, ainda, que havia seis trabalhadores de empresas de trabalho temporário a executar funções enquadráveis naquela categoria.
Finalmente, entende a autora que o despedimento é ilícito porque não pode ter como fundamento a atribuição a outro colega das funções inerentes ao posto de trabalho que ocupava.
Deduz reconvenção, pedindo a sua reintegração e o pagamento das remunerações que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão a proferir, no valor mensal de 1.706,22€.
Subsidiariamente, caso se entenda pela licitude do despedimento, pede a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 1.083,23€ a título de compensação.
A ré exerceu o direito de resposta à contestação com reconvenção.
Foi proferido despacho saneador e foi realizada a audiência de julgamento.
I.2 Subsequentemente foi proferida sentença, fixando os factos e aplicando o direito, concluída com a decisão seguinte:
- «Pelo exposto, julgo procedente o pedido formulado e, consequentemente, a) declaro ilícito o despedimento da autora promovido pela ré;
b) condeno a ré a:
- reintegrar a autora no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; e
- pagar à autora as retribuições mensais, no montante ilíquido de 1.706,22€, que aquela deixou de auferir, desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado desta decisão, deduzidas das importâncias que a autora recebeu, desde o despedimento até à data do trânsito em julgado desta sentença, a título de subsídio de desemprego, que deverão ser entregues, pela ré à Segurança Social.
Fixo o valor da acção em 39.536,84€.
Custas a cargo da ré.
Notifique.
(..)».
I.3 Inconformada com esta decisão, a R.. interpôs recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram concluídas nos termos seguintes:
I. A douta sentença não deverá manter-se.
II. Existe erro no julgamento da matéria de facto, tendo sido dados como não provados factos que deveriam ter sido considerados provados.
III. Os pontos 1) a 4) dos factos não provados foram considerados como tal por, no entender da Meritíssima Juiz a quo, não terem sido demonstrados por prova documental.
IV. Incumbindo à Recorrente o ónus da prova quanto a esta matéria, tendo a mesma arrolado testemunhas que a confirmaram e não tendo sido feita prova em sentido contrário pela Recorrida, não se entende o motivo pelo qual a Meritíssima Juiz a quo desvalorizou a prova feita com o argumento de que deveriam ter sido juntos documentos aos autos.
V. Da audição da testemunha BB, que detém na Recorrente o cargo de Responsável pela área financeira, constata-se que o mesmo foi perfeitamente claro no depoimento que prestou a este respeito, tendo confirmado tais valores com suporte a documentos internos da Recorrente.
VI. De igual forma, também a testemunha CC e a própria parte, representada pelo Senhor Dr. DD, confirmaram tais números.
VII. Ouça-se a este respeito o declarado pela testemunha BB, cujo depoimento se encontra gravado no dia 07/02/2022, das 10:22:26 às 11:48:21, concretamente dos minutos 11:14 a 13:02, dos minutos 15:16 a 16:32, dos minutos 17:35 a 17:56, dos minutos 18:01 a 18:35; a testemunha CC, cujo depoimento se encontra gravado no dia 07/02/2022, das 15:59:18 às 16:24:21, concretamente dos minutos 04:45 a 05:32, dos minutos 12:19 a 12:44; bem como as declarações de parte do Sr. Dr. DD, gravadas no dia 25/02/2022, das 14:42:11 às 15:51:57, concretamente dos minutos 2:58 a 5:17.
VIII. Ora, tendo a Recorrente apresentado duas testemunhas, mais a própria parte, como conhecedoras dos factos e que declararam o que efetivamente estava alegado no processo de extinção de posto de trabalho a este respeito, não se compreende como pode o Tribunal ignorar a prova feita.
IX. Sobretudo quando a Recorrida não contraditou, fosse por que forma fosse, a prova produzida.
X. Se dúvidas houvessem, do Tribunal ou da Recorrida, quanto ao que estava a ser alegado, deveriam ter solicitado a junção de documentos comprovativos aos autos, por forma a contrariarem aquilo que resultou provado no depoimento destas testemunhas.
XI. Aliás, é a própria Meritíssima Juiz a quo que refere, na fundamentação da sentença, que estas testemunhas e o representante da Recorrente explicaram a forma de funcionamento da ré e as consequências da pandemia na sua actividade, o que fizeram de forma segura e coerente entre si e com as regras da normalidade e acrescentou que não restaram dúvidas dos referidos depoimentos de que quanto à ré os resultados do ano de 2020 foram claramente negativos, ao contrário do que vinha acontecendo nos anos anteriores.
XII. Assim, os pontos 1) a 4) dos factos não provados têm necessariamente de se considerar provados na íntegra, aditando-se os mesmos ao elenco dos factos provados.
XIII. Em face desta alteração, deve igualmente o Tribunal ad quem considerar que estão provados e justificados os motivos económicos e estruturais que justificam o presente processo de extinção de posto de trabalho, o que desde já se requer.
XIV. Existe, igualmente, erro na apreciação dos factos 5 e 6 do elenco dos factos não provados.
XV. No que respeita ao ponto 5, a Recorrente alegou tal situação e não se provou o contrário, ou seja, não resulta da prova testemunhal ou documental que a Recorrente tivesse outro posto disponível ao qual pudesse alocar a Recorrida.
XVI. Independentemente da existência ou não de diferenças entre as funções da Recorrida e do colega EE, resulta inegável da prova produzida que a Recorrente reduziu de dois para um os postos de trabalho de “especialista operacional” existentes na área financeira.
XVII. A demonstrar isso, está o facto de a Recorrente não ter contratado qualquer outra pessoa para substituir a Recorrida ou para exercer funções no departamento financeiro, o facto de ter resultado provado que durante meses a Recorrida esteve sem prestar trabalho e as suas funções foram normalmente exercidas pelo colega EE (que não necessitou de fazer trabalho suplementar) e, ainda, o facto de não ter resultado a prova da existência de outro posto ao qual pudesse a Recorrida ser alocada. De realçar, ainda, que resultou provado no ponto S) que não existia, nem existe na ré para o posto de trabalho ocupado pela autora qualquer trabalhador com contrato de trabalho a termo certo ou incerto.
XVIII. A Recorrente alegou, fez prova do facto e nenhuma outra prova foi feita em contrário, logo, o Tribunal devia necessariamente dar como provado tal facto, considerando que o mesmo não foi contraditado – neste caso simplesmente não existe prova da existência de outro posto.
XIX. Requer-se assim seja aditado ao elenco dos factos provados o ponto 5 dos factos não provados.
XX. Não se consegue perceber a razão pela qual a Meritíssima juiz a quo desvalorizou os depoimentos das testemunhas, considerando como não provado o ponto 6.
XXI. Do depoimento prestado pela testemunha EE, cujo depoimento se encontra gravado no dia 07/02/2022, das 15:01:00 às 15:58:02, resulta claro que este e a Recorrida tinham funções diferentes. Ouça-se a este respeito as declarações da testemunha nos minutos 13:02 a 15:02, nos minutos 15:09 a 16:38, nos minutos 54:47 a 55:50 e nos minutos 55:59 a 56:63.
XXII. De facto, não obstante a categoria profissional da Recorrida e do Sr. EE ser a mesma, resulta provado, do depoimento do Sr. EE, que não existia uma total identidade de funções, tendo ficado claro que a Recorrida estava ainda em fase de formação, no sentido estar a inteirar-se de todos os procedimentos vigentes na Recorrente e da especificidade da matéria dos seguros da Recorrente. No entanto, as funções que se pretendia que a mesma viesse a assumir, o conteúdo funcional do seu posto, era claramente diferente, como aliás resulta dos descritivos funcionais juntos aos autos e que a Meritíssima Juiz a quo desvalorizou.
XXIII. Deve, assim, o ponto 6 dos factos não provados passar também para o elenco dos factos provados.
XXIV. É forçoso concluir que, tal como resulta da prova produzida nos presentes autos, os motivos e os formalismos do presente procedimento de extinção do posto de trabalho são absolutamente lícitos e legais.
XXV. Os requisitos formais que permitiam o recurso à extinção do posto de trabalho encontravam-se preenchidos, como, aliás, foi confirmado pela ACT que após visita inspetiva e análise da documentação não pôs em causa a legalidade deste despedimento.
XXVI. Da prova testemunhal que foi produzida, resulta com total clareza que a Recorrente se encontrava com uma grande redução de atividade e consequente diminuição do seu volume de negócios, situação que justificou o processo de reestruturação iniciado.
XXVII. De igual forma, não foram incumpridos quaisquer requisitos que o Código do Trabalho impõe ao despedimento por extinção do posto de trabalho, quer quanto à seleção dos trabalhadores abrangidos, na medida em que o critério foi o da escolha do único trabalhador que ocupava o posto de trabalho de “Técnica Administrativa Financeira” no Departamento Financeiro, quer quanto aos demais formalismos.
XXVIII. Ouça-se, ainda, a este respeito o depoimento da testemunha BB, nos minutos 13:38 a 15:41 e dos minutos 38:40 a 41:40 e ainda o depoimento da testemunha EE, conforme se pode ouvir dos minutos 24:39 a 25:28.
XXIX. Resultou evidenciado que a Recorrida não reunia os requisitos, as habilitações profissionais, o grau de especialização e a experiência necessários para assegurar as funções do Sr. EE.
XXX. Por considerar que os postos de trabalho eram distintos, a Recorrente alegou que quanto à seleção dos trabalhadores abrangidos o critério foi o da escolha do único trabalhador que ocupava o posto de trabalho de “Técnica Administrativa Financeira” no Departamento Financeiro, já que o art.º 368.º do Código do Trabalho apenas determina a necessidade de comparar postos de conteúdo funcional idêntico.
XXXI. Mas mesmo que o tivesse que fazer, por se considerar que o essencial das funções exercidas pela Recorrida e pelo Sr. EE era o mesmo, o que não se aceita nem admite, é manifesto que os critérios previstos no n.º 2 do artigo 368.º do Código do Trabalho se encontram verificados.
XXXII. Resulta do depoimento do Sr. EE, mais uma vez não contraditado por ninguém, que a Recorrida tem, por ordem de critérios existentes e relevantes, menores habilitações profissionais, menor experiência na função e menor antiguidade na empresa.
XXXIII. Não sendo aplicável o critério da avaliação de desempenho, por a Recorrida não ter sido avaliada, passou-se para o critério seguinte, apurando-se que ambos têm as mesmas habilitações académicas, mas a Recorrida tem menor habilitações profissionais, já que não tinha qualquer conhecimento da área financeira na vertente dos seguros de crédito.
XXXIV. Assim, sempre seria forçoso concluir pela escolha da Recorrida como a trabalhadora elegível para a extinção do posto de trabalho.
XXXV. A douta sentença recorrida violou, assim, as normas dos art.ºs 98.º-L, n.º 1, do CPT e 368.º do Código do Trabalho.
XXXVI. Pelo que, deverá ser substituída por outra que julgue a ação improcedente e absolva a Recorrente do pedido.
Nestes termos e nos mais de Direito, a douta sentença recorrida não deverá manter-se.
I.4 A recorrida Autora apresentou contra alegações, finalizadas com as conclusões seguintes:
1.ª - A recorrente despediu a recorrida sem justa causa e travestiu esse acto ilegal em “extinção do posto de trabalho”.
2.ª – Com efeito, embora a recorrente tenha alegado, no articulado motivador do despedimento, a necessidade de reestruturação da empresa para assegurar a sua viabilidade, bem como redução e racionalização de custos, as declarações do seu legal representante e os depoimentos das testemunhas arroladas pela própria, demostram a falsidade de tais alegações.
3.ª – Atente-se, a título de exemplo, no depoimento de FF, na sessão de 07/02/2022:
Advogado [00:25:52]: (…), o que eu pergunto é assim, as alterações, as modificações que foram realizadas na empresa consistiram única e simplesmente em acabar com o posto de trabalho da AA? Pergunta simples. / FF: Sim. (impercetível…) recursos humanos foi a única pessoa que saiu (impercetível…) sim. (…)” [00:26:31]
DA MATÉRIA DE FACTO:
4.ª – No que se refere à matéria de facto, a recorrente impugna, no presente recurso, a decisão proferida pelo tribunal recorrido, no segmento em que considerou como não provados os factos constantes dos números 1) a 6).
5.ª – Conforme orientação jurisprudencial prevalecente, o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se o facto de o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, estar em melhor posição.
6.ª - A admissibilidade da respectiva alteração por parte do Tribunal da Relação, mesmo quando exista prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.
7.ª - Assim, a pretensão de alteração da matéria de facto, sustentada pela recorrente, tem necessariamente de improceder, porquanto não apresenta meios de prova inequívocos no sentido por si pretendido, nem outros contrariados por meios de prova de igual ou de superior valor ou credibilidade.
8.ª – Ora, a recorrente, por diversas vezes e ao longo das suas alegações, argumenta que a própria recorrida poderia ter requerido a junção, aos autos, de outros meios de prova, nomeadamente documental e que não logrou demostrar a falta de veracidade de determinados factos. O que nem se comenta, nem qualifica.
9.ª - Numa ação de impugnação judicial do despedimento, o ónus de alegar e provar os factos que estiveram na base do despedimento recai sobre o empregador, cabendo-lhe demostrar a realidade e veracidade de tais factos, tal como resulta das disposições combinadas dos artigos 342.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil e 387.º, n.º 3 do Código do Trabalho.
10.ª – Complementarmente, o princípio da autoresponsabilidade das partes, em conexão com o princípio do dispositivo, implica que, competindo às partes a iniciativa de conduzir o processo, ao Tribunal não cumpre a obrigação de suprir a sua negligência.
11.ª – A verdade é que, com as provas arroladas pela recorrente e, posteriormente, produzidas em sede de audiência de discussão e julgamento, esta não conseguiu demostrar e provar os factos por si alegados.
12.ª - Por razões de brevidade e por respeito ao Tribunal, para não desperdiçar tempo, dão-se aqui por reproduzidas as concretas passagens da produção de prova transcritas na alegação e que servirão de base à apreciação da prova ou não prova dos factos em causa.
13.ª – Ora, o Tribunal – e bem - julgou como não provado o facto constante do n.º 1, isto é, que “em 2017, o volume de prémios de seguros cobrados pela ré foi de €18.729.00; em 2018, de €19.163.000 e em 2019 de €19.328.000”.
14.ª – A recorrente não logrou provar o facto sub judice, porquanto não foi capaz de juntar, aos autos, documentos oficiais da contabilidade da empresa, nem provar, por quaisquer outros meios de prova com dignidade suficiente e credível, qualquer facto atinente à contabilidade.
15.ª – A única testemunha que fez referência, no seu depoimento, a números e percentagens específicas – BB -, fê-lo socorrendo-se da consulta de um documento que trouxe consigo e que, em momento algum, foi exibido ao Tribunal e à parte contrária, e que é manifestamente insuficiente para o Tribunal formar uma convicção plena e séria sobre tal facto.
16.ª - Acresce, ainda, que a prova da contabilidade de uma empresa faz-se mediante apresentação/exibição do relatório de atividades e contas, documento, este, com dignidade própria, porquanto certificado por entidade com formação e certificação próprias, um Revisor Oficial de Contas.
17.ª – Perante a orfandade absoluta de qualquer elemento de prova considerável, julgou bem, o Tribunal, ao considerar como não provado o facto sub judice.
18.ª - Julgou, o Tribunal, como não provado que “Em 2020, a ré registou, no final do primeiro semestre, um total de prémios imputados ao exercício de €9.211,00, o que, a manter-se assim até ao final do ano, representaria uma descida de 9,4% em relação ao ano anterior e traduzir-se-ia num valor inferior aos valores de 2017”.
19.º - Uma vez mais, apenas a testemunha BB, fez referência ao volume de prémios imputados a 2020, não tendo a recorrente logrado juntar aos autos qualquer documento contabilístico que sustentasse tal facto.
20.ª – O Tribunal deu, igualmente, como não provado o facto constante do n.º 3, isto é, que “Em 2017 a sinistralidade foi de 40,53%, em 2018 de 52,22% e em 2019 de 87,15%”.
21.ª – Nem a testemunha BB, nem qualquer outra, depôs de forma a fornecer ao Tribunal quaisquer elementos de prova credíveis para a confirmação deste facto.
22.ª - O Tribunal julgou, igualmente, como não provado o facto constante do n.º 4: “A taxa de sinistralidade era, aquando do despedimento da Recorrida, de 118,34%”.
23.ª - Não tendo em sua posse documentos contabilísticos, nem tendo sido produzidos quaisquer outros meios de prova, que atestassem a veracidade destes factos, julgou bem o Tribunal ao considerá-los como não provados.
24.ª - Concluindo e no que contende com a matéria constantes dos números 1) a 4) dos factos não provados, é por demais evidente inexistirem quaisquer fundamentos ou razões válidas para proceder à alteração da decisão de facto, porquanto a prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, não foi, nem é, suficiente para formar uma convicção séria e firme que viabilize a alteração do facto em causa, em sentido oposto.
25.ª – Ainda no que se refere à matéria de facto, a recorrente considera ter sido incorrectamente julgado como não provado o facto constante do número 5) da matéria dada como não provada: “A ré não dispõe, na sua estrutura, de qualquer outro posto de trabalho a que possa afetar a atividade da autora e que seja compatível com a sua categoria profissional”.
26.ª – Ora, o Tribunal – e bem, uma vez mais -, julgou como não provado o facto supra transcrito, por não ter sido produzida prova, documental ou testemunhal, que o corroborasse, muito pelo contrário.
27.ª – Com efeito, registam-se as declarações de parte do legal representante da recorrente e o depoimento de uma trabalhadora contratada por uma empresa de trabalho temporário que atestaram claramente que as funções desempenhadas pelos trabalhadores contratados a empresas de outsourcing poderiam ser executadas pela recorrida.
28.ª – Assim sendo, dúvidas não subsistem de que o Tribunal analisou bem as provas produzidas por ambas as partes, atuando corretamente e justamente ao julgar como não provado o facto sub judice.
29.ª – Finalmente e ainda no que contende com a matéria de facto, a recorrente considera ter sido incorrectamente julgado como não provado o facto constante do número 6) da matéria dada como não provada: “Apesar de terem a mesma categoria profissional, as funções desempenhadas pela autora e EE são diferentes: - a autora exerce funções de técnica administrativa financeira, ocupando-se da gestão de tesouraria e do controlo de gestão, e - EE exerce funções de assistente de administração, que consistem, essencialmente, na contabilização dos movimentos económicos, na gestão dos valores pendentes e liquidação de sinistros e no contacto com os segurados para os pagamentos, emissão de recibos e esclarecimentos de dúvidas”.
30.ª - Ao contrário do alegado pela recorrente -, o Tribunal jamais poderia dar como provado que a “ré não dispõe, na sua estrutura, de qualquer outro posto de trabalho a que possa afetar a atividade da Recorrida e que seja compatível com a sua categoria profissional”, quando ficou demonstrado e provado, pelos depoimentos das testemunhas arroladas pela recorrente, que a recorrida e o seu colega, EE, tinham exatamente as mesmas funções.
31.ª – Importa, ainda, registar o facto de as testemunhas BB, EE e DD terem desenvolvido, nos seus depoimentos e declarações, uma teoria – nunca antes invocada/alegada nos autos – de que a recorrida, aquando da decisão do seu despedimento, ainda estaria em formação.
32.º - Estranha-se esta conduta, porquanto as partes não podem ser surpreendidas com novas teses/factos, sob pena de violação do princípio do contraditório, o qual visa garantir uma participação efectiva das partes no desenrolar do litígio num quadro de equilíbrio e lealdade processuais e assegurar a sua participação em condições idênticas até ser proferida uma decisão.
33.ª – Conclui-se que esta tese/teoria recambolesca corresponde a nada mais, nada menos, do que a uma tentativa desesperada de omitir a realidade dos factos, isto é, que a recorrida tinha capacidades e estava apta a exercer as funções para as quais fora contratada. Funções, estas, coincidentes com as funções exercidas pelo colega e também testemunha EE.
34.ª - Aliás, as respostas contraditórias e descabidas da testemunha BB, no que a este tema contendem, levaram mesmo à exasperação e saturação da Merítissima Juíza que culminou com o seguinte desabafo: [01:23:15] “(…) isto não tem dificuldade absolutamente nenhum, uma criança de seis anos sabe responder a isto. Estou-lhe a perguntar que tarefas é que ela tinha, (impercetível…) que tarefas tinha, que tarefas teria e que não chegou a executar e agora perguntei-lhe terceiro grupo, que tarefas tinha ela que eram próprias do Senhor EE mas que ela estava em formação para como o senhor já disse isto, para aí cinquenta vez ao longo do seu depoimento, e agora quero saber que tarefas são. O senhor não me pode é dar tarefas repetidas. Isto não faz sentido, certo? (…)”. [01:23:59]
35.ª – Dos depoimentos das testemunhas BB, EE, FF e das declarações do legal representante da recorrente, DD, ficou esclarecido que as tarefas executadas por estes dois colaboradores – recorrida e EE – eram exatactamente as mesmas, diferenciando-se, apenas, no âmbito em que estas eram efectuadas: a recorrida geria a carteira de crédito e a testemunha EE geria a carteira de caução.
36.ª - Não obstante a irrefutável prova testemunhal e por declarações das próprias partes, o Tribunal alicerçou, igualmente, a sua convicção na prova documental junta aos autos, nomeadamente, nos contratos de trabalho da recorrente e do colega EE, nos recibos de vencimento dos dois trabalhadores e nas mensagens de correio eletrónico juntas pela recorrente, das quais é possível constatar que as funções da recorrida tinham uma componente técnica e administrativa – ao contrário do alegado pela recorrente – e confluíam com as tarefas do colega em causa.
37.ª – A própria Autoridade para as Condições do Trabalho, no relatório elaborado pela Inspetora GG, admite que não foi possível, por razões não expostas/indicadas no relatório, apurar e presenciar o exercício das respetivas funções por ambos os trabalhadores.
38.ª – Mais, reconheceu, ainda, a Inspetora em causa, que tendo, apenas, por base o descritivo de funções, disponibilizado pela recorrente, as funções da recorrida e do seu colega EE tinham pontos em comum e relacionavam-se mutuamente.
39.ª – Complementarmente, para apreciação dos fundamentos da alegada extinção do posto de trabalho, o Tribunal deve cingir-se aos factos que foram invocados, na acção, como motivadores da extinção do posto de trabalho.
40.ª – Embora a recorrente tenha alegado motivos de mercado e estruturais para fundamentar a sua decisão de despedimento por extinção do posto de trabalho, a verdade é que a recorrente não produziu qualquer prova, nem juntou, aos autos, um único documento comprovativo do número de prémios nos anos 2017 e 2020, da taxa de sinistralidade nos anos de 2017 a 2020 e da diminuição do volume de prémios cobrados, o que poderia ter sido esclarecido com a junção do seu relatório de atividades e contas.
41.ª - Alegou, ainda, a recorrente, a necessidade de reestruturação da organização produtiva e de redução e racionalização de custos.
42.ª – Da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, mais concretamente através dos depoimentos de FF, BB, HH e II – todos trabalhadores da A... -, resultou que a necessidade de restruturação e de racionalização e redução de custos, invocadas pela recorrente nos “Motivos Para Extinção De Posto De Trabalho” – a fls… -, foi uma artimanha, engendrada por esta, para proceder ao despedimento da trabalhadora AA, ora recorrida, porquanto nenhuma outra medida foi tomada, a não ser o despedimento desta trabalhadora.
43.ª – De facto, embora a recorrente tenha pretendido, através das testemunhas por si arroladas, invocar que o despedimento voluntário da própria trabalhadora de Lisboa e a sua não substituição configurou, igualmente, uma medida de restruturação da organização produtiva da empresa e de redução e racionalização de custos, tal alegação carece de qualquer sentido e configura, uma vez mais, uma violação do princípio do contraditório, porquanto nunca antes tal foi alegado nos autos.
44.ª – Concluindo, percorrido o articulado recursório, incluindo conclusões e alegações, nele não se vislumbra, em parte alguma, a indicação concreta de passagem do texto da decisão que deva ser alvo de qualquer alteração, carecendo, assim, de qualquer fundamento a argumentação aduzida pela recorrente.
DO DIREITO:
45.ª - Resulta do artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa que é “garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa, ou por motivos políticos ou ideológicos”.
46.ª - Um dos fundamentos para a resolução do contrato de trabalho, por iniciativa do empregador, consiste na extinção do posto de trabalho justificada por motivos económicos, tanto de mercado como estruturais ou tecnológicos, relativos à empresa.
47.ª – O nº 1 do artigo 368.º do Código do Trabalho estabelece os requisitos exigidos para que o despedimento por extinção do posto de trabalho possa ter lugar, e que são, cumulativamente, os seguintes: a) Os motivos invocados não sejam devidos a uma conduta culposa do empregador ou do trabalhador; b) Seja praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho; c) Não existam na empresa trabalhadores contratados a termo para as tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto; d) Não se aplique o regime previsto para o despedimento colectivo.
48.ª - Havendo vários trabalhadores susceptíveis de ser abrangidos, o artigo 368.º, n.º 2 do Código do Trabalho estabelece critérios relevantes e não discriminatórios que visam garantir a objetividade do despedimento por extinção do posto de trabalho, impedindo a utilização deste mecanismo para possibilitar ao empregador atingir um trabalhador em concreto.
49.ª – Ao Tribunal cabe sindicalizar e controlar a existência de uma decisão de gestão fundada nos motivos alegados pela entidade empregadora, podendo e devendo anular decisões manifestamente irrazoáveis, arbitrárias, com rebuscadas motivações.
50.ª - Vertendo estes ensinamentos para o caso dos autos, é por demais evidente que a recorrente não conseguiu demonstrar a diminuição concreta dos seus proveitos e da atividade da empresa, nem a necessidade de proceder a uma reestruturação da organização produtiva da mesma, bem como a uma redução e racionalização de custos.
51.ª – Assim, falhou a recorrente na prova de requisitos essenciais para recurso ao despedimento com justa causa, com base em extinção do posto de trabalho:
52.ª – PRIMEIRO: A recorrente não conseguiu demostrar a situação concreta em que se encontrava por causa da pandemia e que poderia, ou não, ter justificado a sua reestruturação.
53.ª – SEGUNDO: A recorrente não logrou demostrar, igualmente, a inexistência de outro posto de trabalho, compatível com a categoria profissional da recorrida, a que a pudessem alocar e afetar a sua atividade.
54.ª - Conforme demonstrado, em sede de audiência de discussão e julgamento, a recorrente integrava na sua equipa trabalhadores contratados a empresas de trabalho temporário, cujas funções poderiam perfeitamente ser desempenhadas pela recorrida.
55.ª – TERCEIRO: Além da não verificação destes dois requisitos – extinção do posto de trabalho por motivos de mercado e estruturais e impossibilidade de subsistência da relação de trabalho -, impunha-se, à recorrente, a necessidade de proceder à verificação dos critérios enunciados no artigo 368.º, n.º 2 do Código de Trabalho, o que não aconteceu.
56.ª – QUARTO: Após verificação desses critérios, incumbia, ainda, à recorrente, proceder a uma análise comparativa entre os dois trabalhadores – recorrida e EE -, com vista a concluir qual dos postos de trabalho deveria extinguir, o que também não ocorreu.
57.ª – Assim sendo, recorrente não cumpriu, nem logrou provar, o seguinte: (i) Demonstração e prova dos motivos de mercado e estruturais subjacentes à decisão de despedimento por extinção do posto de trabalho da recorrida; (ii) Prova de que a subsistência da relação de trabalho era praticamente impossível; (iii) Verificação/Observância dos critérios estabelecidos no n.º 2 do artigo 368.º do Código de Trabalho; (iv) Comparação entre os dois trabalhadores – recorrida e EE -, com base nos critérios estabelecidos no n.º 2 do artigo 368.º do Código de Trabalho.
58ª - Concluiu, assim, o douto Tribunal – e bem -, pela ilicitude do despedimento da recorrida, por incumprimento dos requisitos previstos no n.º 1 do artigo 368.º do Código do Trabalho, bem como pela inobservância do disposto no n.º 2 da referida norma.
Termos em que deve o recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências
I.5 O Digno Procurador-Geral Adjunto da República junto desta Relação teve visto nos autos, para os efeitos do art.º 87.º3 do CPT, tendo emitido parecer no sentido da improcedência do recurso, referindo, no essencial, o seguinte:
-«[..]
Neste caso, apesar de a Recorrente alegar a diminuição de receitas, não concretiza essa perda de rendimentos, comparando a situação antes e depois da pandemia.
Fica assim, o tribunal incapaz de verificar a verdade das razões invocadas.
3. Depois deu-se como provado que existem dois outros trabalhadores com igual categoria e funções – U) dos factos provados: “No departamento financeiro existem dois trabalhadores com a categoria profissional de “Especialista Operacional” – a autora e EE, admitido em 24/11/2014.”
Neste caso haveria que dar cumprimento ao disposto no artigo 368º, n.º 2, o que não foi feito, limitando-se a referir que a autora é a única a exercer funções naquele posto de trabalho, tendo-se provado que existiam mais dois.
4. Finalmente haveria que invocar e demonstrar a impossibilidade da subsistência da relação de trabalho, o que cremos, também não foi feito.
Assim, só pode concluir-se pela ilicitude do despedimento da autora.
[..]».
I.5.1 Respondeu a recorrente, dizendo “reiterar o conteúdo das alegações apresentadas, concluindo pela procedência do recurso por si interposto”.
I.6 Foram colhidos os vistos legais. Elaborado o projecto de acórdão, foi este remetido aos Exmos Adjuntos e determinada a inscrição em tabela para julgamento.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso, coloca-se para apreciação saber se o tribunal a quo errou o julgamento quanto ao seguinte:
i) Na decisão sobre a matéria de facto, ao considerar não provado o que consta dos pontos 1 a 6 dos factos não provados.
ii) Na aplicação do direito aos factos, por ter concluído pela ilicitude do despedimento por extinção do posto de trabalho.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo fixou o elenco factual que se passa a transcrever:
A) A autora foi admitida em 21/02/2019, ao serviço da ré, para exercer as funções inerentes à categoria profissional de Especialista Operacional.
B) Na data da cessação do contrato de trabalho a autora auferia a quantia mensal ilíquida de 1.019,76€, a título de retribuição base.
C) Por carta datada de 17/07/2020, a ré comunicou à autora a intenção de proceder à extinção do seu posto de trabalho.
D) Em 20/07/2020, a ré entregou à autora uma carta a comunicar-lhe que, se a mesma nada tivesse a opor, prescindiria da sua prestação de trabalho durante o decurso do processo, sem a perda de quaisquer direitos, nomeadamente no que respeita à retribuição, carta que a autora se recusou a assinar, tendo deixado de comparecer ao trabalho a partir desse dia e até à data da cessação do contrato de trabalho.
E) Por cartada datada de 28/07/2020 e recebida pela ré no dia 29/07/2020, a autora informou a ré que havia solicitado a intervenção da Autoridade para as Condições do Trabalho, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 370.º, n.º 2 do Código do Trabalho, tendo a ré recebido a visita da ACT, no dia 03/08/2020 que, entre diversos documentos, solicitou prova da verificação dos requisitos previstos nas alíneas c) e d) dos n.ºs 1 e 2 do art.º 368.º, conforme expressamente estabelecido no art.º 370.º, n.º 2 do Código do Trabalho.
F) Por carta datada de 05/08/2020, a ACT enviou à ré o relatório elaborado e emitido nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 370.º, n.º 3 do Código do Trabalho, junto com o articulado motivador e cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
G) A autora remeteu à ré, por carta datada de 10/08/2020, parecer fundamentado, nos termos do disposto no art.º 370.º, n.º 1 do Código do Trabalho.
H) A ré, por carta datada de 18/08/2020, comunicou à autora que o seu posto de trabalho seria extinto e o seu contrato de trabalho cessaria em 23/09/2020, o que comunicou também à ACT.
I) No dia 18/09/2020 a ré transferiu para a conta bancária da autora as seguintes verbas ilíquidas:
- €782,46, a título de retribuição base referente ao mês de setembro de 2020;
- €195,62 a título de isenção de horário de trabalho referente ao mês de setembro;
- €330,05 a título de compensação de posto de trabalho;
- €931,24 a título de proporcionais de subsídio de Natal;
- €1083.23, a título de compensação pela extinção do posto de trabalho.
J) Por carta datada de 24/09/2020, a autora comunicou à ré que não aceitava o despedimento e procedeu à devolução, por transferência bancária realizada no dia 25/09/2020, do montante de €1.083,23, correspondente ao valor compensação.
K) A ré é uma sociedade que se dedica essencialmente à atividade de Seguros e Resseguros, desenvolvendo a sua atividade com base nos prémios de seguros que cobra aos seus segurados, com relação direta ao volume e gravidade da sinistralidade, sendo o seu resultado final tanto melhor quanto menor for a sinistralidade e o volume de valores a pagar.
L) O volume de prémios de seguros cobrados pela ré vinha aumentando nos últimos anos.
M) No ano de 2020, muito provocado pela pandemia COVID-19, o volume de prémios de seguros cobrados pela ré diminuiu e a taxa de sinistralidade aumentou, mais de 100%.
N) Este aumento de sinistralidade, aliado a uma diminuição do volume de prémios cobrados, conduziu a uma diminuição dos proveitos da ré.
O) Tendo em conta a situação da economia nacional e internacional, previu a ré que a taxa de sinistralidade aumentasse ainda mais nos próximos meses ou mesmo anos.
P) Previu a ré uma diminuição do investimento e um crescimento do crédito malparado e das insolvências.
Q) Neste contexto, a ré decidiu proceder à extinção das funções de “Especialista Operacional” com funções de Técnica Administrativa Financeira no departamento financeiro.
R) As funções da autora foram assumidas pelo Responsável do Departamento Financeiro e por EE, o qual já as desempenhou no passado.
S) Não existia, nem existe na ré para o posto de trabalho ocupado pela autora qualquer trabalhador com contrato de trabalho a termo certo ou incerto.
T) Existem na ré 10 trabalhadores com a categoria profissional de “Especialista Operacional” divididos nos vários departamentos da empresa: administração, contratação, recuperação, recursos humanos e financeiro.
U) No departamento financeiro existem dois trabalhadores com a categoria profissional de “Especialista Operacional” – a autora e EE, admitido em 24/11/2014.
V) Em 16/03/2020, a autora requereu o benefício de apoio à família em virtude do encerramento das escolas, tendo passado a faltar justificadamente ao trabalho, com exceção de um período inferior a 30 dias entre junho e julho.
W) As suas funções foram, nesse período, entregues ao seu colega EE, que exerceu as suas funções e as da autora, sem que para isso tivesse que realizar trabalho suplementar.
X) Na sequência da COVID 19, a ré subscreveu um acordo com o Estado para garantir uma linha de apoio às exportações para os países da OCDE.
Y) A autora recebeu as seguintes quantias a título de subsídio de desemprego:
- em 9/2020: 210,99€, e
- de 10/2020 a 03/21: 1.054,97€.
*
Não resultaram provados os seguintes factos:
1) Em 2017, o volume de prémios de seguros cobrados pela ré foi de €18.729.000; em 2018, de €19.163.000 e em 2019 de €19.328.000.
2) Em 2020, a ré registou, no final do primeiro semestre, um total de prémios imputados ao exercício de €9.211.000, o que, a manter-se assim até ao final do ano, representaria uma descida de 9,4% em relação ao ano anterior e traduzir-se-ia num valor final inferior aos valores de 2017.
3) Em 2017 a sinistralidade foi de 40,53%, em 2018 de 52,22% e em 2019 de 87,15%.
4) A taxa de sinistralidade era, aquando do despedimento da autora, de 118,34%.
5) A ré não dispõe, na sua estrutura, de qualquer outro posto de trabalho a que possa afetar a atividade da autora e que seja compatível com a sua categoria profissional.
6) Apesar de terem a mesma categoria profissional, as funções desempenhadas pela autora e EE são diferentes:
- a autora exerce funções de técnica administrativa financeira, ocupando-se da gestão de tesouraria e do controlo de gestão, e
- EE exerce funções de assistente de administração, que consistem, essencialmente, na contabilização dos movimentos económicos, na gestão dos valores pendentes e liquidação de sinistros e no contacto com os segurados para os pagamentos, emissão de recibos e esclarecimento de dúvidas.
7) A pandemia provocou um aumento de trabalho na ré.
8) Existem na ré seis trabalhadores de empresas de trabalho temporário a executar funções enquadráveis na categoria profissional de “Especialista Operacional”.
II.3 Alteração da matéria de facto por iniciativa deste Tribunal de Recurso
No âmbito dos poderes conferidos pelo art.º 662.º n.º1, do CPC, decide-se alterar a redacção do facto provado C, para acrescentar o essencial do conteúdo da carta enviada pela Ré à autora, bem assim dos documentos anexos, comunicando-lhe a intenção de proceder à extinção do posto de trabalho, dado que nele apenas consta o seguinte:
C) Por carta datada de 17/07/2020, a ré comunicou à autora a intenção de proceder à extinção do seu posto de trabalho.
Com o devido respeito, estando em causa saber se existe fundamento para o despedimento por extinção do posto de trabalho, era fundamental o Tribunal a quo ter levado aos factos assentes o essencial do conteúdo da comunicação dirigida à trabalhadora, bem como dos documentos anexos, por ser essencial à apreciação da causa, não bastando as referências que lhe são feitas na fundamentação da sentença na vertente da aplicação do direito aos factos.
Assim, altera-se o facto C e aditam-se os factos C1 e C2, para dar conta do conteúdo de cada um dos dois documentos para onde remete a carta de 17/07/2020, conferindo-se-lhes a redacção seguinte:
C) Por carta datada de 17/07/2020, a ré comunicou à autora a intenção de proceder à extinção do seu posto de trabalho, constando dela, no essencial, o seguinte:
«[..]



[..]
[..]
b) É praticamente impossível a susbsistência da relação de trabalho, pois a A... não dispõe atualmente na sua estrutura de um outro posto de trabalho ao qual possa afetar a sua actividade e que seja compatível com a sua categoria profissional;
[..]


[..]».
C1) No Doc.1, para onde remete a carta, lê-se, no essencial, o seguinte:
[..]

O volume de prémios de seguros cobrados pela A... vinha aumentando nos últimos anos, tendo A..., em 2017, um total de prémios imputados ao exercício de €18.729.000: em 2018, de €19.163.000 e em 2019 de €19.328.000.
No corrente ano, muito provocado pela pandemia COVID-19, a A... regista, no final do primeiro semestre, um total de prémios imputados ao exercício de €9.211.000, o que , a manter-se assim até ao final do ano, representa uma descida de 9,4% em relação ao ano anterior e traduzir-se-á num valor final inferior aos valores de 2017.
Acresce que , a data de sinistralidade também aumentou, sendo atualmente de 118,34% o que é um aumento muito significativo quando comparado com os anos anteriores. Em 2017 a sinsitralidade foi de de 40,53%, em 2017 de 52,22% e em 2019 de 87,15%
Este aumento de sinistralidade, aliado a uma diminuição do volume de prémios cobrados, vai conduzir a uma drástica diminuição dos proveitos da A....


Ora, num contexto como este e com a diminuição do seu volume de negócios, a A... tem a noção que é imperativo que determinadas decisões sejam tomadas desde já, de modo a assegurar a viabilidade da empresa na fase de recessão que se aproxima, protegendo o futuro da empresa e dos seus trabalhadores.
Uma dessas medidas passa por uma revisão da estrutura da empresa, diminuindo a mesma em áreas nas quais possam ser implementadas soluções mais eficientes e economicamente viáveis.
Neste contexto, a estrutura de recursos humanos será revista e, tendo sempre em vista o objectivo de preservar o máximo de postos de trabalho, ter-se-á que ajustar a mesma, sendo que alguns postos de trabalho terão que ser necessariamente eliminados.
A A... tem, assim, necessidade de proceder à extinção de um posto de trabalhado, justificada por motivos de mercado e estruturais, ao abrigo e para os efeitos do disposto nos art.ºs 367º e 359, n.º 2 do Código do Trabalho, nomeadamente por :
- Redução da atividade da empresa provocada pela diminuição previsível da procura de bens ou serviços ou impossibilidade superveniente, prática ou legal, de colocar esses bens ou serviços no mercado;
- Necessidade de reestruturação da organização produtiva;
- Redução e racionalização de custos.

Dadas as perspetivas de contínua diminuição do volume de negócios, entendeu a A... implementar um processo que induza uma maior produtividade dos meios materiais e humanos de que dispõe, reestruturando a sua organização.
O processo de reestruturação que a A... visa implementar passa, entre outros, pela extinção de funções que são desnecessárias na empresa ou que podem ser facilmente realizadas por outros trabalhadores em cumulação com as actuais.
A função de “Especialista Operacional”, com funções de Técnica Administrativa Financeira no departamento financeiro, é uma delas.
Tais funções poderão, facilmente, ser assumidas pelo Responsável do Departamento Financeiro, sendo a parte administrativa das mesmas assumidas pelo Assistente de Administração, o qual inclusive, já as desempenhou no passado.
A verdade é que A... não tem atualmente necessidade de ter um “Especialista Operacional”, com funções de Técnica Administrativa Financeira no departamento financeiro, já que se poderá organizar de outra forma, com recursos internos que atualmente se encontram menos ocupados.
Pelos motivos expostos, a A... não tem necessidade de manter um “Especialista Operacional”, com funções de Técnica Administrativa Financeira no departamento financeiro, razão pela qual pretende extinguir esse posto de trabalho.
Acresce referir que a A... não dispõe atualmente na sua estrutura de um outro posto de trabalho ao qual possa afetar a atividade da trabalhadora cujo posto se pretende extinguir e que seja compatível com a sua categoria profissional, na medida em que todos os seus postos de trabalho se encontram preenchidos e ocupados.
Finalmente refira-se que não existe na A... para o posto de trabalho ocupado pela referida trabalhadora e tarefas desempenhadas pelo mesmo, qualquer trabalhador com contrato de trabalho a termo certo e incerto.
[..]»
C2) No Doc.2, para onde remete a carta, lê-se, no essencial, o seguinte:
«[..]

INDICAÇÃO DA CATEGORIA PROFISSIONAL E DA TRABALHADORA ABRANGIDA

A única trabalhadora abrangida pelo presente processo de extinção de posto de trabalho é a Senhora AA, a qual detém a categoria profissional de “Especialista Operacional”, com funções de Técnica Administrativa Financeira no departamento financeiro, sendo que não existe qualquer outro trabalhador que exerça funções num posto de trabalho de conteúdo funcional idêntico ao seu.
Com efeito, existem na A... 10 trabalhadores com a categoria profissional de “Especialista Operacional”, divididos entre os vários departamentos da empresa: Administração, Contratação, Recuperações, Recursos Humanos e Financeiro.
No departamento financeiro, no qual a trabalhadora AA exerce funções, apenas existem dois trabalhadores com esta categoria, a própria AA, admitida em 21/02/2019 e o Senhor EE, admitido em 24/11/2014.
Sucede que, apesar de ambos terem a mesma categoria profissional, as funções desempenhadas são completamente diferentes:
- A Senhora AA desempenha funções de Técnica Administrativa Financeira, ocupando-se da gestão de tesouraria e do controlo de gestão.
- O senhor EE desempenha funções de Assistente de Administração, que consistem, essencialmente na contabilização dos movimentos económicos, na gestão dos valores pendentes e liquidação de sinistros e no contacto com os segurados para os pagamentos, emissão de recibos e esclarecimento de dúvidas.
Assim, as funções desempenhadas pela Senhora AA, constituem um posto único, não existindo qualquer outro trabalhador que exerça funções num posto de trabalho de conteúdo funcional idêntico ao seu.
Acresce que, não existe na A... para o posto trabalho ocupado pela referida trabalhadora, qualquer trabalhador com contrato de trabalho a termo certo ou incerto, nem a empresa dispõe, na sua estrutura, de qualquer outro posto de trabalho a que possa afetar a atividade da trabalhadora AA e que seja compatível com a sua categoria profissional.
Assim, no âmbito do presente procedimento é extinto o posto de trabalho da Senhora AA e, consequentemente, o seu contrato de trabalho cessará.
[..]».
Procede-se, ainda, a outra alteração para eliminar o facto provado S, onde consta o seguinte:
S) Não existia, nem existe na ré para o posto de trabalho ocupado pela autora qualquer trabalhador com contrato de trabalho a termo certo ou incerto.
O facto é simultaneamente conclusivo e dúbio, diremos mesmo ininteligível. Com efeito, trata-se de uma afirmação conclusiva, mas que para além disso com um conteúdo que não se logra perceber. Desde logo, ao começar por dizer “Não existia”, não se sabe se a alegação é referida a data anterior à contratação da autora, ou abrange também o período temporal em que prestou a sua actividade laboral para a Ré. Mas para além disso, se “nem existe na ré para o posto de trabalho ocupado pela autora qualquer trabalhador com contrato de trabalho a termo certo ou incerto”, não existe devido ao quê? Não existir trabalhador disponível para exercer as mesmas funções? Não existir outro trabalhador que tenha as mesmas qualificações necessárias ao desempenho dessa função?
O facto em causa prende-se com a parte final do conteúdo do documento 2 acima transcrito, que foi levado ao articulado motivador do despedimento, constando do art.º 37.º o seguinte:
“Não existia, nem existe na Ré para o posto de trabalho ocupado pela Autora qualquer trabalhador com contrato de trabalho a termo certo ou incerto, nem a empresa dispõe, na sua estrutura, de qualquer outro posto de trabalho a que possa afetar a atividade da Autora e que seja compatível com a sua categoria profissional”.
Como se vê, o que foi levado ao facto é a primeira parte desta alegação.
Acontece que essa alegação inicial, como se disse conclusiva e, ademais, em termos ininteligíveis, prende-se com uma das questões controvertidas em discussão na causa, qual seja, a de saber se tal como afirmado pela Ré no doc.2, imediatamente antes daquela afirmação, se “ As funções desempenhadas pela Senhora AA (..) constituem um posto único, não existindo qualquer outro trabalhador que exerça funções num posto de trabalho de conteúdo funcional ao seu”.
Ora, como é entendido pela jurisprudência dos tribunais superiores, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado [Ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, António Leones Dantas, www.dgsi.pt.].
Assim, decide-se eliminar o facto provado S.

II.3.1 Reapreciação da matéria de facto
Insurge-se a recorrente Ré contra a decisão do tribunal a quo que fixou a matéria de facto, por ter considerado não provado o que consta dos pontos 1 a 6, da matéria não provada.
Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Nas palavas de Abrantes Geraldes, “(..) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222].
O mesmo autor, após observar que a possibilidade de alteração da matéria de facto deixou de ter carácter excepcional, acabando “por ser assumida como uma função normal do Tribunal da Relação, verificados os requisitos que a lei consagra”, logo prossegue advertindo que “Nesta operação foram recusadas soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente“ [Op. cit., p. 123/124].
Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
No que concerne ao que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objecto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)].
Para além disso, exige-se também que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa” [cfr. Ac. STJ de 01-10-2015, Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt].
É também entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do STJ, que o recorrente não cumpre o ónus de especificação imposto no art.º 640º, nº 1, al b), do CPC, quando procede a uma mera indicação genérica da prova que, na sua perspectiva, justifica uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal de 1.ª Instância, em relação a um conjunto de factos, sem especificar quais as provas produzidas quanto a cada um dos factos que, por as ter como incorrectamente apreciadas, imporiam decisão diversa, fazendo a apreciação crítica das mesmas. Nesse sentido, acompanhando o entendimento afirmado nos acórdãos do STJ de 20-12-2017 e 5-09-2018 [respectivamente, nos processos n.ºs 299/13.2TTVRL.C1.S2 e 15787/15.8T8PRT.P1.S2, disponíveis em www.dgsi.pt], no acórdão de 20-02-2019, daquela mesma instância [proc.º 1338/15.8T8PNF.P1.S2, Conselheiro Chambel Mourisco, disponível em www.dgsi.pt], consignou-se no respectivo sumário o seguinte:
- I. O artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil estabelece que se especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso.
II - Não cumpre aquele ónus o apelante que nas alegações não especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, relativamente a cada um dos factos concretos cuja decisão impugna, antes se limitando a proceder a uma indicação genérica e em bloco, para aquele conjunto de factos.
Ainda a este propósito, o recente Acórdão do STJ de 06-07-2022 [Proc.º 3683/20.1T8VNG.P1.S1, Conselheiro Mário Belo Morgado, disponível em www.dgsi.pt], após enunciar a “jurisprudência do STJ, norteada por critérios de proporcionalidade e de razoabilidade e rejeitando abordagens desta problemática de raiz essencialmente formal” – como nele se refere, consolidada, entre outros, nos acórdãos de 13.01.2022 [Proc. nº 417/18.4T8PNF.P1.S1], 27.10.2021 [Proc. n.º 1372/19.9T8VFR.P1-A.S1], de 14.07.2021 [Proc. n.º 19035/17.8T8PRT.P1.S1], de 19-05-2021 [Proc. n.º 4925/17.6T8OAZ.P1.S1] e de 14.01.2021 [Proc. nº 1121/13.5TVLSB.L2.S1] – sintetiza no respectivo sumário o entendimento seguinte:
I - As implicações das falhas evidenciadas no plano do cumprimento dos ónus de alegação previstos no art. 640.º, do CPC, avaliam-se em função das circunstâncias de cada caso concreto, tendo em conta, nomeadamente, o número de factos impugnados, o número e a conexão existente entre os factos integrantes de cada “bloco”, o número e a extensão dos meios de prova, a maior ou menor precisão na indicação dos meios de prova e na formulação das pretendidas alternativas decisórias e o grau de clareza com que tenham sido expostas as razões subjacentes ao peticionado, razões que devem ser nitidamente percecionáveis, pois não é suposto que o tribunal da Relação se dedique à descoberta de motivos e raciocínio não explicitados claramente.
II - Impugnar uma decisão significa refutar as premissas e os motivos que lhe subjazem, contrapondo-lhe um pensamento (racionalidade) alternativo, que não dispensa a justificação das afirmações e a expressão de argumentos (tendentes a demonstrar a bondade dos motivos apresentados como sendo “bons motivos”).
III - Independentemente das exigências especificamente contidas no art. 640.º, do CPC, o recorrente – em qualquer recurso – não pode dispensar-se de claramente explicitar os “fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão” (art. 639.º, n.º 1, do mesmo diploma), resultando da articulação destas disposições legais que o recorrente é onerado com imposições (de motivação) situadas em dois planos que, sendo complementares, têm natureza diversa: i) por um lado, impõe-se-lhe a precisa delimitação do objeto do recurso; ii) por outro lado, exige-se-lhe a efetiva e clara compreensibilidade das razões em que assenta o recurso, por forma a que na sua apreciação o tribunal não se confronte com dificuldades desmesuradas, nem demore tempo excessivo.
Atentos os princípios enunciados, cabe verificar se algo obsta à apreciação da impugnação.
No que concerne às conclusões, cumprem o que se entende exigível, ou seja, delas decorre quais os factos objecto de impugnação, nomeadamente, 1 a 6, da matéria não provada, bem como as alterações que pretende sejam efectuadas, em concreto, que sejam considerados provados.
Quanto ao mais, a recorrente indica os meios de prova que no seu entender justificam a alteração da matéria de facto no sentido propugnado, quando assentes em prova testemunhal ou nas declarações de parte do seu gerente indicando a localização dos extractos que invoca nos tempos de gravação, acrescendo que apresenta as razões tendo em vista justificar a sua posição.
Nada obsta, pois, ao conhecimento da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
II.3.2 A recorrente Ré começa por colocar em causa a decisão sobre a matéria de facto quanto aos pontos não provados 1 a 4, onde se lê o seguinte:
1) Em 2017, o volume de prémios de seguros cobrados pela ré foi de €18.729.000; em 2018, de €19.163.000 e em 2019 de €19.328.000.
2) Em 2020, a ré registou, no final do primeiro semestre, um total de prémios imputados ao exercício de €9.211.000, o que, a manter-se assim até ao final do ano, representaria uma descida de 9,4% em relação ao ano anterior e traduzir-se-ia num valor final inferior aos valores de 2017.
3) Em 2017 a sinistralidade foi de 40,53%, em 2018 de 52,22% e em 2019 de 87,15%.
4) A taxa de sinistralidade era, aquando do despedimento da autora, de 118,34%.
Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, quanto a estes pontos não provados, o Tribunal a quo justificou a sua convicção conforme segue:
[..]
Quanto à factualidade dada como não provada em 1) a 4), pese embora, como acima se referiu, no geral, o tribunal tenha ficado convencido com base no depoimento das testemunhas acima referidas, do que consta em L) e M), a verdade é que o mesmo já não acontece quanto àqueles números em concreto.
De facto, apesar de a testemunha BB ter feito referência aos mesmos, a verdade é que se me afigura que se revelava essencial para dar aquela factualidade como provada a junção de documento que os atestasse o que não seria difícil para a ré.
[..]».
Discorda a recorrente, alegando o seguinte:
- A prova dos valores constantes nos pontos 1) a 4) dos factos não provados não carece obrigatoriamente de ser feita através de prova documental e se fosse necessária a recorrida poderia ter solicitado a junção de prova documental, o que não fez.
- A recorrida não fez prova, ainda que testemunhal, da falta de veracidade destes factos;
- A testemunha BB, o Responsável pela área financeira da Recorrente, foi perfeitamente claro no depoimento que prestou a este respeito, tendo confirmado tais valores com suporte a documentos internos da Recorrente.
- A testemunha CC, referiu-se a esta matéria.
- Também o Dr. DD, nas declarações de parte, referiu esta matéria.
Contrapõe a recorrida que numa acção de impugnação judicial do despedimento, o ónus de alegar e provar os factos que estiveram na base do despedimento recai sobre o empregador, tal como resulta das disposições combinadas dos artigos 342.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil e 387.º, n.º 3 do Código do Trabalho. E, o princípio da autoresponsabilidade das partes, em conexão com o princípio do dispositivo, implica que, competindo às partes a iniciativa de conduzir o processo, ao Tribunal não cumpre a obrigação de suprir a sua negligência.
Mais refere, que a recorrente não juntou aos autos, documentos oficiais da contabilidade da empresa e só a testemunha BB fez referência a números e percentagens, mas socorrendo-se de um documento que trouxe consigo, nem sequer exibido ao Tribunal nem à recorrida. A prova da contabilidade de uma empresa faz-se através relatório de atividades e contas, documento, este, com dignidade própria, porquanto certificado por entidade com formação e certificação próprias, um Revisor Oficial de Contas.
Vejamos então.
Quanto ao primeiro argumento, é certo que a lei processual não exige que a prova desta matéria tenha obrigatoriamente de ser feita através de prova documental. Mas o ponto não é esse, antes se reconduzindo à questão de saber quando é que existe prova suficiente e idónea para formar no julgador a convicção de que determinado facto está provado.
No rigor das coisas, o que a recorrente põe em causa é a correcção do juízo de livre convicção formado pela Senhora Juíza, ao considerar que o testemunho se BB não era suficiente para se considerarem provados os factos em causa. Daí que se imponham algumas considerações prévias.
Como regra, o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (art.º 607.º n.º 5, CPC). Pode dizer-se ser pacificamente entendido, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, que a livre apreciação da prova não consente que o julgador forme a sua convicção arbitrariamente, antes lhe impondo um processo de valoração racional, dirigido à formação de um prudente juízo crítico global, o qual deve assentar na ponderação conjugada dos diversos meios de prova, aferidos segundo regras da experiência, atendendo aos princípios de racionalidade lógica e considerando as circunstâncias do caso.
O resultado desse processo deve ter respaldo na prova produzida e tal deve decorrer, em termos suficientemente claros e objectivos, da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
Esse resultado não pressupõe uma certeza absoluta, que seria praticamente inatingível na demanda pela reconstituição de uma determinada realidade passada, objectivo da produção e julgamento da prova. Como elucidam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. A prova “assenta na certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no (alto) grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida” [Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 436].
Essa certeza subjectiva, com alto grau de probabilidade, há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica. Se pelo contrário, existir insuficiência, contradição ou incoerência entre os meios de prova produzidos, ou mesmo se o sentido da prova produzida se apresentar como irrazoável ou ilógico, então haverá uma dúvida séria e incontornável quanto à probabilidade dos factos em causa serem certos, obstando a que se considere o facto provado.
Daí que, a questão colocada é a de saber se a prova testemunhal era suficiente para considerar provados aqueles factos, adiantando-se já, para que fique devidamente assinalado, que contrariamente ao que refere a recorrente, não houve qualquer “unanimidade” das testemunhas, nem podia haver quanto a esta matéria, dado que como refere o Tribunal a quo, quanto aquela matéria especifica, em que se afirmam valores em euros e percentagens, a única testemunha que referiu números foi o Senhor BB. Acresce, como observa a recorrida, que socorrendo-se de um documento que consultou, mas que nem se sabe qual o seu conteúdo, bem podendo ser um mero apontamento para responder ao que lhe iria ser perguntado.
Ora, o que está em causa naqueles factos, não é mais nem menos do que parte da fundamentação invocada pela recorrente, no documento 1 anexo à carta (facto C1), para justificar a extinção do posto de trabalho por motivos económicos e estruturais. Justamente por isso, o ónus de prova, como de resto a recorrente expressamente reconhece, recaía sobre si, não tendo qualquer cabimento vir do mesmo passo procurar contornar esse dever alegando que a recorrida poderia ter solicitado a junção de prova documental.
Com o devido respeito, bem sabendo a recorrente que o ónus de prova recai sobre si e não podendo ignorar a relevância que essa matéria tem para aferir da licitude do julgamento, não se percebe qual a razão que a levou a não diligenciar pela junção de prova idónea e adequada, por exemplo, como refere a recorrida, os relatórios de actividade e contas.
Para além disso, não tem cabimento, em termos das regras de repartição do ónus da prova (art.º 342.º CC), pretender a recorrente que aquela matéria deve ser dada como provada, em razão da recorrida autora não ter feito prova “ainda que testemunhal, da falta de veracidade destes factos”. A recorrida só teria que fazer prova de matéria que alegasse em defesa por excepção, que não é o caso (art.º 342.º /2, do CC), ou para ilidir uma presunção legal [art.º 344.º/1, do CC], o que também está aqui em causa.
Atentando no testemunho de BB, perguntado se “Tem noção dos números e se vinha aumentando ou não?”, começou por dizer, “Eu tenho aqui os números se os quiser … se eu os puder consultar …”, a partir daí, suportando-se no documento que trouxera, indo sucessivamente referindo o seguinte:
-Portanto, nós, fazendo aqui o exercício para anos com exercícios completos … Nós em 2017 fechámos o ano com um total de faturação de 18.729.000. Em 2018, 18.163.000, ou melhor, 19.163.000. Em 2019, 19.328.000. 2020, fechámos o ano com 17.696.000 euros de faturação.
- São de 8% em relação ao … ao período homólogo do ano … portanto, do período homólogo. Se nos reportarmos à data do … do … em que foi encetado o processo e aqui apenas comparando aqui o exercício de 19 com 20, nós tínhamos em … no primeiro semestre de 2019, 10.165.000 de faturação e no mesmo período de 2020, portanto 6 meses, tínhamos 9.200.000 euros de faturação. Uma quebra de 9%.
- Os nossos resultados há pouco disse, nós fechámos o exercício de dois mil … 2020 com um resultado … 2.396.000 negativos … Quando em 2019 tinham sido dois milhões positivos. Dois milhões de resultado em 2019 e fechámos exercício em Portugal (…) com 2.356.000 de resultado negativo.
Pois bem, se assim foi e tudo isso que afirmou resulta de dados concretos, com natureza contabilística e da respectiva análise, que para os enumerar teve que socorrer-se de um escrito, então porque razão não juntou a Recorrente, desde o início, a prova documental que entendesse ser idónea e suficiente para demonstrar esses resultados do seu exercício?
Mas não só. Note-se que se com o recurso ao documento a testemunha referiu os dados numéricos constates dos factos 1 e 2, já assim não acontece quanto aos factos 3 e 4, nada tendo referido a esse propósito. Basta confrontar o que foi testemunhado e o teor dos factos.
Mas voltando à prova produzida, como já se disse, contrariamente ao que afirma a recorrente, nem a testemunha CC, nem tão pouco o legal representante da Ré DD, se referiram a esta matéria, concretizando os números/valores referidos naqueles factos. Senão veja-se.
CC referiu, no essencial, que a empresa teve “um pequeno índice de crescimento nos primeiros meses do ano (de 2019), mas que chegaram a “ junho ou julho com cento e qualquer coisa porcento de sinistralidade, taxa de sinistralidade”, depois explicando que “as taxas de sinistralidade não … não tem a ver com o … propriamente o número de sinistros, aliás, não tem … não tem a ver … não é determinado pelo número de processos, mas sim pela circunstância de número de prémios pago, do montante de prémios pagos versus o montante declarado ou reclamado pelos segurados”.
Por seu turno, DD referiu, no essencial do extracto invocado, o seguinte:
- “2019 também o foi (ano interessante), mas no final do ano, no último trimestre de 2019, nós começamos a verificar através dos dados próprios que fomos recebendo dos nossos clientes hum..., que, digamos, a economia estava a mudar e que estávamos num… a começar um ciclo de…, de crescimento de insolvências, de morosidade…. Só para ter uma ideia, nós em 2018 devíamos ter fechado o ano com 65% de sinistralidade, em 2019 fechamos já com 88%, mais coisa, menos coisa, de sinistralidade.
- [..] passamos o ano para 2020. Começamos o ano com a sinistralidade sempre crescente, sempre crescente e apareceu aquilo que todos conhecemos…, apareceu a pandemia, que, no setor segurador de crédito, desse mês de…, nesse fatídico mês de março de 2020, caiu como se fosse uma bomba, digamos assim. Porque em função…, em função do confinamento que foi, digamos, imposto e tudo isso, o que era expectável para nós era que… o ano, ou melhor, essa sinistralidade e essa morosidade, hum…, aumentasse significativamente por via dos incumprimentos que iriam ser…, digamos, que iriam ter consequência nessa situação.
- Tanto que nós chegamos ao final de junho…, junho de 2020 e nós já íamos com uma sinistralidade próxima dos 120%, mais concretamente 118, se não me falha a memória».
Neste quadro, não vimos razões para discordar da convicção do Tribunal a quo. A única prova produzida quanto a esta matéria foi aquele testemunho, produzido com recurso a um escrito de apoio e, como se disse, nem sequer abrangendo dois dos factos. Atenta a natureza e o conteúdo dos factos em causa, esse testemunho não é suficiente para formar o grau de certeza subjectiva, quanto à probabilidade de tais factos – valores contabilísticos de actividade e percentagens - corresponderem à realidade, para se considerarem provados. Existe, pois, uma dúvida séria que obsta a que se considere provada essa matéria.
Concluindo, não se reconhece razão à recorrente, nesta parte improcedendo a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
II.3.3 Segue-se a impugnação dirigida aos factos não provados 5 e 6, onde se lê:
5) A ré não dispõe, na sua estrutura, de qualquer outro posto de trabalho a que possa afetar a atividade da autora e que seja compatível com a sua categoria profissional.
6) Apesar de terem a mesma categoria profissional, as funções desempenhadas pela autora e EE são diferentes:
- a autora exerce funções de técnica administrativa financeira, ocupando-se da gestão de tesouraria e do controlo de gestão, e - EE exerce funções de assistente de administração, que consistem, essencialmente, na contabilização dos movimentos económicos, na gestão dos valores pendentes e liquidação de sinistros e no contacto com os segurados para os pagamentos, emissão de recibos e esclarecimento de dúvidas.
Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, pronunciando-se quanto a estes dois pontos, o Tribunal a quo refere o seguinte:
-«Quanto aos pontos 5) e 6) – esclarecendo-se que o referido em 5) foi dado como [não] provado em face da não prova do ponto 6) – não ficou o tribunal convencido, com segurança, de que o essencial das funções exercidas pelo autor e por EE não fosse o mesmo.
O teor dos respectivos contratos de trabalho juntos aos autos, desde logo, aponta para a conclusão de que as funções exercidas eram as mesmas.
O mesmo se diga quanto à retribuição que ambos recebiam, que, como resulta dos recibos juntos aos autos, era a mesma.
É certo que se mostram juntas aos autos pela ré duas descrições de funções de “Técnico Administrativo Financeiro” e Administrativo Administración” que a ré imputa a cada um dos trabalhadores, mas a verdade é que do depoimento das testemunhas não resultou clara essa autonomização de funções.
A testemunha BB e o representante da ré trouxeram aos autos a versão de que à autora estava destinado um conjunto de tarefas, de carácter menos administrativo do que as atribuídas ao colega EE, mas que a autora, no ano em que trabalhou na ré, esteve em formação e, por isso, exercia as tarefas atribuídas a EE.
Ora, pese embora a especificidade dos seguros a que a ré se dedica, a verdade é que estamos a falar de alguém que lida com pagamentos, movimentos contabilísticos, etc. e não com a análise dos produtos – seguros e resseguros – ou mesmo dos sinistros, pelo que não se me afigurou minimamente condicente com as regras da normalidade que a autora estivesse há um ano em formação.
De resto, a testemunha BB, não obstante reiterar no seu depoimento a tese da formação, não soube precisar quais as tarefas próprias da autora e as do EE, contradizendo-se no seu depoimento.
A testemunha EE, tendo feito alusão ao facto de autora ter estado em formação, não referiu um período tão longo, e admitiu que a autora também exercia algumas das funções referidas em 6) dos factos provados.
Finalmente, a testemunha FF, limitou-se a referir que tinha ideia que as funções da autora eram mais técnicas do que as do colega EE, mas não soube concretizar as funções de cada um.
Por último, diga-se que os documentos juntos pela ré também não corroboram a invocada autonomização de funções. Pelo contrário, dos mesmos resulta que a autora geria valores pendentes, esclarecia dúvidas, emitia e enviava recibos (ver, por exemplo, os emails de 10 e 20/01/20, 30/06/20, 8, 9, 10, 13 e 14/07/20)».
Começaremos por assinalar que a recorrente não atendeu a toda esta fundamentação, que como se vê faz referência a vários meios de prova que foram conjugados, dizendo que o Tribunal a quo referiu «(..) em suma, que “Quanto aos pontos 5) e 6) – esclarecendo-se que o referido em 5) foi dado como provado em face da não prova do ponto 6) – não ficou o tribunal convencido, com segurança, de que o essencial das funções exercidas pela autora e por EE não fosse o mesmo” e, mais adiante, que consta na sentença que “a testemunha EE, tendo feito alusão ao facto de Recorrida ter estado em formação, não referiu um período tão longo, e admitiu que a Recorrida também exercia algumas das funções referidas em 6) dos factos provados.”.
Ou seja, a recorrente não tem em conta que o Tribunal a quo afirma ter formado a sua convicção atendendo a um leque de provas e não apenas com base no testemunho de testemunha EE, único meio de prova que ela vem invocar para pôr em causa a decisão. Certo é, que da fundamentação resulta claro que para apurar se esses factos deveriam considerar-se provados, ou não, o Tribunal a quo conjugou toda a prova relevante que menciona, nomeadamente, o conteúdo dos contratos de trabalho, a retribuição que a autora e a testemunha recebiam, o depoimento das testemunhas BB, EE e FF, bem como os documentos juntos pela Ré, designadamente os e-mail que são referidos e em que medida foram considerados.
Os outros argumentos que a recorrente usa, além de que o Tribunal a quo desvalorizou o testemunho de EE, quando na sua perspectiva dele “resulta claro que este e a Recorrida tinham funções diferentes”, são os seguintes:
- «não se entende a conclusão a que o tribunal chegou de que o ponto 5 é dado como não provado por o ponto 6 não o ter sido (!?) [.. ] uma situação não impede a outra [..];
- «a Recorrente alegou tal situação e não se provou o contrário, ou seja, não resulta da prova testemunhal ou documental que a Recorrente tivesse outro posto disponível ao qual pudesse alocar a Recorrida»;
- A demonstrar isso, está o facto de a Recorrente não ter contratado qualquer outra pessoa para substituir a Recorrida ou para exercer funções no departamento financeiro».
- «resultou provado no ponto S) que não existia, nem existe na ré para o posto de trabalho ocupado pela autora qualquer trabalhador com contrato de trabalho a termo certo ou incerto».
- « (..) está aqui em causa o princípio do ónus da prova. A Recorrente alega, faz prova do facto e nenhuma outra prova é feita em contrário, logo, o Tribunal deve necessariamente dar como provado tal facto, considerando que o mesmo não foi contraditado – neste caso simplesmente não existe prova da existência de outro posto».
Contrapõe a recorrida que o Tribunal a quo julgou bem os factos não provados 5 e 6, por não ter sido produzida prova, documental ou testemunhal, que os corroborasse. Contrariamente, ficou demonstrado, pelos depoimentos das testemunhas arroladas pela recorrente, que a recorrida e o seu colega, EE, tinham exactamente as mesmas funções. Sendo de registar o facto de as testemunhas BB, EE e DD terem desenvolvido, nos seus depoimentos e declarações, uma teoria – nunca antes invocada/alegada nos autos – de que a recorrida, aquando da decisão do seu despedimento, ainda estaria em formação. Dos depoimentos das testemunhas BB, EE, FF e das declarações do legal representante da recorrente, DD, ficou esclarecido que as tarefas executadas por estes dois colaboradores – recorrida e EE – eram exactamente as mesmas, diferenciando-se, apenas, no âmbito em que estas eram efectuadas: a recorrida geria a carteira de crédito e a testemunha EE geria a carteira de caução.
Pugna pela improcedência da impugnação.
No que respeita ao primeiro argumento da recorrente, admite-se que o Tribunal a quo deveria ter sido mais claro na explicação do seu raciocínio. Porém, tal não obsta a que se alcancem as razões subjacentes a ter considerado não provado o ponto 5, desde que contextualize o seu conteúdo, atendendo à matéria controvertida vista globalmente, para se perceber que os dois pontos em causa estão interligados entre si.
Com efeito, há que ter presente que a Ré justificou a decisão de extinguir o posto de trabalho da autora com os fundamentos constantes da carta e dos documentos 1 e 2, do primeiro constando afirmada a “necessidade de proceder à extinção de um posto de trabalho justificada por motivos de mercado e estruturais”, passando o processo de reestruturação pela “extinção de situações que são desnecessárias”, que a função [da trabalhadora autora] de Especialista Operacional, com funções de técnica Administrativa Financeira no Departamento Financeiro é uma delas”, para depois no doc. 2, parte final, após referir as funções da autora e as de EE – nos termos que constam no facto não provado 6, afirmar que “ As funções desempenhadas pela Senhora AA (..) constituem um posto único, não existindo qualquer outro trabalhador que exerça funções num posto de trabalho de conteúdo funcional ao seu”.
Crê-se, assim, que o Tribunal a quo, não tendo ficado “convencido, com segurança, de que o essencial das funções exercidas pelo autor e por EE não fosse o mesmo”, ou seja, que afinal as funções da A. não constituíam “um posto único, não existindo qualquer outro trabalhador que exerça funções num posto de trabalho de conteúdo funcional ao seu” - como afirmou a Ré naquele documento-, não podia dar como provado o ponto 5, isto é, excluir a possibilidade daquela não dispor na sua estrutura, de qualquer outro posto de trabalho a que possa afectar a actividade da autora e que seja compatível com a sua categoria profissional. Dito de outro modo, se a autora e EE partilhavam o essencial das funções, pelo menos aquele núcleo de funções essencial, comum a ambos, mantinha-se e traduzia-se num posto de trabalho, tanto podendo ser preenchido por um como pelo outro.
Quanto ao segundo argumento, ou seja, não se ter provado o contrário, não é válido. Não se ter provado o contrário de um facto alegado, não significa que este deva ser considerado provado, como se fosse uma decorrência necessária. São realidades distintas e tal traduzir-se-ia numa inversão do ónus de prova, em violação do disposto nas regras estabelecidas no art.º 342.º do CC. Recaindo sobre a Ré, a quem cabe demonstrar os fundamentos da extinção do posto de trabalho, o ónus de alegação e prova dos mesmos (art.º342.º do CC), não lhe basta que não se prove o contrário para garantir a prova de um facto, antes lhe incumbido a sua demonstração com prova idónea e suficiente.
Passando ao argumento seguinte - “A demonstrar isso, está o facto de a Recorrente não ter contratado qualquer outra pessoa para substituir a Recorrida ou para exercer funções no departamento financeiro” -, diga-se, desde já, nem sequer devia ter sido invocado. Com efeito, a recorrente está a fazer apelo a matéria não alegada nem provada, por essa razão não podendo ser invocada.
Avançando. O argumento seguinte, ou seja, estar provado no ponto S «(..) que não existia, nem existe na ré para o posto de trabalho ocupado pela autora qualquer trabalhador com contrato de trabalho a termo certo ou incerto», está prejudicado por se ter eliminado esse facto, nada mais cumprindo dizer.
No último destes argumentos, alega a recorrente que « (..) está aqui em causa o princípio do ónus da prova. A Recorrente alega, faz prova do facto e nenhuma outra prova é feita em contrário, logo, o Tribunal deve necessariamente dar como provado tal facto, considerando que o mesmo não foi contraditado – neste caso simplesmente não existe prova da existência de outro posto».
Já acima nos pronunciámos sobre este argumento, dado a recorrente já o ter usado por duas vezes, remetendo-se para o que referimos, suficiente e a adequado a dar-lhe resposta também aqui.
Atentando agora no testemunho de EE, relembra-se que o Tribunal a quo deu o facto como não provado atendendo ao conjunto de provas que refere, sobre as quais nada diz a recorrente, designadamente, para pôr em causa a consideração dos mesmos ou o que sobre eles é referido na fundamentação. Daí que, a menos que o Tribunal a quo tivesse interpretado mal este testemunho, a que também se refere na fundamentação, não se veja, em princípio, que possam perfilar-se razões para este Tribunal de recurso forme uma convicção própria diferente da 1.ª instância.
Não obstante, não deixaremos de atentar no que alega a recorrente. Sustentada exclusivamente nos extractos do testemunho que transcreve, a recorrente conclui, em primeiro lugar, o seguinte:
- -«Lê-se na douta sentença recorrida que “a testemunha EE, tendo feito alusão ao facto de Recorrida ter estado em formação, não referiu um período tão longo, e admitiu que a Recorrida também exercia algumas das funções referidas em 6) dos factos provados.” Ora, parece-nos que jamais se poderá concluir que o posto de trabalho da Recorrida e do Sr. EE é o mesmo apenas pelo facto de aquela exercer algumas das funções do Sr. EE».
Pois bem, é certo que o tribunal a quo refere que a testemunha EE “admitiu que a recorrida também exercia algum das funções referidas em 6 dos factos [não] provados”. Mas como já se referiu no início da apreciação deste ponto, contrariamente ao que sugere a alegação da recorrente, o Tribunal a quo deu o facto como não provado atendendo a toda a prova que refere, nela contando-se este testemunho, mas não apenas com base nele. De resto, tal resulta claro logo do início da fundamentação na parte em que se refere a estes pontos, começando o Tribunal a quo por dizer que “não ficou [o tribunal convencido], com segurança, de que o essencial das funções exercidas pelo autor e por EE não fosse o mesmo”, depois passando a enunciar os vários meios de prova que, ponderados conjugadamente, conduziram a esse juízo.
Numa segunda conclusão, diz depois a recorrente que “Ficou, igualmente, claro que a Recorrida estava ainda em fase de formação, no sentido estar a inteirar-se de todos os procedimentos vigentes na Recorrente e da especificidade da matéria dos seguros da Recorrente”. Diga-se, desde já, que como bem observa a recorrida, na comunicação da intenção de despedimento e documentos juntos não consta de todo que a trabalhadora estivesse ainda em formação e, como parece óbvio, não seria facto que pudesse deixar de ser referido. O que a recorrente mencionou, sendo essa a matéria objecto de prova, é que “ As funções desempenhadas pela Senhora AA (..) constituem um posto único, não existindo qualquer outro trabalhador que exerça funções num posto de trabalho de conteúdo funcional ao seu”, e que ela exercia funções de técnica administrativa financeira, ocupando-se da gestão de tesouraria e do controlo de gestão, ou seja, o que consta do facto 6 não provado.
De referir, ainda, que o tribunal a quo rejeitou claramente essa alegada situação de formanda da autora, referida no julgamento pela testemunha BB e pelo representante da ré. Referindo-se-lhes na fundamentação, diz o Tribunal a quo que “[..] trouxeram aos autos a versão de que à autora estava destinado um conjunto de tarefas, de carácter menos administrativo do que as atribuídas ao colega EE, mas que a autora, no ano em que trabalhou na ré, esteve em formação e, por isso, exercia as tarefas atribuídas a EE”, depois prosseguindo, dizendo o seguinte:
Ora, pese embora a especificidade dos seguros a que a ré se dedica, a verdade é que estamos a falar de alguém que lida com pagamentos, movimentos contabilísticos, etc. e não com a análise dos produtos – seguros e resseguros – ou mesmo dos sinistros, pelo que não se me afigurou minimamente condicente com as regras da normalidade que a autora estivesse há um ano em formação.
De resto, a testemunha BB, não obstante reiterar no seu depoimento a tese da formação, não soube precisar quais as tarefas próprias da autora e as do EE, contradizendo-se no seu depoimento.
A testemunha EE, tendo feito alusão ao facto de autora ter estado em formação, não referiu um período tão longo, [..]».
É com base nestas considerações, sustentadas exclusivamente num único meio de prova, que a recorrente defende que “outra conclusão não poderia a Meritíssima Juiz a quo retirar que não fosse a de considerar provado o ponto 6) dos factos não provados”.
Porém, como resulta do que se vem dizendo, sem fundamento suficiente para que lhe assista razão.
Assim, também quanto a estes pontos não provados improcede a impugnação.

II.4 Motivação de direito
A recorrente impugna a sentença por alegado erro de direito na aplicação do direito aos factos, com os argumentos constantes das conclusões XXIV e segts.
No que aqui releva, na parte da fundamentação da sentença que respeita à aplicação do direito, consta o seguinte:
-«[..]
Não tendo sido apontadas quaisquer falhas processuais ao procedimento e decisão de despedimento, apreciemos então da (i)licitude substancial do despedimento.
A extinção do posto de trabalho por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos relativos à empresa, constitui uma modalidade de despedimento individual fundado em causa objectiva - artigo 367.° do C. do Trabalho.
Por remissão para o artigo 359º do C. Trabalho, tais motivos podem ser:
a) motivos de mercado – a redução da actividade da empresa provocada pela diminuição previsível da procura de bens ou serviços ou impossibilidade superveniente, prática ou legal, de colocar esses bens ou serviços no mercado;
b) motivos estruturais – desequilíbrio económico-financeiro, mudança de actividade, reestruturação da organização ou substituição de produtos dominantes;
c) motivos tecnológicos – alteração nas técnicas ou processos de fabrico, automatização dos instrumentos de produção, de controlo ou de movimentação de cargas, bem como informatização de serviços ou automatização de meios de comunicação.
É, ainda, necessário que, cumulativamente: (a) os motivos invocados não sejam devidos a culpa do empregador ou do trabalhador; (b) seja praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho; (c) não se verifique a existência de contratos de trabalho a termo para as tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto; e (d) a extinção do posto de trabalho não seja subsumível a uma situação de despedimento colectivo - cfr. o art. 368º, n.º 1 do C. do Trabalho.
A lei estabelece, ainda, uma série de formalismos a que esta modalidade de despedimento tem de obedecer – cfr. artigos 369º, nº 1, 370º, nºs 1 e 2 e 371.º, nºs 1, 2 e 3 do C. Trabalho – requisitos estes cuja violação não foi invocada nestes autos, pelo que não releva aqui dissertar sobre os mesmos.
Estando reunidos todos os requisitos a que alude o artigo 368.º, n.º 1, estabelece o nº 2 deste artigo a ordem de critérios a observar pelo empregador para apurar qual o concreto posto de trabalho a extinguir, nas situações em que na empresa exista uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico na mesma secção ou estrutura equivalente, que são por ordem decrescente:
a) Pior avaliação de desempenho, com parâmetros previamente conhecidos pelo trabalhador;
b) Menores habilitações académicas e profissionais;
c) Maior onerosidade pela manutenção do vínculo laboral do trabalhador para a empresa;
d) Menor experiência na função;
e) Menor antiguidade na empresa.
Cabe ao empregador o ónus da prova dos factos justificativos do despedimento e que se consideram susceptíveis de determinar a impossibilidade da subsistência da relação de trabalho, factos estes que estão restringidos aos invocados na decisão de despedimento (cfr. artigos 342º nºs 1 e 2 do Código Civil e 387º, nº 3 do C. Trabalho).
No caso dos autos, em face do teor da decisão de despedimento a ré invocou motivos de mercado e estruturais.
Como vem sendo entendido de forma uniforme, quer na doutrina, quer na jurisprudência, o controle do tribunal deve incidir sobre a veracidade dos factos motivadores do despedimento e não tanto sobre o acerto e conveniência dos critérios de gestão utilizados, não cabendo ao tribunal apreciar, sem mais, da bondade da decisão gestionária.
Assim, como refere Bernardo Lobo Xavier (Curso de Direito do Trabalho, Verbo, pág. 519), “o tribunal pode e deve controlar a existência de uma decisão de gestão fundada nos motivos alegados (ainda que, porventura, meramente virtuais, em função de uma previsão da evolução estrutural da empresa ou de mercado), mas com limites prudentes e que, na esteira da doutrina alemã, só o leve a anular decisões manifestamente irrazoáveis ou arbitrárias, com rebuscadas e imaginosas motivações, ou com vantagens absolutamente desprezíveis. Se o gestor deve preparar uma solução optimizada no emprego de recursos, não se poderá esquecer que enquanto previsão ela será muitas vezes criticável, susceptível de alternativas ou até desmentida pela prática. Mas, a não ser nos casos de gestão patentemente desrazoável, deverá o tribunal considerar ilícitos os despedimentos fundados numa classificação de gestão de recursos humanos que depois se (venha a) revelar desajustada? Pensamos que tal não poderá fundar um juízo de inexistência. Porventura poderia haver aqui um juízo de improcedência, mas esse conceito apenas é aplicável para os despedimentos colectivos. (...) Julgamos que o controlo da adequação na decisão de extinção de um posto de trabalho não poderá exceder um juízo prima facie sobre a decisão empresarial, em termos de afastar redimensionamentos por motivos fúteis ou de desprezível significado económico”.
Igualmente Monteiro Fernandes que, de forma impressiva, afirma “O “momento” decisivo, sob o ponto de vista do regime do despedimento – isto é, da sua motivação relevante – parece localizar-se, não no feixe de ponderações técnico-económicas ou gestionárias a que alude o art. 397.º/2 (e que são cobertas pela liberdade de iniciativa do titular da empresa), mas a jusante daquele, no facto da extinção do posto de trabalho, produto de uma decisão do empregador, e nesse outro facto que é a constatação da inexistência de função alternativa para o trabalhador que o ocupava – constatação essa também suportada, em certa medida, pelo critério organizacional do empregador.
(…) a apreciação da justa causa reveste-se aqui de importantes particularidades.
Ela incidirá [...] no nexo sequencial estabelecido entre a extinção do posto de trabalho e a decisão de extinguir o contrato, tendo de permeio o insucesso de diligências tendentes à recolocação do trabalhador. É em relação a esse nexo e a cada um dos seus elementos que deve fazer-se a verificação dos requisitos fundamentais do artigo 368º/1, em especial a da impossibilidade prática da subsistência da relação de trabalho” (“Direito do Trabalho”, 15ª edição, pág. 628-629).
Como se lê no Acórdão da Relação do Porto de 11/04/2018 (disponível em www.dgsi.pt), “não compete ao julgador (Tribunal), substituindo-se à entidade empregadora, envergando as vestes de gestor, impor àquela a decisão que, na sua perspetiva (seguindo os seus critérios pessoais), deveria ter sido tomada em termos empresariais, existindo antes, diversamente, sem prejuízo de se impor concluir de acordo com um juízo de equidade pela verificação de uma motivação clara e portanto sustentável – ainda, salvaguardando casos de gestão absolutamente inadmissível/grosseiramente errónea, por forma a evitar despedimentos patentemente arbitrários ou fundados em motivos manifestamente falsos ou inconsistentes –, tal como é salientado pela doutrina e jurisprudência, uma ampla margem de decisão, consentida ao empregador, que assume afinal os riscos, suportando também os encargos, da sua empresa”.
Assim, importa que o empregador exponha e demonstre as razões ou motivos que determinaram a extinção do posto de trabalho e do inerente despedimento para que o tribunal possa aferir da efectividade da queda de emprego e da relação entre os motivos invocados e a extinção do posto de trabalho em causa.
Volvendo ao caso dos autos, temos como invocado pela ré, no essencial, a necessidade de reestruturação da empresa por força da pandemia Covid-19, que levou a que a ré visse a necessidade de extinguir o lugar da autora.
Logrou a ré provar que, no ano de 2020, a pandemia levou ao aumento da taxa de sinistralidade em mais de 100% e à diminuição do volume dos prémios cobrados, o que determinou a diminuição dos proveitos da ré.
Tendo em conta a situação da economia nacional e internacional, previu a ré que a taxa de sinistralidade aumentasse ainda mais nos próximos meses ou mesmo anos e a diminuição do investimento e um crescimento do crédito malparado e das insolvências.
Foi neste contexto que a ré decidiu proceder à extinção das funções da autora.
Ora, pese embora o que acima se disse quanto ao facto de não caber ao tribunal apreciar do mérito da decisão empresarial da ré “porque essas decisões - certas ou erradas, boas ou más – competem ao empresário, não sendo susceptíveis de um controlo de mérito externo por órgãos administrativos ou judiciais” – cfr. Pedro Furtado Martins “Cessação do Contrato de Trabalho”, Principia, 4ª edição, pág. 287 – a verdade é que se afigura ao tribunal que os factos dados como provados não permitem sequer sustentar uma decisão.
Na verdade, desconhece o tribunal qual a diminuição concreta dos proveitos da ré. Não se sabe se foi na ordem das centenas, milhares ou milhões de euros.
Ou seja, desconhece o tribunal qual a situação em que a ré se encontrava por causa da pandemia e que poderia ter justificado a sua reestruturação.
Com vista a justificar a extinção de um ou mais postos de trabalho, importa que a empresa demonstre factualmente os motivos que a levaram a fazê-lo, para que o tribunal possa fazer a sua verificação externa.
Em face da factualidade que resultou provada, não é possível ao tribunal concluir sequer pela razoabilidade de fazer cessar um qualquer posto de trabalho.
Por outro lado, e ainda que assim não fosse, como acima vimos, a validade do despedimento depende de se concluir ser praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho do autor, assim se considerando quando o empregador não disponha de posto de trabalho compatível com a categoria profissional do trabalhador – cfr. artigo 368º, nº 1, b) e nº 4 do C. Trabalho.
Como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 30/09/2013 (disponível em www.dgsi.pt) “Se a empregadora não dispõe de outro posto de trabalho compatível com a categoria profissional do trabalhador, nem o trabalhador logrou provar que existiam vagas noutros postos de trabalho, é quanto basta para concluirmos que é praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.
Ora, também quanto a este requisito, não está o mesmo verificado, já que não logrou a ré provar que não dispõe, na sua estrutura, de qualquer outro posto de trabalho a que possa afetar a atividade da autora e que seja compatível com a sua categoria profissional.
Mais. A decisão da ré é totalmente omissa no que à verificação dos critérios estabelecidos no nº 2 do artigo 368º concerne, já que se limita a referir que a autora é a única a exercer funções naquele posto de trabalho, sendo que, como resulta provado, no departamento financeiro existem dois trabalhadores com a categoria profissional de “Especialista Operacional” – a autora e EE, admitido em 24/11/2014.
E se assim é deveria a ré, na decisão de despedimento – como determina o artigo 387º, nº 3 do C. Trabalho - ter comparado um e outro trabalhador com base nos critérios acima descritos para concluir qual dos postos de trabalho deveria extinguir.
Donde se conclui pela ilicitude do despedimento da autora».
Para sustentar a sua discordância, no essencial, alega a recorrente o seguinte:
- Da prova testemunhal que foi produzida, resulta que a Recorrente se encontrava com uma grande redução de actividade e consequente diminuição do seu volume de negócios, situação que justificou o processo de reestruturação iniciado.
- Não foram incumpridos quaisquer requisitos que o Código do Trabalho impõe ao despedimento por extinção do posto de trabalho, quer quanto à selecção dos trabalhadores abrangidos, na medida em que o critério foi o da escolha do único trabalhador que ocupava o posto de trabalho de “Técnica Administrativa Financeira” no Departamento Financeiro, quer quanto aos demais formalismos.
- Ouça-se, ainda, a este respeito o depoimento da testemunha BB, e ainda o depoimento da testemunha EE;
- Resultou evidenciado que a Recorrida não reunia os requisitos, as habilitações profissionais, o grau de especialização e a experiência necessários para assegurar as funções do Sr. EE.
- Por considerar que os postos de trabalho eram distintos, a Recorrente alegou que quanto à selecção dos trabalhadores abrangidos o critério foi o da escolha do único trabalhador que ocupava o posto de trabalho de “Técnica Administrativa Financeira” no Departamento Financeiro;
- Resulta do depoimento do Sr. EE, não contraditado por ninguém, que a Recorrida tem, por ordem de critérios existentes e relevantes, menores habilitações profissionais, menor experiência na função e menor antiguidade na empresa.
- Não sendo aplicável o critério da avaliação de desempenho, por a Recorrida não ter sido avaliada, passou-se para o critério seguinte, apurando-se que ambos têm as mesmas habilitações académicas, mas a Recorrida tem menor habilitações profissionais, já que não tinha qualquer conhecimento da área financeira na vertente dos seguros de crédito.
- Assim, sempre seria forçoso concluir pela escolha da Recorrida como a trabalhadora elegível para a extinção do posto de trabalho.
Defendendo a improcedência do recurso, contrapõe a recorrida que a recorrente falhou na prova de requisitos essenciais para poder recorrer ao despedimento com base em extinção do posto de trabalho, não tendo cumprido, nem logrado provar: (i) Demonstração e prova dos motivos de mercado e estruturais subjacentes à decisão de despedimento por extinção do posto de trabalho da recorrida; (ii) Prova de que a subsistência da relação de trabalho era praticamente impossível; (iii) Verificação/Observância dos critérios estabelecidos no n.º 2 do artigo 368.º do Código de Trabalho; (iv) Comparação entre os dois trabalhadores – recorrida e EE -, com base nos critérios estabelecidos no n.º 2 do artigo 368.º do Código de Trabalho.
Antecipamos já que não assiste razão à recorrente. Como adiante melhor evidenciaremos, a impugnação da sentença na vertente de erro na aplicação do direito estava dependente da alteração da matéria de facto, sendo que nessa parte o recuso improcedeu, mantendo-se o elenco factual fixado, excepto quanto à eliminação do facto provado S, mas sem que tal tenha relevância para a apreciação da questão controvertida.
Mas para além disso, arrumando-se já este ponto, antevendo a possibilidade da impugnação não proceder, a recorrente procura contorná-la, mas indevidamente, visto que vem colocar questões novas, extravasando o que alegou no articulado motivador do despedimento e o conteúdo da carta e documentos 1 e 2, anexos, nomeadamente, procurando fazer passar a ideia de que estabeleceu e seguiu um critério - menores habilitações profissionais, menor experiência na função e menor antiguidade na empresa – que aplicado à trabalhadora e ao seu colega EE, sempre levaria a que fosse “forçoso concluir pela escolha da Recorrida como a trabalhadora elegível para a extinção do posto de trabalho”.
Esta é a tese que resulta das conclusões XXVIII a XXXIV, permitindo-se a recorrida para a sustentar, também à margem das regras básicas processuais a serem observadas no recurso nesta parte em que impugna a sentença por alegado erro de direito, que tem lugar a jusante da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, invocar de novo os testemunhos de BB e EE.
Acresce, que entrando em contradição, pois imediatamente antes daquela construção, na conclusão XXVII, afirma que «o critério foi o da escolha do único trabalhador que ocupava o posto de trabalho de “Técnica Administrativa Financeira” no Departamento Financeiro».
Como se refere na sentença, e bem, “A decisão da ré é totalmente omissa no que à verificação dos critérios estabelecidos no nº 2 do artigo 368º concerne, já que se limita a referir que a autora é a única a exercer funções naquele posto de trabalho, sendo que, como resulta provado, no departamento financeiro existem dois trabalhadores com a categoria profissional de “Especialista Operacional” – a autora e EE, admitido em 24/11/2014”.
Em parte alguma da comunicação, com os anexos 1 e 2, dirigida pela Ré à trabalhadora autora consta que tenha definido qualquer critério para selecção dos trabalhadores a despedir, nomeadamente, como agora quer fazer crer - menores habilitações profissionais, menor experiência na função e menor antiguidade na empresa –, que aplicado à trabalhadora e ao seu colega EE, sempre levaria a que fosse “forçoso concluir pela escolha da Recorrida como a trabalhadora elegível para a extinção do posto de trabalho”.
Como já referimos na fundamentação da apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o que se retira claramente dos documentos que corporizam o procedimento para extinção do posto de trabalho, é que a Ré justificou essa decisão com os fundamentos constantes da carta e dos documentos 1 e 2, do primeiro constando afirmada a “necessidade de proceder à extinção de um posto de trabalho justificada por motivos de mercado e estruturais”, passando o processo de reestruturação pela “extinção de situações que são desnecessárias”, que a função [da trabalhadora autora] de Especialista Operacional, com funções de técnica Administrativa Financeira no Departamento Financeiro é uma delas”, para depois no doc. 2, parte final, após referir as funções da autora e as de EE, afirmar que “ As funções desempenhadas pela Senhora AA (..) constituem um posto único, não existindo qualquer outro trabalhador que exerça funções num posto de trabalho de conteúdo funcional ao seu”.
Trata-se, pois, da introdução de uma questão de direito que não foi submetida à apreciação da 1.ª instância, nem de resto tinha base factual para ser colocada, dado que claramente tal não resulta do procedimento observado no despedimento por extinção do posto de trabalho.
Assim sendo, estamos perante uma questão nova, por essa razão não podendo este tribunal de recurso dela conhecer, como tem sido entendimento corrente da doutrina e da jurisprudência. Apenas nos casos expressamente previstos (cfr. artigo 665º nº 2, 608º, nº 2, in fine, CPC), pode o tribunal superior substituir-se ao tribunal que proferiu a decisão recorrida. Os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (salvo se forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e “dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu” [Cfr. Acórdãos do STJ (disponíveis em www.dgsi.pt): de 22-02-2017, proc.º 519/15.4T8LSB.L1.S1, Conselheiro Ribeiro Cardoso; de 14-05-2015, proc.º 2428/09.1TTLSB.L1.S1, Conselheiro Melo Lima; de 12-09-2013, proc.º 381/12.3TTLSB.L1.S1 e de 11-05-2011, proc.º786/08.4TTVNG.P1.S1, Conselheiro Pinto Hespanhol].
Quanto ao mais, como dissemos, a impugnação da sentença na vertente de erro na aplicação do direito estava dependente da alteração da matéria de facto.
Como refere o Tribunal a quo no caso dos autos, em face do teor da decisão de despedimento a ré invocou motivos de mercado e estruturais”, depois tendo concluído:
«[..] a verdade é que se afigura ao tribunal que os factos dados como provados não permitem sequer sustentar uma decisão.
Na verdade, desconhece o tribunal qual a diminuição concreta dos proveitos da ré. Não se sabe se foi na ordem das centenas, milhares ou milhões de euros.
Ou seja, desconhece o tribunal qual a situação em que a ré se encontrava por causa da pandemia e que poderia ter justificado a sua reestruturação.
Com vista a justificar a extinção de um ou mais postos de trabalho, importa que a empresa demonstre factualmente os motivos que a levaram a fazê-lo, para que o tribunal possa fazer a sua verificação externa.
Em face da factualidade que resultou provada, não é possível ao tribunal concluir sequer pela razoabilidade de fazer cessar um qualquer posto de trabalho».
Foi em face do decidido que a recorrente impugnou os factos não provados 1 a 4, concluindo [conclusão XIII] que “Em face desta alteração, deve igualmente o Tribunal ad quem considerar que estão provados e justificados os motivos económicos e estruturais que justificam o presente processo de extinção de posto de trabalho, [..]».
Mais consta da sentença, logo após aquela conclusão, o seguinte:
Por outro lado, e ainda que assim não fosse, como acima vimos, a validade do despedimento depende de se concluir ser praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho do autor, assim se considerando quando o empregador não disponha de posto de trabalho compatível com a categoria profissional do trabalhador – cfr. artigo 368º, nº 1, b) e nº 4 do C. Trabalho.
Vindo depois a concluir: “Ora, também quanto a este requisito, não está o mesmo verificado, já que não logrou a ré provar que não dispõe, na sua estrutura, de qualquer outro posto de trabalho a que possa afetar a atividade da autora e que seja compatível com a sua categoria profissional».
Decisão que levou a Recorrente a impugnar a decisão sobre a matéria de facto, quanto aos factos não provados 5 e 6, mas sem que tenha visto reconhecida a procedência dos seus fundamentos.
Concluindo, não se reconhece fundamento à recorrente, improcedendo o recurso também na vertente da impugnação da sentença por alegado erro de direito e, logo, devendo a mesma ser confirmada.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em deliberar nos termos seguintes:
a) Julgar improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
b) Julgar improcedente o recurso na vertente da impugnação da decisão na aplicação do direito aos factos, confirmando a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º do CPC).

Porto, 7 de Novembro de 2022
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira