Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
10922/15.9T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DOMINGOS MORAIS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
INCAPACIDADE TEMPORÁRIA
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE NATAL
Nº do Documento: RP2017110910922/15.9T8VNG.P1
Data do Acordão: 09/11/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO(SOCIAL), LIVRO DE REGISTOS N.º260, FLS.230-234)
Área Temática: .
Sumário: I - No âmbito da NLAT, as pensões e indemnizações, independentemente do tipo de incapacidade, incluindo as incapacidades temporárias inferiores a 30 dias, são sempre calculadas com base na retribuição anual ilíquida do sinistrado, que engloba a retribuição mensal vezes 12, acrescida dos subsídios de Natal e de férias, bem como outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.
II - Os artigos 72.º/1 e 3 e 50.º/1 e 2 da NLAT reportam-se ao modo/momento de pagamento das incapacidades temporárias inferiores a 30 dias e não ao seu modo de cálculo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 10922/15.9T8VNG.P1
Origem: Comarca Porto VNGaia Inst. Central 5.ª Sec. Trabalho J1
Relator - Domingos Morais – R 691
Adjuntos: Paula Leal de Carvalho
Rui Penha

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I. – Relatório
1. - B…, sinistrada, sob patrocínio do M. Público, intentou acção especial emergente de acidente de trabalho, na Comarca de PortoVNGaia Inst. Central 5.ª Sec. Trabalho J1, contra:
Companhia de Seguros C…, S.A., actualmente, Seguradoras D…, S.A., alegando, em síntese, que:
“No dia 26 de Novembro de 2015 a A., quando no exercício das suas funções no refeitório do Centro Hospitalar E…, foi vitima de um acidente ocorrido nas seguintes circunstâncias:
Ao manusear um tabuleiro cheio de peixe para ser confeccionado, com o peso de cerca de 3 a 4 Kg, sentiu, súbita, inesperada e repentinamente, como que um estalo no pulso da sua mão esquerda, seguido de intensas e fortes dores.
A A., como consequência necessária e directa desse acidente sofreu “tendinite traumática”.
Terminou, concluindo:
Nestes termos, e ao abrigo do disposto nos artºs 2º, 8º, 23º, 25º, 39º, nº1 e 2, 47º, 48º nº1, 2 e 3, al. c), d) e e), 71º, nº1, 2 e 3, 75º da Lei 98/2009 de 4/09, e nos mais de Direito aplicáveis, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e, por via dela, a Ré condenada a pagar à A., no mínimo, o seguinte:
A - O capital de remição que resultar de uma pensão anual e vitalícia calculada com base no vencimento de €.505,00 X 14 meses = €.7.070,00, e no grau de desvalorização permanente que lhe for atribuído em exame por junta médica, devida desde o dia seguinte àquele em que a mesma junta considere a data em que deve ou devia ser atribuída alta clinica à A.;
B - A titulo de diferença que se encontra na indemnização por ITA, no período compreendido entre 27-11-2015 a 2-12-2015 a importância de €.11,63.
C - Ainda a titulo de indemnização por incapacidade temporária (ITA) no período compreendido entre 4-01 a 2-05 de 2016, a importância de €.2.061,12.
D - A titulo de despesas que a A. efectuou em transportes para se deslocar da sua residência às 60 sessões de fisioterapia no Centro Clinico F… a importância de €.68,35.
E - A quantia de €.10,80 que a A. despendeu igualmente em transportes para se deslocar da sua residência ao INML e a este Tribunal, por ter sido convocada.”.
2. - Citada, a ré seguradora contestou, alegando, em resumo, que, “a Ré aceita a caracterização do presente sinistro como acidente de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões que a Sinistrada apresenta, assim como a transferência da responsabilidade infortunística por acidente de trabalho pela retribuição anual de €7.070,00 (sete mil e setenta euros) auferida pela Sinistrada (€505,00 x 14 meses).
A Ré não aceita liquidar quaisquer quantias a título de transportes reclamadas pela Sinistrada.
A Ré não aceita pagar a quantia reclamada pela Sinistrada a título de diferenças no pagamento das indemnizações pelos períodos de incapacidades temporárias, designadamente a quantia peticionada de €11,63 (onze euros e sessenta e três cêntimos).”.
Concluiu pela sua absolvição.
3. – O Mmo Juiz proferiu o seguinte despacho:
Do teor da contestação apresentada pela R. inferimos que a divergência entre as partes se cinge aos seguintes pontos:
1 - qual a data da consolidação médico-legal das lesões (alta clínica) sofridas pela A. no acidente de trabalho (2/12/2015, como considerou a R., ou 2/05/2016, como reclama a A.)?
2 - se a A. se manteve em ITA de 3/12/2015 a 2/05/2015 (o que lhe daria direito à indemnização suplementar q eu reclama);
3 - qual a IPP de que ficou afetada?
4 - se a indemnização por ITA, quando inferior a 30 dias (como foi a paga pela R.), deve ser calculada tomando por base o vencimento mensal x 12 meses (como calculou a R.) ou x 14 meses, isto é, com inclusão dos subsídios de férias e de natal (como reclama a A.)?
Ora, este último ponto corresponde a uma questão de direito, que não depende da produção de qualquer prova, e os demais são questões de índole médica, que podem e devem ser resolvidas por junta médica.
Como tal e atendendo aos documentos juntos, julgamos estar em condições de poder decidir a causa com mero recurso à junta médica e sem necessidade de produção de prova (designadamente, testemunhal) em audiência de discussão e julgamento.
Termos em que, ao abrigo dos princípios de simplificação e adequação processual – cfr. arts. 6º e 547º do CPC – e caso nenhuma das partes nada tenha fundadamente a opor dentro de 5 dias, se determinará:
- a realização de junta médica para resposta às sobreditas 1ª a 3ª questões (para além dos demais quesitos formulados pelas partes); e, após,
- a prolação de sentença, julgando a causa em conformidade.”.
4. – Realizada a perícia por junta médica, foi proferida sentença:
“(…).
Tendo em conta os factos em que as partes acordaram na tentativa de conciliação, o parecer da junta médica (tomado por unanimidade) e o estatuído na Lei dos Acidentes de Trabalho, decido que a A. não se encontra pois, por efeito do acidente dos autos, afectada de qualquer incapacidade permanente, nem esteve afetada de qualquer incapacidade temporária para além da já indemnizada pela R..
De todo o modo, a indemnização da ITA entre 27/11/2015 e 2/12/2015 foi calculada pela R. com base na retribuição apenas de 505 euros x 12 meses, quando a retribuição transferida pela entidade empregadora era a de 505 euros x 14, num total anual de 7.070 euros. Invocou a R., nesse sentido, que, sendo a incapacidade temporária inferior a 30 dias, não teria de contabilizar os subsídios de férias e de natal, atento o disposto no art. 50º, nº 3, da L.A.T. (Lei nº 98/2009). Contudo e a nosso ver esse preceito legal versa sobre o pagamento dos subsídios de férias e de natal para além da indemnização (por incapacidade temporária) e não sobre a base de cálculo desta, já que para este efeito rege o art. 71º, cujo nº 3 manda incluir aqueles subsídios; neste mesmo sentido, vd. o Ac. do Trib. Rel. Lisboa de 18/05/2016, proc. 5076/15.3T8LSB.Li-4, in www.dgsi.pt..
Condenada vai pois a R. a pagar a quantia de 11,63 euros por diferenças no pagamento da indemnização por ITA.
Nada havendo já a arbitrar por despesas de transporte, dado que as reclamadas são posteriores à data ora fixada como de alta clínica.
Sem custas, dada a isenção da A., sendo no entanto os encargos pela seguradora.”.
5. – A ré seguradora, inconformada, apresentou recurso de apelação, concluindo:
“I. O presente recurso tem por objecto a decisão proferida pelo Tribunal a quo que condenou a Recorrente no pagamento à Recorrida da quantia de €11,63 (onze euros e sessenta e três cêntimos) a título de diferenças no pagamento da indemnização devida pelo período de Incapacidade Temporária Absoluta fixada.
II. A Recorrente já procedeu ao pagamento da indemnização devida à Autora pela totalidade do período de ITA (de 27.11.2015 a 02.12.2015), no montante global de €69,72 (sessenta e nove euros e setenta e dois cêntimos), pelo que nada mais tem a pagar a respeito deste período de ITA determinado.
III. No apuramento da indemnização devida a título de incapacidades temporárias resultantes de um acidente, como sucede nos presentes autos, deverá, pois, ter-se em conta a regra prevista no artigo 50.º da LAT, posto que o mesmo respeita, precisamente, ao modo de fixação de tais incapacidades temporárias (ou permanentes).Significa isto que, numa interpretação à contrario sensu deste normativo legal, não deverá ser incluído no cálculo de tal indemnização os proporcionais de subsídio de férias e de Natal, contanto que a ITA é inferior a 30 dias (no caso dos autos, de 7 dias).
IV. Decidindo o Tribunal a quo em sentido diverso, resulta assim evidente que o cálculo da indemnização pelo período de ITA vertida na douta sentença encerra em si mesmo uma errada interpretação do disposto nos artigos 48.º, n.º 3, 50.º, n.º 3 e 71.º, n.º 3, todos da LAT.
V. Efectivamente, a indemnização devida não deverá, por força do normativo acima citado, ser calculado por referência a 14 meses (com inclusão dos subsídios de férias e de Natal), mas sim a 12 meses.
VI. Pelo que, nada mais tem a Recorrente a pagar à aqui Recorrida a este título, para além da quantia de €69,72 (sessenta e nove euros e setenta e dois cêntimos) oportunamente liquidada, correspondente aos 7 dias de ITA determinados.
VII. Em face do que, impõe-se a revogação da douta sentença e a substituição por outra que, absolvendo a Recorrente do pedido, considere a Recorrida totalmente ressarcida da indemnização pelo período de ITA fixado, sob pena de violação dos artigos 48.º e 50.º da LAT.
Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, julgando procedente o presente recurso e consequentemente:
a) Revogando a douta sentença proferida e substituída por outra que absolva a Recorrente do pedido ou, caso assim não se entenda, e em qualquer caso,
b) Julgando em conformidade com as presentes alegações, V. Exas. farão verdadeira e sã JUSTIÇA!”.
6. – O autor contra-alegou, concluindo:
“1.º No cálculo da indemnização temporária, seja inferior ou superior a 30 dias, a retribuição anual a considerar é o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de férias e de natal e de outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com caracter de regularidade (artº 71º, nº1 e 3, da LAT).
2º E, quando a incapacidade for superior a 30 dias, acrescem os valores correspondentes aos subsídios de férias e de Natal proporcionais ao tempo das incapacidades (artº 50º, nº3, da LAT).
3º O Mmº Juiz “a quo” decidiu assertivamente face aos preceitos legais aplicáveis e referidos.
Pelo que,
4º Se Vªs Exªs negarem provimento ao recurso, confirmando, na íntegra, a douta sentença recorrida farão inteira e sã JUSTIÇA!”.
7. - O M. Público, junto deste Tribunal, não emitiu parecer, por patrocínio do autor.
8. - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. - Fundamentação de facto
1. – Os factos, com interesse, são os descritos no relatório que antecede.
III. – Fundamentação de direito
1. - Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) e artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho (CPT), e salvo questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões da recorrente, supra transcritas.
Mas essa delimitação é precedida de uma outra, qual seja a do reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal recorrido, isto é, o tribunal de recurso não pode criar decisões sobre matéria nova, matéria não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.
2.Objecto do recurso
“O presente recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal a quo, que condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de €11,63 (onze euros e sessenta e três cêntimos) a título de diferenças no pagamento da indemnização devida pelo período de Incapacidade Temporária Absoluta fixada, com base no preceituado no artigo 71.º, n.º 3 da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro (doravante abreviada para LAT).”.
3.Base de cálculo da incapacidade temporária
O artigo 71.º - Cálculo – da Lei n.º 98/2009, de 04.09 (LAT), dispõe:
1 - A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente.
2 – (…). .
3 - Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.”. (negrito e sublinhado nossos)
Resulta do citado normativo que, no âmbito da LAT, as pensões e indemnizações, independentemente do tipo de incapacidade, são sempre calculadas com base na retribuição anual ilíquida do sinistrado, que engloba a retribuição mensal vezes 12, acrescida dos subsídios de Natal e de férias, bem como outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.
Por sua vez, o artigo 72.º - Pagamento da indemnização, da pensão e da prestação suplementar – estabelece:
1 - A pensão anual por incapacidade permanente ou morte é paga, adiantada e mensalmente, até ao 3.º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual.
2 - Os subsídios de férias e de Natal, cada um no valor de 1/14 da pensão anual, são, respectivamente, pagos nos meses de Junho e Novembro.
3 - A indemnização por incapacidade temporária é paga mensalmente. (negrito nosso).
4 – (…).
5 – (…).”.
Assim, em referência à anterior LAT (cf. artigo 51.º, n.º 3, da Lei n.º 143/99, de 30.04), o pagamento da indemnização por incapacidade temporária passou de quinzenal para mensal.
Mas mais importante é o artigo 72.º estatuir, para o sinistrado, o direito a receber, ainda, “Os subsídios de férias e de Natal, cada um no valor de 1/14 da pensão anual, são, respectivamente, pagos nos meses de Junho e Novembro.”, pensão anual essa calculada nos termos do citado artigo 71.º, n. 3, isto é, com base na retribuição anual ilíquida do sinistrado, que engloba a retribuição mensal vezes 12, acrescida dos subsídios de Natal e de férias, bem como outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.

No que reporta ao modo de fixação da incapacidade temporária e permanente, o artigo 50.º da LAT, dispõe:
“1 - A indemnização por incapacidade temporária é paga em relação a todos os dias, incluindo os de descanso e feriados, e começa a vencer-se no dia seguinte ao do acidente.
2 - A pensão por incapacidade permanente é fixada em montante anual e começa a vencer-se no dia seguinte ao da alta do sinistrado.
3 - Na incapacidade temporária superior a 30 dias é paga a parte proporcional correspondente aos subsídios de férias e de Natal, determinada em função da percentagem da prestação prevista nas alíneas d) e e) do n.º 3 do artigo 48.º.”. (negrito nosso).
O n.º 3 do artigo 50.º corresponde ao n.º 3 do artigo 43.º da Lei n.º 143/99, de 30.04, com a diferença da alteração de 15 para 30 dias, a qual está, directamente, relacionada com a alteração do pagamento quinzenal para mensal – cf. artigo 72.º, n.º 3, da actual LAT.
E à semelhança do direito estatuído no citado artigo 72.º, n.º 2, também o n.º 3 do artigo 50.º da actual LAT, manteve o direito estabelecido no n.º 3 do artigo 43.º da anterior LAT, isto é, o direito de o sinistrado receber, no caso de incapacidade temporária superior a 30 dias, a parte proporcional correspondente aos subsídios de férias e de Natal.
Atenta a redacção deste preceito, não se deve inferir, com todo o respeito, que no caso de incapacidade temporária inferior a 30 dias, o seu modo de cálculo tem por base, apenas, a retribuição mensal vezes 12.
Se assim fosse, o legislador deveria tê-lo dito, expressamente, face à regra geral consagrada no artigo 71.º, n.º 3, da actual LAT.
A LAT distingue, claramente, o modo de cálculo das pensões e indemnizações, independentemente do tipo de incapacidade – cf. artigo 71.º -, do seu modo de pagamento – artigo 72.º, n.ºs 1 e 3 e artigo 50.º n.ºs 1 e 2.
[sobre o modo de cálculo da incapacidade temporária absoluta inferior a 30 dias, nos termos do citado artigo 71.º, n.º 3 da LAT, cf. o acórdão proferido no processo nº 247/14.2TTVNG.P1, subscrito pelo ora relator].
Além disso, tratando-se, como se trata, de direitos indisponíveis, não deve o intérprete deduzir, à contrário, aquilo que o legislador não expressou na lei.
Assim, dado o acerto da decisão recorrida, outra solução não resta do que julgar improcede o recurso de apelação apresentado pela ré seguradora.
IV.A decisão
Atento o exposto, decide-se julgar a apelação improcedente, quer de facto, quer de direito, e, em consequência, confirmar sentença recorrida.
As custas do recurso de apelação são a cargo da ré seguradora.

Porto, 2017.09.11
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha