Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5159/13.4TAMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ERNESTO NASCIMENTO
Descritores: FURTO QUALIFICADO
LUGAR FECHADO
Nº do Documento: RP201507015159/13.4TAMTS.P1
Data do Acordão: 07/01/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O furto levado a cabo pelo arguido no interior da cantina do Estabelecimento prisional, na qual se introduziu através de escalamento e arrombamento, preenche as circunstâncias da al.e) do nº2 do artº 204º CP.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo comum colectivo 5159/13.4TAMTS da Comarca do Porto, Vila do Conde, Instância Central, 2.ª Secção Criminal, J3

Relator - Ernesto Nascimento
Adjunto – Artur Oliveira

Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

I. 1. Efectuado o julgamento foi o arguido B… condenado,

- parte criminal:
como reincidente, numa pena de 3 anos e 2 meses de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204.°/2 alínea e) C Penal;

- parte cível:
a pagar ao Estado a quantia de € 41,50, a título de danos patrimoniais.

I. 2. Inconformado, recorreu o arguido, pugnando pela revogação de tal Acórdão, suscitando as seguintes questões:
a existência dos vícios do erro na apreciação da prova produzida e da insuficiência da matéria de facto, previstos no artigo 410.°/2 alíneas a) e c);
a violação do princípio in dúbio pro reo;
a não verificação dos pressupostos materiais da reincidência;
a verificação dos requisitos de que depende a suspensão da execução da pena.

I. 3. Respondeu a Magistrada da MP., pugnando pela manutenção do decidido.

II. Subidos os autos a este Tribunal, também a representante do MP, no seu parecer, veio defender, da mesma forma, o não provimento do recurso.

No exame preliminar o relator deixou exarado o entendimento de que o recurso foi admitido com o efeito adequado e que nada obstava ao seu conhecimento.
Seguiram-se os vistos legais.
Foram os autos submetidos à conferência e dos correspondentes trabalhos resultou o presente acórdão.

III. Fundamentação

III. 1. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas - a não ser que sejam de conhecimento oficioso - que neles se apreciam questões e não razões e que não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, as questões suscitadas no presente prendem-se, com as seguintes questões:

III. 2. Vejamos, então, para começar, a matéria de facto definida pelo Tribunal recorrido.

Factos provados

1. O arguido esteve detido no Estabelecimento Prisional do Porto, sito em …, Matosinhos, sendo o recluso n.º …, a cumprir pena de prisão.
2. No dia 28.07.2013, cerca das 14 horas, o arguido, aproveitando o fecho da dependência designada de "Cantina", decidiu entrar nesse espaço para retirar e apoderar-se de tabaco.
3. Para tanto, do recreio interno do Pavilhão C, o arguido subiu à placa da barbearia central e dali subiu para o telhado que dá acesso a um gabinete.
4. Após, partiu uma rede e o vidro dessa janela, e estragou a persiana veneziana para entrar no gabinete, o que conseguiu.
5. No interior deste gabinete, o arguido retirou a almofada da porta que dava acesso à cantina, tendo assim conseguido entrar por esses espaço.
6. De seguida, o arguido retirou 12 onças de tabaco de marca UTAH, 10 maços de tabaco da marca SG Ventil 10 maços de tabaco da marca John Player Special e 19 maços da marca Chesterfield, no valor global de 221,80 €.
7. O arguido colocou esse tabaco num saco e saiu da cantina, fazendo o percurso inverso.
8. Quando rastejava na placa do Pavilhão C, o arguido foi visto e, posteriormente, interceptado, tendo sido então o tabaco recuperado.
9. O arguido iniciou o cumprimento da pena em que foi condenado no PCS n.º 207/10.2 GAVCD, no EP do Porto, em 05.02.2011.
10. Desde que ingressou no EP fez um tratamento de desintoxicação, trabalhou na cozinha e teve as visitas da mãe e irmãs que o têm apoiado.
11. A dado passo do cumprimento de tal pena, o arguido abandonou o trabalho, demonstrou dificuldade em cumprir as regras vigentes no EP, envolveu-se em agressões com outros reclusos e foi afastado do programa terapêutico de tratamento sistemático à sua problemática de toxicodependência.
12. O arguido foi condenado pela prática dos seguintes crimes:
i) PCS n.º 207/10.2 GAVCD, do 10 Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila do Conde, na pena única de 1 ano e 2 meses de prisão, por sentença transitada em julgado a 22.03.2010, pela prática, em 04.03.2010, de um crime de furto de uso de veículo e de condução sem habilitação legal, pois que utilizou um veículo para o conduzir da C…, onde estava internado, até casa dos pais;
ii) PCC n.º 11110.8 GAMTS do 2º juízo criminal do TJ da Maia, por Acórdão transitado em julgado em 11.04.2011, na pena de 4 anos de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado, pela prática de factos ocorridos em 17.05.2010, os quais consistiram na entrada numa habitação, por escalamento e arrombamento, para retirar material informático que vendeu para adquirir estupefacientes.
iii) PCC n.º 102/10.5 GAVCD do 10 juízo criminal do TJ de Vila do Conde, por Acórdão transitado em julgado a 26.07.2011, na pena única de 4 anos de prisão, pelo crime de furto qualificado na data de 12.03.2010 e um crime de furto qualificado tentado, na data de 05.04.2010, tendo o arguido acedido a habitações por escalamento e arrombamento, conseguido na primeira data, para retirar dinheiro e peças de ouro de um cofre.
iv) PCC n.º 886/09.3 PBMTS, do 2º juízo Criminal do TJ de Matosinhos, por Acórdão transitado em julgado a 18.10.2011, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado, na data de 27.05.2009, tendo-se o arguido apoderado de um veículo e dos bens que no mesmo se encontravam.
v) PCC n.º 794/10.5 GAMAI, do 10 juízo Criminal da Maia, por Acórdão transitado em julgado a 19.12.2012, na pena única de concurso de 2 anos e 6 meses de prisão, pelo cometimento de um crime de furto simples, pela subtracção de um veículo automóvel na data de 26.05.2010, de um crime de condução sem habilitação legal e um crime de condução perigosa de veículo rodoviário.
13. O arguido, nas circunstâncias descritas em 2. a 7., actuou voluntária e conscientemente, com intuito conseguido de fazer seu o tabaco, que bem sabia não lhe pertencer, actuando contra a vontade e sem conhecimento do seu legítimo dono, sabendo igualmente que a sua conduta era reprovável e punida por lei.
14. O demandado/arguido, com a sua supra descrita conduta, partiu uma rede, um vidro e uma janela do EP, e estragou uma persiana veneziana, tendo ainda retirado uma almofada de uma porta.
15. A reparação da porta orça em 12,80 € e a reparação dos demais estragos orça em 28,70 €, num total de 41,50 €.
16. A dependência designada de "cantina" referida em 2. é um local onde se encontram armazenados produtos destinados a venda no EP.
17. O arguido provém de um agregado familiar de condição socioeconómica desfavorecida, marcado pelo consumo abusivo de bebidas alcoólicas por parte do pai, o qual infligia maus tratos à mãe do arguido, a este e aos irmãos deste, causando a separação conjugal e a ruptura familiar.
18. Com 9 anos de idade o arguido, duas das suas irmãs e a sua mãe passaram a integrar o agregado familiar do irmão mais velho do arguido, então já autonomizado, sendo este a referência mais idónea e estruturante da família.
19. O arguido tem o 4.º ano de escolaridade, sendo o seu percurso escolar marcado pelo absentismo, insucesso escolar e fugas constantes à escola.
20. O arguido começou a trabalhar com 14 anos de idade, na área da serralharia, tendo sofrido acidente de trabalho que lhe afectou o membro superior direito, tendo passado longo período de tempo em recuperação numa clínica.
21. Em tal fase envolveu-se com indivíduos com comportamentos desviantes tendo, também nessa ocasião, então com 16 anos de idade, iniciado o seu consumo de substâncias estupefacientes.
22. Pese embora em recuperação física, exerceu de forma irregular actividade laboral na área da construção civil, carpintaria e como operário de máquinas de bordar.
23. Com o decurso dos anos acentuou-se o seu consumo e dependência de substâncias estupefacientes, passando o arguido a comportar-se em desacordo com as regras familiares, sendo elemento perturbador e destabilizador da dinâmica familiar.
24. Passou a viver numa casa abandonada, e mais tarde na casa de uma pessoa amiga, onde cumpriu medida de coacção de OPH, com VE, cujas obrigações por diversas vezes violou, ausentando-se de tal habitação e removendo a "pulseira electrónica", o que determinou a revogação de tal medida coactiva e a aplicação de prisão preventiva, a 19.08.2008, no EP do Porto, sito em ….
25. Em tal EP foi submetido a tratamento de desintoxicação, tendo recusado a sua colocação na "Unidade Livre de Drogas".
26. Após a sua libertação o arguido reiniciou o consumo de substâncias estupefacientes, não reiniciou qualquer actividade laboral e manteve comportamentos no seio familiar que levaram ao desgaste do apoio familiar.
27. Em Agosto de 2013 o arguido foi transferido para o EP de Paços de Ferreira para a Secção de Segurança, onde tem demonstrado mais estabilidade.
28. O arguido tem trabalhado na faxina, mantendo um adequado relacionamento com os elementos de segurança daquele espaço.
29. Desde a data referida em 27 o arguido não voltou a consumir substâncias estupefacientes, reconhecendo tal como factor da sua mudança de comportamentos.
30. O arguido conta com visitas regulares da mãe e das irmãs, as quais se mostram dispostas a apoiar o arguido, quando este em liberdade.
31. Para além das condenações referidas em 12 dos factos provados, sofreu o arguido as demais seguintes condenações:
a. No PS n.º 713/05.0 GAVCD do 10 Juízo criminal do TJ de Vila do Conde, foi condenado por sentença transitada em julgado a 06.07.2005, numa pena de 85 dias de multa pelo cometimento, a 18.06.2005, de um crime de condução sem habilitação legal, a qual foi declarada extinta, pelo cumprimento, por decisão de 21.01.2007;
b. No PCS n.º 2086/04.0GAMAI, do 3º Juízo do TJ da Maia, foi condenado por sentença transitada em julgado a 11.05.2006, num pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, pelo cometimento, a 09.12.2004, de um crime de roubo, a qual foi declarada extinta, pelo cumprimento da pena de prisão, por decisão de 05.11.2009;
c. No PCC n.º 187/08.4 GAVCD, do 10 juízo Criminal do TJ de Vila do Conde, foi condenado por Acórdão transitado em julgado a 30.04.2009, numa pena única de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sob condição de sujeição a regime de prova, pelo cometimento, a 19.02.2008, de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de furto qualificado na forma tentada;
d. No PS n.º 1041/09.8 GAMAI, que correu termos no TJ da Maia, foi condenado por sentença transitada em julgado a 31.01.2011, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, com subordinação a regime de prova e regras de conduta, pelo cometimento, a 04.07.2009, de um crime sem habilitação legal,
e. No PCS n.º 1099/08.7 GAMAI, que correu termos no 2º Juízo criminal do TJ da Maia, foi condenado por sentença transitada em julgado a 26.02.2010, numa pena de 7 meses de prisão, substituída por 200 dias de multa, pelo cometimento, a 21.06.2008, de um crime sem habilitação legal;
f. No PCS n.º 2523/08.4 TAVCD, que correu termos no 1 ° Juízo criminal de Vila do Conde, foi condenado por sentença transitada em julgado a 10.02.2010, numa pena de 2 anos de prisão, suspensa por igual período, com elaboração de plano de reinserção social e submissão a tratamento da toxicodependência, pelo cometimento, a 21.06.2008, de um crime de furto qualificado;
g. As penas referidas em C., e. e f. foram englobadas na pena única de concurso efectuado no âmbito destes últimos autos (f.), por acórdão transitado em julgado a 22.03.2011, pena essa de 3 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova assente em plano de reinserção social e continuação de tratamento da toxicodependência do arguido;
h. No PCC n.º 954/09.1 GAVCD, que correu termos no 1º juízo criminal do TJ de Vila do Conde, foi condenado por Acórdão transitado em julgado a 29.11.2010, numa pena única de 3 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sob condição de sujeição a continuação de tratamento de desintoxicação, para o que deu o seu consentimento, pelo cometimento, a 27.07.2009 de um crime de condução sem habilitação legal, e no mês de Março de 2007, de três crimes de furto qualificado; i) as penas referidas em 12.iv, 30.d, 30.e, 30.f, 30.h, 12.i, 12.iii, 12.ii, 30.c e 12.v, foram englobadas nas penas únicas de concurso efectuado no âmbito destes últimos autos (12.v), por acórdão transitado em julgado a 15.05.2014, penas essas, de cumprimento sucessivo, de 2 anos e 6 meses de prisão (PCS n.º 1099/08.7GAMAI; PCS n.º 2523/08.4 TAVCD; PCC n.º 187/08.4 GAVCD), de 7 meses de prisão (PS 1041/09.8 GAMAI) e de 7 anos e 6 meses de prisão (PCC n.º 886/09.3 PBMTS, PCC n.º 954/09.1 GAVCD, PCS n.º 207/10.2 GAVCD, PCC n.º 102/10.5 GAVCD e PCS n.º 11/10.8 GAMTS).

Porque tal questão releva igualmente para a discussão do recurso, vejamos, também, o que em sede de fundamentação se deixou exarado no que concerne à convicção assim formada pelo Tribunal.

Depoimento da testemunha D…, guarda prisional, já à data dos factos em serviço no EP do Porto, o qual se encontrava ao serviço no dia em causa nos autos, tendo relatado de forma espontânea e, diremos, cinematográfica, a sucessão dos eventos que lhe permitiram detectar o arguido a realizar o trajecto descrito supra, bem como as concretas circunstâncias em que veio depois a proceder à abordagem do arguido e à apreensão do material que o mesmo consigo trazia. Tal material, o qual confirmou ser o que consta do registo fotográfico de fls. 12, atentas as diligências posteriormente feitas por outros guardas em serviço no dia em questão, afirmou tal testemunha, foi retirado pelo arguido do interior da cantina, local não acessível dentro do EP, o qual se encontrava fechado à chave e esta entregue a dois guardas prisionais. Por fim, deu conta esta testemunha que o arguido, ao invés do que este declarou em sede de audiência de julgamento, não aparentava quaisquer sinais de estar sob o efeito de substâncias estupefacientes ou medicamentosas, apenas se mostrava ferido ao nível dos braços, e ofegante, em virtude do esforço despendido com a realização do trajecto em causa e as concretas circunstâncias em que o fez.
Já a testemunha E…, guarda prisional no EP do Porto, como responsável da cantina, porque chamado, deslocou-se ao EP, confirmou os bens que tinham sido subtraídos do interior da cantina, bem como a existência da rede rebentada e a almofada da porta de madeira retirada.
A testemunha F…, chefe dos guardas prisionais do EP do Porto, afirmou de forma natural e espontânea que na segunda-feira, dia imediatamente seguinte aos factos em causa, lhe foram exibidas as imagens registadas no circuito interno de CCTV, nas quais era bem visível o aqui arguido a realizar o trajecto em causa nos autos, ao longo dos vários locais ao alcance das referidas câmaras, sendo que o mesmo se encontrava sozinho.
Para prova do montante dos danos causados pelo arguido, foram relevantes os documentos juntos a fls. 24/25 conjugados com as fotografias de fls. 10 e 11 e ainda com os depoimento da testemunha D…, Guarda Prisional que fez a abordagem ao arguido o qual veio, posteriormente, a localizar os danos registados nas apontadas fotografias.
O apuramento das condições económicas e pessoais do arguido resultou do teor do relatório elaborado pelo Instituto de Reinserção Social, junto a fls. 293 e ss. dos autos, aceite pelo arguido em audiência de julgamento.
Os antecedentes criminais relevaram do CRC junto aos autos e das certidões das decisões judiciais juntas a fls. 81 a 262.

III. 3 Apreciando.

Desde já cumpre referir que expressa e assumidamente logo no intróito do recurso o arguido anuncia a sua discordância em relação ao decidido, pretendendo colocar em crise o acórdão, no que se refere à matéria de Direito, por entender existir erro na apreciação da prova produzida e insuficiência da matéria de facto, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 410.º/2 alíneas a) e c) e 127.º C P Penal.
Não obstante a invocação da norma contida no artigo 127.º C P Penal, que se reporta à formação da convicção do tribunal, o certo é que o recorrente não teve em mente – longe disso, pela forma como, também, em concreto e em substância, se exprimiu e, não dando cumprimento ao estatuído no artigo 412.º/3 e 4 C P Penal – impugnar o julgamento sobre a matéria de facto, pois que ele próprio assume que o recurso versa sobre matéria de Direito

III. 3. 1. Vícios da decisão.

III. 3. 1. 1. As razões do arguido.

Assim, em sede de vícios da decisão e da violação do princípio in dubio pro reo, considera que o julgamento não foi para além de toda a dúvida razoável, isto porque, atenta a natureza meramente indiciária da prova produzida em audiência de julgamento, dúvidas inexistem que nenhuma prova directa foi produzida de que tenha sido ele o autor do furto, donde à luz do princípio in dubio pro reo, defende o arguido estarmos perante erro notório de apreciação da prova e, bem assim, a escassez e insuficiência da prova produzida.

Para demonstrar o que afirma transcreve os seguintes factos julgados como provados:

"1. O arguido esteve detido no Estabelecimento Prisional do Porto, sito em …, Matosinhos, sendo o recluso n.º…, a cumprir pena de prisão.
2. No dia 28.07.2013, cerca das 14 horas, o arguido, aproveitando o fecho da dependência designada de "Cantina", decidiu entrar nesse espaço para retirar e apoderar-se de tabaco.
3. Para tanto, do recreio interno do Pavilhão C, o arguido subiu à placa da barbearia central e dali subiu para o telhado que dá acesso a um gabinete.
4. Após, partiu uma rede e o vidro dessa janela, e estragou a persiana veneziana para entrar no gabinete, o que conseguiu.
5. No interior deste gabinete, o arguido retirou a almofada da porta que dava acesso à cantina, tendo assim conseguido entrar por esses espaço.
6. De seguida, o arguido retirou 12 onças de tabaco de marca UTAH, 10 maços de tabaco da marca se Ventil10 maços de tabaco da marca John Player Special e 19 maços da marca Chesterfield, no valor global de 221,80 €.
7. O arguido colocou esse tabaco num saco e saiu da cantina, fazendo o percurso inverso.
8. Quando rastejava na placa do Pavilhão C, o arguido foi visto e, posteriormente, interceptado, tendo sido então o tabaco recuperado.
(...)
13. O arguido, nas circunstâncias descritas em 2. a 7., actuou voluntária e conscientemente, com intento conseguido de fazer seu o tabaco, que bem sabia não lhe pertencer, actuando contra a vontade e sem conhecimento do seu legítimo dono, sabendo igualmente que a sua conduta era reprovável e punida por lei".

E a parte da fundamentação respeitante à formação da convicção do Tribunal onde se refere:

"depoimento da testemunha D…, guarda prisional, já à data dos factos em serviço no EP do Porto, o qual se encontrava ao serviço no dia em causa nos autos, tendo relatado de forma espontânea e, diremos, cinematográfica, a sucessão dos eventos que lhe permitiram detectar o arguido a realizar o trajecto descrito supra, bem como as concretas circunstâncias em que veio depois a proceder à abordagem do arguido e à apreensão do material que o mesmo consigo trazia. Tal material, o qual confirmou ser o que consta do registo fotográfico de fls. 12, atentas as diligências posteriormente feitas por outros guardas em serviço no dia em questão, afirmou tal testemunha, foi retirado pelo arguido do interior da cantina, local não acessível dentro do EP, o qual se encontrava fechado à chave e esta entregue a dois guardas prisionais. Por fim, deu conta esta testemunha que o arguido, ao invés do que este declarou em sede de audiência de julgamento, não aparentava quaisquer sinais de estar sob o efeito de substâncias estupefacientes ou medicamentosas, apenas se mostrava ferido ao nível dos braços, e ofegante, em virtude do esforço despendido com a realização do trajecto em causa e as concretas circunstâncias em que o fez.
Já a testemunha E…, guarda prisional no EP do Porto, como responsável da cantina, porque chamado, deslocou-se ao EP, confirmou os bens que tinham sido subtraídos do interior da cantina, bem como a existência da rede rebentada e a almofada da porta de madeira retirada.
A testemunha F…, chefe dos guardas prisionais do EP do Porto, afirmou de forma natural e espontânea que na segunda-feira, dia imediatamente seguinte aos factos em causa, lhe foram exibidas as imagens registadas no circuito interno de CCTV, nas quais era bem visível o aqui arguido a realizar o trajecto em causa nos autos, ao longo dos vários locais ao alcance das referidas câmaras, sendo que o mesmo se encontrava sozinho".

Para concluir por que não resultou prova bastante e suficiente para a alicerçar a sua condenação, pois que nenhuma prova directa existe nos autos de que tenha sido ele o autor do furto;
tendo o tribunal lançado mão de prova indirecta e de presunções judiciais para alicerçar a sua condenação, desrespeitando frontalmente com a barreira da dúvida razoável e o princípio in dubio pro reo;
assim se patenteando no processo lógico e racional de formação da convicção do julgador a existência de inconsistências no domínio da prova;
as ilações probatórias obtidas na formação do processo intelectual do tribunal recorrido não respeitam as exigências de segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável – o que não aconteceu no caso, pois que se verifica a existência de espaços vazios no percurso lógico e intelectual seguido na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, determinando tal um corte na continuidade do raciocínio, e retirando o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões;
o que não se compadece com as exigências do processo penal nem se afigura suficiente para formular um juízo de autoria do arguido na prática dos factos pelos quais foi acusado;
apesar da presença de objetos furtados na posse do arguido indicar, como muito provável, que o arguido tenha sido autor do furto, não deixa de ser razoável a dúvida de que tenha sido outro o autor do crime e que os objetos possam ter vindo, posteriormente, a entrar na posse do arguido;
sendo pois que assim a autoria do furto não é mais do que uma das várias hipóteses possíveis a qual, para além de ser a mais prejudicial para o arguido, carece da segurança exigida pela observância do princípio in dubio pro reo.

III. 3. 1. 2. Atentemos.

III. 3. 1. Os vícios do artigo 410º/2 C P Penal

O recorrente estrutura a sua pretensão – de revogação da decisão recorrida e a sua consequente absolvição - no facto de, na sua óptica, a prova não ter sido devidamente apreciada, acabando, no entanto, por concluir que fundamenta a procedência do recurso, na questão da verificação dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova – além da violação do princípio in dubio pro reo.
Os vícios do n.º 2 do artigo 410º C P Penal são vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei.
Vícios da decisão, não do julgamento.
O erro-vício não se confunde com errada apreciação e valoração das provas. Embora em ambos se esteja no domínio da sindicância da matéria de facto, são muito diferentes na sua estrutura, alcance e consequências. Aquele examina-se, indaga-se, através da análise do texto; esta, porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, verifica-se em momento anterior à elaboração do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto; daí que a exigência de notoriedade do vício se não estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto.
Qualquer das situações referidas no artigo 410º/2 C P Penal, traduzem-se, sobretudo em deficiências na construção e estruturação da decisão e ou dos seus fundamentos, maxime na sua perspectiva interna, não sendo por isso o domínio adequado para discutir os diversos sentidos a conferir à prova.
Qualquer um dos vícios previstos no n.º 2 do referido artigo 410º C P Penal, é inerente ao silogismo da decisão e apenas dela pode ser apurado, nos termos do artigo 410º/2 C P Penal - não sendo possível o recurso a outros elementos que não o texto da decisão, para sua afirmação - ainda que conjugado com as regras da experiência, sendo a consequência lógica e imediata, da sua existência, salvo o caso de ser possível conhecer da causa, o reenvio do processo, artigo 426º C P Penal.
Na sequência lógica destes pressupostos, a sua emergência, como resulta expressamente referido no artigo 410º/2 C P Penal, terá que ser detectada do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum.
Em sede de apreciação dos vícios do artigo 410º C P Penal, não está em causa a possibilidade de se discutir a bondade do que se considerou provado ou não provado, a maior ou menor abundância de prova para sustentar um facto.
Qualquer dos vícios do artigo 410º/2 C P Penal, pressupõe uma outra evidência e a argumentação do recorrente gira, então, em volta de uma melhor avaliação, ponderação e, quiçá, interpretação da prova pessoal produzida.
Donde o recorrente estrutura a existência daqueles apontados vícios, não numa análise da decisão na sua componente interna, de racionalidade, de lógica e de coerência das diversas asserções dadas como provadas, mas antes, numa perspectiva de expressar o seu inconformismo com o resultado do julgamento da matéria de facto, que lhe foi desfavorável.
Os vícios do artigo 410º/2 C P Penal não podem ser confundidos com uma suposta insuficiência dos meios de prova para a decisão tomada em sede de matéria de facto, nem pode emergir da mera divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em julgamento e a convicção que o tribunal firmou sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inserto no artigo 127º C P Penal - aqui poderá haver erro de julgamento, sindicável, nos termos definidos no artigo 412º C P Penal.
A valoração da prova em sentido diverso - fora o caso de erro notório - ao pugnado pelo recorrente, merece tratamento em sede erro de julgamento, nos termos do artigo 412º C P Penal, através do controlo do erro na apreciação das provas (sobre a sua admissibilidade e valoração dos meios de prova) e a consequência imediata da sua procedência, é a modificação da matéria de facto, artigo 431º C P Penal.
Donde, todas as invocações feitas no sentido da existência dos vícios da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de Direito – que se não confunde com insuficiência da prova - e do erro notório, feitas pelo recorrente laboram em manifesto erro e confusão de conceitos, dado que a sua existência vem estruturada tão só, como corolário da discordância que patenteia com a forma como foi feita a valoração da prova na decisão recorrida.
Assim, perante este manifesto erro de enfoque feito pelo recorrente, ao qualificar como vícios do artigo 410º/2 C P Penal, que a existirem constituiriam vícios da decisão, pretensão esta, estruturada no facto de o tribunal a quo não ter valorado, na sua perspectiva, correctamente a prova produzida, de natureza pessoal - o que, a ocorrer, constituiria erro de julgamento - temos que concluir que não se verificam, pelas razões apontadas, nem outras se vislumbrando para a ocorrência, qualquer dos vícios previstos no artigo 410º/2 C P Penal.
Com efeito, da leitura da decisão e, designadamente dos segmentos dos factos provados e da motivação, caldeada com as regras da experiência comum, pois que a outros elementos não pode o Tribunal socorrer-se, não se vislumbra que se patenteie, quer os apontados,
insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito, pois não se vê que matéria de facto, com utilidade e pertinência, poderia o tribunal, mais ter averiguado,
erro notório na apreciação da prova, pois que não existem pontos de facto fixados na decisão recorrida, tão manifestamente arbitrários, contraditórios ou violadores das regras da experiência comum;
como da mesma forma, não se vislumbra, contradição insanável na fundamentação ou entre esta e a decisão, já que não se descortina a existência de factos ou de afirmações que estejam entre si numa relação de contradição.
Do acervo destas noções, resulta manifesto que os fundamentos em que o recorrente estrutura a existência da insuficiência e do erro notório, não têm a virtualidade de integrar a noção de qualquer deles.

III. 3. 2. A violação do princípio in dubio pro reo.

Com base na mesma argumentação aduzida a propósito da verificação dos vícios do artigo 410.º/2 C P Penal, defende o arguido que a falta de prova de factos susceptíveis de o responsabilizar pela prática do acto material susceptível de integrar a previsão do tipo legal pelo qual vem condenado, deve conduzir à sua absolvição pela aplicação do princípio geral de prova em processo penal – com consagração constitucional – do in dubio pro reo, que, assim, tem por violado.
Como é sabido, este princípio, enquanto expressão ao nível da apreciação da prova do princípio político-jurídico de presunção de inocência, se traduz na imposição de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido - a dúvida resolve-se a favor do arguido.
“Em processo penal, vigora o princípio da presunção de inocência do arguido, com consagração constitucional, artigo 32°/2 da Constituição da República Portuguesa e ainda na Declaração Universal dos Direitos do Homem, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, “cuja primeira grande incidência, assenta fundamentalmente, na inexistência de ónus probatório do arguido em processo penal, no sentido de que o arguido não tem de provar a sua inocência para ser absolvido; um princípio in dubio pro reo; e ainda que o arguido não é mero objecto ou meio de prova, mas sim um livre contraditor do acusador, com armas iguais às dele.
Na verdade, e em primeiro lugar, o princípio da presunção de inocência do arguido isenta-o do ónus de provar a sua inocência, a qual parece imposta (ou ficcionada) pela lei, o que carece de prova é o contrário, ou seja, a culpa do arguido, concentrando a lei o esforço probatório na acusação.
Em segundo lugar, do referido princípio da presunção de inocência do arguido - embora não exclusivamente dele - decorre um princípio in dubio pro reo, princípio que procurando responder ao problema da dúvida na apreciação do caso criminal (não a dúvida sobre o sentido da norma, mas a dúvida sobre o facto) e, partindo da premissa de que o juiz não pode terminar o julgamento com um non liquet, determina que na dúvida quanto ao sentido em que aponta a prova feita, o arguido seja absolvido”, cfr. Rui Patrício, in “O princípio da presunção de inocência do arguido na fase do julgamento no actual processo penal português”, Ass. Académica da FDL, 2000, 93/94.
O princípio do in dubio pro reo é, assim, uma imposição dirigida ao juiz, segundo o qual, a dúvida sobre os factos favorece o arguido.
Quer isto dizer, que a sua verificação pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador. A simples existência de versões díspares e até contraditórias sobre os factos relevantes não implica que se aplique, sem mais, o princípio in dubio pro reo – como pretende a recorrente.
Se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo (não a recorrente, naturalmente) chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, escolheu a tese desfavorável ao arguido, há que concluir pela violação de tal princípio.
Não consta, manifestamente, que o Tribunal de 1ª instância tenha ficado na dúvida, ou a tenha sequer enunciado, em relação a qualquer facto, essencial e relevante, para a verificação da factualidade típica e, que, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido, pelo que não se verificando esta hipótese, há que concluir pela não violação do apontado princípio do in dubio pro reo.
Obviamente que a conclusão afirmada pelo arguido tem subjacente a sua própria, subjectiva, interessada e parcial, valoração do conjunto da prova produzida.
No entanto, “quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”, cfr. Acs. RP de 29.9.2004, in CJ, IV, 210 e da RC de 6.3.2002, in CJ, II, 44, circunstância, que no caso concreto, não se verifica, de todo.
Improcede, pois, também, este segmento do recurso.

III. 3. 3. A qualificação jurídico-penal dos factos.

III. 3. 3. 1. As razões do arguido.

Em sede de subsunção dos factos ao Direito, considera o arguido que existe erro na qualificação operada na decisão recorrida – artigo 204.º/2 alínea e) - pois que os factos apurados são susceptíveis, tão só, de integrar a previsão do tipo legal de crime de furto simples, (no caso desqualificado) p. e p. pelo artigo 203.º/1 C Penal;
isto porque de acordo com a invocada qualificação feita na decisão, o que caracteriza e justifica a qualificativa em causa não é o facto de o agente se introduzir num espaço fechado, mas sim a circunstância de o espaço fechado estar conexionado com a habitação ou com certo estabelecimento comercial ou industrial, o que manifestamente não sucedeu no caso dos autos;
donde, da jurisprudência já fixada, bem como a doutrina especializada nesta matéria resulta que o conceito de "cantina" existente no Estabelecimento Prisional do Porto manifestamente não cai no âmbito da realidade subjacente ao conceito de "casa” ou de "outro espaço fechado";
pois que, o que verdadeiramente reclama uma tutela penal reforçada é a habitação e o estabelecimento comercial ou industrial, conceitos que, para este efeito, incluem os espaços fechados limítrofes, anexos ou a eles agregados, situações que, salvo melhor opinião, não apresentam qualquer conexão com a factualidade dos autos;
apenas as mais-valias ligado ao espaço físico dedicado à habitação e ao estabelecimento comercial ou industrial e suas dependências contíguas e fechadas são entendidas pelo legislador como merecedoras de uma tutela acrescida do bem jurídico;
ora, dúvidas inexistem que a realidade subjacente a um estabelecimento prisional, correspondendo a uma edificação de propriedade pública partilhada por uma multiplicidade de indivíduos em cumprimento de pena privativa de liberdade em nada se confunde com o conceito de "habitação" ou "outro espaço fechado";
na qualificação jurídica dos factos em questão, admite-se considerar a cantina da prisão como um lugar vedado e não acessível ao público, mas já não se afigura exequível, em face das concretas circunstâncias de espaço e lugar identificadas no acórdão, subsumir aquele espaço ao conceito "casa" e de "outro espaço fechado";
a doutrina e a jurisprudência têm sustentado que o que carateriza e justifica esta agravante qualificativa do furto não é o facto de o agente se introduzir num espaço fechado, mas sim, a circunstância de o espaço fechado estar conexionado com a habitação ou com o estabelecimento comercial ou industrial;
o que verdadeiramente reclama uma tutela penal reforçada é a habitação e o estabelecimento comercial ou industrial, conceitos que, para este efeito, incluem os espaços fechados limítrofes, anexos ou a eles agregados, situações que, salvo melhor opinião, não apresentam qualquer conexão com a factualidade dos autos;
apenas as mais-valias ligado ao espaço físico dedicado à habitação e ao estabelecimento comercial ou industrial e suas dependências contíguas e fechadas são entendidas pelo legislador como merecedoras de uma tutela acrescida do bem jurídico.

III. 3. 3. 2. Os fundamentos da decisão recorrida.

A este propósito expendeu-se na decisão recorrida pela seguinte forma:
“(…) a conduta levada a cabo pelo arguido é subsumível ao crime de furto qualificado p.p. pelo n.º 2 alínea e) do artigo 204.º C Penal, conforme lhe é imputado na acusação pública?
O furto será qualificado quando verificada alguma das circunstâncias taxativa e especificadamente previstas no artigo 2040 do Código Penal que, desde a entrada em vigor da presente redacção do Código Penal, se consideram de funcionamento automático, ideia que saiu reforçada com a criação de dois escalões de penas de acordo com a natureza dessas circunstâncias (neste sentido v. a opinião do Conselheiro Manso-Preto in "Novos Aspectos da Punição do Crime de Furto Segundo O Projecto de Revisão do C Penal de 1982, "RPCC", Ano I, Outubro-Dezembro de 91, págs. 558 e ss.).
E essa diferença de gravidade está bem reflectida na circunstância de que quer na alínea f) do n.º 1 do artigo 204.º do C Penal, quer na alínea e) do n.º 2 está prevista como circunstância qualificativa a introdução/penetração ilegítima ou ilegal em habitação, estabelecimento (comercial ou industrial) ou outro espaço fechado. A grande diferença entre uma e outra está nos meios de introdução: a circunstância qualificativa da alínea e) do n.º 2 exige arrombamento, escalamento ou chaves falsas, o que já não sucede com a da alínea f) do n.º 1.
Para o preenchimento do tipo de furto qualificado da alínea e) do n.º 2 do artigo 204.° do Código Penal não basta que o agente pratique o furto após penetrar em algum dos espaços ali referidos, exigindo-se ainda que a penetração se tenha processado por algum dos meios específicos que o legislador define, a saber: arrombamento, escalamento ou chaves falsas. Isto é, e frisamos, não basta penetrar naqueles espaços e furtar para que se esteja perante um furto qualificado pela citada alínea, sendo ainda imperioso que aquele penetrar se tenha processado pelos meios específicos que o legislador define, ou seja, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas (neste sentido, vide Ac Rel. Porto de 20.11.2013 Proc. 1308/11.5 GAMAI.Pl, n.º convencional JTRPOOO, sendo Relator Juiz Desembargador Neto de Moura.
Sucede que, como esclarece Faria Costa, in "Comentário Conimbricense ao Código Penal Parte Especial", Tomo II, Coimbra Editora, 1999, anotação ao artigo 202.°, só existe arrombamento se o dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada, exterior ou interiormente, tiver a ver com uma casa ou com um lugar fechado dela dependente, devendo entender-se, para efeitos deste normativo, que casa é todo o espaço físico, fechado, destinado a habitação ou a actividades de vivência do ser humano (assim incluindo não só as casas de habitação, mas também as casas de utilização comunitária - casas do povo, de saúde, de Justiça - e as casas destinadas ao exercício de comércio ou indústria - não sendo necessário que esteja habitada; basta que seja um espaço apto a ser habitado ou utilizado para as actividades para que foi criado). Do mesmo modo, também o conceito de escalamento exige que o agente se haja introduzido (por local não destinado normalmente a entrada) em casa ou em lugar fechado dela dependente".
Quanto ao conceito de "outros espaços fechados", este tem de ser conjugado com a definição de arrombamento ou escalamento, pelo que aqueles "outros espaços fechados" correspondem aos lugares fechados dependentes das casas de habitação, de estabelecimento comercial ou industrial, seguindo-se um critério de acessoriedade, segundo o qual "acessorium principale sequitor" (neste sentido vide Ac. STJ de 15.01.1997, de 01.10.1997, de 11.11.1998 e de 15.12.1998, mencionado no cito Ac. ReI. Porto de 07.11.2012). Foi, aliás, neste sentido que se fixou jurisprudência pelo Assento n.º 7/2000, 19.01.00, publicado no DR I-A, n.º 56, 07.03.2000, ao referir que "A expressão "espaço fechado" que consta da alínea e) do n.º 2 do artigo 204.° do Código Penal [e também referida na alínea f) do n.° 1 do mesmo preceito] tem, forçosamente, de ser entendida com o restrito sentido de lugar fechado dependente de uma casa, entendimento este reforçado pelo facto de o conceito definido na alínea d) do artigo 202.° do Código haver sido alvo, relativamente ao que se estipulava no n.º 1 do artigo 298.° do Código Penal de 1982, de uma redução no seu âmbito, por virtude da supressão do segmento «ou de outros móveis destinados a guardar quaisquer objectos»".
E por que será que se exige que exista essa relação de dependência do espaço fechado? O agravamento da moldura penal abstracta é sinal de protecção acrescida ao bem jurídico que se visa tutelar. Daí a punição agravada das acções que consubstanciam crimes de furto perpetrados dentro de casa (seja de habitação, de comércio ou de indústria), considerada "um reduto de mais valias" merecedor de uma tutela penal crescida. O que verdadeiramente reclama uma tutela penal reforçada é a habitação e o estabelecimento comercial ou industrial, conceitos que, para este efeito, incluem os espaços fechados limítrofes, anexos ou a eles agregados. Há um reduto de mais-valias ligado ao espaço físico dedicado à habitação e ao estabelecimento comercial ou industrial e suas dependências contíguas e fechadas que o legislador entendeu ser merecedor de uma tutela acrescida do bem jurídico (vide neste sentido Ac. Rel. Porto de 11.07.2012, Proc n.º 774/11.3 GAVNF.Pl, n.º conv. JTRP 000, sendo relator, Juiz Desembargador Artur Oliveira, sufragado pelo citado Ac. ReI. Porto de 20.11.2013, ambos in www.dgsi.pt).
E se assim é, como entendemos que seja, então o espaço descrito no ponto 2. dos factos provados - dependência designada de "cantina" existente no Estabelecimento Prisional do Porto - fechado que estava, cai no âmbito da realidade subjacente ao conceito de "casa" e de "outro espaço fechado" com a amplitude e limites dados pelo Prof. Faria Costa, in ob. cit., pois que um estabelecimento prisional se destina a ser "habitado" pelos condenados em pena de prisão ou sujeitos a medida de coacção prisão preventiva, servindo assim "(...) para a convivência dos homens em comunidade. Um espaço físico, (...) possuidor de uma autonomia funcional ligada ao modo de viver comum, historicamente situado."
Vertendo então para o caso em julgamento temos que o arguido, como já vimos, apoderou-se e integrou no seu património objectos pertencentes ao EP do Porto, tendo assim subtraído coisas móveis alheias. Subtracção que ocorreu no interior do EP, mais precisamente numa dependência designada de "cantina", no interior da qual o arguido penetrou da forma melhor descrita nos pontos 1 a 4 da fundamentação de facto: subiu à placa da barbearia central e dali subiu para o telhado que dá acesso a um gabinete; após, partiu uma rede e o vidro dessa janela, e estragou a persiana veneziana para entrar no gabinete, o que conseguiu e no seu interior o arguido retirou a almofada da porta que dava acesso à cantina, tendo assim conseguido entrar por esses espaço.
E considerando os conceitos jurídico-penais ínsitos no artigo 202° do Cód. Penal, temos que o arguido acedeu àquela dependência, que cai na analisada noção de "casa", por escalamento e arrombamento, pelo que a conduta do arguido preenche a qualificativa da alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º C Penal”.

III. 3. 3. 3. Atentemos.

III. 3. 3. 3. 1. A propósito do crime de furto, dispõe o artigo 203.º/1 C Penal, no que se pode considerar como o tipo-base, que, “quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com multa”.
Prevê depois, o artigo 204.º, no seu n.º 2 e no seu n.º 2, respectivamente, 2 tipos de furto qualificados – em 1.º e em 2.º graus, a que correspondem, consoante a maior ou menor gravidade das circunstâncias, modificativas agravantes, dois escalões ou níveis de qualificação.
As circunstâncias qualificadoras do tipo legal de furto – ao contrário do que acontece quanto ao crime de homicídio - são elementos do tipo legal, são taxativas e de funcionamento automático, o que, desde logo, como assinala o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, tem importantes implicações: “por um lado, o tribunal não pode alargar o âmbito de uma circunstância legal, subsumindo-lhe uma situação da vida análoga e, por outro, não pode rejeitar a subsunção ao tipo qualificado de uma situação da vida formalmente cabível nalguma das alíneas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 204.º, mas que não revela um especial desvalor de acção ou de resultado”, cfr. Acórdão deste tribunal de 20.11.2013, in site da dgsi.
A enunciada diferença de gravidade está bem reflectida no caso dos autos.
Enquanto que a decisão recorrida integrou a conduta do arguido na previsão do tipo legal de furto qualificado da alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º, este defende, agora, que o deveriam ter sido tão só, na previsão do tipo de furto simples previsto no artigo 203.º/1.

Assim.
Na alínea e) do n.º 2 está prevista como circunstância qualificativa a introdução/penetração ilegítima ou ilegal em habitação, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado – como, de resto, na alínea f) do n.º1.
A diferença entre uma previsão e a outra está nos meios através dos quais a introdução tem lugar.
Se para o preenchimento do tipo de furto qualificado da alínea e) do n.° 2 do artigo 204.° não basta que o agente pratique o furto após penetrar em algum dos espaços ali referidos, exigindo-se ainda que a penetração se tenha processado por algum dos meios específicos que o legislador define, a saber: arrombamento, escalamento ou chaves falsas, já o mesmo não acontece na previsão da alínea f) do n.º 1 – para a qual basta a introdução ilegítima ou a permanência escondido com intenção de furtar.
Em ambos os casos - saliente-se – a matriz é comum: habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado.
Por sua vez, as noções legais de arrombamento, escalamento ou chaves falsas, estão consagradas no artigo 202.º, respectivamente, nas alíneas d), e) e f).
No que ao caso interessa a noção de “escalamento“ é a de “introdução em casa ou em lugar fechado dela dependente, por local não destinado normalmente à entrada, nomeadamente por telhados, portas de terraços ou de varandas, janelas, paredes, aberturas subterrâneas ou por qualquer dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada ou passagem”.
Assim, só existe escalamento em relação a casa ou a alugar fechado dela dependente.
Se a conduta não for suscetível de integrar o tipo qualificado nem em 1.º nem em 2.º grau, então, só nesse caso – como afinal defende o arguido – cairá no tipo legal simples.

III. 3. 3. 3. 2. Escalamento que, por não poder, materialmente, acontecer em relação aos veículos automóveis - com o objectivo de fazer equivaler ambas as circunstâncias de escalamento e de arrombamento a bens da mesma natureza - é que na Reforma operada em 1995, se eliminou a referência, que constava na versão primitiva do C Penal de 1982, em relação ao arrombamento - este já materialmente, possível - a referência a “móveis destinados a guardar quaisquer objectos” que constava do artigo 298.º/1
Assim ficou equivalente a aplicação quer do arrombamento, quer do escalamento – apenas a casas ou a lugares fechados delas dependentes.
Nesta sequência, de resto, veio o STJ a decidir através do então Assento 7/2000 - a propósito de um furto, com arrombamento em veículo automóvel é certo - que, “não é enquadrável na previsão da alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º C Penal a conduta do agente que, em ordem à subtracção de coisa alheia, se introduz em veículo automóvel através do rompimento, fractura ou destruição, no todo ou em parte, de dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada no interior daquele veículo”.
Isto porque, a expressão “espaço fechado” que consta da referida norma - e também da alínea f) do n.º 1 - tem, forçosamente, de ser entendida com o restrito sentido de lugar fechado dependente de uma casa, que no entanto, na dimensão que o conceito assume, não é de confinar ou restringir o conceito que se tenha de “casa” ou de mera habitação, pois que nele não só se devem incluir os estabelecimentos comerciais ou industriais - expressamente referidos na alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º - como, igualmente, outras realidades que, como “casa”, devam ser consideradas na perspectiva daquela citada alínea, v. g., casas de arrecadação, de abrigo, de recolha de alfaias agrícolas, etc.
Conceito que não consente, na ratio da sua amplitude, os veículos automóveis, pois que apresentam, desde logo, uma afectação específica a uma finalidade própria: a de transporte. E logo esta afectação basta para repelir qualquer ponto de contacto, qualquer aproximação ou qualquer sinonimização entre veículos automóveis e o conjunto (diversificado embora) das realidades que podem (ou que possam), sem esforço ou artificial expediente, merecer integração num conceito adequado (ainda que flexível) de “casa”.

III. 3. 3. 3. 3. Atentemos desde já no conceito de lugar fechado dependente de casa.
No que deve ser entendido como o recinto que dá acesso à casa e que não precisa de ser vedado. É o pátio, o jardim ou o terraço ligado à casa e com passagem para ela.
“Aliás, como, lapidar e consequentemente, se enfocou no citado Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 1998 “no conceito de outro espaço fechado”, cabem as “casas” de habitação, de estabelecimento comercial e industrial e ainda as outras casas que não podem incluir-se nessas realidades, bem como os lugares fechados delas dependentes, logo de seguida se pormenorizando que “nestes lugares fechados se incluem, por exemplo, os jardins murados e fechados anexos às “casas”, apud referido Assento 7/2000.
Donde, ressalta a ideia, como se referiu, ainda, neste aresto, que, “visível será também que o legislador reservou a qualificativa agravativa decorrente da alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º C Penal para os condicionalismos em que é posto em causa o valor jurídico «casa» ou realidades congéneres ou aproximadas (valor que, directa ou indirectamente, se prende ou se liga com ou a ideia de respeito pela privacidade e pela segurança especial que a deve envolver), concedendo-lhes, assim, uma específica coloração rigorizadora da sua violação, diversa, por mais gravosa, da que confere em relação aos veículos automóveis, mesmo que esta categoria de bens se tenha transformado, nos dias de hoje, num factor utilitário importante ou num pretenso índice de afirmação social”.

As razões que levaram o legislador a prever o agravamento da moldura penal abstracta é sinal de protecção acrescida ao bem jurídico que se visa tutelar – “casa” ou realidades congéneres ou aproximadas (valor que, directa ou indirectamente, se prende ou se liga com ou a ideia de respeito pela privacidade e pela segurança especial que a deve envolver), concedendo-lhes, assim, uma específica coloração rigorizadora da sua violação, diversa, por mais gravosa.
Ora, se o que reclama uma tutela penal reforçada é a habitação e o estabelecimento comercial ou industrial, então é compreensível que os espaços fechados que devem ter a mesma protecção acrescida sejam, apenas, os dependentes da casa, os que lhe são adjacentes e com ela estejam conexionados.
Da conjugação das normas contidas nas alíneas e) do n.º 2 do artigo 204.º com a noção de arrobamento e de escalamento, contida nas alíneas d) e e) do artigo 202.º, há que afirmar que o conceito de “outros espaços fechados” consagrado naquela, tem de ser conjugado com a definição dada por estas, pelo que aqueles “outros espaços fechados” correspondem aos lugares fechados dependentes das casas de habitação, de estabelecimento comercial ou industrial.
Daí que se venha entendendo que o espaço onde está instalado o estaleiro de uma obra de construção civil ou, mesmo, uma casa em construção, ainda que vedados com rede, não integram o conceito legal de “outro espaço fechado”, por não corresponderem a uma casa nem a um espaço fechado dela dependente.

III. 3. 3. 3. 4. Abandonando agora a aproximação que fizemos ao tema do recurso, através da análise da questão do espaço dependente de casa, para entrar no de “casa”, propriamente dito.
E como casa deve entender-se, que será todo o espaço físico, fechado, destinado a habitação ou a outras actividades de vivência do ser humano - assim incluindo não só as casas de habitação, mas também as casas de utilização comunitária — casas do povo, de saúde, de Justiça, de desporto, de educação, de convívio, da política - e as casas destinadas ao exercício de comércio ou indústria.
Quanto à decisiva questão de furto cometido em escola, devemos, desde já, referir que já no longínquo ano de 1988 este Tribunal decidiu pelo Acórdão de 6.1. que “constitui escalamento a introdução numa escola através de uma janela, embora situada a menos de 1 metro de altura do solo”, in CJ, I, 219.
Como o STJ através do Acórdão de 9.6.1999, apud Maia Gonçalves, C Penal Português, anotado e comentado, 17.ª edição, decidiu que, na norma contida na alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º C Penal, “se está ainda a pensar em espaços físicos que são susceptíveis de penetração, apenas se acrescentando a função que eles desempenham, donde por forma idêntica, a sede de um partido político estará aí contemplada através da expressão “outro espaço fechado”, como local ou “casa” em que se encontra instalada e, consequentemente se encontra abrangida pelas alíneas d) e e) do artigo 202.º”.
“O conceito de casa abrange a casa de habitação, mas também qualquer outro espaço físico fechado que possa ter a configuração de uma casa ou que funcione como tal, sendo ou não habitável, mas desde que corresponda e se encontre destinado a domicílio ou então ao exercício de qualquer actividade comercial ou industrial ou mesmo de serviços – ainda que inexplicavelmente esta última referência não se encontre expressamente no descritivo dos crimes de furto qualificado” - entendimento expresso no Acórdão deste Tribunal de 7.11.2012, in site da dgsi, com o qual, e, com a devida vénia, não podemos deixar de concordar.
Ou como se disse no Acórdão ainda deste Tribunal de 16.5.2012, in site da dgsi, em que foi relator o Sr. Desembargador aqui adjunto, se “o que verdadeiramente reclama uma tutela penal reforçada é a habitação e o estabelecimento comercial ou industrial, conceitos que, para este efeito, incluem os espaços fechados limítrofes, anexos ou a eles agregados, havendo um reduto de mais-valias ligado ao espaço físico dedicado à habitação e ao estabelecimento comercial ou industrial e suas dependências contíguas e fechadas que o legislador entendeu ser merecedor de uma tutela acrescida do bem jurídico”, então também as designadas casas da Justiça, da saúde, do povo, de educação, de convívio, da política, merecem a mesma tutela.
Da mesma forma a casa da reclusão e a cantina que nela existe, como dependência.

Donde nenhuma censura merece o decidido, pois que, em conclusão, o furto levado a cabo pelo recorrente, no interior da cantina do Estabelecimento Prisional, preenche, no caso, os elementos do tipo legal de crime de furto qualificado, pelas circunstâncias do arrombamento e de escalamento, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 202.º alíneas d) e e), 203.º/1 e da alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º C Penal.

III. 3. 4. A questão da reincidência, enquanto circunstância modificativa agravante.

III. 3. 4. 1. As razões do arguido.

Defende o arguido que, in casu, da fundamentação aduzida na decisão recorrida, não resulta, só por si, o preenchimento dos pressupostos formais e materiais do instituto da reincidência;
isto porque não se logrou explicitar, designadamente através da motivação para a prática dos factos e da personalidade do arguido, qual a conexão existente entre os crimes pelos quais houve condenação transitada em julgado e que constam do CRC do arguido e o crime em apreciação, o que constitui o requisito material do instituto em apreço;
nomeadamente, a decisão é omissa no apuramento dos motivos e na forma de execução da conduta criminosa imputada ao arguido, relevantes do ponto de vista da censura e da culpa e que lhe permitiriam concluir que a reiteração se radica na personalidade do arguido, onde se enraizou um hábito de praticar crimes, conforme preconiza o instituto em apreço;
dos fundamentos ali aduzidos, não é possível concluir de forma segura e por si só que as anteriores condenações não serviram de suficiente advertência contra o crime e, bem assim, que os factos em discussão não resultaram de um simples multi-ocasional na prática de crimes em que intervêm causas fortuitas ou exógenas;
assim, o certo é que da factualidade dada como provada não constam factos dos quais se pode retirar a ilação que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pelas anteriores condenações transitadas em julgado;
dos factos dados como provados resulta precisamente o contrário: a conduta criminosa sob apreciação teve alegadamente lugar em contexto completamente distinto do percurso anterior do arguido;
na verdade, enquanto as anteriores condutas criminosas plasmadas no CRC do arguido se verificaram em contexto de liberdade do arguido, o certo é que a conduta sob apreciação, no texto da própria acusação, teve lugar em ambiente prisional e no âmbito do cumprimento de uma pena de prisão efectiva;
tudo parece apontar, na situação sub judice, de uma eventual situação de delinquência pluriocasional, resultante de factores exógenos como por exemplo de degradação económica do arguido a cumprir pena em meio prisional, com todos os constrangimentos associados a essa realidade;
ademais, a mera menção ao C.R.C., sem o apuramento dos índices supra mencionados, afigura-se, só por si, insuficiente para o preenchimento deste último pressuposto.

III. 3. 4. 2. A este propósito considerou a decisão recorrida o seguinte:

“- o arguido B… fez o seu desenvolvimento pessoal num contexto de dependência de substâncias estupefacientes, com hábitos de trabalho pouco relevantes, sem fonte de rendimento e sem plataforma familiar;
- o arguido mantinha, à data dos factos, o seu quadro de dependência toxicológica, não se submetendo a tratamento;
- o arguido sofreu já condenações pela prática, entre outros, de três crimes de furto qualificado, um crime de furto de uso de veículo e um crime de furto simples, no período compreendido entre 27.05.2009 e 26.05.2010;
- os factos ora em apreço foram praticados no dia 28.07.2013.
Ora, daqui resulta, por um lado, que pelo cometimento do crime pelo qual vai condenado nos presentes autos - um crime de furto qualificado, p.p. pelo artigo 204.°/2 alínea e) do C Penal - a pena a aplicar não poderá deixar de ser uma pena de prisão efectiva, necessariamente superior a 6 meses, atenta a moldura abstracta do crime em causa.
Por outro lado, face aos supra elencados antecedentes criminais, à natureza dos ilícitos criminais cometidos e às concretas circunstâncias em que o foram, cremos que as solenes advertências contidas em tais condenações não foram suficientes para afastar o arguido do seu percurso criminoso.
Desta feita, e porque verificados estão os fundamentos formais e materiais, decidimos aplicar ao arguido B… a circunstância agravante da reincidência, prevista no artigo 75.º do C Penal, pelo que é a seguinte a moldura penal aplicável (cfr. artigo 76.º/1 do C Penal): pena de 3 anos a 8 anos de prisão, pela prática do crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204.º/2 alínea. e) do C Penal”.

III. 3. 4. 3. Atentemos.

O artigo 75º C Penal dispõe que:
“1. é punido como reincidente quem por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido cm prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime;
2. o crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade”.

A reincidência implica a agravação especial da pena, nos termos do artigo 76º C Penal, que determina que o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterado. A agravação não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores.
São pressupostos formais da reincidência, para além da prática de um crime, “por si só ou sob qualquer forma de participação”:
- ser o crime agora cometido doloso;
- ser este crime, sem a incidência da reincidência, punido com pena de prisão efectiva superior a 6 meses;
- que o arguido tenha antes sido condenado, por decisão transitada em julgado, também em pena de prisão efectiva superior a 6 meses, por outro crime doloso;
- que entre a prática do crime anterior e a do novo crime não tenham decorrido mais de 5 anos - este prazo suspende-se durante o tempo em que o arguido tenha estado privado da liberdade, em cumprimento de medida de coacção, de pena ou de medida de segurança.
Além daqueles pressupostos formais, a verificação da reincidência exige ainda um pressuposto material: que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.
A reincidência – que agrava a pena do delinquente que cometeu crimes depois de condenado anteriormente por outros da mesma espécie (reincidência específica, própria ou homótropa) ou de espécie diferente (reincidência genérica, imprópria ou polítropa) – assenta, essencialmente, num maior grau de culpa, decorrente da circunstância de, apesar de já ter sido condenado, insistir em praticar o mal, em desrespeitar a ordem jurídica, conquanto não lhe seja alheia, também, a perigosidade, ou seja, o perigo revelado, face à persistência em delinquir, de voltar a cometer outros crimes.
A censura do delinquente por não ter atendido a admonição contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores pressupõe e implica uma íntima conexão entre os crimes reiterados, conexão que poderá, em princípio, afirmar-se relativamente a factos de natureza análoga, segundo os bens jurídicos violados, os motivos, a espécie e a forma de execução [1], embora com a advertência de que a conexão poderá ser excluída, face a certas circunstâncias, entre elas, o afecto, a degradação social e económica, a experiência especialmente criminógena da prisão, por impedirem de actuar a advertência resultante da condenação ou condenações anteriores), a significar que o juízo necessário quanto à verificação deste pressuposto material da reincidência é distinto, consoante estejamos perante reincidência homótropa ou própria ou reincidência polítropa ou imprópria. [2]
De acordo com a jurisprudência que se veio firmando como dominante, a circunstância qualificativa da reincidência não opera como mero efeito automático das anteriores condenações (suposta uma sua correcta narrativa), não sendo suficiente erigir a história delitual do arguido em pressuposto automático da agravação. É de rejeitar uma concepção puramente fáctica da reincidência, que a faça resultar imediatamente da verificação de certos pressupostos formais, sendo necessária uma específica comprovação factual e uma avaliação judicial concreta, e de exigir uma ponderação em concreto sobre a verificação ou não verificação do referido pressuposto material, exactamente o de funcionamento não automático, com vista à demonstração de que as condenações anteriores não tiveram a suficiente força de dissuasão para afastar o arguido do crime.
Em todas as situações, decisivo será saber se, perante as circunstâncias, deve censurar-se o agente por não se ter deixado motivar pela advertência contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores, sendo certo que o pressuposto material do critério essencial dessa censura, está, atentas as circunstâncias do caso, na referida íntima conexão entre os crimes reiterados, que deva considerar-se endogenamente relevante na ponderação daquela censura e da consequente culpa.
Não basta, pois, que o agente tenha cometido um crime doloso a seguir a outro crime doloso, nas circunstâncias acima referidas, embora tal constitua um pressuposto necessário: é ainda necessário que o agente deva ser censurado por as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.
Isto porque, a reiteração criminosa pode resultar de causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas – caso em que inexiste fundamento para a especial agravação da pena por não se poder afirmar uma maior culpa referida ao facto – e não operando a qualificativa por mero efeito das condenações anteriores, a comprovação da íntima conexão entre os crimes não se basta com a simples história criminosa do agente, antes exige uma “específica comprovação factual, de enunciação dos factos concretos dos quais se possa retirar a ilação que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pela anterior condenação transitada em julgado e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor”. [3]
Para proceder a reincidência será, então, necessário, além da verificação dos respectivos pressupostos legais formais, decorrentes das condenações anteriores, que haja factualidade subsequente demonstrativa de que o arguido não se sentiu suficientemente advertido ou intimidado com as condenações anteriores (mormente com a última condenação), para não delinquir, (trata-se fundamentalmente de prevenção especial) ou, que apesar das condenações anteriores, o arguido continua a carecer de socialização acrescida, exigindo-se de todo o modo, atentas as circunstâncias do caso, uma íntima conexão entre os crimes reiterados que seja adequadamente relevante em termos de censura e de culpa.
Faz-se assim a exigência da concreta verificação do funcionamento desta qualificativa, o que implica indagação da correspondente matéria de facto.
Daí a necessidade de uma específica comprovação factual, de enunciação dos factos concretos dos quais se possa retirar a ilação de que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime, veiculada pela anterior condenação transitada em julgado e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor.
Só através da análise do caso concreto, do seu específico enquadramento, de uma avaliação judicial concreta do pleno das circunstâncias que enformam a vivência do arguido no período em causa, se poderá concluir estarmos perante um caso de culpa agravada, devendo o arguido ser censurado por a condenação anterior não lhe ter servido de suficiente advertência contra o crime, ou antes, face a uma falta de fundamento para a agravação da pena, por se estar perante simples pluriocasionalidade.
No condicionalismo da parte final do n.º 1 do artigo 75º C Penal encontra-se espelhada a essência da reincidência, sendo exactamente face à necessária análise casuística que se distinguirá o reincidente do multiocasional.
A pluriocasionalidade verifica-se quando a reiteração na prática do crime seja devida a causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas, que não radicam na personalidade do agente, em que não se está perante a formação paulatina do hábito enraizada na personalidade, tratando-se antes de repetição, de renovação da actividade criminosa meramente ocasional, acidental, esporádica, em que as circunstâncias do novo crime não são susceptíveis de revelar maior culpabilidade, em que desaparece a indiciação de especial perigosidade normalmente resultante da reiteração dum crime.
A pluriocasionalidade será visível quando, mais que a uma propensão para o crime, a uma carreira criminosa, a uma qualidade desvaliosa enraizada na personalidade do agente, a sucumbência ao crime seja devida a causas meramente fortuitas, acidentais, exclusiva ou predominantemente exógenas e não à sua perigosidade.
A reincidência é, pois, a resposta negativa ao convite formal, explícito, contido na condenação anterior de fidelização futura ao direito que, mais do que indiferença, denota evidente rebeldia.
A pluriocasionalidade fica atestada, certificada, face à mera constatação da “sucessão” de crimes. Com tanto não se basta a reincidência, cuja certificação está dependente de apreciação e decisão judicial.
Para que a reincidência actue é, então, necessário, para além da verificação dos pressupostos formais previstos no artigo 75º C Penal, que a condenação ou condenações anteriores não tenham constituído suficiente advertência contra o crime, o que radica numa vertente de prevenção especial, que implica indagação da correspondente matéria de facto.
“É no desrespeito ou desatenção do agente por esta advertência que o legislador vê fundamento para uma maior censura e portanto para uma culpa agravada relativa ao facto cometido pelo reincidente. É nele, por conseguinte, que reside o lídimo pressuposto material – no sentido de pressuposto de funcionamento “não automático” – da reincidência”. [4]
Tem o STJ sufragado a doutrina segundo a qual o critério essencial da censura ao agente por não ter atendido a admonição contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores, se não implica um regresso à ideia de que verdadeira reincidência é só a homótropa (homogénea ou específica), exige de todo o modo, atentas as circunstâncias do caso, uma íntima conexão entre os crimes reiterados que deva considerar-se relevante do ponto de vista daquela censura e da consequente culpa.
“Uma tal conexão poderá, em princípio, afirmar-se relativamente a factos de natureza análoga segundo os bens jurídicos violados, os motivos, a espécie e a forma de execução; se bem que ainda aqui possam intervir circunstâncias (…) que sirvam para excluir a conexão, por terem impedido de actuar a advertência resultante da condenação ou condenações anteriores. Mas já relativamente a factos de diferente natureza (reincidência polítropa, genérica ou heterogénea) será muito mais difícil (se bem que de nenhum modo impossível) afirmar a conexão exigível. Desta maneira, é a distinção criminológica entre o verdadeiro reincidente e o simples multiocasional que continua aqui a jogar o seu papel”. [5]
“Daqui resulta que se em causa estiverem crimes de natureza muito diferente, não basta alinhar o percurso criminoso do arguido. Impõe-se um especial cuidado na descrição dos factos e circunstâncias (forma de execução e fins e motivos) que, ligando entre si o cometimento dos diversos crimes, indiciem que a sucumbência agora verificada foi, é, consequência de uma qualidade desvaliosa enraizada na personalidade do arguido e não fruto de causas fortuitas, acidentais, exclusiva ou predominantemente exógenas que caracterizam a pluriocasionalidade”. [6]
“Na verdade, na reincidência específica ou homótropa a verificação da ausência de efeitos positivos de anterior condenação surge, em regra, deduzida in re ipsa, sem necessidade de integração através de verificações adjacentes ou complementares: in re, porém, não como uma qualquer decorrência automática, apenas no sentido em que a relação entre a condenação anterior e a prática posterior de um mesmo crime, em condições semelhantes (como é o tráfico de estupefacientes), não teve o efeito de advertência contra a prática de novo crime, isto é, de prevenir a reincidência”. [7]
De resto, não se olvidando, [8] “que o juízo necessário quanto à verificação do pressuposto material da reincidência é distinto, consoante estejamos perante reincidência homótropa ou própria ou reincidência polítropa ou imprópria, havendo que ter em atenção que para tal exercício de indagação se mostra necessário especificar no elenco das condenações o tipo, natureza e espécie dos crimes anteriores de modo a poder relacioná-los com os recentes, numa situação em que na sentença, na sequência da acusação, para além da narrativa das condenações anteriores, não existe a mínima referência factual que substancie o elemento material, quedando-se pela formulação de juízo conclusivo do género “verifica-se, assim, que descontado o período de tempo durante o qual o arguido esteve detido, o mesmo cometeu, em período inferior a cinco anos, vários crimes dolosos, e que, uma vez em liberdade, não refez a sua vida, afastando-se da criminalidade, pelo que é de concluir que as condenações anteriores não lhe serviram de suficiente advertência contra o crime, e que tal lhe é censurável” - sem nada se referenciar no que toca à personalidade do arguido e sobre a questão de saber se se verifica ou não uma íntima conexão entre o crime anterior e o actual e, se ela, a existir, deve ou não considerar-se relevante do ponto de vista de maior censura e da culpa agravada,
pode-se defender estar, consoante os casos, perante 1 de 3 posições:
1. perante uma acusação manifestamente infundada, nos termos do artigo 311º/2 alínea a) e 3 alínea b) C P Penal, em caso de insuficiência factual da acusação, que fundamenta a reincidência apenas na prática do crime anterior, fazendo-a derivar da anterior condenação como sua consequência automática, sem arrolar nenhum facto específico capaz de indiciar o pressuposto material;
2. perante a nulidade da sentença por omissão de pronúncia relativamente a estes pontos, sendo a sentença nula, nos termos do artigo 379º/1 alínea c) C P Penal;
3. perante o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do artigo 410º/2 alínea a) C P Penal.

III. 3. 4. 4. A aproximação ao caso concreto.

Usualmente consta do elenco dos factos a afirmação de que “as condenações sofridas pelo arguido em momento anterior não lhe serviram de suficiente advertência contra o crime”, sendo certo, contudo, que tal não constitui um “facto” propriamente dito, isto é, uma realidade da vida, antes uma conclusão coincidente em parte com os dizeres da própria lei.
Expressão que, de resto, é parte do pressuposto material exigido por lei, faltando-lhe, ainda, para que o pressuposto ficasse completo, a censurabilidade ao agente por não ter assumido a advertência de que as condenações anteriores materializaram.
Afirmação que, para além de conter matéria de direito, seria ainda irrelevante por lhe faltar aquele aspecto fundamental do pressuposto material da reincidência.
O que interessa são os factos que possibilitam aquele juízo imposto por lei, não o próprio juízo que constitui o pressuposto legal: esse é matéria de consideração de direito, da decisão sobre os factos provados, um dos quais é inegavelmente a repetição criminosa por parte do arguido, ou seja a reincidência formal.
Donde, se deve considerar como não escrito tal “facto” conclusivo ou de ordem meramente jurídica, com fundamento no artigo 646º/4 C P Civil, aplicável subsidiariamente, por força do artigo 4º C P Penal, onde se dispõe que “têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito”.
Mas no caso concreto nem isso.
No caso em apreço temos,
a descrição dos factos dos autos e,
a relação de outras condenações, com datas, penas e crimes.

Ora, como vimos já, o requisito material deve ser preenchido com matéria de facto concreta.
Para a sua verificação é essencial a existência de averiguação, depois da alegação, de factos concretos que demonstrem que as condenações anteriores não constituíram suficiente prevenção para o agente não voltar a delinquir.
No caso, não foram alegados na acusação, desde logo, os pertinentes factos atinentes ao requisito material da reincidência - juízo de censura inerente à reincidência, pelo facto de as condenações anteriores não terem servido ao arguido de suficiente advertência contra o crime.
Não foi, como devia, de todo, alegada qualquer materialidade, nem sequer conclusiva, sobre o essencial – a verificação de um defeito de personalidade do arguido, que o tenha levado a ficar indiferente às solenes advertências contidas naquelas suas anteriores condenações, a importar, sempre, em última análise, se descrevesse, primeiro e se indagasse, depois, o modo de ser do arguido, a sua personalidade, o seu posicionamento quanto aos ilícitos cometidos, o seu percurso de vida e o respectivo reflexo nos crimes cometidos, a forma, o enquadramento fáctico e a motivação que lhes subjaz, tudo, de modo a poder decidir-se se a apontada condenação lhe serviu ou não de suficiente advertência contra o crime.
No caso concreto não se apurou tal circunstancialismo, que, de resto, nem sequer da acusação, qualquer referência sobre ele, constava.
Bastou-se com o rol dos antecedentes criminais e com a prática destes novos factos, no interior do EP, é certo.
E, como se viu, importaria saber, desde logo, se a reiteração criminosa foi devida a causas exógenas que excluem a conexão entre os crimes – como, de resto defende o arguido - e mormente sobre os apontados efeitos criminógenos do cumprimento de anteriores penas privativas da liberdade e, seria, então, em face da conclusão a extrair destes elementos de facto, que se poderia julgar ou não, verificado o elemento material da reincidência.

Nesta medida, face à posição assumida pelo MP na acusação pública, na falta de qualquer facto, conclusivo que seja, relativo ao elemento material da reincidência, importa que se não possa, sequer, ter como verificada tal circunstância modificativa agravante.
Donde, não tem suporte fáctico, e por isso carece de fundamento legal, a agravação da moldura penal abstracta no seu patamar mínimo - que no caso conduz a uma pena de 2 anos e 8 meses de prisão (o que equivale a 2 anos mais 1/3) e não de 3 anos, como foi decidido - no pressuposto – que não ocorre - da sua verificação, cuja falta não pode ser suprida pela sua apreciação e consideração, desde logo, tão só, nos fundamentos de Direito da sentença – onde além das considerações de ordem geral, atinentes ao texto da lei e à sua interpretação, se deixou, então exarado que, “(…) face aos supra elencados antecedentes criminais, à natureza dos ilícitos criminais cometidos e às concretas circunstâncias em que o foram, cremos que as solenes advertências contidas em tais condenações não foram suficientes para afastar o arguido do seu percurso criminoso”.
Mas quais circunstâncias? Se, em relação aos crimes anteriores, nada consta. E o simples facto – ainda que deveras impressivo – de o último crime ter sido praticado no interior do EP, só por si, não é de molde, não tem a virtualidade de demonstrar, de evidenciar, sem sombra de dúvida, que as anteriores condenações não atuaram como suficiente advertência contra o crime.
Faltou descrever e depois indagar sobre o modo de ser do arguido, a sua personalidade, o seu posicionamento, a forma, o enquadramento fáctico e a motivação que subjaz a todos os ilícitos cometidos, única forma de se poder aquilatar sobre se as apontadas anteriores condenações lhe serviram, ou não, de suficiente advertência contra o crime. Ou se os factos dos autos nenhum ponto de ligação, de contacto, têm com as anteriores condenações. Se a matriz é diversa e puramente ocasional.

III. 3. 4. 5. Implicações da não verificação da circunstância modificativa agravante da reincidência.

Somos assim, confrontados com a moldura pena abstrata de prisão de 2 a 8 anos.
A propósito da determinação da medida da pena, na decisão recorrida e numa moldura abstracta de prisão de 3 a 8 anos, para a final se encontrar a pena de 3 anos e 2 meses de prisão, ponderou-se o seguinte:

“a favor do arguido temos o valor pouco relevante dos bens subtraídos - 221,80 € - a recuperação dos mesmos, e o montante de pouca monta dos danos causados - 41,50 €.
Em desfavor do arguido: a intensidade do dolo, directo; o arguido à data dos factos tinha antecedentes criminais pela prática de crimes de furto (simples e qualificado), com condenações em penas de prisão efectivas. O arguido não possuiu hábitos de trabalho, atenta a sua marcada toxicodependência. Por fim, frise-se as elevadas exigências de prevenção geral que no caso se fazem sentir, atento o alarme social que situações como as dos autos causam, nomeadamente no seio da população de um estabelecimento prisional”.

Assim, perante o exposto e tendo presente as circunstâncias avaliadas na decisão recorrida, sendo ainda de ponderar a agravar a ilicitude da actuação do arguido a circunstância de os facto terem sido levados a cabo no interior do EP onde estava em cumprimento de pena – que lhe deveria servir, no mínimo, de factor de inibição e dissuasão - justifica-se se proceda à reponderação da pena fixada em 3 anos e 2 meses de prisão – numa moldura abstracta de prisão, não de 3 a 8 anos, como na decisão recorrida se assumiu, mas sim, de 2 anos e 8 meses a 8 anos - tendo em consideração a nova moldura de prisão de 2 a 8 anos, julgando-se assim adequada à sua culpa mediana, a título de dolo directo e não mitigado por qualquer circunstancialismo, o mediano grau de ilicitude, consubstanciado no valor do produto do furto, recuperado, por ter sido surpreendido entretanto na posse dele e no diminuto dano causado para perpetrar os factos, por um lado e, no local do crime, por outro, bem como, a sua apurada personalidade, que em absoluto se coaduna com os factos e, os antecedentes criminais nesta mesma matéria, a fixação da pena em 3 anos de prisão.
Pena esta que, naturalmente em relação à aplicada em 1.ª instância não tem a virtualidade de integrar situação de “reformatio in pejus”, consabidamente proibida.

III. 3. 5. A espécie da pena.

III. 3. 5. 1. As razões do arguido.

Finalmente defende ser caso de se decretar a suspensão da execução da pena de prisão.
Isto, porque, atento o espírito do instituto previsto no artigo 50.° C Penal, no caso dos autos, afigura-se ainda possível a formulação de um juízo de prognose positivo relativamente ao seu comportamento futuro, nomeadamente se for atendida, como deve ser, a factualidade vertida nos pontos 27 a 30 dos factos dados como provados pelo Tribunal recorrido, seja:
"27. Em Agosto de 2013 o arguido foi transferido para o EP de Paços de Ferreira para a Secção de Segurança, onde tem demonstrado mais estabilidade.
28. O arguido tem trabalhado na faxina, mantendo um adequado relacionamento com os elementos de segurança daquele espaço.
29. Desde a data referida em 27 o arguido não voltou a consumir substâncias estupefacientes, reconhecendo tal como factor da sua mudança de comportamentos.
30. O arguido conta com visitas regulares da mãe e das irmãs, as quais se mostram dispostas a apoiar o arguido, quando este em liberdade;
e a pena de prisão efectiva deve ser a regra para os crimes que se posicionam no segmento da criminalidade mais gravosa, especialmente os crimes contra as pessoas e, em geral, os que integram a designada "criminalidade violenta" e "criminalidade altamente organizada", o que manifestamente não é o caso dos autos – que se reconduz, afinal, à subtração de tabaco do interior de uma cantina de uma prisão.

III. 3. 5. 2. Os fundamentos da decisão recorrida.

A este propósito ali se expendeu da forma seguinte:

“dada a circunstância de o arguido ter antecedentes criminais por crimes da mesma natureza da dos autos, encontrar-se em cumprimento de pena efectiva de prisão, impendendo sobre si o cumprimento sucessivo de outras penas de prisão efectiva, não tendo hábitos de trabalho adquiridos antes do cumprimento de tais penas, não apresentar sentido crítico quanto aos factos objecto dos autos, entendemos que a simples censura do facto e a ameaça do cumprimento da pena (…) não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que se decide pelo cumprimento efectivo da determinada pena de prisão”.

III. 3. 5. 3. Vejamos.

Como é sabido, a suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos, artigo 50º/1 C Penal, deve ter lugar sempre que, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, for de concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Finalidades, que nos termos do artigo 40º/1 C Penal, são, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
A suspensão da execução da pena constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas.
Esta pena de substituição se acompanhada de medidas e de condições, admitidas na lei, que forem consideradas adequadas a cada situação, permite, além disso, manter as condições de sociabilidade próprias à condução da vida no respeito pelos valores do direito como factores de inclusão, evitando os riscos de fractura familiar, social, laboral e comportamental como factores de exclusão.
Não são considerações de culpa que devem ser tomadas em conta, mas juízos prognósticos sobre o desempenho da personalidade do agente perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias do facto, que permitam fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas.
A decisão da suspensão da execução da pena não depende de um qualquer modelo de discricionariedade, mas, antes, do exercício (também aqui) de um poder-dever vinculado, devendo ser decretada, na modalidade que for considerada mais conveniente, sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos.
Para este efeito, é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática dos factos, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição.
A suspensão da execução da pena realiza de modo decisivo, um programa de política criminal, que tem como elemento nuclear a não execução de curtas e médias penas de prisão, na medida do possível e, socialmente suportável pelo lado da prevenção geral, relativamente a casos de pequena e mesmo de média criminalidade.
E, deste modo, as penas de prisão aplicadas em medida não superior a 5 anos, devem ser, em princípio, suspensas na execução, salvo se o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do agente se apresentar claramente desfavorável, e a suspensão for impedida por prementes exigências geral-preventivas, em feição eminentemente utilitarista da prevenção.

Terá que ser o arguido a demonstrar, terá que ser o arguido a permitir – mormente, pelo seu comportamento e pela sua postura - que o Tribunal possa concluir por que, em relação a si, se pode, se deve, correr o risco, que sempre teria que ser prudentemente calculado, de afirmar que num juízo de prognose favorável, em face das circunstâncias da sua vida e da sua personalidade, a simples ameaça da prisão e a censura dos factos seria adequada e suficiente para as finalidades da punição.
A este propósito, não falta quem sustente que em caso de dúvida, que não possa ser ultrapassada, sobre o carácter favorável da prognose, impor-se-ia fazer funcionar imediatamente o princípio in dubio pro reo e, em função dele, decretar a suspensão da execução da pena. Entendimento que não é de aceitar, pois que não está aqui em causa uma qualquer certeza, mas antes a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda.
O Tribunal deve encontrar-se disposto a correr um certo risco – fundado e calculado – sobre a manutenção do agente em liberdade.
Havendo, porém, razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não repetir crime, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada.
Como nota Jescheck, o princípio in dubio pro reo vale só para os factos que estão na base do juízo de probabilidade, mas desta deve o Tribunal estar convencido. [9]

Não tanto pela natureza e pela dimensão dos factos, afinal 1 crime de furto qualificado, mas mais, pelas às características da personalidade do agente, que está por detrás, a pena de prisão, apenas em condições excepcionais, deve ser suspensa. Seguramente, quando o arguido confesse a factualidade apurada, se mostre sinceramente arrependido, não tenha antecedentes criminais, demonstre uma vontade efectiva de mudar de estilo de vida e reúna as condições pessoais e familiares, que permitam suportar e encorajar tal desiderato, tudo de forma a que o tribunal possa fazer um juízo favorável sobre o seu comportamento futuro.
Pois que – como é sabido – o que releva, nesta matéria, é a existência de uma prognose social favorável ao arguido, ou seja a esperança de que sentirá a sua condenação como uma advertência e que de futuro não cometerá nenhum crime.
Dito de outra forma, a partir das exigências dos próprios fins das penas e, também numa perspectiva derivada do próprio direito constitucional, no caso, a proibição do excesso, que impõe que se não aplique uma pena detentiva quando exista outra viável de menor gravidade.
Se o agente está socialmente integrado bastará uma função de advertência da pena; se o agente não está integrado e apresenta um défice de socialização o indicado é um tratamento ressocializador de forma ambulatória ou estacionária.
É certo que, desde logo, constitui realidade substancialmente diversa, suspender a pena de prisão, a quem nunca foi objecto da censura inerente a uma anterior condenação pelo mesmo crime, em relação a alguém que o fora já e, o arguido, como vimos já, antes da prática destes factos não só já tinha sido condenado, inúmeras vezes, designadamente por crimes de furto, como, já tinha cumprido pena de prisão – como de resto acontece, actualmente e, acontecia à data da prática dos factos.
Assim, no caso concreto, da realidade envolvente que traduz a personalidade do arguido, que o leva a praticar um furto no interior do estabelecimento prisional onde está em cumprimento de pena pelo crime de furto, cremos não se poder emitir um tal juízo de prognose favorável e se conclua por que a simples ameaça da prisão, seja suficiente para o afastar da prática de novos crimes.
Como se viu, nem a aplicação de pena de prisão efectiva o foi. Tão pouco, a execução da prisão na cárcere.
Em resumo:
a personalidade revelada pelo arguido, evidenciada na cronologia dos antecedentes criminais e a manutenção ao longo dos tempos de um padrão de vida desconforme com as regras que regulam a vida em sociedade, está, de tal forma, tão fortemente carecida de socialização, evidenciando um tal défice de valores, que envolve, por isso, exigências de prevenção especial que reclamam a aplicação de pena de prisão efectiva;
a evolução na continuidade que a sua vida evidencia, sugere, aponta, para o facto de que a sua desejável socialização, se não possa verificar com a suspensão da execução da pena;
ou,
recuperando a posição inicial - de que o tribunal só deve negar a substituição da pena de prisão quando a execução da pena se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que a substituição - a conjugação dos apontados factores não permite a afirmação de que o défice de socialização do arguido, no presente, se equacione com uma função de advertência da pena, não se podendo concluir que a ameaça da pena baste para o afastar da criminalidade.

Assim, improcede, também, este segmento do recurso.

IV. Dispositivo

Nestes termos e com os fundamentos mencionados, acordam os Juízes que compõem este Tribunal em conceder, parcial, provimento ao recurso apresentado pelo arguido B…, em função do que,

1. se revoga a decisão recorrida no segmento em que o teve como reincidente e,
2. se reduz a pena para os 3 anos de prisão,
3. se confirma, no mais, a decisão recorrida.

Sem tributação.

Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1º signatário.

Porto, 2015.julho.01
Ernesto Nascimento
Artur Oliveira
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[1] cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 269.
[2] cfr. Acórdão STJ de 28.2.2007 in processo 9/07.
[3] Cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 28.2.2007, processo 9/07, 3.ª, de 16.1.2008, processo 4638/07, 3.ª, de 26.3.2008, processo 306/08, 3.ª e 4833/07, de onde foi retirado o trecho transcrito.
[4] Como refere Figueiredo Dias in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 268.
[5] Ibidem.
[6] Cfr. Ac. do STJ de 4.12.2008.
[7] Cfr. Ac. do STJ de 26.03.2008, processo 306/08-3.ª.
[8] Como diz o Prof. Figueiredo Dias in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 269.
[9] Cfr. Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As consequência jurídicas do crime, 344.