Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
327/05.5PGMTS-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO COSTA
Descritores: CONTUMÁCIA
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO
Nº do Documento: RP20210512327/05.5PGMTS.P1
Data do Acordão: 05/12/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O art. 120º, n º 3 do Código Penal, suspensão da prescrição em caso de declaração de contumácia, deve ser lido e interpretado como sendo único independentemente do número de vezes que no processo se declarou a contumácia.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n º 327/05.5PGMTS-A.P1

Acórdão, julgado em conferência, na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I-Relatório.
Ministério Público não se conformando com o despacho que não considerou prescrito o procedimento criminal movido ao arguido declarado contumaz B… proferido no Tribunal Judicial da Comarca de Porto- Juízo Local-Secção Criminal de Matosinhos-J3, que nos autos à margem referenciados decidiu:
Assim sendo, constata-se que o prazo de prescrição se completará em 09 de Março de 2023 (4 anos, 5 meses e 2 dias de prazo prescricional decorrido até à 1.º declaração de contumácia + 3 anos 0 meses e 28 dias de tempo prescricional remanescente até se completarem os 7 anos e 6 meses.
Contados esse 3 anos e 28 dias desde 9 de Fevereiro de 2020 o prazo final é de 9 de Março de 2023).
Pelo exposto, fiquem os autos a aguardar que o arguido se apresente ou seja conhecido o seu paradeiro.”, veio recorrer nos termos que ali constam, que ora aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos, concluindo pela forma seguinte (partes relevantes): (transcrição)

“CONCLUINDO:
1. Entendeu o douto Tribunal a quo, no despacho que se põe em crise, que o prazo de 5 anos (isto por referencia ao concreto crime em questão, cujo o prazo de prescrição ´de 5 anos) a que se refere o nº3 do artigo 121.º do C.P., se reporta a cada declaração de contumácia existente no processo, o que equivale a dizer a que, existindo mais do que uma declaração de contumácia relativamente a um arguido podemos ter no limite tantos 5 anos de suspensão quantas as declarações de contumácia declaradas nos autos.
2. Salvo o devido respeito por opinião em contrário, entendemos que tal posição, embora não contrariada pela letra da lei, vai contra a sua ratio.
3. Entendemos que, quando a lei diz “a suspensão (por via da contumácia) não pode ultrapassar o prazo normal da prescrição” quer efetivamente dizer que por via da aplicação/decretamento do instituto da contumácia o prazo de prescrição não pode ficar suspenso mais do que normal prazo de prescrição para o crime em questão, isto independentemente do número de vezes que a contumácia seja decretada em determinado processo.
4. Veja-se que, o que se pretendeu com a introdução da limitação à suspensão do prazo da prescrição por via da contumácia, foi justamente encurta-la até a um ponto em que o legislador entendeu como aceitável – que foi o normal prazo de prescrição do crime.
5. Entendimento diferente, poderá levar-nos a situações em que se perdure excessivamente no tempo a suspensão do decurso do prazo da prescrição por esta via, traindo assim o espirito da lei, que visa (no nosso entendimento) evitar situações de desconformidade jurídica, designadamente a manutenção de procedimentos criminais por factos há muito tempo praticados e por isso esquecidos, gerando a eventual ocorrência de julgamentos e condenações onde se constate a atual impossibilidade de se cumprirem os fins das penas, por desnecessidade da prevenção geral e especial.
6. Daí que, no caso concreto, sejamos da opinião que o presente procedimento criminal esteja prescrito, pelo menos, desde 9-10-2020.
7. Razão pela qual entendemos que a decisão que agora se põe em crise viola do disposto no artigo 121.º, nº1 al.c) e nº3, e se roga seja a mesma substituída por outra, que declare o presente procedimento criminal prescrito.”

Não houve resposta.
Neste tribunal de recurso o Digno Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu pugnou pela procedência do recurso.
Cumprido o preceituado no artigo 417º número 2 do Código Processo Penal nada veio a ser acrescentado de relevante no processo.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.
II. Objeto do recurso e sua apreciação.
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pela recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar (Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, nomeadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do CPP.
Prescrição do procedimento criminal por força do disposto no art. 120º, n º 3 do Código Penal.
Do enquadramento dos factos.
1.Decisão questionada.
“O arguido B… está acusado nestes autos da prática, em 9 de Abril de 2005, de um crime de aproveitamento de obra contrafeita previsto e punido pelos arts. 197.º e 199.º do Código dos Direitos de Autor a que corresponde pena de prisão até 3 anos e multa de 150 a 250 dias.
O prazo de prescrição do procedimento criminal é de 5 anos – art. 118.º, n.º 1, al. c) do Código Penal.
O arguido nunca foi constituído e interrogado como tal.
Por despacho datado de 11 de Setembro de 2009 (fls. 216 e 217) foi declarada a contumácia do arguido, sendo que até essa data haviam já decorrido 4 (quatro) anos, 5 (cinco) meses e 2 (dois) dias desde a prática do crime.
A declaração de contumácia constituía, ao tempo, causa de suspensão de prescrição, nos termos do art.º 120 n.º 1 c) do Código Penal, sem prazo de duração máxima.
Porém, de acordo com a redacção do art.º 120 do Código Penal, introduzida pela Lei 19/2013, de 21 de Fevereiro, e imediatamente aplicável a processos pendentes, passou a dispôr-se no n.º 3 daquele artigo que “no caso previsto na alínea c) do n.º 1 a suspensão não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição”, ou seja, 5 anos no caso dos autos.
A declaração de contumácia constituía, e constitui, igualmente causa de interrupção da prescrição – art.º 121 n.º 1 c) Código Penal
Em 2 de Março de 2013 foi o arguido notificado pessoalmente da acusação (fls. 416, facto em que, por lapso, não se atentou no anterior despacho), o que, nos termos da previsão do art.º 120 n.º 1 b) e 121 n.º 1 b) Código Penal constitui causa de interrupção e de suspensão da prescrição, suspensão que não pode ir para além de 3 anos (art.º120 n.º 2).
A declaração de contumácia foi considerada caducada em 4 de Junho de 2013.
Porém, em 09 de Fevereiro de 2015 o arguido foi novamente declarado contumaz, sendo que entre 11 de Setembro de 2009 e 2 de Março de 2013 a prescrição foi interrompida e passou a estar suspensa por força da previsão do art.º 121 n.º 1 c) e 120 n.º 1 c) Código Penal; entre 2 de Março de 2013 e 9 de Fevereiro de 2015 o prazo prescricional foi interrompido e esteve suspenso por força da supra referida previsão do art.º 121 n.º 1 b) e 120 n.º 1 b) do Código Penal; e a partir de 9 de Fevereiro de 2015 a prescrição foi interrompida e passou a estar suspensa por força da previsão do art.º 121 n.º 1 c) e 120 n.º 1 c) Código Penal.
Como se referiu supra, dispõe o artigo 120.º, n.º 3 Código Penal que a suspensão do prazo de prescrição por efeito da contumácia não pode ser superior ao prazo normal da prescrição (aqui, 5 anos).
Considera-se, todavia, que a lei se reporta a cada declaração de contumácia (“a” declaração de contumácia) não impondo que as várias situações de contumácia que porventura possam ocorrer num mesmo processo relativamente a um mesmo arguido sejam unificadas. Se assim fosse nem se poderia falar de interrupções/suspensões de prescrição distintas para cada declaração. Julga-se que a letra da lei aponta no sentido de que cada declaração de contumácia constitui uma forma de interrupção de e suspensão da prescrição própria, como próprio é prazo máximo de suspensão da prescrição decorrente de cada uma.
E assim sendo, o prazo de prescrição voltou a correr em 09 de Fevereiro de 2020 (decorridos os 5 anos desde a declaração de contumácia de 9 de Fevereiro de 2015) pelo que esse prazo só se completaria em 09 de Fevereiro de 2025.
Porém o artigo 121.º, n.º3 do Código Penal estatui que ressalvado o período de suspensão, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando ocorrer o prazo normal de prescrição acrescido de metade, o que no caso dos autos aponta para os 7 anos e meio.
Assim sendo, constata-se que o prazo de prescrição se completará em 09 de Março de 2023 (4 anos, 5 meses e 2 dias de prazo prescricional decorrido até à 1.º declaração de contumácia + 3 anos 0 meses e 28 dias de tempo prescricional remanescente até se completarem os 7 anos e 6 meses.
Contados esses 3 anos e 28 dias desde 9 de Fevereiro de 2020 o prazo final é de 9 de Março de 2023).
Pelo exposto, fiquem os autos a aguardar que o arguido se apresente ou seja conhecido o seu paradeiro.”

2.
O arguido foi acusado em 17.02.09 da prática de um crime de aproveitamento de obra contrafeita ou usurpada p. e. p. pelo art. 199º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, no dia 09.04.2005.
3.
A acusação foi recebida em 05.06.2009.
4.
O arguido foi declarado contumaz em 11.09.2009.
Após notificação por carta rogatória e, 02.03.2013, foi declarada caducada a declaração de contumácia em 04.03.2013.
5.
Por força de AUJ de 05/2014, foi o arguido declarado novamente contumaz em 09.02.2015.

Apreciação

O âmbito do recurso é delimitado pelo teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo da apreciação pelo tribunal ad quem das questões de conhecimento oficioso.
A questão sub judice é a de saber se por cada declaração de contumácia e consequente suspensão da prescrição se reinicia novo prazo normal da prescrição.
O tribunal a quo entendeu no sentido afirmativo ao contrário do entendimento do M.P. segundo o qual tal prazo abarca todas as declarações de contumácia existentes no processo, o que no caso dos autos levaria à extinção do procedimento criminal.
Como se sabe, é pacífico que a prescrição do procedimento criminal expressa a renúncia por parte do Estado ao seu direito de punir, recusa esta estribada no decurso de certo período temporal.
Quer isto dizer que, decorrido certo tempo depois da prática de um facto ilícito-típico, deixa de ser possível o procedimento criminal.
A razão de ser da prescrição do procedimento criminal radica assim, fundamentalmente, na impossibilidade de se cumprirem os fins das penas, nomeadamente na desnecessidade da prevenção geral e especial, relacionada com o esquecimento do facto criminoso por efeito do lapso de tempo entretanto decorrido.
Como ensina a este propósito o Prof. Figueiredo Dias «quem for sentenciado por um facto há muito tempo cometido e mesmo porventura esquecido, ou quem sofresse a execução de uma reacção criminal há muito tempo já ditada correria o sério risco de ser sujeito a uma sanção que não cumpriria já quaisquer finalidades de socialização e de segurança.” Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 699.
O balizamento da perseguição do facto criminoso, por efeitos da prescrição, funda-se, ainda, no reconhecimento de que o decurso do tempo torna mais difícil e de resultados mais problemáticos a investigação e o consequente apuramento da verdade material.
Não obstante os fundamentos da prescrição do procedimento criminal, a verdade é que na regulação do instituto da prescrição, não se foi insensível ao poder/dever punitivo do Estado, ao ponto de mediante a verificação de determinados circunstancialismos, se mostrar travado o decurso do prazo de prescrição.
O instituto da prescrição serve interesses claros: considera-se que não é benéfico fazer perdurar no tempo a possibilidade de execução da pena, alimentando a possibilidade de sobrevir algum ócio e arbitrariedade do Estado acerca do momento específico em que a decide fazer cumprir. Acresce que a censura comunitária se vai esbatendo com o decorrer do tempo, como vão perdendo sentido e oportunidade as exigências de prevenção geral e especial ligadas tanto à perseguição do facto como à execução da sanção. Por isso, a Lei estabelece um prazo gradativo, em função da relevância dos crimes e das penas, durante o qual o Estado é obrigado a desenvolver todos os esforços possíveis com vista à sua execução prática, sob pena de, esgotado o prazo estabelecido, a pena não puder mais ser aplicada.
A prescrição é “uma autolimitação do Estado no exercido do jus puniendi e a sua razão de ser está no não exercício, em tempo congruente, do direito de perseguiram o agente de um crime ou de executar uma pena aplicada a quem tenha sido condenado- Ac da RL de 8/03/2017, processo 27/01.5IDLSB.L1.-3, in www.dgsi.pt (c/ voto vencido)

Aqui radica a razão de ser dos institutos da interrupção e da suspensão do procedimento criminal.
O Código Penal prevê diversas causas de interrupção (art.121.º) e de suspensão (art.120.º), da prescrição do procedimento criminal.
Indo diretamente às causas de suspensão, que é o que aqui nos interessa, o artigo 120.º, nº1 al. c), na redação dada pela lei 19/2013, de 21/02 (aqui aplicável por via do artigo 2.º, nº4 do C.P.), prescreve que “a prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que(…)
c) Vigorar a declaração de contumácia;
Por seu turno, estabelece o nº3 do referido comando normativo que, por via da contumácia, “a suspensão não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição”.
Entendeu o douto Tribunal a quo, no despacho que se põe em crise, que o prazo de 5 anos (isto por referencia ao concreto crime em questão, cujo o prazo de prescrição é de 5 anos) a que se refere o nº3 do artigo 121.º do C.P., se reporta a cada declaração de contumácia existente no processo, o que equivale a dizer a que, existindo mais do que uma declaração de contumácia relativamente a um arguido podemos ter no limite tantos 5 anos de suspensão quantas as declarações de contumácia declaradas nos autos.
Tal entendimento, embora não contrariada pela letra da lei, vai contra a sua ratio.
Começar-se-á pela Constituição da República, pelo seu artigo 34º, depois de breves considerações sobre o conceito "interpretação da lei".
A interpretação da lei, tarefa que visa apurar o seu sentido, é regulada no artigo 9º do Código Civil.
Como resulta do nº 1 dessa disposição, o ponto de partida da interpretação tem de estar no texto, na "letra da lei", seguindo-se, a partir desse texto, a reconstituição do "pensamento legislativo" devendo, para tanto, ter-se sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
O legislador exprimiu assim o que correntemente se designa por letra e espírito, como elementos da interpretação de qualquer texto.
A interpretação do texto (da letra da lei) não pode deixar de assentar nas palavras desse texto.
Cada palavra tem o seu significado ou os seus significados.
Como a sua conjugação não é arbitrária, do conjunto de palavras - do texto - logo resultarão um ou vários sentidos possíveis, um quadro dentro do qual se deve procurar o entendimento verdadeiro da lei.

Esta conclusão, no entanto, não nos deve levar à afirmação de que a interpretação se deve limitar à escolha de um dos possíveis sentidos literais do texto, pois pode acontecer vir a preferir-se "um sentido que a letra traiu". Mesmo assim, "terá de assentar-se na valoração de elementos que o texto, mesmo que defeituosamente, refere".
Do exame literal do texto não resulta, pois, a solução de todos os problemas de interpretação, não só porque o elemento literal pode ser ambíguo, como, mais grave, a letra e o espírito podem não coincidir.
Mas há um elemento favorável à letra. Deve-se presumir, não só que o legislador consagrou as soluções mais acertadas, como, ainda, que soube exprimir o seu pensamento em termos adequados" (nº 3 do mesmo artigo 9º).
Além da letra - isto é, depois, de conhecidos os possíveis sentidos literais do texto -, devemos perscrutar o sentido ou espírito da lei, utilizando, para o efeito, elementos lógicos, que a doutrina tradicionalmente triparte nos sub-elementos sistemático, histórico e teleológico. Assim:
Em primeiro lugar, a interpretação deve ter em conta "a unidade do sistema jurídico", visto que "toda a fonte se integra numa ordem, sendo a regra modo de expressão dessa ordem global".
Há assim, que relacionar o preceito em causa "com os princípios gerais do sistema jurídico", com "o sistema em que se integra", não podendo "nenhum preceito ser interpretado isoladamente do contexto".
"Cada um dos números dum artigo só é compreensível se o situarmos perante todo o texto do artigo, cada artigo perante os que o antecedem ou imediatamente o seguem". Mas não só. "Para além desta concatenação do preceito com aqueles que imediatamente o antecedem ou o seguem, interessa determinar o seu lugar no conjunto das fontes" e, ainda, "buscar semelhanças entre (esse e outros) preceitos, independentemente do sistema próprio da fonte em causa", isto é, pesquisar a existência de lugares paralelos, "normas respeitantes a institutos ou hipóteses de qualquer modo relacionados com a fonte que se pretende interpretar".
Devem-se também ter em conta todos aqueles dados ou acontecimentos históricos que expliquem a lei, como sejam os precedentes normativos, os trabalhos preparatórios e a "occasio legis", "assim se designando todo o circunstancialismo social que rodeou o aparecimento da lei.
Por fim, "considera-se elemento a ponderar na interpretação o que podemos chamar a justificação social da lei. A finalidade proposta é tida em conta para que a ela seja adequada a regra resultante". É que "toda a fonte existe para atingir fins ou objectivos sociais. Por isso, enquanto se não descobrir o para quê de uma lei, não se detém, ainda, a chave da sua interpretação".
Da conjugação de todos estes elementos resulta o sentido, espírito ou razão da lei, que é o elemento decisivo para se fazer a interpretação. Tradicionalmente, designa-se este sentido por ratio legis.
"Será pois a ratio legis que nos permitirá enfim iluminar os pontos obscuros e chegar à norma que se encerra na fonte.
Sendo assim, entendemos que, quando a lei diz “a suspensão (por via da contumácia) não pode ultrapassar o prazo normal da prescrição” quer efetivamente dizer que por via da aplicação/decretamento do instituto da contumácia o prazo de prescrição não pode ficar suspenso mais do que normal prazo de prescrição para o crime em questão, isto independentemente do número de vezes que a contumácia é decretada em determinado processo.
Veja-se que, o que se pretendeu com a introdução da limitação à suspensão do prazo da prescrição por via da contumácia, foi justamente encurta-la até a um ponto em que o legislador entendeu como aceitável – que foi o normal prazo de prescrição do crime.
Entendimento diferente, poderá levar-nos a situações em que se perdure excessivamente no tempo a suspensão do decurso do prazo da prescrição por esta via, traindo assim o espirito da lei, que visa (no nosso entendimento) evitar situações de desconformidade jurídica, designadamente a manutenção de procedimentos criminais por factos há muito tempo praticados e por isso esquecidos, gerando a eventual ocorrência de julgamentos e condenações onde se constate a atual impossibilidade de se cumprirem os fins das penas, por desnecessidade da prevenção geral e especial.
Na doutrina, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, 3ªedição atualizada, pág.483, nota 12, pronuncia-se igualmente no mesmo sentido socorrendo-se da exposição de motivos da proposta de Lei n º 75/XII, onde esta opção se justificou do seguinte modo” fixa-se um prazo máximo durante o qual o procedimento pode estar suspenso por efeito da contumácia igual ao prazo da prescrição previsto no n º 1 do artigo 118º, permitindo um tratamento diferenciado consoante a gravidade do crime em causa” e conclui o autor “ Bem vistas as coisas, somam-se os prazos de prescrição e de suspensão, que tem a mesma duração daquele, sendo este limite temporal aplicável mesmo em caso de sucessão de declarações de contumácia com vigência inferior a cinco anos”.
No mesmo sentido Ac RL de 29.042014 in CJ XXXIX, 2, 162 e ainda Ferreira Ramos, 2014, 97, referindo que o prazo de suspensão no caso da contumácia “ equivale e se soma ao de prescrição” concluindo que ocorrendo prescrição, não há lugar a manter a suspensão do processo “ até apresentação ou detenção do arguido”.
Ainda no mesmo sentido o Sr. Desembargador António Latas “No que concerne ao instituto da prescrição, as alterações da Lei 19/2013 consistem na introdução de quatro novas disposições, sendo uma delas no sentido do encurtamento do período de suspensão anteriormente previsto e as três restantes de sinal contrário.
2.1. – O encurtamento do período de suspensão tem lugar nos casos de suspensão do procedimento criminal pelo tempo em que “Vigorar a declaração de contumácia”, dispondo agora o novo nº 3 do art. 120º que naqueles casos a suspensão não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição. Estabelece-se assim um limite onde antes não existia nenhum, situação que impedia, por um lado, o arquivamento de processos que permaneciam pendentes durante anos na sequência de declaração de contumácia e permitia, por outro, que o julgamento pudesse ter lugar muitos anos depois dos factos, com os inerentes inconvenientes de ordem processual de que pode destacar-se as dificuldades de acesso à prova e a qualidade da mesma. Mas também problemas de ordem substantiva nos casos em que, sendo possível aceder a prova incriminatória suficiente para a condenação, esta tinha lugar muitos anos decorridos desde os factos, verificando-se eventual desadequação da resposta penal assim obtida às finalidades das penas, máxime a reintegração do agente na sociedade ou o restabelecimento da paz social, operando por vezes o julgamento tardio como fator de perturbação e não de recuperação da paz social abalada com a prática do crime, A opção atual de fazer corresponder o período máximo de suspensão da prescrição fundada na declaração de contumácia, ao prazo normal de prescrição do crime, permite diferenciar o período máximo de suspensão em função da maior ou menor gravidade do ilícito típico de acordo com o critério legal relevante nesta matéria, ou seja, o limite máximo da moldura legal aplicável (cfr. art. 118º do C.Penal), o que constitui critério razoável em face da opção de raiz de não fixar um prazo único para todos os casos. In Desem. António Lata. As alterações ao Código Penal introduzidas pela Lei 19/2013 de 21 de fevereiro.
O alargamento excessivo prejudica a responsabilização do Estado pela mínima eficácia do sistema de justiça, afeta desproporcionalmente a paz jurídica das pessoas envolvidas e excede as necessidades legítimas da punição, injustificando as penas, sobretudo quando estão em causa ações de diminuta gravidade e por sua vez terá repercussões negativas na gestão da carga processual dos tribunais. Inviabilizando a libertação de recursos para os casos em que a tutela penal pode e deve ser efetivamente exercida.

Daí que, no caso concreto, concordamos com a posição do M.P, cuja argumentação seguimos de perto. Pelo que o presente procedimento criminal está prescrito, pelo menos, desde 9-10-2020.

Vejamos.
O arguido B… encontra-se acusado nestes autos da prática, em 9 de Abril de 2005, de um crime de aproveitamento de obra contrafeita p. e p. pelos art.s 197.º e 199.º do Código dos Direitos de Autor, a que corresponde, em abstrato, pena de prisão até 3 (três) anos e multa de 150 a 250 dias.
Dos autos resulta que o arguido nunca foi constituído e interrogado como tal em sede de inquérito.
Tal acusação foi recebida nos seus precisos termos por douto despacho de fls. 199 e 200.
O prazo de prescrição do procedimento criminal é de 5 (cinco) anos – art. 118.º, n.º 1, al. c) do Código Penal.
Por despacho datado de 11 de setembro de 2009 (fls. 216 e 217) foi declarada a contumácia do arguido, sendo que nessa data havia já decorrido 4 (quatro) anos, 5 (cinco) meses e 2 (dois) dias, do prazo normal de prescrição acima aludido.
A referida declaração de contumácia foi considerada caducada em 4 de junho de 2013 (cfr. fls. 422), sendo certo que em 2-3-2013 (vide fls. 416) o arguido foi pessoalmente notificado da acusação contra si deduzida.
Porém, em 9.2.2015, o arguido foi novamente declarado contumaz.
Nos termos do artigo 120.º, nº1 al. b) a notificação da acusação ao arguido suspende o prazo de prescrição, sendo certo que tal suspensão não pode ultrapassar três anos (nº2 do mesmo artigo)
Dispõe, ainda, o artigo 120.º, nº3 do C.P que a suspensão do prazo de prescrição por efeito da contumácia não pode ser superior ao prazo normal da prescrição.
Por fim estabelece o artigo 121.º, nº1 do C.P. que tanto a declaração de contumácia como a notificação ao arguido da acusação são causas de interrupção do prazo de prescrição, sendo que depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição, que se atinge forçosamente quando, ressalvados os prazos de suspensão, desde o início tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade.
Ora, se assim é então verificamos que mercê das disposições legais em questão, o prazo de prescrição do presente procedimento criminal esteve suspenso (no máximo) desde 11-9- 2009 até 11-9-2017 (5 anos de suspensão por via da contumácia + 3 anos de suspensão por via da notificação da acusação), altura em que começou a correr novamente o prazo de prescrição.
Destarte, tendo em consideração que até à 1.ª declaração de contumácia passaram 4 anos, 5 meses e 2 dias, o presente procedimento criminal se encontra prescrito desde 9-10-2020 (data em que se atingiu o teto máximo de 7 anos e meio previsto no artigo 121.º, nº3 do C.P.).
Razão pela qual entendemos que a decisão a quo viola do disposto no artigo 121.º, nº1 al.c) e nº3, pelo que se revoga tal decisão e se declara o presente procedimento criminal prescrito.

Decisão.
Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente procedente o recurso interposto pelo M.P. revogando-se a decisão que não julgou prescrito procedimento criminal e em consequência declara-se a prescrição do procedimento criminal instaurado contra B…, com todas as legais consequências.
Sem custas.
Notifique.

Sumário:
(Da exclusiva responsabilidade do relator)
………………………………
………………………………
………………………………

Porto, 12 de maio de 2021.
(Elaborado e revisto pelo 1º signatário)
Paulo Costa
Nuno Pires Salpico