Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
881/13.8TTBRG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: ACORDO DE PAGAMENTO
CRÉDITO LABORAL
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP20140915881/13.8TTBRG-A.P1
Data do Acordão: 09/15/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Uma vez que as conclusões do recurso delimitam o seu objeto, na arguição de nulidade de sentença o Recorrente deve dar cumprimento ao disposto no art. 77º, nº 1, do CPT e, bem assim, transpor para as conclusões do recurso tal questão.
II - Constando do documento intitulado “Acordo de pagamento” que o Exequente “acorda no recebimento das quantias que lhe são devidas a título de indemnização por despedimento, férias, subsídios de férias e de natal, tudo no total de 7.085,00 €, em trinta prestações mensais iguais e sucessivas de 236,61 € cada, vencendo-se a primeira no dia 31/01./2012, e as demais nos últimos dias subsequentes até integral pagamento.” e que “o pagamento será efectuado por cheque” e tendo a executada assinado tal “acordo”, impõe-se concluir que esta, senão expressa, pelo menos tácita, mas inequivocamente, acordou com o Exequente nessa forma de pagamento da obrigação exequenda.
III - Ao crédito laboral reconhecido por sentença ou por outro título executivo não é aplicável o prazo de prescrição previsto no art. 337º, nº 1, do CT/2009, mas sim, nos termos dos arts. 311º, nº 1 e 309º do Código Civil, o prazo ordinário de prescrição de 20 anos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 881/13.8TTBRG-A.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 748)
Adjuntos: Des. Maria José Costa Pinto
Des. João Nunes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que B… intentou contra C…, Ldª, veio a executada, aos 28.11.2013, deduzir oposição à execução pedindo que seja declarada a inexequibilidade do documento junto como título executivo, bem como a prescrição da obrigação exequenda.
Para tanto, e no que releva ao recurso, alegou em síntese que: o documento junto pelo exequente como título executivo não contém qualquer reconhecimento ou constituição de obrigação pecuniária pela executada, mas tão-só mera aceitação, apenas pelo exequente, do recebimento “em prestações da quantia que lhe era devida no momento em que emitiu a declaração”, sendo que a assinatura do legal representante da executada que consta desse documento não tem o “condão” de acrescentar ao texto mais do que aquilo que dele consta. A quantia exequenda é proveniente de créditos laborais, resultantes do contrato de trabalho que existiu entre o exequente e executada e que cessou por despedimento coletivo com efeitos em 05.12.2011; assim, e atento o disposto no art. 337º do Código do Trabalho, aos 06.12.2012 ocorreu a prescrição do referido crédito.

Aos 11.12.2013, a Mmª Juíza proferiu despacho a julgar “improcedente totalmente a presente oposição à execução apresentada ao abrigo do artigo 729º. Al. A) do CPC, o que liminarmente se determina, atenta a disciplina ínsita no artigo 732º, nº 1, al. C) do CPC.”. Fixou também à oposição o valor de €8.259,83.

Inconformada, a Executada veio recorrer, invocando no requerimento do recurso nulidade de sentença e tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“1. O documento dado à execução como título executivo não constitui confissão de dívida da recorrente, nem reconhecimento de um plano de pagamento;
2. Mesmo que se entendesse que ao assinar o documento em causa a recorrente reconheceu ser devedora dos créditos salariais aí referidos, tal declaração, por ter sido prestada durante a vigência do contrato de trabalho, não faz alterar o prazo de prescrição dos créditos em causa.
3. Os créditos reclamados na execução encontram-se prescritos, nos termos do artigo 337º do Código de Trabalho;
4. A douta decisão em recurso fez errada aplicação do disposto no artigo 46-1-c) do CPC na redação em vigor na data da instauração da execução.
5. Face ao exposto, impõe-se a revogação da decisão em recurso, bem como a procedência da oposição.

A Recorrida contra-alegou pugnando pelo não provimento do recurso e tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“A) O tribunal a quo fez uma correcta aplicação do direito e apreciou correctamente todos os factos trazidos pelas partes aos presentes autos ao indeferir liminarmente a oposição à execução apresentada pela recorrente, tanto mais que, a recorrente reconhece que deve ao recorrido a quantia peticionada.
B) O presente recurso limita-se a saber se o documento que serve de base à presente execução constitui ou não título executivo e se está prescrito o crédito do recorrido sobre a recorrente.
C) O documento que serve de título à presente execução constitui um verdadeiro reconhecimento/confissão de dívida por parte da recorrente, encontrando-se assinado pelo seu sócio gerente e com o carimbo da sociedade aposto.
D) Tal título é um documento particular, assinado pela devedora, que importa o reconhecimento ou confissão de uma obrigação pecuniária vencida e cujo montante é determinável por simples cálculo aritmético, ajustando-se perfeitamente na letra e espírito da lei (artº. 46º, nº. 1 al. c) do antigo C.P.C.).
E) Para além da autenticidade da assinatura da devedora aposta no documento que serviu de título à execução não ter sido impugnada pela recorrente, também a presente execução foi instaurada em 01/08/2013, em momento anterior à entrada em vigor do actual C.P.C., servindo necessariamente de título executivo, válido e eficaz.
F) As alterações operadas pela Lei nº. 41/2013, de 26 de Junho, no que aos títulos executivos diz respeito, apenas se aplicam às execuções intentadas após a sua entrada em vigor, ou seja, 1 de Setembro de 2013 (cfr. artº. 6º, nº. 3 e 8º da Lei que aprovou o Código de Processo Civil), pelo que esta lei nenhuma aplicação tem ao caso em apreço.
G) Por outro lado, tendo-se por assente que o documento que serviu de título executivo à presente execução é válido e eficaz, sempre se dirá que a recorrente expressamente reconhece e renova a existência da dívida, confessando, o que se aceita, que não a pagou.
H) Também a excepção da prescrição de que a recorrente lança mão, nos termos do artº. 337º do Código do Trabalho, terá forçosamente de improceder, já que aquele normativo apenas tem aplicação quando estão em causa o reconhecimento dos créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho, o que também neste caso não está em apreciação.
I) Os créditos laborais do recorrido sobre a recorrente estão expressamente reconhecidos e determinados no título dado à execução (7.085,00 €), tendo sido apenas permitido à recorrente/devedora o pagamento do valor em dívida em 30 prestações mensais, iguais e sucessivas do montante de 236,16 €, cada uma.
J) É que, se a recorrente honrasse as suas obrigações pagando ao recorrente cada uma das prestações a que se obrigou, ainda hoje estaria a efectuar o pagamento prestacional dos créditos salariais a que o recorrido tem direito e que a recorrente não ignora e inclusivamente confessa.
K) Sabe a recorrente, tanto mais que o confessou na singular oposição que deduziu, que deve ao recorrido as quantias peticionadas, agindo com abuso de direito ao exceder manifestamente todos os limites impostos pela boa fé.
L) Litiga a recorrente com manifesta má-fé, deduzindo oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, e fazendo do processo um uso reprovável com o intuito único de protelar ou até mesmo escapar ao pagamento há muito em dívida ao recorrido, devendo ser fixada indemnização a pagar por aquela a este, no montante que se entenda por mais adequada à conduta da aqui recorrente, nunca inferior a 1.500,00 €.
Termos em que,
A) Deve o presente recurso ser julgado improcedente, confirmando-se integralmente a sentença recorrida com o que se fará Justiça.
B) Mais deve a recorrente ser condenada como litigante de má-fé, nos termos das conclusões supra, devendo ser fixada indemnização a pagar pela recorrente ao recorrido, no montante que se entenda por mais adequada à conduta da aqui recorrente, nunca inferior a 1.500,00 €.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto teve vista no processo, não tendo sido emitido parecer.

Colheram-se os vistos legais.
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II. Matéria de facto que temos como provada

Porque documentalmente provado nos autos, temos como assente a seguinte factualidade:

1. O exequente/embargado interpôs execução, que entrou em juízo em 01.08.2013, reclamando o pagamento da quantia global de €7.508,94, acrescida de juros de mora vencidos (estes, até 31.07.2013, no montante de €423,94) e vincendos, para tanto alegando no requerimento executivo que: “por documento particular de confissão de dívida, designado por Acordo de Pagamento, outorgado entre exequente e executada em 6 de Outubro de 2011, obrigou-se a executada a proceder ao pagamento ao exequente de indemnização por despedimento, férias, subsídio de férias e subsídio de Natal da quantia total de 7085,00€, em trinta prestações mensais, iguais e sucessivas de 236,16€ cada uma, vencendo-se a primeira em 31/01/212 e as restantes em igual dia dos meses imediatamente subsequentes”; a executada não procedeu ao pagamento de nenhuma das referidas prestações.
2. Na carta datada de 06.10.2011, que constitui o documento de fls. 8 dos autos, remetida pela Executada ao Exequente e da qual consta escrito que foi por este recebida nessa data, refere-se o seguinte:
“Vimos por este meio, nos termos do artigo 363º nº 1 do Código do Trabalho, comunicar-lhe a decisão desta empresa de proceder ao seu despedimento, integrado em processo de despedimento colectivo, pelos motivos já invocados na comunicação anterior de 8 de Setembro de 2011.
O contrato de trabalho entre si e esta empresa cessará no dia 5 de Dezembro de 2011, data até à qual lhe serão liquidados todos os créditos laborais, incluindo a compensação de antiguidade devida.”.
3. É o seguinte o teor do título executivo referido no nº 1:
Acordo de pagamento
B… (…) tendo sido abrangido pelo despedimento colectivo efectuado pela empresa “C…, L.da” (…) acorda no recebimento das quantias que lhe são devidas a título de indemnização por despedimento, férias, subsídios de férias e de natal, tudo no total de 7.085,00 €, em trinta prestações mensais iguais e sucessivas de 236,61 € cada, vencendo-se a primeira no dia 31/01/2012, e as demais nos últimos dias subsequentes até integral pagamento.
O pagamento será efectuado por cheque.
Braga, 06 de Outubro de 2011”
4. Tal documento encontra-se assinado por B…, dele constando também um carimbo da Executada e a assinatura do legal representante desta.
5. A executada foi citada aos 21.11.2013.
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III. Questão Prévia
Da nulidade da sentença

A Recorrente, no requerimento de interposição do recurso e invocando o disposto no art. 77º, nº 1, do CPT, veio arguir “a nulidade de omissão de pronúncia em relação à alegada prescrição da quantia exequenda, por violação do disposto no artigo 615º nº 1 alínea d) do CPC, por se entender que essa questão deveria ser apreciada”.
A nulidade de sentença foi, assim, arguida expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, como o impõe o art. 77º, nº 1, do CPT. Todavia, a Recorrente não a transpôs para as conclusões do recurso, sendo que destas não consta qualquer referência a tal questão [a Recorrente limita-se à alegação, de mérito, de que os créditos reclamados na execução se encontram prescritos].
Ora, como é sabido, salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10). Daí que, não tendo a Recorrente suscitado a questão da nulidade da sentença também nas conclusões do recurso, não se possa dela conhecer por não constituir objeto do mesmo.
Neste sentido, cfr. o Acórdão do STJ de 18.10.12, in www.dgsi.pt, Proc. 3415/09.5TTLSB.L1.S1, que se passa a transcrever, no que ora importa:
“(…)
De facto, (…), as conclusões do recurso de apelação, nos termos dos artigos 685.º - A, n.º 1, conjugado como o artigo 684.º, n.º 3, ambos do Cod. Proc. Civil, delimitam o objecto do recurso e o tema sobre que incide o conhecimento do Tribunal.
Daqui resulta que a omissão de integração da matéria relativa às nulidades da sentença nas alegações de recurso de apelação e respectivas conclusões impede o Tribunal da Relação de conhecer das mesmas.
Tal como refere ABRANTES GERALDES, «Em resultado do que está previsto no art. 685.º -A, as conclusões delimitam a área de intervenção do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial ou à das excepções na contestação. Salvo quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo e que, além disso, não se encontrem cobertas pelo caso julgado, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal, sob cominação de nulidade, nos termos dos artigos 716.º e 668.º, n.º 1, al. d)».
(…)”.
Ao caso, sendo embora, atenta a data da interposição do recuso, aplicável o CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06 (CPC/2013), este, nos seus arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, mantêm regime similar ao do anterior CPC, pelo que mantêm atualidade as considerações tecidas no Acórdão do STJ acima transcrito.
Ou seja, não tendo a Recorrente transposto para as conclusões a questão relativa à nulidade de sentença, é de rejeitar o seu conhecimento por não constituir objeto do recurso.
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IV. Do Direito

1. Sendo, como acima referido, o objeto do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pela Recorrente, são as seguintes as questões que esta suscita:
- inexistência de título executivo;
- prescrição do crédito exequendo.

2. Da inexistência de título executivo

Alega a Recorrente, em síntese, que: na data em que o documento – título executivo – lhe foi apresentado e por esta assinado em sinal do conhecimento do seu teor, a recorrente aceitava ser devida ao recorrido a quantia em causa; no entanto, dele não consta qualquer declaração expressa da Recorrente a aceitar a forma do seu pagamento nas indicadas prestações.

2.1. É o seguinte o teor da decisão recorrida:
“Determina o artigo 732º n.º 1, al. c) do CPC que os embargos que devam ser autuados por apenso, pelos quais o exequente se opõe à execução, são liminarmente indeferidos quando forem manifestamente improcedentes.
Por seu turno, enuncia o artigo 729º do diploma apontado, quais os fundamentos que podem servir de oposição à execução, invocando o ora oponente o previsto na alínea a) – inexistência ou inexequibilidade do título.
Vejamos:
O documento apresentando pelo exequente como título executivo para sustentar a execução a que os presentes correm por apenso, foi o documento aí constante de fls. 4, o qual tem o seguinte teor, e passamos a transcrever: designado
Acordo de pagamento
B… (…) tendo sido abrangido pelo despedimento colectivo efectuado pela empresa “C…, L.da” (…) acorda no recebimento das quantias que lhe são devidas a título de indemnização por despedimento, férias, subsídios de férias e de natal, tudo no total de 7.085,00 €, em trinta prestações mensais iguais e sucessivas de 236,61 € cada, vencendo-se a primeira no dia 31/01/2012, e as demais nos últimos dias subsequentes até integral pagamento.
O pagamento será efectuado por cheque.
Braga, 06 de Outubro de 2011”
(sublinhado nosso)
O documento em causa encontra-se assinado pelo identificado B…, ora oponido e tem aposto um carimbo da sociedade ora oponente bem como uma assinatura do representante legal da mesma (vide artigo 4º do requerimento de oposição ora em apreço).
À data do inicio da instância executiva, a 01.08.2013, com a apresentação do Requerimento executivo, acompanhado do documento ora em análise, encontrava-se em vigor outro CPC, que não o aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26.06, em vigor desde 1.09.2013. À luz daquele Código de Processo Civil ao documento particular ora apresentado era reconhecida força executiva, desde que a dívida no mesmo assumida pelo devedor se encontrasse já vencida.
Desta feita, e porque o documento particular em análise, cuja autenticidade e assinatura não se mostram impugnados pelo ora oponente, não pode deixar de ser considerado como uma confissão de dívida por parte da sociedade ora oponente para com o aqui oponido, atento o seu teor literal e o animus das partes subscritoras do mesmo que de tal letra ressalta à evidência, impõe-se seja o mesmo considerado título executivo para os devidos e legais efeitos.
Na verdade, não se concebe como pode o ora oponente fazer a leitura que faz de tal documento. Como pode pretender-se que de tal documento apenas resulte uma declaração unilateral de vontade do ali credor (o aqui oponido) de receber em prestações o montante global ali apontado de 7.085,00 €?
Do teor de tal documento, porque subscrito por duas partes e denominado “Acordo” o que efectivamente resulta é que com tal declaração ambas as partes acordaram vontades e as firmaram:
i) o aqui opoente acordou em pagar ao aqui oponido B… a apontada quantia, que reconheceu ser-lhe devida a título de indemnização por despedimento colectivo, férias, subsídios de férias e de natal, e que tal pagamento seria feito em 30 prestações mensais e sucessivas e por cheque, vencendo-se a primeira a 31.01.2012;
ii) o aqui oponido (o trabalhador B…) acordou em receber da sua entidade empregadora, a aqui oponente, aquele montante (e não outro) referente a indemnização por despedimento colectivo, férias, subsídios de férias e de natal, em prestações mensais e sucessivas.
Assim, e porque, repete-se, o documento particular apresentado pelo exequente era, à data do início da instância executiva, título executivo, encontrando-se já vencida a obrigação do mesmo decorrente, sendo assim já exigível, improcedente totalmente a presente oposição à execução apresentada ao abrigo do artigo 729º , al. a) do CPC, (…)”.

2.2. Desde já se dirá que estamos, no essencial, de acordo com o decidido pelo tribunal a quo quanto à improcedência da alegada inexistência de título executivo, importando todavia tecer algumas considerações adicionais.
À data da instauração da execução estava em vigor o art. 46º do CPC/1961, na redação introduzida pelo DL 226/2008, de 20.11, em cujo nº 1, al. c), se estipulava que podia servir de base à execução “[o]s documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, (…)”.
Por sua vez, à data da apresentação em juízo da oposição à execução – 28.11.2013 – encontrava-se já em vigor o novo CPC, aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, em cujo art. 729º, nº 1, al. a), ex vi do art. 731º do mesmo, se dispõe que a oposição pode ter por fundamento a inexistência de título executivo, este o fundamento invocado pela Recorrente ora em apreço.
No caso, e importa salientar, a Recorrente não põe em causa a existência da obrigação exequenda, que aceita e reconhece. Com efeito, refere a Recorrente nas alegações do recurso que “(…).Ora, na data em que o documento foi apresentado à Recorrente e por esta assinado em sinal de conhecimento do seu teor, a recorrente aceitava ser devida ao recorrido a quantia em causa, tanto mais que o contrato de trabalho ainda se encontrava em vigor (haveria de cessar dois meses depois”. O que a Recorrente questiona é o acordo do seu pagamento nos moldes previstos no título executivo [quais sejam “em trinta prestações mensais iguais e sucessivas de €236,16€ cada, vencendo-se a primeira no dia dia 31/01/2012, e as demais nos últimos dias dos meses subsequentes até integral pagamento”].
Ora, e desde logo pelas razões aduzidas na decisão recorrida, não se poderá deixar de entender que não só o Exequente, mas também a Executada, anuiu a essa forma de pagamento. É o que decorre do título constante do documento [“Acordo de pagamento”], do teor do mesmo em que o Exequente declara aceitar esse pagamento faseado conjugado com a subscrição/assinatura do mesmo pela Executada. Cabe lembrar que a regra geral é a de que a prestação deve ser realizada integralmente, na data do seu vencimento, e não por partes, exceto se outro for o regime convencionado (art. 763º, nº 1, e 777º, nº 1, do Código Civil); que o devedor pode, a todo o tempo, exonerar-se da obrigação (arts. 763º, nº 2 e 777º, nº 1, do citado CC); e que o prazo se tem por estabelecido a favor do devedor, quando não se mostre que o foi a favor do credor, ou do devedor e do credor conjuntamente (art. 779º do mesmo Código).
No caso, a obrigação exequenda provêm de créditos decorrentes da extinção do contrato de trabalho por despedimento coletivo cujo pagamento, nos termos da lei, deveria ter tido lugar de uma só vez, até ao termo do prazo do aviso prévio relativo ao despedimento (art. 363º, nº 5, do CT/2009).
Ou seja, não fosse a aceitação do Exequente nesse pagamento em prestações, tinha a Executado a obrigação do pagamento integral no prazo mencionado, não podendo, caso aquele não o tivesse aceite, beneficiar dessa “facilidade” de pagamento que lhe foi conferida pelo Exequente. Significa isto que o pagamento em prestações e o prazo estipulado o foi em benefício da Executada que, se o não pretendesse, não teria, nem deveria, ter subscrito o documento intitulado “acordo de pagamento” e em que o Exequente lhe permitia a faculdade da não realização da prestação de uma só vez e no prazo legalmente previsto. A declaração negocial pode ser expressa ou tácita, sendo esta aquela que se deduz de factos que, com toda a probabilidade a revelam (art. 217º, nº 1 do Cód. Civil). Ora, mesmo que, porventura e por mera hipótese de raciocínio, se pudesse defender que a Executada não teria dado, no título executivo, o seu acordo expresso ao pagamento em prestações da quantia exequenda, seguramente que se teria de concluir que o deu tacitamente, atento o contexto em que o documento – “acordo de pagamento” – foi emitido, os termos dele constantes e o mencionado enquadramento jurídico, havendo a forma escrita.
Acresce dizer que, face ao referido, a interpretação preconizada pela Recorrente sempre constituiria, nos termos do art. 334º do Código Civil, um exercício verdadeiramente abusivo do direito, por manifestamente contrário aos limites impostos pela boa-fé com que as partes devem pautar o cumprimento das suas obrigações contratuais (arts. 762º, nº 2, do Cód, Civil e 126º, nº 1, do CT/2009), sendo certo que, como acima foi dito, a possibilidade do pagamento em prestações foi conferida pelo Exequente em benefício da Executada, sendo que a isso não era aquele obrigado, para além de sempre poderia a Executada ter abdicado dessa “facilidade” de pagamento cumprindo a obrigação de forma integral e atempada.
Resta referir que, nos termos do art. 781º do Cód. Civil, se a obrigação puder ser liquidada em prestações, a falta de realização de uma delas importa o imediato vencimento de todas.
Assim, e nesta parte, improcedem as conclusões do recurso.

3. Da prescrição da obrigação exequenda

Como segundo fundamento da oposição a Executada havia ainda invocado a prescrição da obrigação exequenda.
Nos termos do disposto no art. 731º do CPC/2013, não se baseando a execução em sentença, além dos fundamentos da oposição especificados no art. 729º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração.
Tendo a decisão recorrida julgado improcedente o primeiro dos fundamentos invocados na oposição à execução - a alegada inexistência do título executivo - deveria a Mmª Juíza ter conhecido da alegada prescrição, questão que havia sido submetida, também, à sua apreciação. É o que decorre do disposto no art. 608º, nº 2, do CPC/2013, nos termos do qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação. Não obstante, a Mmª Juíza não o fez, sendo a decisão recorrida totalmente omissa quanto a tal questão.
Incorreu, pois, a decisão recorrida em nulidade de sentença por omissão de pronúncia – art. 615º, nº 1, al. d), do citado Código.
Acontece que, como referimos em sede de questão prévia, no ponto III do presente acórdão, considerações que aqui damos por reproduzidas, tal nulidade, tendo embora sido invocada pela Recorrente no requerimento de interposição do recurso, não foi, contudo, vertida para as conclusões do recurso, o que impede o seu conhecimento por esta Relação.

3.1. De todo o modo, e para o caso de assim se não entender, sempre se dirá que improcederia a invocada prescrição do crédito exequendo, sendo aqui aplicáveis as considerações tecidas no Acórdão desta Relação de 30.06.2014, proferido no Processo 453/12.0TTVNG-A.P1[1] e que passamos a transcrever:
“(…)
Sob a epígrafe “Direitos reconhecidos em sentença ou título executivo”, determina o artigo 311º do C. Civil o seguinte: “1. O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo. 2. Quando, porém, a sentença ou o outro título se referir a prestações ainda não devidas, a prescrição contínua a ser, em relação a elas, a de curto prazo”.
Pires de Lima e Antunes Varela referem, a respeito do citado artigo, que “A sentença, ou outro título executivo, transforma a prescrição a curto prazo, mesmo que só presuntiva, numa prescrição normal, sujeita ao prazo de vinte anos, É esta a doutrina que já dominava no antigo direito. Para tanto, é necessário que a sentença já tenha transitado em julgado” (…) – Código Civil anotado, volume 1, 2ª edição, página 260.
Anselmo de Castro comenta, a respeito do mesmo artigo o seguinte: “A prescrição a considerar é para as execuções fundadas em sentença a que se inicia após o trânsito em julgado da sentença, por a que está em curso anteriormente à citação do réu para a acção se inutilizar pelo efeito interruptivo da citação. Há que atender, porém, para o efeito ao disposto no artigo 311º do Código Civil que, para as prescrições de curto prazo, sujeita ao prazo ordinário de prescrição os direitos reconhecidos por sentença passada em julgado ou por outro título executivo, salva a excepção do nº2, quanto às prestações ainda não devidas à data da sentença ou do título” (…) para concluir que “O Código Civil consagrou a solução que já parte da doutrina defendia para a lei anterior, mas, porventura, sem integral adesão às razões em que se fundava – v.g., a da incompatibilidade duma prescrição de curto prazo com direitos já reconhecidos ou declarados – visto não fazer a aplicação da norma às prestações ainda não devidas à data do título que, à luz daquele fundamento, não seriam, talvez, de excluir” – A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3ªedição, 1977, páginas 280/281.
No sentido aqui indicado são, entre outros, os acórdãos do STJ de 22.11.2007 e de 08.04.2008 publicados em www.dgsi.pt.
Ora, e não estando em discussão que o exequente está munido de título executivo, o qual lhe reconhece o direito a receber a compensação por extinção do seu posto de trabalho, não é aplicável o prazo de prescrição a que aludem os artigos 381º do CT/2003 e 337º do CT/2009 mas antes o prazo ordinário de prescrição, de 20 anos [artigo 309º do C. Civil].
No caso dos autos nem tão pouco é necessário analisar se ocorreram factos que interromperam a prescrição, na medida em que tendo o contrato de trabalho terminado em 31.12.2009 e tendo o embargante reconhecido o direito à compensação na carta que remeteu ao embargado em 28.12.2009, não se verifica o decurso do prazo de 20 anos.”.
No caso ora em apreço, a Recorrente pôs em causa a existência de título executivo, questão esta que, todavia e como referido no ponto IV.2. do presente acórdão, foi julgada improcedente.
Assim, no caso, entre a data seja da cessação do contrato de trabalho (05.10.2011), seja a do título executivo (06.10.2011), seja a do não pagamento da 1ª prestação (31.01.2012) e consequente vencimento das demais em dívida (cfr. arts. 781º e 307º do cód. Civil) e a da citação (21.11.2013), não decorreu o prazo de prescrição de 20 anos, este o aplicável nos termos do disposto no art. 311º, nº 1, do CC.
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4. A terminar, resta apreciar da litigância de má-fé da Recorrente suscitada pela Recorrida nas contra-alegações.
Para que ocorra a litigância de má-fé, não basta que a pretensão (no caso do A.) ou a defesa (no caso do réu) não tenham acolhimento, devendo, antes, o caso subsumir-se a alguma das situações previstas no nº 2 do artº 542º do atual CPC [já em vigor à data da interposição do recurso], o qual dispõe que:
1 – Tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta o requerer.
2 – Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3 – (…).
A litigância de má-fé constitui corolário dos deveres processuais de verdade, lealdade e cooperação com vista a uma breve, eficaz e justa composição do litígio – cfr. arts. 7º, nº 1, e 8º, do atual CPC [que correspondem aos arts. 266º e 266º A do CPC revogado].
Assim, se a parte deduz pretensão cuja falta de falta de fundamento não ignora ou não devia ignorar, com o propósito ilegítimo de obter decisão que não merece a tutela do direito ou que, com má-fé, altera ou omite a verdade de factos relevantes por si conhecidos (no que se consubstancia a má-fé material), viole gravemente o dever de cooperação ou faça um uso reprovável do processo nos termos previstos no al. d) do nº 2 do citado artº 542º (no que se consubstancia a má-fé instrumental), deverá ser condenada como litigante de má-fé.
A litigância de má-fé não pode, porém, traduzir-se numa limitação do legítimo direito de as partes discutirem e interpretarem a factualidade e o regime jurídico aplicável, ainda que jurisprudencialmente minoritária ou pouco consistentes se apresentem as respetivas teses. E, porque assim é, é que, nos termos do citado preceito, igualmente se exige uma conduta dolosa ou gravemente negligente da parte na sua atividade processual, sendo certo, e tendo-se presente, que a incerteza da lei, a dificuldade da prova, do apuramento e da interpretação dos factos e da sua qualificação jurídica poderão, por vezes, conduzir a um desfecho da ação em sentido contrário àquele que a parte, convicta e seriamente, defendia e desejava.
Impõe-se pois que a conduta da parte seja passível de um juízo de grave censura, o que ocorrerá, não quando se esteja perante uma mera leviandade ou imprudência, mas sim perante uma conduta intencionalmente maliciosa (dolosa) ou que traduza uma grave ou grosseira “falta de precaução pela mais elementar prudência que deve ser observada nos usos correntes da vida. Mas só quando o processo fornece elementos seguros da conduta dolosa ou gravemente diligente deverá a parte ser censurada como litigante de má-fé, o que pede prudência ao julgador, (…)» - Cfr. Acórdãos da RP de 12.05.05 (e Ac. do STJ de 11.12.2003, naquele citado) e de 22.01.2007[2] (Processo 0645005), ambos em www.dgsi.pt.
Para a litigância de má-fé, não basta, pois, que a parte não veja acolhida a sua pretensão. Para que tal litigância ocorra é, assim, necessário que se esteja perante situação que não deixe margem para dúvidas quanto à conduta dolosa ou gravemente negligente da parte violadora dos supra mencionados deveres.
No caso, não se nos afigura que a atuação da Recorrente seja passível de um juízo de censura clamorosamente grave e/ou que haja deduzido pretensão cuja falta de fundamento manifestamente não desconhecia ou não poderia deixar de conhecer, ainda que se reconheça, no que se reporta à invocada inexistência de título executivo, alguma temeridade na sustentação dessa posição. Afigura-se-nos, todavia e ainda assim, que tal se insere na dialética inerente à defesa de posição que, pela parte, seria tida como correta.
Assim, improcede a litigância de má-fé que a Recorrida imputa à Recorrente.
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V. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Porto, 15-09-2014
Paula Leal de Carvalho
Maria José Costa Pinto
João Nunes
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[1] Relatado pela Exmª Desembargadora Fernanda Soares e em que a ora relatora interveio como 1ª Adjunta.
[2] Este relatado pela ora relatora.