Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
224/14.3TTPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE LOUREIRO
Descritores: RETRIBUIÇÃO
PRESTAÇÃO REGULAR
TRABALHO NOCTURNO
SUBSÍDIO DE DIVISÃO DO CORREIO
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE NATAL
CTT
CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RP20160118224/14.3TTPRT.P1
Data do Acordão: 01/18/2016
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º 233, FLS.243-267)
Área Temática: .
Sumário: I - Só está verificado o pressuposto da regularidade do pagamento, que tem de verificar-se para que uma dada prestação pecuniária possa considerar-se como parte integrante da retribuição devida pelo empregador ao trabalhador, quando aquela prestação seja paga em onze de cada doze meses que se tiverem por referência temporal.
II - As remunerações do trabalho nocturno, a compensação de horário incómodo e o subsídio de divisão do correio pagos pelos CTT aos seus trabalhadores, em onze de cada doze meses, fazem parte integrante da retribuição.
III - As médias anuais de tais prestações devem ser integradas na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal até ao ano de 2003.
IV - O subsídio de transporte de pessoal pago pelos CTT aos seus trabalhadores não faz parte integrante da retribuição, não devendo ser computado para efeitos da retribuição de férias, subsídios de férias e de Natal.
V - A relação de emprego entre os CTT e os seus trabalhadores não é de natureza público-administrativa, antes está sujeita ao regime do contrato individual do trabalho, designadamente ao art. 38º da LCT, bem como às normas correspondentes do CT/2003 e do CT/2009, com a consequente inaplicabilidade do disposto nos arts. 306º/1 e 310º/g do CC.
VI - Os juros de mora correspondentes aos créditos laborais estão sujeitos à disciplina dos arts. 38º da LCT, 381º/1 do CT/2003 e 337º/1 do CT/2009.
VII - Os juros de mora correspondentes às prestações pecuniárias retributivas são devidos desde o momento do vencimento de cada uma delas e não do momento da quantificação judicial dos respectivos montantes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 224/14.3TTPRT.P1

Autor: B…
: C.T.T. – Correios de Portugal, S.A.

Relator: Jorge Manuel Loureiro
1º adjunto: Jerónimo Freitas
2º adjunto: Eduardo Petersen Silva

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

O autor instaurou contra a ré a presente acção com a forma de processo comum e emergente de contrato de trabalho pedindo, em suma, que a ré seja condenada a:
a) reconhecer que as remunerações complementares que lhe pagou nos anos de 1989 a 2003 e referentes a trabalho suplementar, trabalho nocturno, compensação especial distribuição, subsídio de divisão, compensação horário incómodo, compensação horário descontínuo, abono viagem, subsídio de condução, compensação especial e transporte pessoal devem ser incluídas nas retribuições de férias, subsídios de férias e de Natal, e, em consequência, a pagar ao autor a esse título a quantia global de 3.096,33 €;
b) pagar ao autor juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, desde a data de vencimento de cada uma da prestações pecuniárias a contabilizar para efeitos da determinação quantitativa do valor global a pagar pela ré nos termos peticionados na alínea a), e até integral pagamento, ascendendo os vencidos a 2.683,28 €.
Alega a existência de contrato de trabalho a tempo indeterminado entre as partes, a categoria profissional e as funções que lhe estão atribuídas, o AE que é aplicável e a sua filiação sindical, as componentes da sua retribuição de 1989 a 2003, a denominação e características que lhes eram atribuídas, bem como a circunstância de a ré não ter considerado, como devia, algumas dessas componentes retributivas nos montantes pagos ao autor a título de retribuição de férias, subsídios de férias e de Natal.
Frustrada a tentativa de conciliação levada a efeito na audiência de partes, a ré contestou pugnando pela improcedência da acção.
Alegou, em resumo e na parte que ora releva, que: as prestações pecuniárias que o autor identifica e que pretende ver incluídas nas retribuições de férias, subsídios de férias e de Natal não são devidas a tais título, atenta a sua específica natureza não retributiva; estão prescritos os créditos reclamados pelo autor até 20/4/1992, momento até ao qual o autor esteve contratado a termo; os actos de processamento e pagamento dos créditos salariais do autor eram, até Maio de 1992, actos administrativos, que não foram impugnados pelo meio e no tempo adequados para o efeito, razão pela qual o autor não pode actualmente exigir quaisquer créditos salariais anteriores a Maio de 1992; os créditos reclamados pelo autor e anteriores a Maio de 1992 são inexigíveis, pois que a relação entre o autor e a ré era materialmente público-administrativa e por isso subtraída à disciplina da LCT, designadamente em matéria de prescrição, estando antes sujeita ao regime dos arts. 306º/1 e 310º/g do CC, com a consequente prescrição dos créditos anteriores a Maio de 1992; só serão devidos juros de mora a contar da data do trânsito em julgado da decisão que reconhecer quaisquer créditos ao autor, ou na pior das hipóteses desde a citação, sendo certo que estão prescritos os juros vencidos há mais de cinco anos contados da citação; o autor abusa de direito ao reclamar juros moratórios nos termos em que o faz.
Conclui pela improcedência da acção.
Respondeu o autor para, em resumo, pugnar pela improcedência das excepções invocadas pela ré.
Saneado o processo, as partes acordaram quanto à matéria de facto que deveria considerar-se provada, logo após o que foi proferida sentença de cujo dispositivo consta, designadamente, o seguinte:
Nestes termos e, sem necessidade de mais considerações, julgando-se a presente acção parcialmente procedente, decide-se:
1- Condena-se a R. a pagar ao A. a quantia de € 2.009,70 ( dois mil e nove euros e setenta cêntimos) de diferenças na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal, com juros de mora, à taxa legal, sobre cada uma das prestações em dívida, contados desde cinco anos antes da citação da R., ocorrida em 24.3.2014, até efectivo e integral pagamento.
2- Absolver a R. do restante pedido.
*
Custas por A. e R. na proporção do respectivo vencimento, sem prejuízo da isenção de que o A. Beneficia face ao valor dos rendimentos constantes na declaração de IRS - art. 4º, nº1, al.”.
Inconformado com o assim decidido, recorreu o autor, tendo rematado as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas:
1 – A decisão em crise faz uma errada interpretação ao entender que os juros são autónomos relativamente aos créditos laborais e por isso será de lhes aplicar a prescrição de cinco anos prevista no regime geral do CC.
2 - Sobre as quantias peticionadas a título de retribuição são devidos juros de mora, computados às taxas legais respetivas e sucessivas, desde a data do vencimento de cada uma das prestações até efetivo pagamento (cfr. artigos 804º, 805º n.º2, al. a) e 806º, todos do Código Civil, doravante CC).
3 - Tanto a obrigação de pagar a retribuição de férias, como a obrigação de pagar subsídios de férias e de Natal se inserem num contrato com prestações de execução continuada (contrato de trabalho) e têm prazo certo.
4 - Sendo as obrigações em acima referidas, obrigações de prazo certo, há mora desde a data do seu vencimento (cfr. artigo 805º, n.2, al.a) do CC).
5 - Os n.ºs 4 e 5 artigo 278º, do Código de Trabalho (doravante CT), determinam que a entidade empregadora fica constituída em mora se, sem culpa do trabalhador, este não receber a retribuição na data do seu vencimento.
6 - Ao contrário do que entende o Tribunal a quo, na decisão em crise, objeto do presente recurso, a jurisprudência seguida pelo nosso mais alto Tribunal, vem entendendo que os juros não só são devidos, como o são desde o vencimento da obrigação não satisfeita, sendo que única “limitação” ao seu pagamento será a prescrição do direito que ocorre um ano após o desvinculo do trabalhador (cfr. Supremo Tribunal de Justiça n.º 06S4557 de 18-04-2007; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 06S3211 de 9-05-2007 – disponíveis em www.dgsi.pt - e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.09.04 - na revista nº 1761/04, da 4ª secção).
7 - De igual modo, reconduzindo a prescrição dos juros à prescrição das prestações que os assentam temos, entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo 2581/11.0TTLSP-A.L1-4, datado de 04.07.2012).
8 - Entende o Recorrente que apreciando a “rácio” subjacente ao regime especial contido no artº 38º da LCT, e a expressão ampla usada na lei - "todos os créditos resultantes do contrato de trabalho" – terá obviamente que abranger os juros de mora.
9 - Pelo que não se poderá falar numa autonomia dos juros face aos créditos laborais, caso contrário estaríamos a fazer um interpretação no mínimo desajustada face à verdadeira razão de ser tanto de uns como de outros.
10 - Mais se diga que para os juros terem tratamento jurídico diferente da obrigação de capital de que decorrem é necessário que isso mesmo resulte da lei e que o regime previsto na legislação de trabalho é um regime especial face ao previsto no Código Civil.
11- É incongruente dar a possibilidade ao empregador de usufruir durante todo o lapso temporal em que existe o vínculo laboral de uma prescrição de 5 anos, obrigando o trabalhador a reclamar o pagamento dos juros dentro de um prazo de cinco anos após o vencimento, quando o crédito laboral que origina o crédito de juros só prescreveria um ano após seu desvinculo com a entidade patronal!
12 - É claramente uma contradição a possibilidade dada pela própria lei, ao trabalhador, de não reclamar o crédito laboral durante a vigência do contrato de trabalho, e no momento de poder atuar judicialmente, após o desvinculo, estar vedada a possibilidade de ser ressarcido pela mora do empregador.
13- No mesmo sentido, escreveu Júlio Gomes, em “Direito do Trabalho”, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, pág. 905, que “Resulta do n.º 1 do artigo 381.° que o regime especial de prescrição nele contido se aplica a todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pelo que nos parece que hoje tal regime se deve aplicar também aos juros de retribuições em mora. No passado, invocando-se a natureza autónoma da obrigação de juros, pretendeu-se que esta obrigação estaria sujeita às regras do direito civil em matéria de prescrição e não ao regime especial dos créditos laborais. Tal entendimento não só não é hoje confortado pela letra da lei, como conflitua com a teleologia do preceito, já que forçaria o trabalhador a recorrer aos tribunais na vigência do contrato ou, em alternativa, a resignar-se com a extinção do seu direito”.
14 - Pelo exposto, a decisão em crive errou ao aplicar aos juros emergentes dos créditos laborais o artigo 310º alínea d) do CC, e viola, por não aplicação, artigos 804º, 805º n.º2, al. a) e 806º todos do CC, assim como, o artigo 38.º, n.º1 da LCT e artigo 381.º nº1 do CPT de 2003, atualmente previsto no artigo 337 n.º1 do CT, os quais englobam na sua previsão para além dos créditos laborais os juros moratórios, pelo que deverá a sentença recorrida ser revogada e consequentemente deverá o Tribunal a quo decidir em conformidade com tais normativos, condenando a Recorrida/Ré a pagar ao Recorrente/Autor os juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor para cada ano, acrescendo e reportados às quantias em dívida, a vencer desde as datas em que cada verba deveria ter sido posta à disposição do Recorrente, contabilizados até integral e efetivo pagamento.
15 - De acordo com o artigo 83 n.º 3 da LCT (Decreto-lei 49480 de 24 de Novembro de 1969) legislação em vigor à data dos factos, actual artigo 258 n.º 3 do CT, tudo o que é pago ao trabalhador é considerado retribuição.
16 - Tal norma consubstancia uma presunção legal que só poderá ser ilidida através de prova em contrário.
17 - Tal entendimento encontra-se plasmado no acórdão de Relação do Porto datado de 02-12- 2003, proferido no âmbito do processo n.º 332/12.5TTGDM, e da mesma relação o acórdão datado de 11/03/2013, proferido no Proc. 143/12.8 TTVLG, aplicável ao abono de viagem - disponíveis em www.dgsi.pt.
18 – A prova a realizar relativa à natureza não retributiva do abono de viagem cabe exclusivamente à Recorrida/Ré, conforme se retira da decisão do Supremo Tribunal de Justiça, proferida a 08.10.2008, disponível em ww.dgsi.pt, no âmbito do processo 08S1984E.
19 - Pelo que, em concreto, teria a Recorrida, Ré, de ilidir tal presunção legal no que respeita à natureza não retributiva do abono de viagem peticionado pelo Recorrente e Autor.
20 - Atento o exposto e face à matéria dada como provada, só se poderá concluir que não ficou provado que os valores pagos pela Ré ao Autor, ora recorrente, constantes dos quadros expostos na douta sentença, não tenham natureza retributiva.
21 - Pelo exposto, o Tribunal a quo, incorreu em erro de julgamento e violou, entre outras e com o douto suprimento deste Venerado Tribunal, o artigo 83.º n.º 3 da LCT (Decreto-lei 49480 de 24 de Novembro de 1969) legislação em vigor à data dos factos, atual artigo 258.º n.º 3 do CT, na medida em que não teve em consideração a presunção legal contida em tais normas, e que determina que, até prova em contrário, toda prestação paga pelo empregador ao trabalhador presume-se retribuição, assim como violou os artigos 344.º, n.º1 e 350.º do CC.
Casso assim não se entenda, o que não se concede e por mero dever de patrocínio se equaciona:
22 - O artigo 87 da LCT, actual artigo 260 n.º1 alínea a) do CT, exclui como tendo natureza retributiva o abono de viagem, expecto quando tais deslocações e/ou despesas sejam frequentes e se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador.
23 - O Recorrente junta ao processo, com a petição inicial, o documento denominado doc. n.º 1, consubstanciado numa nota informativa, documento através do qual se pode verificar que a Recorrida/Ré, integra no subsidio de férias de na retribuição de férias os proporcionais do abono de viagem recebido pelos seus trabalhadores, conforme de verifica pela leitura de supra referida nota informativa da Ré no seu ponto 1. e 2., e pela analise dos seus anexos I e II.
24 - Pela leitura de tal documento, não impugnado pela parte contrária, só se poderá concluir que o abono de viagem é considerado retribuição pela Recorrida, uma vez que tal natureza foi expressamente assente nesse documento e considerado para efeitos de retribuição de férias e respetivo subsídio
25 - Pelo exposto o tribunal a quo incorreu em erro ao considerar que o abono de viagem não tem natureza retributiva, deveria ter considerado para efeitos de prova da matéria de facto dada como assente, o documento junto pelo Recorrente (doc.1) na sua petição inicial, e concluindo, inevitavelmente, que o abono de viagem é considerado retribuição pela Ré, considerando tal facto como uma das ressalvas efetuada pelo artigo 87.º, parte final, da LCT.
26 - Em informação interna, a Recorrida vem admitir que o “abono de viagem” está sujeito a IRS, conforme de depreende do ofício da Ré ora junto aos autos o qual se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais (cfr. – Nota Interna, “ Abono de Viagem. Tributação em IRS” datada de 22.10.1998, que faz parte integrante do doc.1 junto pela Recorrida/Ré na sua contestação).
27 - Pela simples leitura das várias alíneas da cláusula 147.º do AE/CTT de 1996 (nomeadamente a alínea d) não se pode extrair a conclusão de que estamos perante uma “ajuda de custo” tout court.
28 - A solidificar o presente raciocínio temos o artigo 105 n.º 1 alínea d), do AE CTT de 1981, publicado no BTE 1.ª Serie, n.º 24, de 29.06.1981 e no AE de 1993, publicado no BTE 1.ª Serie, n.º 44, de 29-11-1993, exclui a natureza do abono de viagem como ajudas de custo, e a mesma ideia é dada no artigo 41.º do AE de 2000, artigo 98.º do AE de 2006, artigo 47.º do AE de 2008 e 2010 e artigo 42.º do AE de 2015.
29 - Face ao exposto, só poderá considerar-se a natureza retributiva do abono de viagem, e que constitui uma forma disfarçada de retribuição, na medida em que é a própria Recorrente/Ré que não admite o pagamento de ajudas de custo aos carteiros.
30 - Assim como é a própria Recorrente que admite claramente que o abono de viagem excede o valor das despesas efetuadas em serviço atento o facto da sua tributação em IRS.
31 - Pelo exposto o Tribunal a quo deveria ter considerado para efeitos de prova o documento junto pelo Recorrente (doc.1) na sua petição inicial, e concluindo, inevitavelmente, que o abono de viagem é considerado retribuição pela Ré, uma vez que tal abono é tributado para efeitos de IRS, considerando tal facto como uma das ressalvas efetuada pelo artigo 87.º, parte final, da LCT.
32 - Pelo que, e ao que ao abono de viagem concerne, o Tribunal a quo violou, entre outras e com o douto suprimento desse Venerado Tribunal, os artigos 87.º parte final da LCT, atual artigo 260 n.º1 alínea a) parte final do CT, atenta a desconsideração total dos documentos supra elencados.”.
A ré também recorreu subordinadamente, apresentando as conclusões seguidamente transcritas:
I. É entendimento da recorrente que se impõe a modificação da decisão do Tribunal a quo por inegável erro de julgamento, nos termos do art. 669.º n.º 2, a) e b) do C.P.Civ., por a decisão recorrida ter sido tomada contra legem.
II. Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido a fls. Destes autos, na parte em que, conhecendo das excepções peremptórias de prescrição dos créditos pelas diferenças retributivas anteriores a Maio de 1992 e de prescrição dos juros relativos aos créditos que o Autor reclama, decidiu pela sua improcedência.
III. Importa na análise da natureza jurídica da relação entre a Ré e os seus trabalhadores anterior a Maio de 1992, atender à natureza do vínculo laboral entre a Recorrente e os seus trabalhadores, estabelecidas anteriormente àquela data, pois que a mesma influencia, determinantemente, na possibilidade ou não de o Autor pôr em causa a forma de pagamento do vencimento de férias, subsídios de férias e de Natal anteriores a Maio de 1992.
IV. Até àquele período (e não só, como veremos), a relação jurídica entre Autor e Recorrente estava conformada pelo quadro jurídico estabelecido, nomeadamente, pelos seguintes normativos legais:
- D.L. n.º 49368, de 10 de Novembro de 1969
- Portaria n.º 706/71, de 18 de Dezembro;
- Portaria de Regulamentação Colectiva de 29.07.1977;
- AE de 81
- Portaria n.º 348/87, de 26 de Abril
V. Com o D.L. n.º 49368, de 10 de Novembro de 1969, que criou a empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal, a Apelante assumiu uma tradição de instituição pública e os seus trabalhadores um estatuto típico do funcionalismo público, ainda que com certas especificidades, sendo certo que o regime público se mantém.
VI. De referir que a Recorrente, enquanto pessoa colectiva de direito público – e mesmo após a sua transformação em sociedade anónima – integra a Administração pública em sentido orgânico (ou, pelo menos, constituir uma verdadeira Administração indirecta privada).
VII. Na verdade, através desse diploma legal foi conferido à Recorrente o estatuto de empresa pública regendo-se o seu pessoal por um regime jurídico privativo, de natureza pública, conforme determinava o art. 26.º dos seus estatutos, que veio a ter posterior tradução nomeadamente nos diplomas e normativos acima indicados e que se manteve inalterado pelas disposições consubstanciadas no Acordo de Empresa posteriormente outorgado pela Recorrente.
VIII. A evolução do seu perfil organizacional e a sua prévia existência enquanto verdadeira direcção geral, de pleno integrada na administração directa do Estado - a que também não é estranha a fixação de prorrogativas aos seus trabalhadores, no período considerado, que evidenciam poderes de autoridade administrativa (vide art. 28.º do D.L. n.º 49368) - explicam a opção do legislador quando afasta o regime do contrato individual de trabalho, dada a expressa natureza jus-privatística deste último.
IX. Nem os aspectos diferenciadores do regime jurídico estabelecido, de carácter privativo, nem o quadro legal posteriormente fixado pelo D.L. n.º 260/76, de 8 de Abril, procederam à desfuncionalização da relação de emprego público existente, nesse período, nem tiveram por efeito transformar os funcionários ao serviço dos CTT em trabalhadores sujeitos ao regime do contrato de trabalho.
X. Manteve-se, assim, uma relação jurídica de emprego de cariz público, sujeita ao direito administrativo, a que a natureza empresarial dos CTT nada obstou.
XI. Relembrar que ainda hoje, no AE de 2013 (BTE, 1.ª Série, n.º 15 de 22 de Abril de 2013) e que está em vigor, o poder disciplinar da Recorrente é dualista, o que representa o reconhecimento “no plano da relação contratual, de que os antigos trabalhadores mantém o estatuto decorrente da sua originária inserção numa empresa pública de direito público e assume um valor indiciário próprio no sentido de uma interpretação declarativa das normas em causa.” (sublinhado nosso) – vide Parecer da PGR, de 7 de Outubro de 1998 (voto de vencido do Conselheiro Fernandes Cadilha).
XII. Atentos os fortes traços de direito público de que se reveste o regime jurídico anterior à transformação dos CTT em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos - concretizada pelo D.L. n.º 87/92, de 14 de Maio, tem de entender-se, assim, que em relação às prestações reclamadas por trabalhadores contratados até 19 de Maio de 1992 e as que respeitem apenas a esse período, as mesmas foram determinadas por actos administrativos.
XIII. Porque sustentados numa relação jurídica materialmente administrativa, os actos de processamento de vencimentos e demais prestações remuneratórias praticados até essa data (leia-se, 19 de Maio de 1992) entendem-se como actos administrativos.
XIV. Tal interpretação foi tecida em parecer jurídico de autoria do Prof. Doutor Sérvulo Correia, que defende que “o processamento automático, através de meios mecânicos ou electrónicos, dos vencimentos dos funcionários da Consulente não esbarra, pois, com a noção, dogmaticamente sedimentada, de ato administrativo.
Conclui-se assim, eu estamos, efectivamente, perante actos definidores e efeitos jurídicos concretos de conformação de uma relação inter -administrativa, e, como tal, perante atos de eficácia externa que assumem a configuração jurídica de ato administrativo, reunindo todos os elementos essenciais que integram este conceito”, conclusão “corroborada por jurisprudência reiterada e uniforme do Supremo Tribunal Administrativo”.
XV. Conclui, igualmente, o ilustre Professor que os mesmos são “inimpugnáveis e, como tal, definitivamente conformadores das situações jurídicas individuais concretamente abrangidas”.
XVI. Ora, não tendo os mesmos sido oportunamente impugnados, nos termos e prazos previstos na lei, não podem, hoje - passados quase de 30 anos, ser objecto de apreciação judicial.
XVII. Mas mesmo que se entenda não terem as prestações ora reclamadas até àquela data de 19 de Maio de 1992 sido determinadas por actos administrativos, já inimpugnáveis, forçoso é concluir que as mesmas não se mostram devidas, por já se encontrarem prescritas.
XVIII. Do quadro jurídico enunciado resulta a expressa definição e vigência, para os trabalhadores dos CTT Correios e Telecomunicações de Portugal, EP, admitidos antes da sua transformação em sociedade anónima de capitais públicos operada pelo D.L. 87/92, de 14 de Maio, de um estatuto próximo dos funcionários públicos mas de natureza híbrida, pública-privada.
XIX. Se por um lado, esse regime privativo, especial, assegurava aos trabalhadores dos CTT o recurso aos diversos meios garantísticos de direito público para o exercício dos seus direitos, designadamente de natureza laboral, mediante a aplicação do princípio da legalidade, da hierarquia administrativa e dos esquemas de recurso contencioso, expressa e claramente excluía a aplicação da LCT, como já referido, e consequentemente o regime de prescrição nela estipulado para o contrato individual de trabalho.
XX. Tem sido jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que aos trabalhadores dos CTT e após a entrada em vigor do D.L. n.º 87/92, ou seja, após a transformação de empresa pública em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, se passou a aplicar o regime da LCT, ou seja, acolheu o entendimento segundo o qual, até àquela data, os trabalhadores da Recorrente se regiam por um regime privativo, de natureza pública, ao abrigo do D.L. n.º 49368 – veja-se, a título de exemplo, os Acs. do STJ de 19-02-2013, em que é relator Gonçalves Rocha e de 22-05-2013, em que é relator Maria Clara Sottomayor, ambos disponíveis em dgsi.pt.
XXI. Não deixaremos de referir, porém, que esse Venerando Tribunal, no processo 1138/09.4TTVNG, defendeu e bem esta solução mesmo após a transformação dos CTT de empresa pública em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, isto é, que os trabalhadores que nessa data se encontravam ao serviço continuaram e continuam a reger-se por esse regime jurídico privativo, de natureza pública, baseando esta posição no art. 9.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei 87/92, segundo o qual está excluída a aplicação do regime jurídico do contrato individual de trabalho, nomeadamente, da LCT, dos Códigos do Trabalho, e do Decreto-Lei n.º 404/91, de 16 de Outubro, entre outros.
XXII. Assim, e ao contrário da tese defendida na douta sentença ora recorrida, pelo menos até Maio de 1992, está excluída a aplicação do regime jurídico do contrato individual de trabalho, nomeadamente, da LCT, entre outros.
XXIII. Por via disso, e não existindo – como não existe – no conjunto de diplomas que constituíram o estatuto privativo dos CTT normas relativas ao regime de prescrição dos créditos laborais e não sendo, como vimos, aplicável à relação o regime jurídico do contrato individual de trabalho (LCT) impõe-se recorrer às regras gerais de direito para suprir tal omissão (da norma prescricional).
XXIV. Assim, no que o direito público não dispusesse de outro modo, as pretensões relacionadas com créditos laborais prescreviam nos termos do art. 310.º, g), do C.Civ., iniciando-se a prescrição nos termos gerais do art. 306.º, n.º 1, do mesmo diploma e não apenas após a cessação do contrato de trabalho.
XXV. Pelo que aos créditos laborais reclamados nas circunstâncias dos presentes autos não se aplica o art. 38.º da LCT.
XXVI. É esta também a tese defendida pelo Prof. Doutor António Menezes Cordeiro, no seu parecer onde refere que “…antes de 18 de Maio de 1992, a prescrição laboral não se aplica: o regime em vigor na empresa, próximo do da função pública, não prevê uma prescrição laboral, antes de caindo no Código Civil; além do Direito aplicável, jogam os valores em jogo, segundo os quais tal tipo de prescrição é desnecessário, no Direito público, dadas as garantias dos trabalhadores” – doc. n.º 2
XXVII. Pelo que não tendo aplicação o art. 38.º da LCT mas sim a conjugação dos arts. 310.º, g), e 306.º do C.Civ., tal significa que o Autor teria o prazo de cinco anos a contar da data de vencimento de cada prestação para exercer o seu direito (isto é, para peticionar os créditos laborais alegados na presente acção).
XXVIII. Assim, dúvidas não podem restar nada ser devido pela Ré ao Autor, a título das diferenças retributivas nas férias, subsídio de férias e subsídio de Natal entre 1987 e 1992 uma vez que os mesmos se encontram prescritos, bem como os juros reclamados relativos a este período, como veio a ser considerado pelo tribunal a quo.
XXIX. No que respeita à segunda questão, ou seja, se o Autor litiga em abuso de direito, relembramos que nunca o Autor antes da propositura da presente acção deu a entender à sua empregadora, aqui Recorrente, que não concordava com a forma como a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal estavam a ser liquidados, pelo que a Ré continuou a proceder ao seu pagamento como vinha fazendo há anos.
XXX. Os subsídios alegados pelo Autor até 2003 não integravam o conceito de retribuição, e este entendimento sempre foi aceite por aquele, e pelos restantes trabalhadores da Apelante, pelo que não pode ter criado qualquer expectativa ou convicção de recebimento das prestações ora peticionadas, uma vez que esta nunca até à presente data na vigência da LCT, as considerou como retribuição para efeitos de média a assegurar nos subsídios de férias de Natal, pois só lhe eram pagos quando se verificassem os requisitos para a sua atribuição, nos termos do AE/CTT.
XXXI. E tal facto era do conhecimento do Autor, dado que nunca anteriormente reclamou o recebimento de tais quantias fora das situações que dão direito à sua percepção.
XXXII. Analisando os sucessivos AE/CTT, verificamos que as partes tiveram o cuidado de, divergindo da Lei, classificar a retribuição em férias como aquela que o trabalhador receberia se estivesse em “serviço normal”, cabendo ao trabalhador, em acréscimo, subsídio de igual montante, tudo conforme se preceituava e preceitua, hoje, na cláusula 162.ª do AE publicado no BTE n. º 30 de 15 de Agosto de 2000.
XXXIII. Já a cláusula 143.ª, que respeita ao subsídio de Natal estipula que: “Todos os trabalhadores abrangidos por este acordo terão direito a receber um subsídio correspondente à sua remuneração mensal, o qual lhes será pago com a remuneração respeitante ao mês de Novembro e corrigido no caso de aumento de vencimento no mês de Dezembro.”
XXXIV. Parece de facto que, tanto num como noutro caso, as partes pretendem fazer corresponder os referidos subsídios a um valor, comummente definido como retribuição mensal.
XXXV. Ora, tal conceito pode encontrar-se na vontade expressa pelas partes no âmbito da cláusula 133ª, onde, a respeito das remunerações mínimas mensais se refere que a remuneração horária normal é determinada pelo produto da multiplicação da remuneração mensal normal por 12 (meses) e consecutiva divisão pelo produto da multiplicação do período normal de trabalho semanal por 52.
XXXVI. Ou seja, a retribuição “normal” corresponde à contrapartida paga pela Ré pela prestação de trabalho durante o período “normal” de trabalho.
XXXVII. Tal intenção das partes pode ainda ser retirada da análise da cláusula 134ª do mesmo AE, onde, propositadamente e no seguimento das definições até aí realizadas, se distinguem claramente, até nos próprios documentos comprovativos, a remuneração “fixa”, ou se quisermos normal, e as restantes “prestações complementares”, sendo uma delas o próprio trabalho suplementar.
XXXVIII. Dificilmente se pode admitir que as partes outorgantes do presente acordo tenham estado tão desatentas que ao mencionarem a retribuição ”normal” deixaram “escapar” desse conceito prestações que, eles próprios consideram como complementares – caso da retribuição por trabalho suplementar, entre outras.
XXXIX. Pelo que tais prestações não eram (nem devem agora ser consideradas) devidas aquando do pagamento ao Autor de férias, subsídios de férias e de Natal.
Acresce que,
XL. A postura do Autor – e dos demais trabalhadores da Ré – ao longo dos anos fez com que esta se convencesse que os mesmos aceitavam a forma como a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal estavam a ser liquidados.
XLI. Pelo que no caso em apreço, ainda mais do que abuso de direito na forma de venire contra factum proprium, estaremos perante a figura da suppressio.
XLII. A suppressio mais não é que uma forma de abuso de direito que se traduz no exercício tardio de uma posição jurídica de tal modo que o devedor, de todo, já não contasse com ela.
XLIII. Assim, esta figura baseia-se na tutela da confiança aliada à boa fé.
XLIV. Ou seja, a suppressio acaba por ser uma forma de tutela da confiança do beneficiário (ora Ré) perante a inacção do titular do direito (o Autor).
XLV. Transpondo para a situação subjacente aos presentes autos, a Ré julgava proceder bem numa situação que foi sancionada, durante anos a fio, por milhares de trabalhadores.
XLVI. Efectivamente, a posição dos seus trabalhadores ao longo dos anos – designadamente, o não exercício de qualquer direito até recentemente - fez com que a Ré perpetuasse no tempo o mesmo método de cálculo na convicção de que o mesmo era satisfatório para todos.
XLVII. Como bem refere o Prof. Menezes Cordeiro em parecer ora junto, “esse retardamento conduziu a que, hoje, o volume envolvido seja descomunal, com grande dano para a empresa”, sendo certo que “o exercício, pelos interessados, dos direitos envolvidos é paralisado ex bona fide, por exigência do sistema”.
XLVIII. Face a tudo quanto se cuidou expor, dúvidas não podem restar que não são devidos juros de mora desde o vencimento de cada uma das prestações, como é pretensão do Autor.
XLIX. No que à questão da mora concerne, salvo melhor opinião, não se pode considerar haver mora antes da citação da ré para contestar a presente acção; na verdade, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir e sendo o crédito ilíquido não há mora enquanto este não se tornar líquido (cfr. artº 805º do C.Civ.).
L. É que, embora exista um prazo certo para pagamento da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal, aquilo que está aqui em causa não é o seu não pagamento, mas antes a discussão sobre a natureza de complementos de modo a saber se integram ou não o conceito de retribuição.
LI. E sendo a questão controvertida, não se pode considerar a quantia liquidada no momento do pagamento dessas retribuições e subsídios, ou seja, que a ré sabendo o valor a pagar se atrasasse a pagar.
LII. Apenas pela procedência da presente acção, e nos seus precisos termos de condenação, é que se apurará o montante em dívida, ou seja, quais são as prestações que o Autor tem vindo a auferir ao longo do contrato com a Ré que se considerarem retribuição; mais, Não é razoável exigir do devedor que ele cumpra enquanto não souber qual o montante e o objecto exacto da prestação que lhe cumpre realizar – in illiquidis non fit mora.
LIII. Razão pela qual se entende que não havendo culpa do devedor, não é possível imputar à Ré a mora geradora de condenação em juros, sendo estes devidos tão só a partir do momento do trânsito em julgado da decisão a proferir nestes Autos, ou seja, a contar do dia da constituição em mora, cfr. art. 806.º do C.Civ..
LIV. Ou, o que por mera cautela de patrocínio se concede, pela interpelação para pagamento, pelo que não existindo interpelação anterior será de considerar a data da citação, cfr. art. 805.º do C.Civ.. Consequentemente, a serem devidos juros moratórios estes contar-se-ão apenas a partir daquela data.
LV. Por outro lado, e no que respeita ao transporte pessoal, andou mal a sentença recorrida ao considerar que pelo simples carácter de regularidade e periodicidade, tais quantias integram o conceito de retribuição.
LVI. Não se compreendendo que o Tribunal a quo não tenha seguido aqui o mesmo raciocínio que fez, e bem, no que respeita ao abono de viagem já que este serve o mesmo propósito, pois que constitui uma ajuda de custo que se destina a fazer face a despesas concretas de transporte que o trabalhador tem de efectuar para executar o contrato, porque está deslocado em serviço, não constituindo, por isso, um ganho acrescido resultante da sua prestação laboral.
LVII. Aliás, é este o entendimento da jurisprudência do STJ, nomeadamente, os acórdãos STJ 06S2967, de 17 de Janeiro de 2007 e STJ 06S4557, de 18 de Abril de 2007, ambos disponíveis em www.dgsi.pt , onde se defende que o transporte pessoal, pago pelos CTT, não integra a retribuição de férias nem os subsídios de férias e do natal.
LVIII. Aliás, é a própria lei que exclui, do conceito de retribuição as quantias recebias a título de abono de viagem e outras equivalente refira-se em primeiro lugar que é a própria lei que exclui, do conceito de retribuição as quantias recebias a título de abono de viagem e outras equivalentes, vide arts. 87.º da LCT e 260.º do C.Trab.2003.
LIX. As características de regularidade e periodicidade no pagamento não são de atender quando as prestações têm uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade da força de trabalho, situação que ocorre – por exemplo com as ajudas de custo, abonos de viagem despesas de transporte e outras equivalentes, devida ao trabalhador por deslocações ou novas instalações feitas em serviço da entidade patronal, salvo se essas importâncias tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da remuneração do trabalhador, o que não sucede in casu.
LX. Logo, não constituem um ganho acrescido resultante da sua prestação laboral, são valores compensatórios de despesas, não podem as mesmas ser consideradas como parte integrante da retribuição, a não ser que excedessem as despesas normais do trabalhador e fossem tidas para o efeito, pelo contrato e pelos usos.
LXI. Como tal não tem carácter de retribuição, tanto mais que as respectivas importâncias não excedem os montantes normais devidos pelas despesas a que se refere.
LXII. Cabendo ao Autor, a prova de que tais ajudas constituem uma forma disfarçada de retribuição, por o seu montante exceder o valor das despesas feitas em serviço, assim decidido no Ac. da Relação do Porto, de 26/06/2000, in BMJ 498, p. 275.
LXIII. Ora, não tendo sido alegados e provados factos em conformidade, deveria improceder a sua pretensão neste sentido.
LXIV. Na verdade, não pode o Tribunal escudar-se no alegado carácter regular e periódico de uma prestação para, salvo o devido respeito, simplisticamente, condenar a Recorrente quando, na verdade, é o próprio legislador que exclui do conceito de retribuição determinadas prestações complementares.
LXV. E quanto à compensação especial, as características de regularidade e periodicidade no pagamento não são de atender quando as prestações têm uma causa específica e individualizável diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade da força de trabalho.
LXVI. Esta compensação especial tem uma finalidade específica, que é o pagamento da assinatura do telefone que ocorre 12 vezes, sendo paga todos os meses, incluindo o de férias, como consta da prova documental junta com a contestação, a fls. dos Autos, e que não foi impugnada pelo Autor.
LXVII. Documentação essa que foi, em absoluto, desconsiderada pela M.ma Juiz a quo, é atribuída segundo determinados critérios, avaliados ano a ano, e que por isso não tem justificação para integrar os subsídios de férias e de natal.
LXVIII. Ora, as ordens de serviço juntas ao Autos permitem concluir que esta compensação visava compensar a dedicação à Empresa, especificamente a antiguidade, o comportamento e a assiduidade, inicialmente, através da isenção de pagamento da taxa de assinatura mensal do telefone instalado na residência do trabalhador e, a partir de Fevereiro de 1995, através do respectivo pagamento.
LXIX. Eram requisitos para a sua atribuição, nomeadamente, a antiguidade, assiduidade (quantidade de faltas e faltas injustificadas) e o percurso disciplinar.
LXX. Por outro lado, cabe dizer que esta compensação especial nada tem a ver com a Cl. 139.º do AE, onde sob o nome Compensação Especial, se define a Compensação do horário incómodo, que é atribuída ao trabalhador por cada dia que iniciar ou terminar o seu período normal de trabalho entre as 2 e as 6 horas, inclusive, ou quando o trabalhador inicie ou termine, no período referido, o seu intervalo de descanso, desde que este seja igual ou superior a quatro hora.
LXXI. A Compensação Especial peticionada pelo Autor com aquele nome, refere-se tão só à isenção do pagamento da taxa telefónica, não têm por fim contrapartida pelo trabalho prestado, antes sim, premiar dedicação do trabalhador à empresa, pelo que não deveria integrar o conceito de retribuição.
LXXII. Por outro lado, andou mal a sentença recorrida na análise da regularidade e periodicidade.
LXXIII. Quanto a esta questão, vem sendo entendimento praticamente unânime da mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça [Acs. STJ de 23.06.2010, 15.09.2010, 16.12.2010 e de 05.06.2012, todos in www.dgsi.pt] que «deve considerar-se regular e periódica e, consequentemente, passível de integrar o conceito de retribuição, para os efeitos de cálculo da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal, a atribuição patrimonial que ocorra todos os meses de actividade do ano (onze meses).
LXXIV. Deste modo, e sufragando-se este entendimento, que salvo melhor opinião é o correto, apenas os suplementos remuneratórios que foram pagos ao autor em onze dos doze meses de cada ano deveriam ser considerados para os referidos efeitos.
LXXV. Por fim, a condenação da Recorrente na integração das prestações complementares no Subsídio de Natal incidiu sobre os subsídios peticionados pelo A., com por via, além do mais, da interpretação dos instrumentos de regulamentação colectiva aplicáveis.
LXXVI. Porém, não podemos aceitar a conclusão a que chegou o Tribunal a quo na medida em que, e nos termos do disposto na Clª 143ª do AE/CTT de 1981, era devido aos trabalhadores da Recorrente, um subsídio de Natal “igual a um mês de retribuição”, sendo este o conceito adoptado pelos diversos intervenientes na outorga do referido AE/CTT.
LXXVII. Em consequência, porque aplicável ao caso dos presentes autos, não se aplica à situação neles reportada o disposto no art. 2.º, n.º 1 do D.L. n.º 88/96, de 03.07, na medida em que a vontade das partes outorgantes do AE/CTT era a de que as prestações variáveis não integravam o subsídio de Natal.
LXXVIII. Tratando-se de Cláusulas contratuais temos de lançar mão do estatuído no art. 236.º do C.Civ., no sentido em que a amplitude remuneratória do Subsídio de Natal, há-de corresponder à vontade real das partes, outorgantes do referido AE.
LXXIX. E a vontade real das partes não pode ter sido outra senão a correspondente interpretação feita pela ora Recorrente, segundo a qual as prestações variáveis não integravam o subsídio de Natal, pois em mais de 25 anos de execução dos sucessivos Acordos de Empresa, nunca os representantes dos trabalhadores questionaram judicial ou extrajudicialmente a interpretação do acordado.
LXXX. Efectivamente, a posição dos seus trabalhadores ao longo dos anos – designadamente, o não exercício de qualquer direito até recentemente - fez com que a Ré perpetuasse no tempo o mesmo método de cálculo na convicção de que o mesmo era satisfatório para todos.
LXXXI. Por outro lado, e tendo em conta a posição no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.FEV.03, proferido no âmbito do Recurso de Revista 4072/02, da 4ª Secção “…se nos instrumentos de regulamentação colectiva sempre se falou em retribuições ou remunerações (vocábulos que aqui se devem ter por equivalentes), sem reserva, deve considerar-se, na falta de outros elementos interpretativos, que se quis abranger todos os segmentos que os integram” é de atender aos elementos interpretativos no caso concreto.
LXXXII. Porém, além do facto de os trabalhadores da Ré, apenas agora vierem massivamente pôr em causa a forma de pagamento deste subsídio, existe outro elemento interpretativo a ter em conta e supra definida, que se refere à interpretação da expressão “serviço normal”.
LXXXIII. Além disso, a partir da entrada em vigor da Lei 99/2003 de 27 de Agosto (antigo Código de Trabalho), mais concretamente nos seus artigos 250º e 254º, a situação tornou-se perfeitamente clara, ou seja, para o cálculo daquele subsídio apenas deverão ser tidas em conta o vencimento base e diuturnidades.
LXXXIV. Neste sentido afirma a doutrina, em especial, Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, pág. 470, 13ª Edição, editora Almedina: “(…) o art. 250.º/1 oferece a regra supletiva segundo a qual “a base de cálculo das prestações complementares e acessórias” será composta apenas pela retribuição base e diuturnidades. Esta disposição não terá sido criada, especificamente para a determinação do subsídio de Natal, mas mostra-se susceptível de lhe ser aplicada: o subsídio é uma prestação “complementar” porque não tem correspectividade directa com certa quantidade de trabalho. Cremos, pois, que o “mês de retribuição” a que se refere o art. 254.º/1 CT é equivalente ao somatório da retribuição base e diuturnidades.”.
LXXXV. Entendimento este consagrado em Parecer de 31.10.2013, que ora se junta como Doc. 1, no qual se pode ler:
“XV: Quanto à determinação do montante do subsídio de Natal, já relativamente ao período anterior à codificação, a combinação dos dados legais e convencionais resultava em que deveriam ser adicionados os valores da retribuição base e das diuturnidades-
XVI: Com a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, consolidou-se essa configuração do subsídio de Natal: retribuição bases mais diuturnidades.”
LXXXVI. Porém, o tribunal a quo, condenou a Recorrente no pedido formulado pelo Autor, o qual incluí a média das prestações complementares, no pagamento do subsídio de Natal, quando para o pagamento daquele subsídio apenas deverão ser tidos em conta o vencimento base e as diuturnidades.
LXXXVII. A M.ma Juiz a quo violou, entre outras e com o douto suprimento desse Venerando Tribunal, os arts. art. 236.º C.Civ., art. 38.º, 82.º, 83.º, 86.º e 87.º da LCT, o art. 2.º do DL 88/96 e os arts. 381.º do C.Trab.2003 e 337.º do C.Trab.2009 e as normas constantes do AE/CTT.”.
Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que os recursos merecem parcial provimento: o do autor quanto à questão dos juros; o da ré quanto ao critério da regularidade a observar para efeitos de qualificação como retribuição das prestações pecuniárias pagas pelo empregador ao trabalhador (fls. 302 a 320).
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II - Principais questões a decidir

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – NCPC – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho – CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir:
1ª) Se integram ou não o conceito de retribuição as prestações pecuniárias como tal identificadas na sentença recorrida e se, por isso, essas prestações pecuniárias deveriam ter sido incluídas na retribuição de férias, subsídios de férias e de Natal a pagar pela ré ao autor;
2ª) No caso de resposta afirmativa, total ou parcial, à primeira questão, se são inexigíveis os créditos reclamados pelo autor e anteriores a Maio de 1992, tendo em conta que a relação de emprego entre o autor e a ré era de natureza público-administrativa, sendo por isso os actos de processamento de vencimentos do autor levados a efeito pela ré até então verdadeiros actos administrativos que não foram impugnados e que já não o podem ser;
3ª) No caso de resposta afirmativa, total ou parcial, à primeira questão, se são inexigíveis os créditos reclamados pelo autor e anteriores a Maio de 1992, por se encontrarem prescritos, tendo em conta que a relação de emprego entre o autor e a ré era de natureza público-administrativa, subtraída, por isso, ao regime laboral comum, designadamente em matéria de prescrição, com a consequente aplicação do disposto nos arts. 306º/1 e 310º/g do CC;
4ª) No caso de resposta afirmativa, total ou parcial, à primeira questão, se estão prescritos parte dos juros de mora reclamados pelo autor e, na afirmativa, desde quando;
5ª) Se o autor incorre em abuso de direito ao reclamar da ré o pagamento de juros a contar da data de vencimento de cada um dos créditos peticionados;
6ª) Se são devidos juros moratórios apenas a contar da data do trânsito em julgado da decisão a proferir nestes autos ou, na pior das hipóteses, da data citação para esta acção.
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III – Fundamentação

A) De facto

A primeira instância descreveu como factos provados os que a seguir se deixam transcritos:

1. Autor é trabalhador do quadro permanente da Ré desde 21-04-1992 tendo sido contratado a termo de 27-06-1989 a 26-06-1991 e 21-10-1991 a 20-04-1992.
2. O Autor está ao serviço da Ré, desde essa data, com a categoria profissional de CRT (carteiro).
3. O local de exercício de atividade do Autor é o no CDP de ….
4. As relações de trabalho entre a Ré e os trabalhadores ao seu serviço têm vindo a ser sucessivamente regulada pelos seguintes instrumentos:
a) PRT publicada no BTE, 1ª serie, n.º27/77, de 29 de Julho de 1977
b) AE/CTT publicado no BTE, 1ª serie, n.º24 de 29 de Junho de 1981, sucessivamente alterado, sendo a mais recente alteração de Setembro de 2010, publicada no BTE, n.34, 15.9.2010.
5. Ao longo da sua prestação laboral de 1989 a 2003, o A. e em virtude das suas funções e do horário de trabalho que praticava ao serviço da Ré, além do seu vencimento base e diuturnidades, recebeu as quantias indicadas nas tabelas que se seguem para pagamento das subsídios/prestações acessórias aí mencionadas:

……………………………………………………
……………………………………………………
……………………………………………………

6. Até Novembro de 2003, a Ré não pagou ao Autor os valores médios mensais das prestações complementares supra referidos, quer na retribuição de férias, quer no subsídio de férias e de Natal, que incluem, exclusivamente, o vencimento base e as diuturnidades.
7. A compensação especial por dedicação à empresa tem por âmbito o mencionado no ponto 1. da ordem de serviço com código 0S000287CA de 1987, junta com a contestação.

B) De direito

Primeira questão: se integram ou não o conceito de retribuição as prestações pecuniárias como tal identificadas na sentença recorrida e se, por isso, essas prestações pecuniárias deveriam ter sido incluídas na retribuição de férias, subsídios de férias e de Natal a pagar pela ré ao autor

Importa determinar, antes de mais, qual o conceito de retribuição aplicável ao autor a partir de 1989, primeiro ano por referência ao qual reclama diferenças salariais entre a retribuição de férias, subsídios de férias e de Natal que lhe foram pagos e aqueles lhe deveriam ter sido pagos.
Dispunha o art. 82º da LCT, em vigor em 1989, o seguinte:
1. Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2. A retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou espécie.
3. Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador.”.
Face aos normativos acabados de invocar, pode concluir-se, seguramente, no sentido de que a retribuição era determinada, segundo um primeiro critério, com base no clausulado do contrato, nos usos laborais e, eventualmente, em certos critérios normativos (o salário mínimo, a igualdade retributiva, etc.); segundo um segundo critério, da retribuição também faziam parte certas prestações que preenchessem os requisitos de periodicidade e regularidade.
Ao primeiro desses critérios subjaz a ideia de correspectividade ou contrapartida negocial: é retribuição tudo o que as partes contratarem (ou resultar dos usos ou da lei para o tipo de relação laboral em causa) como contrapartida da disponibilidade da força de trabalho.
Ao segundo desses critérios subjaz uma presunção: considera-se que as prestações que sejam realizadas regular e periodicamente pressupõem uma vinculação prévia do empregador e suscitam uma expectativa de ganho por parte do trabalhador, ainda que tais prestações se não encontrem expressamente consignadas no contrato (Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 11ª edição, Coimbra, págs. 440-441).
A retribuição era integrada, pois, pelo conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal estava obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida) - António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, pág. 463; acórdão do STJ de 13/7/2011, proferido no processo 5477/07.0TTLSB.L1.S1[1]; acórdão da Relação de Lisboa de 8/11/2006, proferido no processo 7257/2006-4; acórdão da Relação de Coimbra de 25/10/2012, proferido no processo 246/10.3TTLRA.C1.
Do conceito apenas se excluíam as meras liberalidades que não correspondessem a um dever do empregador imposto por lei, por instrumento de regulamentação colectiva, por contrato individual ou pelos usos da profissão e da empresa, e aquelas prestações cuja causa determinante não fosse a prestação da actividade pelo trabalhador ou uma situação de disponibilidade deste para essa prestação, prestações que tivessem, pois, uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração da disponibilidade para o trabalho.
Importa referir, agora, que o pressuposto da regularidade acima enunciado tem a ver com a ideia de permanência, frequência, habitualidade, ou outra de semelhante significado, em termos tais que o trabalhador fica a contar que, quando receber a remuneração de base, também receberá as outras atribuições patrimoniais – acórdãos da Relação do Porto de 24/9/2012, proferido no processo 1654/10.5TTPRT.P1, e de 18/4/2005, proferido no processo 0540247; acórdão da Relação de Coimbra de 25/10/2012, proferido no processo 246/10.3TTLRA.C1.
Assim, se o salário for pago à quinzena ou ao mês, ele esperará receber os suplementos retributivos com essa mesma frequência. Ainda a respeito deste requisito da regularidade, seguimos até 16/12/2015 o entendimento de que não estava quantificado, seja por que via fosse e de um ponto de vista absoluto, o número de repetições da prestação para definir a periodicidade, nem sequer podendo sustentar-se que o critério da regularidade tinha que ser aferido, rígida e absolutamente, por um número certo de repetições da prestação em cada ano, pois, independentemente desse número certo de repetições, só não devia ser ponderado para efeitos de inclusão no conceito de retribuição e, logo, para efeitos de processamento no âmbito da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal, o que fosse realmente excepcional, ocasional, inesperado.
Mais entendíamos que não sendo absoluto, o certo é que o conceito de regularidade teria mais o sentido da predominância ou da prevalência, ou seja, o pagamento dos suplementos retributivos em discussão devia ocorrer mais vezes do que aquelas em que ele não se verificava, podendo os quantitativos de cada pagamento apresentar alguma variação.
Por isso, deveria considerar-se, para efeitos indiciários e como critério mínimo da regularidade em consideração, o pagamento das prestações em disputa em pelo menos 6 meses por cada ano.
O certo é que o STJ vinha contrariando sistematicamente tal critério temporal, em vários acórdãos produzidos em processos em que justamente se discutia a verificação desse pressuposto, decidindo-se reiteradamente que tal pressuposto só poderia ter-se por verificado em relação às prestações pecuniárias cujo pagamento tivesse ocorrido em todos os meses de actividade do ano, ou seja, onze meses em cada doze que se tivessem por referência temporal[2].
Acresce que no passado dia 1/10/2015, o mesmo STJ reiterou esse entendimento em decisão proferida por unanimidade por todos os senhores Juízes Conselheiros em exercício na secção social daquele Alto Tribunal e pelo seu presidente, numa acção especial de interpretação de cláusulas de convenção colectiva de trabalho (art. 183º do CPT – processo 4156/10.6TTLSB.L1.S1[3]), logo com o valor ampliado da revista em processo civil (art. 186º do CPT), sabendo-se que o julgamento ampliado da revista tem por propósito, justamente, o de assegurar a uniformidade da jurisprudência (art. 686º/1 do NCPC).
Por isso, a partir deste momento e em ordem a tal uniformização passámos a seguir o decidido nessa decisão do STJ de 1/10/2015 – neste mesmo sentido, acórdãos deste Tribunal da Relação de 16/11/2015, proferidos nos processos 295/14.2TTPRT.P1, 932/13.6TTVFR.P1, dos quais não se conhece publicação; acórdão de 16/12/2015, proferido no processo 132/14.8T8VNG.P1, relatado pelo também aqui relator, do qual também não se conhece publicação; acórdão de 30/11/2015, proferido no processo 341/14.0TTVNG.P1, que o aqui relator subscreveu como adjunto.
Na verdade, como se decidiu nos Acórdãos da Relação do Porto de 16/11/2015[4] “Ainda que o citado aresto se reporte à interpretação de cláusula constante de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que não é aplicável ao caso dos autos, afigura-se-nos, todavia, que não se deverá, face ao valor reforçado desse acórdão e à uniformização de jurisprudência que dele decorre e à similitude de situações a demandar tratamento análogo, deixar de se aplicar à situação em apreço nos autos a doutrina que decorre da interpretação sufragada em tal aresto. Com efeito, o que estava em causa no referido Acórdão, tal como nos autos, é a mesma questão jurídica, qual seja a interpretação do conceito de retribuição previsto na lei geral, conceito este que tem natureza indeterminada e sendo as considerações nele tecidas transponíveis para o caso dos CTT por identidade ou analogia de situações. Tanto num caso, como no outro, há que interpretar o que se deve considerar como regular e periódico para preenchimento do conceito de retribuição para os mesmos efeitos (integração da retribuição de férias e subsídios de férias e de Natal). Ou seja, as considerações tecidas no ponto 6 do acórdão e vertidas na interpretação uniformizadora são, por identidade ou analogia, transponíveis para o caso dos CTT”.
Ao referido nas decisões acabadas de identificar e em reforço do aí decidido acresce o disposto no artigo 8º/3 do CC, segundo o qual “Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.”.
Assim, face ao que antecede, de entre as enunciadas e contabilizadas na sentença recorrida para efeitos de integração da retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal, não podem ser consideradas as prestação pecuniárias pagas pela ré ao autor e seguidamente discriminadas, procedendo o recurso subordinado da ré se e na medida em que na sentença recorrida tenham sido consideradas para tais efeitos: trabalho suplementar referente aos anos de 1989 a 1994 e 1997, num total de 456,19 euros; trabalho nocturno dos anos de 1989, 1991, 1992, 1994 e 2000, num total de 244,97 euros; horário descontínuo de 2000, no valor de 36,34 euros; subsídio de divisão do correio de 1993 a 1996, num total de 117, 25 euros; compensação por horário incómodo de 1992, 1993, 1994 e 1997, num total de 288, 43 euros; compensação especial do ano 2000, no valor de 19,37 euros; transporte de pessoal do ano de 1994, no valor de 27,86 euros.
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Em face desse mesmo critério da regularidade, também não podem qualificar-se como retribuição os montantes pagos pela ré ao autor a título de abono de viagem/abono quilométrico, pois que nunca foi paga em onze dos dozes meses de cada um dos anos referenciados no ponto 5º) dos factos dados como provados, assim improcedendo, nessa parte o recurso do autor.
Isso mesmo sem necessidade de ponderação da argumentação aduzida pelo autor e referente a prova documental junta na petição (documento nº 1 - Informação laboral CTT[5] e na contestação (nota interna da Ré, com o título “Abono de Viagem. Tributação em IRS”[6] relativamente a tal abono e que deveria ser ponderada no sentido de que estava em causa uma prestação pecuniária retributiva, prova documental essa que, aliás, não poderia agora ser ponderada para os efeitos pretendidos pelo autor, tendo em conta que as partes acordaram quanto à matéria de facto a ser dada como provada, não tendo as mesmas aduzido qualquer impugnação referente à decisão recorrida na parte em que nela se procedeu à descrição da factualidade provada.
De resto, em qualquer circunstância, as prestações pecuniárias referentes ao abono de viagem nunca poderiam qualificar-se como retribuição – neste sentido, dando-se aqui por reproduzida a argumentação aí aduzida, sem necessidade de transcrição fastidiosa, acórdão deste Tribunal da Relação de 28/10/2015, proferido no processo 295/14.2TTPRT.P1 e que subscrevemos como adjunto, bem assim como demais jurisprudência aí citada.
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Verificado esse pressuposto da regularidade, devem considerar-se como fazendo parte da retribuição devida ao autor, as prestações pecuniárias pagas pela ré sob as seguintes designações: i) trabalho nocturno dos anos de 1990, 1993, 1995, 1996 e 1997[7]; ii) subsídio de divisão do correio do ano de 1997[8]; iii) compensação de horário incómodo dos anos de 1995 e 1996[9].
Nessa parte improcede, assim, a apelação subordinada da ré.
Ao invés, por se destinarem a compensar o trabalhador das despesas com as deslocações de casa para o local de trabalho e vice-versa, não integram o conceito de retribuição as prestações pecuniárias pagas pela ré em 1993 a título de “Transporte de Pessoal”[10].
Improcede nessa parte, assim, o recurso do autor.
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Verificado que as prestações atrás enunciadas[11] integram o conceito da retribuição devida pela ré ao autor, importa agora determinar se as mesmas deveriam ter sido contabilizadas para efeitos da retribuição de férias, subsídios de férias e de Natal devidos entre 1990[12] e 1997[13].
É que, como se verá, não basta que uma determinada prestação possa ser integrada no conceito de retribuição para que automaticamente possa concluir-se no sentido de que a mesma é devida na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal.
Nos termos do art. 2º/1 do DL 874/1976, de 28/12 (LFFF)[14] “Os trabalhadores têm direito a um período de férias remuneradas em cada ano civil.”.
O art. 6º/1 do mesmo diploma prescrevia que “A retribuição correspondente ao período de férias não pode ser inferior à que os trabalhadores receberiam se estivessem em serviço efectivo e deve ser paga antes do início daquele período.”, acrescentando o nº 2 do mesmo artigo que “Além da retribuição mencionada no número anterior, os trabalhadores têm direito a um subsídio de férias de montante igual ao dessa retribuição.”.
No que respeita a retribuição de férias e ao subsídio de férias importa atentar, igualmente, em que foi publicado no BTE nº 24, de 29/6/1981, um AE subscrito pelos Correios e Telecomunicações de Portugal (AE/CTT) que previa que “Os trabalhadores têm direito, em cada ano, a um subsídio de férias de montante igual ao da remuneração mensal do mês de Dezembro nesse ano.” (cláusula 150ª/1) – o IRC ora citado sofreu as alterações publicadas nos BTE´S nº 37, de 08/10/1983, nº 44, de 29/11/1985, nº 45, de 08/12/1988 e nº 13, de 09/04/1990 (cfr. também, AE´S publicados nos BTE´S nº 21, de 8/6/1996, nº 8, de 28/2/1999, nº 30, de 15/8/2000, nº 29, de 8/8/2002, nº 29, de 8/8/2004, nº 27, de 22/7/2006, n.º 14, 15/4/2008, nº 1, de 8/1/2010, e nº 34 de 15/9/2010).
De acordo com a cláusula 167ª/1 do mesmo do AE/CTT/1981, “Os trabalhadores têm direito à retribuição correspondente ao período de férias, a qual em caso algum poderá ser inferior à que receberiam se estivessem em serviço normal, acrescida de um subsídio de férias de montante igual ao dessa retribuição.”.
Assim, quer a lei, quer o AE/CTT/1981 estabeleciam uma relação de equivalência entre a retribuição que os trabalhadores receberiam se estivessem ao serviço, por um lado, e a retribuição de férias e o subsídio de férias, por outro lado.
Apenas estavam excluídas da retribuição de férias e do subsídio de férias as prestações pecuniárias que tivessem por escopo compensar o trabalhador por despesas concretas que tivesse de suportar para prestar o seu trabalho (v.g. subsídios de refeição e de transporte, valor do passe adquirido para serem realizadas deslocações de casa para o local de trabalho e vice-versa), bem assim como as prestações assistencialistas (v.g. subsídio familiar).
No que toca ao subsídio de Natal prescrevia a cláusula 151ª/1 do AE/CTT/1981 que “Todos os trabalhadores abrangidos por este acordo terão direito a receber um subsídio correspondente à sua remuneração mensal, o qual lhes será pago com a remuneração respeitante ao mês de Novembro e corrigido em caso de aumento de vencimento no mês de Dezembro.”, em resultado do que tal normativo excluía a aplicação do regime do DL 88/1996, de 3/7, atendendo ao disposto no seu art. 1º/2 e tendo em conta que não estava em causa nenhuma situação do tipo das previstas no respectivo art. 1º/3.
Ora, inexistindo na LCT norma legal ou convencional que indicasse o que deveria considerar-se “remuneração mensal” para efeitos do prescrito nessa cláusula 151º/1, deveria lançar-se mão do critério qualificador consagrado no artigo 82º da LCT, à semelhança do sucedido quanto à retribuição de férias e ao subsídio de férias, sendo nesse mesmo sentido que deveria interpretar-se o art. 2º/1 do DL 88/1996, de tudo resultando que o subsídio de Natal deveria ser sempre de valor igual a um mês de retribuição, devendo para o efeito atender-se a todas as prestações de natureza retributiva que fossem contrapartida da execução do trabalho – neste sentido, por exemplo, acórdãos do STJ de 18/4/2007, proferido no processo 06S4557, de 19/2/2003, proferido no processo 4072/2002, e de 18/6/2003, proferido no processo 3741/2002.
Concluindo: as prestações pecuniárias supra referidas como devendo integrar o conceito de retribuição devida pela ré ao autor deviam ter sido repercutidas no valor da retribuição de férias e do subsídio de férias e de Natal até 1997, último ano que está em equação no caso dos autos.
Improcede nesta parte, consequentemente, o recurso subordinado da ré.
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Procedendo agora aos necessários cálculos e deduzindo ao montante computado pela sentença recorrida (2.009,70 euros) o valor das prestações que não podem ser contabilizadas para efeitos de retribuição de férias, subsídios de férias e de Natal, verificamos que ascende a 774, 02 euros, o montante devido pela ré ao autor a título de retribuição de férias, subsídios de férias e de Natal
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Segunda questão: se são inexigíveis os créditos reclamados pelo autor e anteriores a Maio de 1992, tendo em conta que a relação de emprego entre o autor e a ré era de natureza público-administrativa, sendo por isso os actos de processamento de vencimentos do autor levados a efeito pela ré até então verdadeiros actos administrativos que não foram impugnados e que já não o podem ser.

A resposta a esta questão tem de ser negativa.
Os CTT foram transformados numa Administração-Geral, dotada de autonomia administrativa e de autonomia financeira, sob a autoridade directa do Ministro da pasta competente - decreto de 24/05/1911.
A partir de 1/1/1970, a Administração-Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones passou a constituir uma empresa pública do Estado, denominada “Correios e Telecomunicações de Portugal”, com estatuto próprio anexo ao DL 49368, de 10/11/1969, tendo mantido a abreviatura tradicional de CTT (art. 1° do DL 49368 e art. 1º/1 do Estatuto dos Correios e Telecomunicações de Portugal anexo esse DL).
Nos termos do art. 2º/2 desse Estatuto os CTT são dotados de personalidade jurídica de direito público, possuem autonomia administrativa e financeira e têm a sua sede em Lisboa.
Posteriormente, a empresa CTT foi transformada em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos (DL 87/1992, de 14/05).
Pelo DL 277/1992, de 15/12, criou-se por cisão dos CTT – Correios e Telecomunicações de Portugal, S.A., a C…, S.A.
Desde então que a ré se manteve como sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos.
Por isso mesmo, sempre pode sustentar-se que a ré integra a denominada administração indirecta do Estado que, como é sabido, integra: a) as pessoas colectivas de estatuto público, nas quais se integram os institutos públicos[15] [de prestação (v.g. hospitais públicos não empresariais, Instituto Nacional de Estatística), reguladores (v.g. INTF, I.P. - transportes ferroviários; InIR, I.P. – infra-estruturas rodoviárias; INAC, I.P. – aviação civil; IMOPPI, I.P. – mercados de obras públicas e particulares e do imobiliário; ERSAR, I.P. – serviços de águas e resíduos), fiscalizadores (v.g. Autoridade da Concorrência, Agência para a Qualidade e Segurança Alimentar) e de infra-estruturas (v.g. Instituto Marítimo-Portuário)], e as entidades públicas empresariais[16]; b) as pessoas colectivas de estatuto privado[17], nas quais se integram as empresas públicas sob a forma societária, as fundações e as associações - João Caupers, Introdução ao Direito Administrativo, 10ª edição, Editora Âncora, pp. 123 e ss.
Ainda assim, não pode por essa simples via concluir-se que os trabalhadores subordinados da ré estavam sujeitos ao regime jurídico do emprego público.
Na verdade, no próprio preâmbulo do Estatuto dos CTT aprovado pelo DL 49368 pode ler-se, designadamente, que: “(…) agrupou-se o pessoal dos CTT em três escalões: escalão I, correspondente aos actuais serventuários dos quadros permanentes, os quais manterão todos os direitos e deveres do Estatuto do Funcionalismo Público, mas passarão a auferir vencimentos iguais aos das categorias correspondentes do escalão seguinte, ficando, em correspondência, sujeitos aos mesmos horários e regime fiscal; escalão II, constituído por servidores a admitir por tempo indeterminado, que ocuparão posição intermédia entre o regime dos funcionários do Estado e o dos empregados das empresas privadas; escalão III, formado por servidores a admitir por prazo limitado, cujo regime deverá inspirar-se no dos assalariados.”.
Nos termos do art. 26º/1/2/3 desse diploma, inserido no Capítulo III (“Do Pessoal”):
1. O pessoal dos CTT considera-se abrangido pelas disposições do artigo 36.º do Estatuto do Trabalho Nacional (Decreto-Lei n.º 23548, de 23 de Setembro de 1933) e o seu regime jurídico será definido em regulamentos especiais.
2. Os referidos regulamentos serão elaborados pelo conselho de administração e estabelecerão para o pessoal um regime jurídico que se adapte às actividades específicas dos CTT e tenha em conta a diversidade de tarefas a que tais actividades obrigam. A aprovação desses regulamentos será dada em portaria conjunta dos Ministros das Comunicações e das Corporações e Previdência Social.
3. O pessoal dos CTT será integrado nos escalões seguintes:
a) Escalão I - Constituído pelos funcionários admitidos até 31 de Dezembro de 1969 nos quadros permanentes. Estes servidores manterão todos os direitos e deveres e passarão a auferir vencimentos iguais aos das categorias correspondentes do escalão II, com idênticos horários de trabalho e regime fiscal;
b) Escalão II - Constituído por servidores admitidos por tempo indeterminado, mas susceptíveis de despedimento, não só por motivos disciplinares, como por conveniência de serviço. Ingressará neste escalão o pessoal existente em 31 de Dezembro de 1969 das modalidades seguintes: o do quadro de reserva; o admitido ao abrigo do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 36155, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 47488; e o do artigo 7.º daquele mesmo Decreto-Lei n.º 36155, quando possua carácter de continuidade e esteja sujeito a qualquer dos horários semanais especificados nas alíneas a), b) e c) do artigo 26.º deste último diploma;
c) Escalão III - Constituído pelos servidores temporários, admitidos por prazo limitado, ainda que prorrogável. Ingressará neste escalão o pessoal dos CTT existente em 31 de Dezembro de 1969 não considerado nos escalões anteriores.”.
O aqui autor pertenceu ao referido escalão II.
Nos termos desse art. 26º/3/b, os trabalhadores do escalão II poderiam ser despedidos não só por motivos disciplinares, mas também por conveniência de serviço, ao invés do que poderia suceder com os trabalhadores do escalão I, que continuaram sujeitos ao Estatuto da Função Pública, sendo devida àqueles uma indemnização calculada em função das regras do cômputo da indemnização, por despedimento pela entidade patronal, sem justa causa, nos termos da legislação do trabalho (art. 26º/5), de tudo resultando uma nítida intenção legislativa de subtrair as relações entre a ré e os seus trabalhadores do escalão II ao regime jurídico dos funcionários públicos.
Por outro lado, existem outros indícios de que o próprio legislador pretendeu subtrair ao regime jurídico do funcionalismo público as relações de trabalho entre a ré e aqueles trabalhadores do escalão II, a saber: a) a consagração explícita, em normas especiais, em relação a esses trabalhadores do escalão II, de determinadas prerrogativas típicas dos funcionários públicos (v.g. art. 28º do DL 49368), que já lhes assistiriam se estivessem submetidos ao mencionado regime sem necessidade daquela consagração; b) a fixação da remuneração dos trabalhadores dos CTT pelo respectivo conselho de administração, levando necessariamente em conta o nível de remunerações na indústria privada (art. 27º1/d do DL 49368); c) a sujeição dos trabalhadores dos CTT a um regime de tributação distinto dos funcionários do Estado (art. 27º/3 do DL 49368); d) a preconização de uma evolução do regime jurídico do escalão II no sentido de o aproximar da regulamentação jurídica do contrato individual de trabalho, sem prejuízo das características do serviço público de correios (art. 66º/a do DL 49368).
Leve-se em conta, também, que segundo o art. 26º/1 daquele Estatuto, o pessoal dos CTT considera-se abrangido pelas disposições do art. 36º do Estatuto do Trabalho Nacional (DL 23548, de 23/9/1933), acrescentando o nº. 4, do mesmo dispositivo, que os servidores dos CTT permanecem sujeitos ao poder disciplinar da empresa.
O primeiro dos regulamentos referidos no supra transcrito art. 26º/1 foi aprovado pela Portaria nº 706/1971, de 18 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1972 (art. 100.º) - Regulamento Geral do Pessoal dos CTT, que passou a constituir a base do regime jurídico dos servidores da empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal e que desenvolveu as linhas orientadoras contidas naquele art. 66º/a no sentido de aproximar o regime dos trabalhadores dos CTT ao regime do contrato individual de trabalho.
Lê-se no preâmbulo do anexo a essa Portaria, designadamente, a referência a uma “…necessidade de combinar o Estatuto Geral da Função Pública, sob cuja tutela se encontrava o funcionalismo dos CTT (...) com o direito comum do trabalho (...)”.
Nele pode ler-se, também, que “A participação do pessoal nos lucros da empresa; a integração, em princípio, de todos os profissionais em carreiras, (...); os benefícios de obras sociais (...); a admissão de indivíduos com deformidades físicas, (...) e a preferência, até, de que gozam os mutilados em determinadas circunstâncias; a garantia de promoção, (...); o regime de trabalho a meio tempo, (...); a limitação do tempo diário e semanal do serviço, mesmo no capítulo do trabalho extraordinário; a extensão muito sensível do período de doença remunerada (...); a licença para casamento; o sistema de cálculo da licença para férias; os abonos aos aposentados desligados do serviço, e o regime de despedimento do pessoal dos escalões II e III - na medida em que pode ser da iniciativa do empregado ou dá direito, em certos casos, a indemnização - constituem, porventura, os aspectos socialmente mais salientes deste Regulamento, e muitos deles traduzem aproximação ao direito comum do trabalho, (...).
5. Deste modo se observou o espírito do preceituado no n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969, que manda aplicar às empresas públicas o regime do contrato individual de trabalho com as adaptações exigidas pelas características destes serviços, não obstante tal diploma não ser aplicável ao pessoal da empresa pública CTT, uma vez que o mesmo continua, por força do estatuto da empresa, sujeito ao regime de direito público, tal como sucede, aliás, com outras empresas públicas, (...).
Mas a recepção dos princípios informadores do diploma fundamental do direito comum do trabalho é tão desejável que o próprio estatuto CTT - lei específica da empresa - a preconiza, de certo modo, na alínea a) do seu artigo 66.º. E bem pode afirmar-se, analisando-se este Regulamento, que tais princípios só não foram recebidos quando tal se revelou de todo inviável; e, que, por outro lado, também, por vezes, foram largamente ultrapassados.”.
Atente-se, igualmente: a) no estatuído no art. 1º/1 segundo o qual “O pessoal dos CTT passa a reger-se por um estatuto privativo constituído pelas normas legais e regulamentares que disponham especialmente sobre o seu regime jurídico, deixando, em consequência, de estar sujeito ao preceituado no estatuto do funcionalismo público.”; b) no estatuído no art. 3º/1 no sentido de que os princípios consignados no estatuto privativo do pessoal serão desenvolvidos e executados por normas a ele subordinadas, contidas em ordens de serviço do conselho de administração; c) na possibilidade de os trabalhadores dos escalões II e III poderem ser despedidos por conveniência de serviço, mediante o pagamento de uma indemnização calculada nos termos da legislação do trabalho (arts. 90º a 93º).
Tudo evidências de que o legislador pretendeu inequivocamente, pelo menos em relação aos trabalhadores dos escalões II e III, subtraí-los do regime jurídico dos típicos trabalhadores da função pública.
Importa reter, igualmente, que o DL 49408 de 24 de Novembro de 1969, que aprovou o novo regime jurídico do contrato de trabalho a ele anexo (LCT), dispôs no seu art. 11.º o seguinte:
1. Ressalvada a legislação em vigor, o regime do contrato individual de trabalho aplica-se às empresas concessionárias do serviço público, mas poderá vir a sofrer as adaptações exigidas pelas características destes serviços mediante decretos regulamentares referendados pelo Ministro das Corporações e Previdência Social e pelos Ministros competentes.
2. O disposto no número anterior é aplicável às empresas públicas.”.
Por outro lado, o art. 30º/1 do DL 260/1976, de 8/4, estipulou que “O estatuto do pessoal das empresas públicas deve basear-se no regime do contrato individual de trabalho, salvo quanto ao pessoal das empresas que explorem serviços públicos, para o qual, de acordo com o n.º 2 do artigo 3.º, pode ser definido, em certos aspectos, um regime de direito administrativo baseado no Estatuto do Funcionalismo Público, com as modificações exigidas pela natureza específica da actividade de cada empresa.”.
Concordantemente, prescreveu o art. 3º/2 do mesmo DL “Os estatutos das empresas que explorem serviços públicos, assegurem actividades que interessem fundamentalmente à defesa nacional ou exerçam a sua actividade em situação de monopólio podem submeter determinados aspectos do seu funcionamento a um regime de direito público bem como conceder-lhes especiais privilégios ou prerrogativas de autoridade”.
Tenha-se em conta, ainda, o ensinamento que a propósito desta concreta questão foi enunciado por J. Acácio Lourenço (As Relações de Trabalho nas Empresas Públicas, Coimbra Editora, p. 137), segundo o qual o Regulamento Geral de Pessoal foi alterado pela Portaria de Regulamentação de Trabalho (P.R.T.) publicada no B.T.L. nº. 28 de 1977, que aplicou ao pessoal dos C.T.T. a maioria dos aspectos que consubstanciam a disciplina do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho.
Aliás, o processo adoptado para a fixação das condições colectivas de trabalho tem sido o da negociação entre o conselho de administração e os sindicatos representativos do pessoal.
Atente-se, finalmente, em que as relações de trabalho entre a ré e os seus trabalhadores, autor incluído a partir da PRT de 29/7/1977, têm sido reguladas, desde 1981, por Acordos de Empresa, nos quais se encontra especificamente regulamentada toda a matéria respeitante a remunerações, incluindo pagamentos e respectivos documentos comprovativos.
Ora, sendo os acordos de empresa instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, regulados pela lei civil e emergentes do encontro de vontades entre sindicatos privados e a ré, mal se conceberia que os actos de processamentos salariais levados a efeito ao abrigo e no cumprimento do estatuído naqueles instrumentos de regulamentação colectiva pudessem revestir-se da natureza de actos administrativos.
Em face de tudo quanto vem de expor-se, bem se compreende que aos trabalhadores dos CTT como o autor, para além das normas especificas a que estavam sujeitos, era-lhes aplicável o regime do contrato individual do trabalho, ou seja, a LCT (DL 49408, de 24/11/69)[18], razão pela qual resulta insustentável o entendimento de que os actos de processamentos salariais da ré em relação ao autor eram actos administrativos praticados no âmbito de um relação jurídica de natureza público-administrativa.
Tudo para concluir que a relação de trabalho entre o autor e a ré também estava sujeita, designadamente, ao estatuído no art. 38º da LCT e normas correspondentes do CT/2003 e CT/2009.
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Terceira questão: se são inexigíveis os créditos reclamados pelo autor e anteriores a Maio de 1992, por se encontrarem prescritos, tendo em conta que a relação de emprego entre o autor e a ré era de natureza público-administrativa, subtraída, por isso, ao regime laboral comum, designadamente em matéria de prescrição, com a consequente aplicação do disposto nos arts. 306º/1 e 310º/g do CC.

O expendido a respeito da segunda questão é aplicável, mutatis mutandis, à matéria a que se reporta a questão em apreço, à qual, justamente por isso, deve dar-se resposta negativa, sem necessidade de outras considerações adicionais[19].
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Quarta questão: se estão prescritos parte dos juros de mora reclamados pelo autor e, na afirmativa, desde quando.

A resposta a esta questão tem de ser negativa – seguiremos aqui os fundamentos doutrinais e jurisprudenciais aduzidos pelos autores e pelas decisões a seguir citadas, sem necessidade de fastidiosas transcrições.
Na verdade e em jeito de conclusão sumária, os juros referentes aos créditos laborais não estão sujeitos ao regime do 310º/d do CC, estando antes sujeito ao regime dos arts. 38º da LCT, 381º/1 do CT/2003 e 337º/1 do CT/2009, sendo que o prazo assinalado nestas três últimas normas legais nem sequer se tinham iniciado à data da proposição da acção, posto que ainda não tinha cessado a relação de trabalho entre o autor e a ré - acórdãos do STJ de 6/3/2002, proferido no processo 599/01, de 20/9/2004, proferido no processo 1761/04, de 21/2/2006, proferido no processo 3141/05, de 14/3/2006, proferido no processo 3825/05, de 14/12/2006, proferido no processo 2448/06.
Neste sentido decidiu igualmente esta Relação nos seus acórdãos de 17/11/2014, proferido no processo 293/13.3TTVNF.P1, de 1/12/2014, proferido no processo 80/14.1TTVLG.P1-A, de 13/4/2015, proferido no processo 1457/13.5TTVNG-A.P1, de 13/10/2015, proferido no processo 200/14.6TTPRT.P1, com os fundamentos que ali estão enunciados e que aqui damos por integralmente reproduzidos.
No mesmo sentido também decidiu a Relação de Lisboa, nos seus acórdãos 4/7/2012, proferido no processo 2581/11.0TTLSB-A.L1-4, de 19/12/2012, proferido no processo 2534/08.0TTLSB.L2-4, e de 8/10/2014, proferido no processo 1115/13.0TTLSB.L1-4.
Na doutrina e neste mesmo sentido, pode consultar-se Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Relações Individuais de Trabalho, 2007, p. 905, Milena Silva Rouxinol, O Regime de Prescrição dos Juros Laborais – Comentário ao Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 2 de Março de 2011, Revista da Faculdade de Direito da Universidade Lusófona do Porto, n.º 2, pp. 230 e ss.
Procede nesta parte, assim, o recurso do autor
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Quinta questão: se o autor incorre em abuso de direito ao reclamar da ré o pagamento de juros a contar da data de vencimento de cada um dos créditos peticionados.

Alega a ré que o autor incorre em abuso de direito ao reclamar da ré o pagamento dos aludidos juros.
Nos termos do artigo 334º CC é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico dum direito.
Agir de boa-fé é, tanto no contexto do artigo 334º como no do artigo 762º/2, ambos do CC, actuar com diligência, zelo e lealdade face aos interesses da contraparte, é ter uma conduta honesta e conscienciosa, numa linha de correcção e probidade, visando não prejudicar os legítimos interesses da outra parte, é proceder de modo a não procurar alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar.
Os bons costumes são um conjunto de regras de convivência que num dado ambiente e em certo momento as pessoas honestas e correctas aceitam como contrárias à imoralidade ou indecoro social.
Esta complexa figura do abuso de direito é uma válvula de segurança, uma das cláusulas gerais, de janelas por onde podem circular lufadas de ar fresco, com que o julgador pode obtemperar à injustiça gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalente na comunidade social, à injustiça de proporções intoleráveis para o sentimento jurídico imperante, em que, por particularidades ou circunstâncias especiais do caso concreto, redundaria o exercício de um direito por lei conferido (Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, 1958, pp. 63 ss; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3ª, pp. 60 ss; P. Lima / A. Varela, CC Anotado, I, 4ª, p. 299).
Segundo Manuel de Andrade existirá tal abuso quando, admitido um certo direito como válido, isto é, não só legal mas também legítimo e razoável, em tese geral, aparece, todavia, no caso concreto, exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, ainda que ajustados ao conteúdo formal do direito (loc. cit.).
“A doutrina do abuso de direito é inspirada numa consideração de justiça - pode ser que as normas gerais, ao serem aplicadas a um caso específico, não sirvam perfeitamente a justiça...” – Pereira Coelho, Obrigações (Aditamentos), p. 27.
Em sintonia com esta doutrina, refere Vaz Serra (BMJ nº 85) que haverá abuso de direito quando este, em princípio legítimo, é, em determinado caso, exercido de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante, e a consequência é a do titular do direito ser tratado como se o não tivesse. Se os direitos concedidos pela lei, tendo em vista determinados fins, fossem exercidos para finalidades diversas não se pode dizer que se trata de verdadeiro exercício de um direito, mas de falta de direito.
Pode, por isso, entender-se juridicamente que integra o exercício abusivo do direito um comportamento que aparentando ser exercício desse direito, se traduz, afinal, na não realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrem.
Ora, como fundamento factual do abuso de direito por si arguido, alega a ré que: “… nunca antes desta data – entenda-se, desde a data da propositura da presente acção - o Autor deu a entender à sua empregadora, aqui Ré, que não concordava com a forma como a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal estavam a ser liquidados…”; “Os subsídios alegados pelo Autor até 2003 não integravam o conceito de retribuição, e este entendimento sempre foi aceite por aquele, e pelos restantes trabalhadores da Ré.”; o autor “…nunca anteriormente reclamou o recebimento de tais quantias fora das situações que dão direito à sua percepção.”; “Com efeito, a postura do Autor – e dos demais trabalhadores da Ré – ao longo dos anos fez com que esta se convencesse que os mesmos aceitavam a forma como a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal estavam a ser liquidados.”.
Sucede que percorrida a matéria de facto dada como provada por acordo entre as partes, logo se verifica que dela não consta a mínima alusão aos fundamentos de facto invocados pela ré e que acabaram de transcrever-se como sendo os por ela aduzidos como suporte da sua pretensão de ver reconhecido o abuso de direito em que o autor teria incorrido, concretamente, a ausência de qualquer discordância do autor em relação à prática retributiva da ré, a aceitação por parte do autor dessa mesma prática, a ausência de qualquer reclamação do parte do autor no sentido do pagamentos das quantias judicialmente reclamadas, e o convencimento da ré que os seus trabalhadores, autor incluído, aceitavam a sua prática retributiva.
Tanto bastaria para, sem necessidade de outras considerações, não se acolher o sustentado pela ré.
De resto, nem sequer pode acompanhar-se a recorrente na afirmação de que os seus trabalhadores jamais se insurgiram contra a prática salarial da ré referente à retribuição de férias, subsídios de férias e de Natal, pois que já no seu acórdão de 4/2/2002, proferido no processo 02S3606, o Supremo Tribunal de Justiça se pronunciava sobre esta questão, em acção instaurada no Tribunal do Trabalho de Lisboa em 14 de Dezembro de 2000.
Aliás, é do nosso conhecimento oficioso, por virtude das funções exercidas em Tribunais do Trabalho, que desde há vários anos a esta parte que foram instauradas múltiplas acções em que trabalhadores da recorrente peticionaram, designadamente, que fossem contabilizadas para efeitos da retribuição de férias, subsídios de férias e de Natal, prestações pecuniárias iguais ou idênticas às que estão em causa neste processo.
Como dito, não resulta dos autos e particularmente dos factos provados que o autor nunca tenha reclamado o pagamento dos créditos ora reclamados, podendo bem suceder que os tenha reclamado sem sucesso.
Além disso, mesmo a não os ter reclamado, fica sem se perceber a real razão porque o não teria feito, sendo múltiplas as explicações que poderiam aduzir-se para o efeito e que não traduzem qualquer espécie de renúncia do autor, expressa ou tácita, ao recebimento desses créditos; por exemplo, a falta de real consciência do direito a tais créditos, ou o temor de que a reclamação dos mesmos pudesse desencadear alguma reacção do empregador que prejudicasse a subsistência da relação de trabalho.
Por outro lado, também não resulta desses mesmos factos que a ré alguma tivesse gerado a confiança de que jamais o autor viesse a reclamar os créditos ora em causa, tanto mais que, como visto, nada se provou sobre a ausência de interpelações extrajudiciais do autor no sentido do seu pagamento.
O mero decurso do tempo sem que o autor tenha reclamado judicialmente os créditos ora em questão não é só por si suficiente para que a ré gerasse fundadamente uma convicção dessa natureza.
Não se verificam, assim, os pressupostos de facto de verificação necessária para poder sustentar-se que o autor incorreu em comportamento susceptível de ser enquadrado num exercício manifestamente abusivo de um direito a que se alude no art. 334º do CC.
Não se reconhece, pois, o abuso de direito arguido pela ré.
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Sexta questão: se são devidos juros moratórios apenas a contar da data do trânsito em julgado da decisão a proferir nestes autos ou, na pior das hipóteses, da data citação para esta acção.

Sustenta a ré que, no máximo, apenas são devidos juros a contar da citação, por considerar que é ilíquida a obrigação que constituiu fundamento da sua condenação a pagar ao autor determinadas prestações pecuniárias, pelo que, no rigor, apenas serão devidos juros a contar da data da liquidação judicial do montante devido pela ré.
Mas não tem razão.
Com efeito, estando em causa prestações pecuniárias correspondentes a obrigações com prazo certo[20], o incumprimento do seu dever de pagamento nos correspondentes prazos faz incorrer o devedor em mora (arts. 805º/2/a do CC, art. 2º do DL 69/1985, de 18/3), com a consequente obrigação de indemnização traduzida na obrigação do pagamento de juros de mora (arts. 804º/1 e 806º do CC), os quais são devidos a contar da data de vencimento de cada uma das prestações em dívida e independentemente da interpelação do devedor (art. 805º/1/2/a do CC)[21], não estando registada a este respeito qualquer situação de iliquidez obrigacional que demande a aplicação do art. 805º/3 do CC.
A iliquidez referida pela apelante é apenas aparente, que não uma iliquidez real, sendo esta a única que pode desencadear a aplicação do regime retardatário previsto no art. 805º/3 do CC – neste sentido, apenas a título de exemplo, acórdãos do STJ de 23/11/2005, proferido no processo 2131/05, de 17/1/2007, proferido no processo 06S2967, e de 18/1/2006, proferido no processo 2840/2005; acórdãos da Relação do Porto de 24/3/2014, proferido no processo 597/13.5TTVNG.P1, e de 14/10/2013, proferido no processo 1839/10.4TTPRT.P1; acórdão da Relação de Lisboa de 8/10/2014, proferido no processo 1115/13.0TTLSB.L1-4
Como tal, decidiu acertadamente a decisão recorrida no segmento que está em apreço, devendo improceder a apelação.
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IV - Decisão

Termos em que se decide julgar parcialmente procedentes as apelações do autor e da ré, reduzindo-se para 774,02€, a quantia que a ré fica condenar a pagar ao autor, acrescida de juros de mora a contar da data de vencimento de cada uma das prestações pecuniárias que integram aquela quantia global, absolvendo-se a ré de tudo o mais que era peticionado pelo autor.
A ré suportará as custas correspondentes a 774,02€; as demais seriam da responsabilidade do autor, que delas está isento.

Porto, 18/1/2016.
Jorge Loureiro
Jerónimo Freitas
Eduardo Petersen Silva (votando vencido abaixo deixando a respectiva declaração de voto)
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[1] Na ausência de outra indicação, as decisões de tribunais superiores citadas nesta decisão estão disponíveis em www.dgsi.pt.
[2] Consulte-se, a título exemplificativo, os acórdãos do STJ proferidos nos processos 2131/08.0TTLSB.L1.S1, 2132/08.8TTLSB.L1.S1 e 2130/08.1TTLSB.L1.S1, respectivamente nos dias 5/6/2012, 15/11/2012, e 25/9/2013.
[3] Acórdão nº 14/2015, de 01/10/2015, publicado no DR I, nº 212, de 29/10/2015.
[4] Proferidos nos processos n.ºs 548/12.4 TTGDM.P1, 160/14.3 TTPNF.P1, 1569/13.6 TTPNF.P1, dos quais não se conhece publicação.
[5] Atente-se em que está em causa uma informação referente ao cálculo de retribuição de férias e subsídio de férias a partir de 2004, quanto o que está em causa nestes autos são prestações compreendidas entre 1989 e 2003; logo, uma informação irrelevante para os efeitos em apreço.
[6] Trata-se, apenas, de um parecer emitido por uma determinada jurista ao serviço da ré sobre o regime tributário a que estaria sujeito o abono de viagem, parecer esse que não vincula este tribunal em sede de integração jurídica dos factos provados.
[7] Neste sentido, dando-se aqui por reproduzida a argumentação aí aduzida, sem necessidade de transcrição fastidiosa, acórdão da Relação do Porto de 16/11/2015, proferido no processo 932/13.6TTVFR.P1, acórdão da Relação do Porto de 16/11/2015, proferido no processo 295/14.2TTPRT.P1, acórdão da Relação do Porto de 17/11/2014, proferido no processo 293/13.3TTVNF.P1, e acórdão da Relação do Porto de 24/3/2014, proferido no processo 597/13.5TTVNG.P1.
[8] Neste sentido, dando-se aqui por reproduzida a argumentação aí aduzida, sem necessidade de transcrição fastidiosa, acórdãos da Relação de Lisboa de 8/11/2006, proferido no processo 7257/2006-4, e de 1/2/2006, proferido no processo 9563/2005-4; acórdãos da Relação do Porto de 21/3/2013, proferido no processo 05/11.1TTVLG.P1, de 8/4/2013, proferido no processo 335/10.4TTVLG.P1, e de 21/3/2013, proferido no processo 405/11.1TTVLG.P1.
[9] Neste sentido, dando-se aqui por reproduzida a argumentação aí aduzida, sem necessidade de transcrição fastidiosa, acórdão da Relação do Porto de 17/11/2014, proferido no processo 93/13.3TTVNF.P1, acórdão da Relação do Porto de 24/3/2014, proferido no processo 597/13.5TTVNG.P1, acórdão da Relação do Porto de 7/4/2014, proferido no processo 408/12.9TTVLG.P1, e acórdão da Relação do Porto de 20/1/2014, proferido no processo 688/10.4TTPRT.P1.
[10] Neste sentido, acórdãos do STJ de 30 de Março de 2006, proferido no processo 8/2006, de 17/1/2007, proferido no processo 06S2967, e de 18/4/2007, proferido no processo 06S4557.
[11] Trabalho nocturno dos anos de 1990, 1993, 1995, 1996 e 1997; subsídio de divisão do correio do ano de 1997; compensação de horário incómodo dos anos de 1995 e 1996.
[12] Primeiro ano em que se reconhece uma prestação – trabalho nocturno – como fazendo parte integrante da retribuição devida ao autor.
[13] Último ano em que se reconhecem prestações – trabalho nocturno e subsídio de divisão do correio – como fazendo parte integrante da retribuição devida ao autor.
[14] Com as alterações conferidas pelo DL 397/1991, de 16/10, e pela Lei 118/1999, de 11/8 (LFFF).
[15] Os institutos públicos podem revestir diferentes modalidades organizativas:
a) Serviços Personalizados (v.g. IGESPAR - Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico; IVV - Instituto da Vinha e do Vinho; ISS - Instituto da Segurança Social; ACSS - Administração Central do Sistema de Saúde; Instituto dos Registos e do Notariado; ICNB –Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade; INFARMED (medicamentos); Turismo de Portugal; Instituto de Reinserção Social; Administrações das Regiões Hidrográficas; Autoridades Metropolitanas de Transportes (AMT/Lisboa e AMT /Porto); INA – Instituto Nacional de Administração; AMA - Agência de Modernização Administrativa);
b) Estabelecimentos Públicos (v.g. Universidades e Institutos Politécnicos públicos, Centros de Investigação Científica, Hospitais públicos não empresarializados);
c) Fundações Públicas – Fundação para a Ciência e Tecnologia, Centro Cultural de Belém, Fundação CEFA (formação autárquica).
Os Institutos públicos (I.P.) são actualmente objecto de regulação-quadro pela Lei 3/2004, de 15/1, alterada e republicada pelo DL 105/2007, de 3/4, embora alguns estejam sujeitos a regimes específicos, nos termos do artigo 48.º da Lei, como as universidades e institutos politécnicos, as instituições públicas de solidariedade social, os estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde, as regiões de turismo, o Banco de Portugal e as entidades administrativas independentes.
[16] As entidades públicas empresariais (EPEs) são pessoas colectivas de direito público e de regime privado, que foram autonomizadas do conceito de institutos públicos. Embora sujeitas a regimes de direito privado, dispõem, em regra, de poderes públicos de autoridade e estão submetidas a superintendência e a tutela mais ou menos intensa. Exemplos: na área dos transportes [REFER, CP, API, NAV, Metropolitano de Lisboa]; na área da gestão de recursos públicos [GeRAP (Gestão Partilhada de Recursos na Administração Pública), ANCP (Agência Nacional de Compras Públicas), SPMS (Serviços Partilhados do Ministério da Saúde), Agência para o Investimento e Comércio Externo, Parque Escolar]; na área cultural [Teatro Nacional D. Maria II, Teatro Nacional de S. João, OPART (Organismo de Produção Artística – CNB e TNSC)]; na área da saúde [alguns Hospitais (CHUC, Curry Cabral, etc.), Centros Hospitalares (Barreiro Montijo, etc.) e Unidades Locais de Saúde (Alto Minho, Baixo Alentejo, Guarda)].
As Entidades Públicas Empresariais são reguladas por diplomas específicos, bem como pelo Capítulo III do Decreto-lei n.º 558/1999, de 17 de Dezembro (alterado pelo Decreto-lei n.º 300/2007, de 23 de Agosto).
[17] Estão aqui incluídas a generalidade das empresas públicas, que são sociedades de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, instituídas para finalidades públicas sob a forma de sociedades comerciais, como, entre muitas, a PARPÚBLICA, a SIEV- Sistema de Identificação Electrónica de Veículos, SA, etc.
Excepcionalmente, estas empresas podem ser detentoras de poderes públicos de autoridade, como é o caso das várias Administrações Portuárias.
O sector empresarial do Estado (que inclui, além das empresas públicas, as empresas participadas) é regulado pelo DL 558/1999, de 17/12 (alterado pelo DL 300/2007, de 23/8)
Há ainda as fundações (públicas) de direito privado que são objecto de criação estadual (Fundações universitárias, nos termos do RJIES: U. Porto, U. Aveiro, ISCTE), que tem de ser autorizada por diploma legal, nos termos do artigo 3º/4 da Lei 3/2004.
[18] No mesmo sentido, acórdão do Tribunal de Conflitos de 21/2/1985, BMJ 374, p. 264, e de 30/5/2000, proferido no âmbito do processo 399; acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 4/2/1999, proferido no âmbito do processo 01070/98; acórdão do STJ de 10/2/1993, proferido no âmbito do processo 003607; acórdãos do pleno da secção do contencioso do STA de 28/10/2003, de 22/1/02, de 21/2/02 e de 18/4/02, proferidos no âmbito dos processos 47895, 46476, 40766 e 45834; acórdão da 1ª secção do STA de 12/6/1980, proferido no âmbito do processo 014329.
[19] No mesmo sentido, acórdão da Relação de Lisboa de 8/10/2014, proferido no âmbito do processo 1115/13.0TTLSB.L1-4
[20] Arts. 6º/1/2 do 874/1976, de 28/12; cláusula 150ª/1/3 do AE/CTT/1981; cláusula 142ª/1/3 do AE/CTT/1996; art. 2º/1 do DL 88/1996, de 3/7; cláusula 151ª/1 do AE/CTT/1981; cláusula 143ª/1/ do AE/CTT/1996.
[21] Leal Amado, O incumprimento da obrigação retributiva e o art. 364º/2 do CT, Temas Laborais, Coimbra, p. 86.
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Declaração de voto vencido:
Relativamente à questão “seis ou onze” meses como critério qualificativo de retribuição, e relativamente ao acórdão de revista ampliada do STJ. citado, considerando:
- que a questão dos onze meses não é a questão essencial a partir da qual se entendeu convocar o julgamento ampliado nesse processo – tratava-se antes da interpretação de uma cláusula de instrumento colectivo vinculando empregador e trabalhadores diferentes e de diferente sector e por isso com as necessárias especialidades, ou melhor até excepcionalidades do transporte aéreo, incluindo o seu necessário regime remuneratório mais favorável que o de trabalhadores não especializados;
- que a derrogação da disciplina do artigo 2º do Código Civil, pelo DL 329-A/95, introduz a não obrigatoriedade de seguimento da jurisprudência agora obtida por via de julgamentos ampliados de revista, de resto em consonância com o objectivo daquela revogação, que é afinal evitar o enquistamento da jurisprudência e com ele o seu afastamento da realidade material, da vida prática, cujo abalo de segurança jurídica é muito maior que aquele que resulta duma simples não uniformidade de jurisprudência – é tanto maior quanto é todo o Direito e todo o sistema de Justiça que com o distanciamento da realidade material que visa regular se torna ineficiente e merecedor da única resposta possível, que é a sua não observância e a falta de respeito para com o sistema jurídico e os seus operadores;
- que, apesar do superior valor da jurisprudência do STJ, o tratamento da questão dos seis ou onze meses foi feito por remissão para acórdãos do mesmo alto tribunal, prolatados em 2010;
- que sendo o direito a férias um direito indisponível dos trabalhadores, a referência a onze meses se resolve na exigência de recebimento permanente de determinado pagamento para efeito da sua qualificação retributiva;
- que, por isso, “pagar sempre” não é o mesmo que “pagar regular e periodicamente”, ocorrendo a fixação do primeiro na absolutização do segundo, e por isso na sua inutilização compreensiva da realidade;
- considerando ainda o enorme perigo que resulta da absolutização do critério, em que qualquer mecanismo contabilístico de irregularização de pagamento conduzirá à desqualificação retributiva;
- que os argumentos que vimos utilizando a favor do critério dos seis meses, nos acórdãos que relatamos, foram proferidos posteriormente aos acórdãos do STJ de 2010, e que portanto não foram por esse alto tribunal nunca apreciados;
- que não são os juízes dos tribunais inferiores quem tem de imaginar qual seria a resposta do STJ aos seus próprios argumentos;
tendo em atenção todos estes considerandos, e com reserva do maior respeito quer pelo STJ quer por todos os seus colegas da Secção Social desta Relação, o ora adjunto manterá a sua posição até que em algum processo de que seja relator haja recurso e o STJ possa apreciar e denegar ou não tais argumentos.

Eduardo Petersen Silva
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Sumário:
I) Só está verificado o pressuposto da regularidade do pagamento, que tem de verificar-se para que uma dada prestação pecuniária possa considerar-se como parte integrante da retribuição devida pelo empregador ao trabalhador, quando aquela prestação seja paga em onze de cada doze meses que se tiverem por referência temporal.
II) As remunerações do trabalho nocturno, a compensação de horário incómodo e o subsídio de divisão do correio pagos pelos CTT aos seus trabalhadores, em onze de cada doze meses, fazem parte integrante da retribuição.
III) As médias anuais de tais prestações devem ser integradas na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal até ao ano de 2003.
IV) O subsídio de transporte de pessoal pago pelos CTT aos seus trabalhadores não faz parte integrante da retribuição, não devendo ser computado para efeitos da retribuição de férias, subsídios de férias e de Natal
V) A relação de emprego entre os CTT e os seus trabalhadores não é de natureza público-administrativa, antes está sujeita ao regime do contrato individual do trabalho, designadamente ao art. 38º da LCT, bem como às normas correspondentes do CT/2003 e do CT/2009, com a consequente inaplicabilidade do disposto nos arts. 306º/1 e 310º/g do CC.
VI) Os juros de mora correspondentes aos créditos laborais estão sujeitos à disciplina dos arts. 38º da LCT, 381º/1 do CT/2003 e 337º/1 do CT/2009.
VII) Os juros de mora correspondentes às prestações pecuniárias retributivas são devidos desde o momento do vencimento de cada uma delas e não do momento da quantificação judicial dos respectivos montantes.

Jorge Loureiro