Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0427126
Nº Convencional: JTRP00038234
Relator: MARQUES DE CASTILHO
Descritores: COMPETÊNCIA EM RAZÃO DE HIERARQUIA
REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
TRIBUNAL COMPETENTE
Nº do Documento: RP200506210427126
Data do Acordão: 06/21/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: É o tribunal da 1ª instância o competente para a acção de revisão e confirmação de sentença arbitral estrangeira e não o Tribunal da Relação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

Relatório

A Autora B.....,
sociedade com sede na Polónia, instaurou ao abrigo dos artigos I, II e IV da Convenção de Nova acção especial junto da 8ª Vara Cível desta cidade pedindo o reconhecimento e execução de uma sentença proferida por um Tribunal Arbitral Polaco contra
Associação.....
igualmente já melhor identificada nos autos
Alegou para tanto e em síntese que por sentença de 30 de Junho de 2003 de que junta certidão foi proferida pelo Tribunal Arbitral junto da Câmara Nacional de Economia, sita em Varsóvia, Polónia decisão na qual foi a requerida condenada a pagar à requerente a quantia de PLN 556.296,53 correspondente ao valor de câmbio em Euros de 121.881,89 e proveniente tal montante do contrato de arrendamento em divida celebrado em 2000 que junta igualmente documento e respectiva tradução tendo sido pago o valor de PLN 412.347,43 sendo ainda devedora de PLN 143.949,10 ou seja Euros 31.631,37 estando em divida a quantia de Euros 49.649,21 e respectivos juros de mora correspondentes depois do vencimento sendo a respectiva taxa desde 1/2/2003 de 13% ao ano.
Apresentados os autos em conclusão o Mmº Juiz do Tribunal a quo proferiu despacho liminar no qual considerando a incompetência em razão da hierarquia (incompetência absoluta) de conhecimento oficioso, podendo ser desde logo conhecida, e sendo insanável e tendo por efeito a absolvição do Réu da instância nos termos artigos 101º, 102º, nº 1, 105º, nº 1, 494º, al. a), e 288º, nº 1, al. a), e nº 2 (a contrario sensu), todos do Código Processo Civil, como serão todas as outras disposições legais infra citadas de que se não faça menção especial julgou aquele tribunal incompetente em razão da hierarquia para os termos da acção considerando ser competente este Tribunal da Relação do Porto e, em consequência, absolveu a Ré da instância.
Inconformada veio a Autora interpor tempestivamente o presente recurso admitido como de Agravo a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito suspensivo tendo nas alegações oportunamente apresentadas aduzido a seguinte matéria conclusiva que passamos a reproduzir:
1. O Tribunal a quo decidiu no sentido de que o tribunal competente para o reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras era o Tribunal da Relação, nos termos do art. 1095° do C.P.C.
2. Nessa óptica, o Tribunal de 1ª instância apenas seria competente para a execução do mesmo julgamento arbitral.
3. O sistema de "transposição" de sentenças (arbitrais) estrangeiras constante da Convenção de Nova Iorque de 10.6.1958 não é um processo de revisão e confirmação das mesmas.
4. Esse processo é o consagrado nos artigos 1094° e ss. do C.P.C. e funda-se na oficiosidade e controlo estrito, por parte do Tribunal revisor, da validade e do conteúdo da decisão estrangeira.
5. A Convenção de Nova Iorque, à semelhança das Convenções de Bruxelas e de Lugano, bem como do Regulamento (CE) nº 44/2001, não faz qualquer referência a revisão e confirmação das sentenças arbitrais estrangeiras.
6. A Convenção de Nova Iorque adopta um sistema de reconhecimento dessas sentenças, limitando a actividade do Tribunal do país requerido ao controlo da validade global formal e da executoriedade da decisão.
7. A oposição ao reconhecimento é, na Convenção de Nova Iorque e ao contrário do previsto no C.P.C., essencialmente de iniciativa da parte contra a qual a execução é requerida, assumindo-se uma validade de princípio da decisão a executar.
8. O art.º III (1ª parte) da Convenção de Nova Iorque exclui a aplicação das normas dos artigos 1094° e ss. C.P.C., por estas serem incompatíveis com o processo de reconhecimento nela consagrado.
9. Por esta motivo e nos termos do citado art. III da Convenção de Nova Iorque, o Tribunal competente para o reconhecimento de sentenças arbtitrais estrangeiras em Portugal será aquele que a lei nacional aplicável à execução de sentenças arbitrais internas estipular.
10. Nos termos dos artigos 24°/2 e 30° da Lei 31/86, de 29 de Agosto, esse Tribunal é o Tribunal de 1ª instância, ou seja, o Tribunal de Comarca que as normas de competência em razão do território e do valor determinarem.
11. No caso dos autos, esse Tribunal será o Tribunal Judicial da Comarca do Porto, sendo as respectivas Varas Cíveis competentes em razão do valor da causa.
12. Nestes termos, deverá ser concedido provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido e julgando-se a 8ª Vara Cível da Comarca do Porto competente para o conhecimento do pedido de reconhecimento e execução da sentença arbitral constante dos autos.
Foram apresentadas contra alegações nas quais se pugna pela manutenção da decisão proferida.
Mostram-se colhidos os vistos dos Exmº Juízes Adjuntos pelo que importa decidir.

THEMA DECIDENDUM
A questão que está subjacente no âmbito de apreciação do presente recurso traduz-se em determinar qual o tribunal competente para apreciar e decidir o requerido reconhecimento de sentença de Tribunal Arbitral estrangeiro ou seja, se o Tribunal de 1ª instância ou este Tribunal da Relação.

DOS FACTOS E DO DIREITO
Os factos a tomar em consideração são os expostos supra no relatório que antecede.
Vejamos.
A questão suscitada não é nova e aliás já foi objecto de apreciação em Acórdão de que fomos Relator publicado in www.trp.pt no processo nº 5170/03 da 2º Secção no qual igualmente se referenciava sobre a mesma matéria o igualmente proferido em 2/10/2001 e publicado in www.trp.pt Proc. 0120965 e que de perto seguiremos por com o mesmo se concordar em absoluto, subscrito pelo Exmº Adjunto destes autos, Juiz Desembargador Dr. Emídio Costa que igualmente refere ter seguido o entendimento de um outro Ac. igualmente desta Relação de 22/10/98 e outro da Relação de Lisboa de 20/2/97 C.J. 1997-1-135.
A agravante pretende obter a revisão e confirmação pelos tribunais portugueses da decisão proferida pelo Tribunal Arbitral junto da Câmara Nacional de Economia, sita em Varsóvia, Polónia e invoca que para o efeito decisão na qual foi a requerida condenada a pagar à requerente a quantia de PLN 556.296,53 correspondente ao valor de câmbio em Euros de 121.881,89 e proveniente tal montante do contrato de arrendamento em divida celebrado em 2000 que junta igualmente documento e respectiva tradução tendo sido pago o valor de PLN 412.347,43 sendo ainda devedora de PLN 143.949,10 ou seja Euros 31.631,37 estando em divida a quantia de Euros 49.649,21 e respectivos juros de mora correspondentes depois do vencimento sendo a respectiva taxa desde 1/2/2003 de 13% ao ano.
Conforme se estipula no artigo 1094º nº 1 “Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro ou por árbitros no estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada”
Ora no que se refere à arbitragem, foi concluída em 10 de Junho de 1958, em Nova Iorque, no âmbito das Nações Unidas, a Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, relativamente à qual Portugal formulou a sua adesão através do depósito do respectivo instrumento, em 18 de Outubro de 1994, no seguimento da sua aprovação, para ratificação, efectuada através da Resolução da Assembleia da República n.º 37/94, de 10/3, publicada no Diário da República n.º 156, de 8/7/94.
As normas do direito internacional convencional em que participe o Estado português, para além da sua recepção automática na ordem jurídica nacional, passam desde logo a ocupar uma posição superior relativamente às emanadas dos órgãos legislativos nacionais comuns, de molde que, no caso da existência de quaisquer conflitos entre normas legais comuns e normas convencionais, deve ser dada prevalência às últimas em detrimento das restantes, dado o princípio da hierarquia das fontes de direito, quanto à preferência pela aplicação da norma de valor mais elevado – vide art. 8º nº 2, da Constituição da República Portuguesa [Prof. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 6.ª ed., 900/1; e Prof. Afonso Queiró, in R.L.J., 120.º, 8 e 79].

Embora, aquando da sua adesão, Portugal haja reservado a aplicação da aludida Convenção apenas às sentenças arbitrais proferidas no território dos Estados àquela vinculados (v. Aviso n.º 142/95, de 25/5, publicado no DR nº 141, de 21/6/95), tal reserva não assume qualquer relevância, no caso em apreço, relativamente á aplicação das normas da mesma constantes.
Com efeito, como já ficou dito, as decisões cujo reconhecimento se pretende foram proferidas por um tribunal arbitral instalado na cidade de Varsóvia, Polónia, país este que assinou e ratificou a aludida Convenção.
Há, assim, que lançar mão do conteúdo daquela Convenção com vista a averiguar do tribunal competente, em razão da hierarquia, para apreciação do peticionado pedido de reconhecimento das decisões arbitrais proferidas, já que, embora o legislador comum radique tal competência nesta instância (art. 1095.º do C.P.C.), ter-se-á de apurar se iguais atribuições decorrem das normas convencionais.
No art. III da referida Convenção de Nova Iorque, dispõe-se o seguinte:
“Cada um dos Estados Contratantes reconhecerá a autoridade de uma sentença arbitral e concederá a execução da mesma nos termos das regras de processo adoptadas no território em que a sentença for invocada, nas condições estabelecidas nos artigos seguintes. Para o reconhecimento ou execução das sentenças arbitrais às quais se aplica a presente Convenção, não serão aplicadas quaisquer condições sensivelmente mais rigorosas, nem custas sensivelmente mais elevadas, do que aquelas que são aplicadas para o reconhecimento ou a execução das sentenças arbitrais nacionais”.
Não existe nas restantes normas da mesma Convenção qualquer indicação quanto ao tribunal competente para o reconhecimento da sentença arbitral estrangeira, pelo que assim sendo se tem de concluir pela equiparação do formalismo processual exigível para aquele reconhecimento ao aplicável às decisões proferidas pelos tribunais arbitrais dos Estados onde o mesmo venha a ser requerido.
A Lei de Bases da Arbitragem Voluntária - Lei nº 31/86, de 29/8 – vigente no nosso País estabelece que o original da decisão arbitral é depositado na secretaria do tribunal judicial do lugar da arbitragem - art. 24º nº 2 - e que a decisão arbitral tem a mesma força executiva que a sentença do tribunal judicial de 1.ª instância na conformidade do estatuído no artigo 26º, nº 2 bem como que a execução da decisão arbitral corre no tribunal de 1.ª instância, nos termos da lei de processo civil art. 30.º como todos os demais citados da mesma Lei.
Assim sendo, linearmente resulta que é o tribunal de 1ª instância o hierarquicamente competente para apreciação do pedido de revisão e confirmação em causa nos presentes autos.
E refere-se ainda no citado Acórdão que passamos a transcrever:
”Acresce que a igual conclusão poderíamos chegar através da análise das normas processuais vigentes no direito nacional, sem necessidade de recurso ao articulado da Convenção de Nova Iorque.
As Relações conhecem dos recursos e das causas que por lei sejam da sua competência (art. 71º nº1).
Ora, em matéria cível, compete às secções da Relação, para além do mais, julgar os processos de revisão e confirmação de sentença estrangeira, sem prejuízo da competência legalmente atribuída a outros tribunais (art. 56º nº1 al. f) da L.O.F.T.J., aprovada pela Lei nº 3/99 de 13/1).
Porém, ao reportar-se às “decisões proferidas por árbitros no estrangeiro”, o legislador omitiu toda e qualquer referência ao termo “sentença”, que reservou para as “decisões proferidas por tribunal estrangeiro” (v. art.ºs 1094.º, 1096 e 1097.º do C.P.C.).
E se é certo que a Convenção de Nova Iorque apelida de “sentença” as decisões proferidas pelos árbitros nomeados e por órgãos de arbitragem permanentes (v. art. 1.º n.º 2), tal qualificação não releva em Portugal, como revogatória do conceito fixado na legislação nacional para tal termo, apenas aplicável às decisões do juiz que revistam a natureza de uma causa (art. 156º nº 2, do C.P.C.), atenta a já aludida aplicação por cada um dos Estados Contratantes das normas processuais nos mesmos vigentes (art. 3º da referida Convenção).
Por outro lado, da análise da totalidade do conteúdo da referida Lei n.º 31/86, constata-se o emprego pelo legislador do termo “decisão” em todas as normas a tal atinentes (o respectivo capítulo 4º abre com a epígrafe “da decisão arbitral”), salvo o art. 27º nºs 1 e 3, o que se nos revela incompreensível relativamente àquela excepção, dado o estatuído no art. 9º nº 3 do C. Civil.”
Assim a competência para a revisão, confirmação e subsequente execução da decisão revidenda pertence ao Tribunal de 1ª instância que deve ser fixada de acordo com a regra ínsita no artigo 86º nº 2 no Tribunal da Vara Cível como competente

DELIBERAÇÃO
Nos termos expostos, decide-se conceder provimento ao interposto recurso de AGRAVO e consequentemente revogar a decisão proferida que deve ser substituída por outra na qual se julgando-se competente em razão da hierarquia para os aludidos fins o Tribunal da 8ª Vara Cível desta comarca do Porto se ordene ulterior prosseguimento dos autos.
Custas pela Agravada.
*
Porto, 21 de Junho de 2005
Augusto José Baptista Marques de Castilho
Maria Teresa Montenegro V C Teixeira Lopes
Emídio José da Costa