Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
641/15.1IDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NUNO PIRES SALPICO
Descritores: CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
CRIME DE FRAUDE FISCAL
JURISPRUDÊNCIA UNIFORMIZADA
CONDIÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PRISÃO
CONDIÇÃO DE PAGAMENTO
REGIME ESPECIAL
Nº do Documento: RP20191009641/15.1IDPRT.P1
Data do Acordão: 10/09/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO O RECURSO DOS ARGUIDOS
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º43/2019, FLS.138-159)
Área Temática: .
Sumário: I – A jurisprudência fixada pelo acórdão nº 8/2012, de 12/09/2012, embora verse sobre o crime de abuso de confiança fiscal, deverá ser extensível ao regime do crime de fraude fiscal.
II – Nesse pressuposto, convirá reter que a aplicação do nº 1 do artigo 14º do RGIT não derroga o nº 2 do artigo 51º do Código Penal, pois que constitui apenas uma especialidade ao regime facultativo previsto no nº 1 deste último preceito.
III – Assim sendo, a fixação do montante concreto do condicionamento da prestação tributária e acréscimos legais dos montantes dos benefícios indevidamente obtidos, não poderá deixar de ficar sujeito ao regime previsto no nº 2 do artigo 51º do Código Penal, que enforma o princípio geral da humanidade das penas, impondo que o regime de suspensão não seja condicionado por medidas ou deveres irrealizáveis, sob pena dos fins da suspensão serem negados nos seus próprios termos.
(parcialmente da responsabilidade do relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc.Nº641/15.1IDPRT.P1
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Acordam em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
1 – No processo comum com intervenção do Tribunal Singular do Tribunal judicial da comarca de Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia - Juiz 2, o Ministério público condenou os arguidos:
- arguido B… pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelos artigos 103ºe 104º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b) do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de dois anos e oito meses de prisão cuja execução suspendeu pelo período de dois anos e oito meses, sujeita à condição de o arguido, no mesmo período, proceder ao pagamento das vantagens patrimoniais indevidamente obtidas, correspondentes à quantia de 67.951,72€, e acréscimos legais;
- o arguido C… pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelos artigos 103ºe 104º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b) do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de dois anos e dois meses de prisão cuja execução suspendeu período de dois anos e dois meses, sujeita à condição de o arguido, no mesmo período, proceder ao pagamento das vantagens patrimoniais indevidamente obtidas, correspondentes à quantia de 67.951,72€, e acréscimos legais;
- a sociedade arguida “D…, LDA” pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelos artigos 103º e 104º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b) do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de 500 (quinhentos) dias de multa, à taxa diária de 10,00€ (dez euros), assim perfazendo o montante de 5.000,00€ (cinco mil euros);
- a sociedade arguida “E…, UNIPESSOAL, LDA” pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelos artigos 103º e 104º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b) do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de 400 (quatrocentos) dias de multa, à taxa diária de 10,00€ (dez euros), assim perfazendo o montante de 4.000,00€ (quatro mil euros);
- a sociedade arguida “F…, LDA” pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelos artigos 103º e 104º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b) do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de 400 (quatrocentos) dias de multa, à taxa diária de 10,00€ (dez euros), assim perfazendo o montante de 4.000,00€ (quatro mil euros);
- a sociedade arguida “G…, LDA” pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelos artigos 103º e 104º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b) do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de 400 (quatrocentos) dias de multa, à taxa diária de 10,00€ (dez euros), assim perfazendo o montante de 4.000,00€ (quatro mil euros).
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Porém, oficiosamente nos termos do art.428º do CPP, deverão apreciar-se os termos da suspensão de execução das penas cominadas a ambos os arguidos, onde o Tribunal “a quo” nos termos do art.14º nº1 do RGIT fez subordinar a suspensão da execução da pena aos arguidos do pagamento integral do montante em dívida.
Com efeito não se pode perder de vista a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça nº 8/2012, de 12/09/2012, in D.R. I Série, nº 206, de 24/10/2012, o qual embora verse sobre o crime de abuso de confiança fiscal, cremos ser extensível ao regime do crime de fraude fiscal: “No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia”.
O certo é que a aplicação do disposto no nº1 do art.14º nº1do RJIT não implica necessariamente derrogar o nº2 do art.51º do CP. Apenas constitui uma especialidade ao regime facultativo previsto no nº1 do art.51º do CP o qual dispõe facultativamente que “A suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres..”, diversamente do regime obrigatório que resulta do ar.14º nº1 do RGIT o qual impõe sempre o condicionamento ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais do montante dos benefícios indevidamente obtidos.
Portanto, se a suspensão da pena no crime tributário haverá de ser sempre condicionada ao pagamento da prestação tributária de que o arguido se apropriou, a fixação do montante concreto não poderá deixar de ficar sujeito ao regime previsto no art.51º nº2 do CP, o qual enforma o princípio geral da humanidade das penas, determinando que o regime de suspensão não seja condicionado por medidas irrealizáveis, sob pena dos fins da suspensão serem negados nos seus próprios termos. Que juízo de prognose favorável se pode fundar num regime que, à partida e no fim, se afigura irrealizável (cfr.art.50º nºs1 e 2 do CP)? O Direito Penal porque dirigido ao homem e à sociedade reclama lógica, compreensibilidade e coerência nos seus próprios termos, em particular em matéria tão sensível como o território das penas e da sua execução.
Existe jurisprudência que, apesar do acórdão de fixação de jurisprudência, tem entendido que a condição imposta pelo art.14º nº1 do RGIT deve ser fixada no regime de suspensão pelo montante integral em dívida, dado que este integra o âmbito da pena, e que depois, a exequibilidade e exigibilidade do mesmo é matéria que adiante será revista. Porém, salvo o devido respeito, por imposição do nº3 do art.51º do CP a alterabilidade dos deveres dependem sempre de ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o Tribunal só posteriormente tiver tido conhecimento. E se a situação de incapacidade é a mesma inicialmente (aquando da prolação da decisão) e por certo, posteriormente, que sentido fará diferir para mais tarde esse juízo de impossibilidade de pagamento, até porque a lei não o permite.
Assente que tem aplicação o nº2 do art.51º do CP, ponderando as condições pessoais de cada um dos arguidos recorrentes, sendo a situação similar para ambos, embora apresentem um quadro económico limitado (pelos rendimentos auferidos e encargos apurados), não poderá deixar de se lhe exigir o esforço de pagamento parcial, que sem embargo de ser razoável, há-de sempre significar um sacrifício, onde a exigibilidade aos arguidos poderá impor cenários financeiros de concessão de crédito para o efeito. Assim, o montante a sujeitar não pode ser superior a 7.000€, nestes termos devendo ser alterado o regime de suspensão da execução das penas concretamente cominadas a cada um dos arguidos recorrentes.
DISPOSITIVO.
Pelo exposto, acordam os juízes na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso penal somente procedente quanto à medida da pena e assim alterar o dispositivo da sentença nos seguintes termos quanto aos arguidos recorrentes, mantendo-se a sentença quanto ao restante objecto:
São condenados os arguidos:
- arguido B… pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelos artigos 103ºe 104º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b) do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de dois anos e oito meses de prisão cuja execução se suspende pelo período de dois anos e oito meses, sujeita à condição de o arguido, no mesmo período, proceder ao pagamento de parte das vantagens patrimoniais indevidamente obtidas, correspondentes à quantia de 7.000€ (sete mil euros), mediante depósito autónomo, que reverterá a favor da autoridade tributária;
- o arguido C… pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelos artigos 103ºe 104º, n.ºs 1 e 2, alínea a) do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de um ano e dez meses de prisão cuja execução se suspende pelo período de um ano e dez meses, sujeita à condição de o arguido, no mesmo período, proceder ao pagamento de parte das vantagens patrimoniais indevidamente obtidas, concretamente à quantia de 7.000€ (sete mil euros), mediante depósito autónomo, que reverterá a favor da autoridade tributária.

Sem custas.
Notifique.

Sumário:
(Da exclusiva responsabilidade do relator)
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Porto, 9 de Outubro 2019.
Elaborado e revisto pelo 1º signatário
Nuno Pires Salpico
Paula Natércia Rocha