Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | FERNANDA ALMEIDA | ||
Descritores: | ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS DIREITOS DE PERSONALIDADE CRIME DE INJÚRIA | ||
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Nº do Documento: | RP20230626227/22.4T8AND.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/26/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE; DECISÃO REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A honra – bem jurídico protegido no crime de injúria (art. 181.º CP) - é o direito que cada cidadão tem de reclamar o respeito dos outros e de não receber destes juízos ou imputações vilipendiosos e degradantes; ou, mais subjetivamente, a honra equivale à representação psicológica que cada um de nós tem de si próprio, ao apreço ou autoestima, a qual poderá corresponder, ou não, à consideração ou à reputação social de que goza. II - O art. 187.º CP, prevê expressamente a ofensa a organismos, serviços ou pessoa coletiva. Nesse caso, o bem jurídico protegido são a credibilidade, o prestígio ou a confiança da pessoa coletiva, enquanto valores desta que podem ver-se empobrecidos por juízos de valor ou afirmações injustas de outrem. III - A vítima da ofensa que determina a condenação nos termos do art. 181.º do CP - ainda que visada por causa das funções sociais que exerce – é a pessoa singular e não a entidade para a qual exerce essas funções, a não ser que a ofensa da honra tenha sucedido na sua qualidade de legal representante do corpo social e desde que essa ofensa individual tenha atingido o bom nome da própria instituição e não apenas a honra do específico visado. IV - Por tal razão, é de manter a sentença de anulação de deliberação tomada no seio de associação que exclui de associado sócio condenado pela prática de crime de injúria na pessoa do presidente da mesa da assembleia-geral da instituição, porque não alegado ter daí resultado ofensa ao bom nome do ente coletivo, e prevendo os estatutos a expulsão do associado como sanção a aplicar apenas quando da conduta do sócio a excluir resulte prejuízo moral ou material para a pessoa coletiva. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. 227/22.4T8AND.P1 Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil: ……………………… ……………………… ……………………… * Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:RELATÓRIO AUTOR: AA, engenheiro técnico civil, residente na Rua ..., .... RÉU: Centro Social, Cultural e Recreativo ..., com domicílio na R. ..., n.º ..., ..., .... Por via da presente ação declarativa, pretende o A. ver anulada a deliberação tomada pela assembleia-geral extraordinária, a 2.11.2019, excluindo-o como associado, devendo ser igualmente anuladas as decisões tomadas em assembleia-geral, de 30.11.2019, e o ato eleitoral levado a efeito em assembleia-geral, de 8. 12.2019. Mais pretende a condenação em pedido de desculpas à sua pessoa, por parte dos presidentes dos órgãos sociais envolvidos na decisão de exclusão. Para tanto alegou que a sua exclusão de sócio não está prevista nos estatutos da IPSS, posto neles apenas se prever tal sanção para o sócio que dolosamente prejudique moral ou materialmente tal instituição, o que não sucedeu com as palavras dirigidas pelo demandante ao então presidente da mesa da assembleia-geral, em abril de 2017. Contestou o R. dizendo ter o A. sido excluído por ter injuriado o presidente da assembleia-geral, que foi ofendido nessa qualidade, motivo por que foi o primeiro condenado em processo criminal, verificando-se ofensa moral à instituição, comportamento para o qual o art. 11.º dos Estatutos prevê a exclusão de associado. Invoca abuso de direito por não ter o A. exercido contraditório quanto à intenção que lhe foi manifestada de ser excluído de sócio. A 21.12.2022, foi proferido saneador-sentença, julgando a ação parcialmente procedente e, em consequência, anulando a deliberação de 2.11.2029, declarando readmitido o A. como associado do R. Foram aí considerados como provados os seguintes factos: 1. O A. AA foi condenado por sentença de 8.7.2019, no âmbito do proc. comum singular n.º 195/17.4T9AND, como autor material e na forma consumada, de um crime de injúria, nos termos do art. 181.º, n.º 1 C.Penal e 183.º, nº 1, al. a), na pena de multa de 100 (cem) dias, à razão diária de €8 (oito euros); como autor material e na forma consumada, de um crime de injúria, nos termos do art. 181.º, n.º 1 C.Penal, na pena de multa de 80 (oitenta) dias, à razão diária de €8 (oito euros); como autor material e na forma consumada, de um crime de injúria, nos termos do art. 181.º, n.º 1 e 183.º, nº 1, al. a) ambos do C.Penal, na pena de multa de 100 (cem) dias, à razão diária de €8 (oito euros) e, em cúmulo jurídico, na pena única de 190 (cento e noventa dias) dias de multa, à taxa de €8 (oito euros); foi ainda condenado a pagar ao demandante a quantia de €900 (novecentos euros), a título de danos não patrimoniais, a que acrescem, os juros que se vencerem desde a data da prolação da sentença até integral pagamento. 2. Na sentença foram dados como provados os seguintes factos, entre outros, os seguintes: a) O arguido tem uma posição crítica relativamente à actual Direcção Centro Social, Cultural e Recreativo ..., bem como a actuação do presidente da Mesa da assembleia – o assistente – imputando-lhe várias irregularidades na convocação das assembleias e na organização dos trabalhos. b) No dia 8 de Abril de 2017, cerca das 16h00, na sede do Centro Social, Cultural e Recreativo ..., sito na R. do ..., ..., ... ..., no âmbito de uma Assembleia Geral daquela Centro, onde estavam presentes cerca de 50 pessoas, depois de o assistente, após uma troca de palavras entre ambos, ter chamado ao arguido malcriado, o arguido dirigindo-se ao assistente (então presidente da mesa daquela assembleia Geral) proferiu em viva voz e de forma bem audível por todos a seguinte expressão: O senhor em ... é o BB, aqui é o senhor Comendador CC! Vá para a puta que o pariu e que o há-de parir! c) Tal expressão foi ouvida por todos os participantes daquela Assembleia, gerando assim uma perturbação nos trabalhos daquela assembleia, que levou o assistente (enquanto presidente daquela mesa) a suspender a assembleia. d) No dia 11 de Abril de 2017, o arguido dirigiu uma carta ao assistente, onde escreveu a seguinte expressão: Só um Presidente da mesa geral mentecapto (muito ignorante e/ou muito irresponsável), se pode permitir suspender uma reunião da assembleia geral anunciando o seu reinicio para uma semana depois. e) Tal carta foi dirigida ao assistente, sendo que a expressão escrita era a ele dirigida porquanto este havia efectivamente suspendido aquela assembleia geral e designando-se novo dia para a continuação para uma semana depois, enquanto Presidente da mesa geral daquela instituição. f) Na sequência de um pedido do assistente da retratação, o arguido endereçou nova carta, dando conhecimento à Direcção daquela instituição (a quem enviou cópia), onde escreveu as seguintes expressões: “Constatei que na sua carta de 20 de abril corrente não utiliza o título de Comendador. Como não acredito que o tenha feito por modéstia, nem tao pouco por falsa modéstia pergunto: foi-lhe retirada a comenda?” “Por ignorância ou má fé (ou ambas) resolveu ser um apêndice da Direcçao, convocando a assembleia Geral com a ordem de trabalhos que a Direcçao entende. “Consultando o dicionário Infopédia da Língua Portuguesa acerca do significado de Mentecapto pode ler-se: Que ou aquele que perdeu o uso da razão; alineado Tolo, parvo, inepto Dado ter usado o termo “mentecapto” para caracterizar a sua postura enquanto Presidente da Mesa da Assembleia Geral a minha carta de 11 do corrente pergunto: qual/quais o(s) adjectivo(s) acima enumerado(s) que lhe causou/causaram desconforto para me pedir retractaçao?” “Nota: o asterisco na palavra Senhor* deve-se à sua atitude para com a Associada Dra. DD. Tal atitude, mostra com clareza que o Presidente da Mesa da Assembleia Geral da CSCR ... pode ser muita coisa conforme enumerou na Assembleia Geral de 26 de Novembro de 2016, e inclusive músico, mas Senhor, seguramente não é”. g) Com as expressões supra referidas, o arguido pretendeu dirigir-se ao ofendido, lesar-lhe a honra e ofende-lo o seu bom nome e consideração deste, como conseguiu. h) O arguido sabia que a conduta lhe era vedada e punida por lei como crime. i) De igual modo, o arguido ao proferir as expressões supra referidas no ponto 2), numa assembleia geral repleta de associados, sabia que este facto seria facilmente divulgado. j) Bem sabia o arguido que, ao dar conhecimento por carta à Direcção da daquela Centro Social, Cultural e Recreativo ... da carta referida no ponto 6) estava a facilitar a divulgação de tais factos. k) Sabia o arguido que, ao agir dessa forma, estava a agravar as injurias, bem sabendo que a sua conduta lhe era proibida. l) O arguido quis actuar da forma descrita, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. 3. O aqui A. (aí arguido) interpôs recurso dessa sentença, o qual não foi admitido, por extemporâneo. 4. O aqui A. reclamou para o Tribunal da Relação do Porto da decisão que não admitiu o recurso, tendo o Tribunal da Relação proferido decisão a julgar improcedente tal reclamação, considerando o recurso extemporâneo, por o prazo para interpor o recurso ter terminado a 24.9.2019. 5. Em Assembleia Geral Extraordinária de 2 de Novembro de 2019, foi deliberado proceder à exclusão como associado da R. o aqui A. AA, com fundamento na violação do disposto ao disposto no artigo 10.º, al. h) e f) dos Estatutos do Centro Cultural e Recreativo .... 6. Antes da realização dessa Assembleia, a R. enviou ao A. uma carta datada de 8 de Outubro de 2019 informando-o que tinha transitado em julgada a sentença proferida no proc. 195/17.4T9AND, que correu termos no Tribunal de Anadia, onde ficou demonstrado que o aqui A. tinha injuriado o Sr. Presidente da Mesa da Assembleia, aquando da Assembleia realizada a 8 de Abril de 2017 e por cartas de 11 de Abril de 2017 e de 26 de Abril de 2017, conforme sentença, o que constituía uma grave violação ao disposto no artigo 10.º, als. h) e f) dos Estatutos e, para os efeitos do artigo 11.º, n.º 1, al. c) e do seu n.º 5 concedia o prazo de 10 dias para exercer o direito de audição. 7. A R. enviou nova carta datada de 24 de Outubro de 2019, dirigida ao aqui A. no qual concedia um prazo suplementar para exercer esse direito, e designando o dia 30 de Outubro de 2019, pelas 18h00, para ser pessoalmente ouvido, na sede da instalação da R. acompanhado da sua Advogada. 8. Os Estatutos da R. têm o teor que consta de fls. 4 a 17, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos. 9. O artigo 10.º do Estatutos do Centro Social e Recreativo ..., sob a epigrafe “Deveres dos associados”, tem a seguinte redacção: Constituem deveres dos sócios: a) Pagar pontualmente as quotas, tratando-se de sócios efectivos; b) Comparecer e participar nas reuniões de Assembleia Geral; c) Desempenhar com zelo, dedicação e eficiência os cargos para que foram eleitos; d) Observar as disposições estatutárias e regulamentares e as deliberações dos corpos gerentes; e) Não comprometer, por qualquer forma, o prestígio e bom nome da instituição; f) Não prejudicar o património da Instituição; g) Não ofender, por actos ou palavras, nas instalações da Instituição, qualquer utente, trabalhador, sócio ou membro dos órgãos sociais. 10. O artigo 11.º dos referidos Estatutos sob a epígrafe “sanções por violação dos deveres de associado” tem a seguinte redacção: 1- Os sócios que violem os deveres estabelecidos no presente diploma ficam sujeitos às seguintes sanções: a) Repreensão escrita; b) Suspensão dos direitos até 90 dias; c) Exclusão. 2- As penas previstas nas alíneas a) e b) do número anterior são aplicadas pela Direcção; 3- São excluídos os sócios que por actos dolosos tenham prejudicado moral ou materialmente a instituição, sendo esta sanção da exclusiva competência da Assembleia Geral sob a proposta da Direcção. 4- A suspensão de direitos não desobriga o sócio ao pagamento da quota. 5- A aplicação das sanções previstas no n.º 1 só se efectivará mediante audiência obrigatória do associado. Desta decisão recorre o R., visando a sua revogação, com base nos argumentos que em conclusões deixou assim consignados: 1. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pela Sentença que por decisão imediata sobre o mérito da causa (sem que se atendesse a toda a prova carreada nos autos) julgou procedente o pedido nº 1 e 2 da P.I. 2. Não obstante a impugnação efetuada pela Ré de toda a matéria factual invocada pelo Autor, a sentença recorrida ignorou a demais factualidade suscetível de ser colhida dos próprios documentos juntos pela Ré e da prova testemunhal que esta pretendia ser ouvida. 3. Ao decidir, ante aquela impugnação, pela não audição da prova testemunhal indicada pela Ré, sentença violou o princípio da legalidade e o direito à demonstração da veracidade dos factos, máxime o princípio da descoberta material. 4. A anulabilidade prevista no art.º 178.º, n.º 1, do CC tem como requisito para a legitimidade processual ativa que associado que não tenha votado a deliberação. 5. Nos termos do art.º 342.º, n.º 1, cabia ao Autor alegar e demonstrar qual o seu sentido de voto. 6. A não alegação nem a demonstração dos requisitos do art.º 178.º, n.º 1, do CC impunham a improcedência da ação. 7. O Tribunal socorre-se de um argumento puramente literal para considerar como desrespeitados os estatutos da Recorrente que estiveram na base da exclusão do Autor como socio daquela. 8. “Instituição” é a pluralidade de todos os elementos que a integram, desde os sócios até aos detentores dos cargos de direção, não se esquecendo também os trabalhadores e os utentes da ré. 9. Para efeitos estatutários “Instituição” não é a simples pessoa coletiva, de per si, detentora de NIPC e sede social. 10. Nas pessoas coletivas, de per si, a capacidade de gozo destas pessoas (coletivas) abrange os direitos de personalidade relativos à liberdade, ao bom-nome, ao crédito e à consideração social, não se reconhecendo a ofensa moral (stricto sensu) à pessoa coletiva. 11. Importando distinguir entre o bem jurídico atingido e o dano que resulta dessa lesão, a afetação do crédito ou do bom nome de pessoa coletiva é insuscetível de provocar nela, enquanto entidade destituída de personalidade física e moral, qualquer reflexo negativo de natureza psicológica, leia-se a ofensa moral. 12. O artigo 11º dos Estatutos da Ré, o “prejuízo moral da Instituição” consagrou o entendimento lato de que Instituição é mais que a Pessoa Coletiva (por si só), englobando a pluralidade de órgãos, membros, trabalhadores, colaboradores e utentes que a compõem, na sua vertente com reflexo de natureza psicológica e/ou personalidade física e moral. 13. Ora ofende a Moral, assim entendida, quem numa Assembleia Geral, se dirige ao seu Presidente da Mesa as expressões provadas nos pontos 2, alíneas b), d), f), i), j),k) 14. Prejudica-se a moral da Instituição, quando tais condutas envergonham e humilham todos aqueles que diariamente nela laboram ou voluntariamente exercem cargos de Direção, Fiscalização ou outros bem como os sócios presentes na Assembleia Geral que ouviram as injúrias proferidas pelo Autor (pelas quais foi condenado em processo crime). 15. Face aos pontos 6 e 7 dos factos provados, relativos às diligências que a Direção tomou e às quais o Autor jamais respondeu, prestou esclarecimentos e/ou pronunciou, sempre a presente ação constitui um manifesto abuso de direito, na vertente de “venire contra factum proprium”. 16. Existe contradição nos fundamentos da sentença quando se afirma em simultâneo que as injúrias praticadas foram “apenas contra uma pessoa singular” e, em simultâneo, se afirma que “ofendeu por palavras, nas instituições da Instituição, membro dos órgãos sociais.”. 17. Havendo no essencial 3 pedidos, a saber: I- a anulação da deliberação (com consequente readmissão), II- a anulação de todas as deliberações posterior à AG que decidiu a expulsão, III – a realização de um pedido de desculpas dos órgãos da Direção, não é razoável que a improcedência do pedido II e III – gere apenas um decaimento de 50% para o Autor. 18. A decisão recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 178º, nº 1 e 342º, nº 1 do Código Civil e ainda os art.º 411º, 415º e do Código de Processo Civil. Não foram apresentadas contra-alegações. Objeto do recurso: - da alegada impugnação de facto. - da exclusão do autor como associado do R. FUNDAMENTAÇÃO Fundamentos de facto Começa o recorrente por alegar o seu recurso matéria de facto e de direito. Todavia, quanto à matéria de facto não se vislumbra ter o mesmo invocado o que quer que seja para se considerar impugnada a factualidade vertida na sentença recorrida. De acordo com o disposto no art. 640.º, n.º1 CPC, quando for impugnada a matéria de facto, deve o recorrente especificar os pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham diferente decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, e explicitar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre a questão de facto impugnada. Ora, do simples cotejo das conclusões e do corpo alegatório resulta evidente não ter o recorrente impugnado a matéria de facto pois não refere que factos se deram como provados e não deveriam tê-lo sido e a razão desta discordância; ou que factos não foram dados como provados e que deveriam tê-lo sido, e qual a prova realizada (ou a realizar) que os demonstrasse. Diz a recorrente ter sido apenas valorada a versão do autor, sem indicar qual a versão do R. que haveria de estar consignada nos factos. Afirma ter sido desvalorizada a demais factualidade suscetível de ser colhida dos próprios documentos juntos pela Ré e da prova testemunhal que esta pretendia ver ouvida, sem indicar especificamente que factos concretos, dos por si alegados, haveriam de ter sido considerados e, sobretudo, dos quais resultasse ter a conduta do A. gerado forte e vincado abalo moral e patrimonial ao R. E, na verdade, compreende-se a razão pela qual não pôde o R., em alegações de recurso, individualizar factos dos quais resultasse aquele abalo moral e patrimonial. É que, para que o recorrente pudesse legitimamente invocar ter o tribunal a quo feito tábua-rasa do que a seu tempo alegara e estar, assim, impedido de, em julgamento, vir a demonstrar o que quer que seja, seria mister que, em contestação, tivesse consignado factos concretos que, uma vez demonstrados, designadamente em audiência, fariam concluir pelo prejuízo moral ou patrimonial da Instituição em decorrência da atuação do A. que determinou a sua condenação criminal. Contudo, a contestação nada contém sobre este tema o qual é, na verdade, o único que interessará para o desfecho da pretensão do A. (sem prejuízo da apreciação oportuna do invocado abuso de direito que o R. também suscitou em contestação). Com efeito, no seu articulado, apresentado inicialmente perante um Julgado de Paz (que, posteriormente se julgou incompetente, remetendo os autos para tribunal), o R. despendeu 30 artigos sem dedicar atenção ao assunto do prejuízo previsto no art. 11.º, n.º 3, dos respetivos Estatutos, assunto esse que é, afinal, o que lhe interessaria demonstrar. Nos arts. 1.º a 5.º pronunciou-se quanto à incompetência do Julgado de Paz. Nos art. 6.º limitou-se a impugnar a pi. Nos arts. 8.º a 13.º, 15.º a 23.º alude e transcreve os factos dados como provados em sentença criminal, perdendo-se em escusados argumentos de natureza processual relativos ao trânsito daquela e enfatiza terem as ofensas sido dirigidas ao aí assistente, enquanto presidente da assembleia-geral. Apenas no art. 14.º, conclui ter existido ofensa moral do R. porque injuriado um dos seus órgãos (asserção com que não concordamos, como veremos infra). Nos arts. 24.º e ss, sob a invocação de má-fé, refere-se à circunstância de o A., notificado de que iria ser alvo de deliberação de exclusão, nada ter referido. É, pois, evidente a impropriedade da invocação de impugnação de facto e, bem assim, a referência aos arts. 411.º e 415.º do CPC, pela razão simples de que, nada tendo alegado, não caber ao R. demonstrar em audiência o que quer que seja. Indefere-se, por isso, esta impugnação. Em matéria de facto, porém, verifica-se padecer a sentença de vícios notórios que se manifestam pela simples consulta dos documentos juntos com os articulados. Referimo-nos ao ponto 9, onde se dá como provado o teor do art. 10.º dos Estatutos do R., no segmento relativo aos deveres dos sócios e que a sentença não transcreveu de forma correta porquanto, a partir da al. d) – esta corretamente transcrita – se omitiu o teor da verdadeira al. e) dos Estatutos e fez-se consignar como e) o que naqueles se acha em f), assim padecendo as demais alíneas de erro e não constando indicada a al h) – cujo o teor consta descrito em g) da sentença – alínea esta cuja violação o R. imputa ao A. Desta forma, em respeito pelo exato teor do art. 10.º dos Estatutos, o ponto 9 dos factos provados passa a ter a seguinte redação: O artigo 10.º do Estatutos do Centro Social e Recreativo ..., sob a epigrafe “Deveres dos associados”, tem a seguinte redação: Constituem deveres dos sócios: a) Pagar pontualmente as quotas, tratando-se de sócios efectivos; b) Comparecer e participar nas reuniões de Assembleia Geral; c) Desempenhar com zelo, dedicação e eficiência os cargos para que foram eleitos; d) Observar as disposições estatutárias e regulamentares e as deliberações dos corpos gerentes; e) Cooperar activamente na prossecução dos fins da Instituição; f) Não comprometer, por qualquer forma, o prestígio e bom nome da instituição; g) Não prejudicar o património da Instituição; h) Não ofender, por actos ou palavras, nas instalações da Instituição, qualquer utente, trabalhador, sócio ou membro dos órgãos sociais. Os demais factos que interessam à decisão são os consignados em sentença. Fundamentos de direito Trata a presente ação da anulabilidade da deliberação de assembleia-geral da associação, impugnada nos termos do art. 177.º CC. Afirma o R. não ter o A. alegado e demonstrado não ter votado a deliberação que determinou a sua expulsão, o que lhe retiraria legitimidade para ação, nos termos do n.º 1 do art. 178.º CC. Verifica-se, porém, não ter esta matéria sido invocada pelo R. em primeira instância, tratando-se agora de matéria nova que o tribunal recorrido não conheceu e eu, por isso, não pode ser objeto de decisão em segunda instância. Sobre o tema, veja.se, por ex., ac. RL, de 22.11.2029, Proc. 15420/18.6T8LSB.L1-7: I - São de reponderação, os recursos ordinários, visando a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal a quo no momento em que a proferiu, o que significa que o tribunal ad quem não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi invocada pelas partes na instância inferior ou sobre pedidos que nela não foram formulados. II - Tal significa que os recursos ordinários são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas, estando, por isso excluída a possibilidade de alegação de factos novos na instância de recurso. Termos em que se indefere esta argumentação. No tocante ao mérito da pretensão, realçamos, desde já concordar com o enquadramento jurídico alcançado em primeira instância quanto à ocorrência de uma violação estatutária (cfr. art. 167.º CC) por banda do A., enquanto associado da associação Ré, violação essa já exaustivamente tratada na sentença criminal que o condenou pela prática de crimes de injúria. As circunstâncias desses crimes são duas: uma ocorrida em assembleia-geral de 8.4.2017, na presença do presidente daquela ao qual o A. dirigiu o insulto mentecapto. Outra, pela difusão de carta, dada a conhecer ao órgão do Centro Social, Cultural e Recreativo, em que o visado foi, de igual forma, aquele presidente, a quem o A. apodou novamente de mentecapto e, ainda, de alienado, tolo, parvo e inepto (em retas contas, neste caso, os crimes seriam dois: a injúria, na carta dirigida ao assistente, e a difamação, na carta remetida à Direção). Nesta última parte, divergimos da sentença quando considera não constituir a ofensa por carta violação da al. h) do art. 10.º, uma vez que a concretização da ofensa – ao ser divulgada junto da Direção da associação – naturalmente ocorreu nas instalações da Instituição. Aceita-se que a injúria dirigida ao presidente da assembleia-geral o visava nessa qualidade e, nessa medida, não há dúvida ter o associado violado os deveres que para si decorriam do art. 10.º dos Estatutos. A questão não está, porém, nessa violação, mas na pertinência da sanção aplicável em face desse comportamento ilícito e, por via disso, é o teor do art. 11.º que deverá ter-se aqui em conta. E, neste tocante, é certo o que se observa na sentença: «A violação de tais deveres pelos associados, sujeita estes a sanções, cuja gravidade é variável, podendo ser apenas uma repreensão escrita, suspensão dos direitos até 90 dias ou, nos casos mais graves, exclusão (alíneas a), b) e c) do artigo 11.º dos Estatutos). Porém, para aplicação da sanção mais grave (exclusão) não basta a violação de qualquer dos deveres elencados no artigo 10.º dos Estatutos; é necessário que, além disso, tais actos tenham sido praticados de forma dolosa e tenham prejudicado moral ou materialmente a instituição.» Quer isto dizer que, para ao A. poder ser aplicada a sanção de exclusão (e não a repreensão escrita ou a suspensão dos direitos por 90 dias), haveria de ter sido alegado pela associação que, do facto de ter sido injuriado o presidente de um órgão social derivou prejuízo moral ou patrimonial para a associação. O prejuízo patrimonial não é nunca invocado. O prejuízo moral encontra-o o recorrente na circunstância de considerar que vítima da injúria não é apenas o presidente da assembleia-geral, mas toda a Instituição. Mas não é assim. A vítima da ofensa – ainda que visada por causa das funções sociais que exerce – não é a entidade para o qual exerce essas funções, a não ser que a ofensa da honra tivesse sucedido na sua qualidade de legal representante do corpo social (sendo que a representação do Centro cabe à Direção – art. 34.º, nº 1. Al. f) dos Estatutos e 163.º CC) e, ainda, assim, desde que a ofensa tivesse atingido o bom nome da própria Instituição e não apenas a honra do específico visado. Veja-se que os crimes de difamação e de injúria partilham a tutela do mesmo bem jurídico, residindo a distinção entre ambos na circunstância de a imputação ofensiva ser feita perante o próprio atingido (injúria) ou perante terceiro (difamação). A honra é o direito que cada cidadão tem de reclamar o respeito dos outros e de não receber destes juízos ou imputações vilipendiosos e degradantes; ou, mais subjetivamente, a honra equivale à representação psicológica que cada um de nós tem de si próprio, ao apreço ou auto-estima, a qual poderá corresponder, ou não, à consideração ou à reputação social de que goza. Nem uma nem outra destas conceções da honra, ditas fácticas, servem para erigir uma etiologia com a proteção que o ordenamento penal dispensa. Proteção essa que, atentas as gravosas consequências concitadas pela intervenção da repressão criminal, só poder ser atribuída a valores com dimensão ética suficiente para constituírem um padrão fundamental e constitucionalmente protegido. Caímos, assim, no domínio da honra enquanto bem jurídico com assento constitucional e normativamente conformador das relações intersubjetivas ao qual se atribui um conteúdo misto de valor transpessoal. Assim vista a honra será definível como “a merecida ou fundada pretensão de respeito da pessoa no contexto das relações de comunicação e interacção social em que é chamada a viver”[1]. Do exposto defluem duas conclusões basilares: a honra é um bem jurídico de recorte supra pessoal que assenta no primado da dignidade humana, pelo que a pretensão ao respeito que lhe anda associada se consubstancia num direito plural na titularidade de todos e não apenas de alguns. A honra é um “valor ou bem imaterial (…) e perfila-se a mesma quer a vejamos encarnada no mais nobre espírito, quer a olhemos no mais refinado biltre”[2]. Por outra parte, a violação da honra está muito para além da sensibilidade pessoal ou do valor que cada um, com maior ou menor razão, entende assistir-lhe. As valências comunitárias que exigiram a cristalização de um momento normativo, mormente de cariz penal, capaz de proteger a honra exigiram, do mesmo passo, que esta honra encerrasse um valor espiritual, comum a todos, decorrente da dignidade humana e materializada no direito de todos ao desenvolvimento livre da sua personalidade no relacionamento com os demais. A dignidade humana e o livre desenvolvimento da personalidade são, assim, respetivamente o fundamento e o fim último da honra que o ordenamento protege. Donde, a violação da honra, em cada momento concreto e em cada recorte da vida, só constituirá delito quando se veja violado o seu fundamento imediato – a dignidade humana -, sem prejuízo de se ultrapassar este momento estático[3] e se tratar de forma diferente o que não se não vislumbra igual à partida com o que se exige, igualmente, uma articulação entre a igualdade e o pluralismo. De modo que, quando o A., na qualidade de arguido, foi condenado por violação do direito à honra, era o bem jurídico na titularidade do aí assistente que justificava aquela repreensão criminal. Assistente – titular do direito violado (art. 68.º CPC) - foi a pessoa singular e não a pessoa coletiva e não podia deixar de ser dessa forma. E foi aquela condenação criminal (e não outra) que justificou a deliberação que lhe retirou a qualidade de associado (cfr. facto 6). Não quer isto dizer que as pessoas coletivas não detenham o direito a ver respeitado o seu bom nome. Na verdade, o art. 187.º CP, prevê expressamente a ofensa a organismos, serviços ou pessoa coletiva. Porém, nesse caso, o bem jurídico protegido são a credibilidade, o prestígio ou a confiança da pessoa coletiva, enquanto valores desta que podem ver-se empobrecidos por juízos de valor ou afirmações injustas de outrem. Assim, enquanto a pessoa individual, só pelo facto de o ser, é titular de um direito à honra insuscetível de degradação em qualquer caso, as pessoas coletivas podem ter maior ou credibilidade, melhor ou pior bom nome, no sentido de imagem que os outros têm de si, razão por que não estão dispensadas de alegar e demonstrar esse bom nome e alegar e demonstrar a sua violação com a consequente diminuição de prestígio, credibilidade e confiança decorrido daqueles juízos ou afirmações de terceiros. Do exposto deflui: - o A. não apodou o Centro Social, Cultural e Recreativo ... de mentecapto ou com outro epíteto de cariz notadamente pessoal; - a ofensa dirigida à honra do presidente do órgão social e que visa esse presidente na sua honorabilidade não se transmite ao bem jurídico do ente coletivo, bem jurídico esse que é o seu bom nome; - a pessoa coletiva não se confunde com os seus órgãos, nem estes se confundem com os respetivos presidentes; - para se considerar ter existido ofensa não patrimonial ou moral ao ente coletivo seria necessário alegar-se que, mercê da ofensa pessoal ao presidente de um dos seus órgãos, a pessoa coletiva viu abalado o seu património moral, ou seja, a sua credibilidade, prestígio e confiança junto a terceiros. Como vimos, nada foi invocado pelo R. relativamente a qualquer desvalorização do seu bom nome, por força da atuação do sócio que emitiu um juízo desvalioso da honra de uma pessoa singular. Sendo assim, não está verificado o prejuízo moral do R. que lhe permitisse punir com exclusão o sócio que ofendeu uma pessoa individual, ainda que presidente da messa da assembleia geral, no decurso de reunião deste órgão. Refira-se por último, neste tocante, que da perturbação dos trabalhos da assembleia-geral, consequência da altercação causada pelo A. no decurso da assembleia-geral [facto 2 c)] não resulta a ofensa do bom nome da pessoa coletiva, pois não está alegado que esta circunstância tenha merecido destaque fora dos limites do R., sendo certo que os facto 2 i) e k) não o referem, aludindo apenas à possibilidade dessa divulgação, não tendo ainda sido alegado que a credibilidade, a confiança e o prestígio da IPSS tenham saído lesados. Finalmente, é invocado ter o A. sido notificado para exercer contraditório relativamente à possibilidade da sua exclusão, não tendo este correspondido a tal notificação. Esta circunstância, todavia, vislumbra-se de todo irrelevante, pois nada obrigava o sócio a pronunciar-se relativamente à possibilidade de exclusão (mesmo o pedido de desculpas a que se refere o R. para obviar a tal sanção é inconsequente quanto à anulabilidade da deliberação por violação das disposições estatutárias), resultando a impugnação da deliberação do exercício legítimo do direito enquanto sócio excluído. Afasta-se, assim, a violação do princípio da boa-fé invocada pelo R. Finalmente, é questionada a repartição das custas, que recaíram sobre ambas as partes em igualdade de proporção, quando se verifica ter o A. decaído em dois dos três pedidos que formulou. É pertinente o disposto no art. 527.º CPC, segundo o qual a parte vencida é condenada nas custas a que deu causa, na proporção em que o for. O A. perde a ação quando o R. é absolvido do pedido e o R. perde a ação quando é condenado no pedido. No caso, atenta a natureza da ação, nenhum dos pedidos tinha valor pecuniário expresso, mas é bem verdade que foram formuladas três pretensões distintas e que o R. apenas foi condenado numa delas. Sendo assim, a proporção da repartição das custas, em 50% para A. e R. não reflete aquele decaimento. Por tal motivo, entende-se que, quanto a custas, é de revogar a sentença, repartindo-se as custas da ação na proporção de 1/3 para o R. e 2/3 para o A. Dispositivo Pelo exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação julgar o recurso parcialmente procedente e, mantendo a sentença recorrida no demais, revoga-se a mesma quanto a custas, repartindo-as na proporção de 1/3 para o R. e 2/3 para o A. Custas do recurso por A. e R. na proporção do decaimento. Porto, 26.6.2023 Fernanda Almeida Teresa Fonseca Augusto de Carvalho ______________ [1] Costa Andrade, Liberdade de Imprensa, 1996, 81. [2] Faria Costa, Comentários Conimbricenses, Tomo I, pág. 652. [3] Quintero Olivares, Comentário al Nuevo Código Penal, Aranzadi Editorial, pág. 1025. |