Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
119/13.8YRPRT
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ IGREJA MATOS
Descritores: TRIBUNAL ARBITRAL
SENTENÇA ARBITRAL
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ANULAÇÃO PARCIAL DA DECISÃO
Nº do Documento: RP20130604119/13.8YRPRT
Data do Acordão: 06/04/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Nos termos do art.42º, nº3 da Lei n.º 63/2011, de 14/12 (Lei da Arbitragem Voluntária), a sentença arbitral deve ser fundamentada.
II – No âmbito de um processo por acidente de viação, a omissão do tratamento pelo juiz arbitral da questão dos “salvados” concernentes ao veículo automóvel sinistrado, em caso de perda total do mesmo, implica uma omissão de pronúncia conducente a uma anulação da decisão com base nos fundamento de anulação referidos no n.º 3 do art.46º da LAV.
III – Porém, na medida em que esta matéria omitida é dissociável do resto da decisão, a anulação pelo Tribunal da Relação da decisão arbitral deve ser determinada de modo parcial, mantendo-se o demais decidido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 119/13.8YRPRT

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – Relatório

Recorrente(s): Companhia de Seguros B…, S.A.;
Recorrido(s): C….
D….
*****
A sentença recorrida foi proferida em audiência de julgamento arbitral (Processo de Arbitragem A-2012-001710-JT), na sequência da apresentação do formulário de reclamação apresentado, em 12/06/2012, por C… dirigido ao D… (que passaremos a designar abreviadamente por D1…), visando o pagamento por parte da referida companhia de seguros de €26.302,00, correspondente à perda total do veículo, em que peticiona €24.250,00, mais o ressarcimento pela privação do uso do mesmo por 54 dias e respectivo parqueamento.
Para o efeito, em síntese, alegou o reclamante que no dia 03/02/2012, pelas 23H32m, em …, Vila Verde, ocorreu um despiste do seu veículo de matrícula ..-..-OH o qual tinha um seguro que cobria os danos decorrentes desse acidente. A seguradora assumiu a responsabilidade mas apenas aceitou pagar a quantia de €5.410,96 por efeito da redução do contrato de seguro.
Frustrada a composição amigável do litígio, realizou-se a audiência de julgamento arbitral, conforme relatado na acta de fls. 168-170, da qual consta a sentença proferida, podendo ler-se na sua parte dispositiva:
“Em consequência, julgando a Reclamação parcialmente procedente, condeno a Reclamada B..., enquanto seguradora, por danos próprios, do OH, nos termos dos artigos 405º, 406º, 562º, 563º e 566º do C.C., a pagar ao Reclamante a quantia de 24.250,00€ (valor contratualizado deduzida a franquia), e a quantia de 571,32€ referente ao parqueamento do OH, à qual acresce o IVA, à taxa legal desde que devidamente comprovado, correspondente ao valor dos prejuízos sofridos pelo Reclamante, em resultado do acidente em apreço”.
Inconformada, a companhia de seguros B…, S.A. interpôs recurso desta decisão arbitral, apresentando as seguintes conclusões das alegações:
I. A Recorrente "B…, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A." intentou o presente recurso por entender que a sentença proferida pela Meritíssima Juiz a quo é nula, nos termos e para os efeitos do disposto nas alíneas b e d do n.° 1 do artigo 668.° do Código de processo Civil uma vez que a mesma não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e, de igual forma, não se pronuncia sobre questões sobre as quais deveria pronunciar se expressamente;
II. O Reclamante intentou a presente acção peticionando a condenação da Recorrente no pagamento da quantia € 24.250,00, já deduzida a franquia contratual de € 750,00", bem como da "privação do uso, num total de 54 dias, para um valor de € 25,00/dia, atento o tipo de veículo do autor, para um total de € 1.350,00. E pelo parqueamento da sua viatura, pelos mesmos 54 dias, à taxa de € 13,02/dia, no valor de € 702,72", na sequência da ocorrência de um acidente de viação com o veículo ..-..-OH, no dia 3 de Fevereiro de 2012;
III. A divergência entre as partes surge, pois, do valor seguro, à data do sinistro, do veículo ..-..-OH;
IV. Com fundamento na matéria dada como provada, entendeu a Senhora Juíza Árbitra, condenar a Recorrente no pagamento da "quantia de 24.250,00€ (valor contratualizado deduzida a franquia), e a quantia de 571,32€ referente ao parqueamento do OH, à qual acresce o IVA, à taxa legal, desde que devidamente comprovado";
V. A sentença proferida é nula e fica manifestamente aquém do ideal de justiça que se pretende ver respeitado nos tribunais, sejam eles judiciais ou arbitrais, já que, não obstante os factos alegados pela Recorrente e o enquadramento jurídico que a presente questão merecia e exigia, a Senhora Juíza Árbitra fez tábua rasa dos mesmos, proferindo a sentença nos moldes que se conhecem:
VI. A sentença arbitral não se encontra, no nosso entendimento, devidamente ou sequer suficientemente fundamentada, uma vez que não resulta da mesma a concreta prova que contribuiu, de forma adequada, para a formação da convicção do julgador;
VII. De igual, forma nada resulta quanto à matéria não provada e razão dessa ausência de prova, ou seja, a sentença arbitral não respeitou, pois, o disposto no n.° 3 do artigo 659.° do Código de Processo Civil;
VIII. Na Contestação apresentada a fls., a Recorrente defendeu se por excepção, peticionando a redução do contrato de seguro, do ramo automóvel, titulado pela apólice n.° ……., no entanto, a Senhora Juíza Árbitra não se pronunciou expressamente quanto à invocada excepção, limitando se a proferir a decisão ora colocada em crise, nem fundamentou juridicamente aquele decisão;
IX. Na proposta de seguro o Reclamante indicou como valor seguro € 25.000,00 e Analisada a proposta, a Reclamada, na errada convicção que o valor seguro indicado correspondia à verdade, aceitou celebrar o contrato de seguro, ao qual foi atribuído a apólice n.° …….;
X. Na sequência do acidente ocorrido no dia 3 de Fevereiro de 2012, cerca das 23.30h, a Reclamada constatou que, à data da celebração do contrato de seguro, o veículo OH não apresentava o valor de € 25.000,00, uma vez que, tendo por referência a data da matrícula do aludido veículo Outubro de 1999, bem como as especificidades do mesmo, o valor comercial do carro na data da sua aquisição, a Reclamada verificou que, nos termos do previsto no Decreto Lei n.° 214/97, de 16 de Agosto, à data da celebração do contrato de seguro, o veículo OH apresentava um valor comercial de € 5.410,96;
XI. Por brevidade e economia processual, dá se por reproduzido o teor do artigo 132.° (Sobresseguro) da Lei n.° 72/2008, de 16 de Abril;
XII. Desta forma, o "sobresseguro", nos termos do qual o contrato deve, por força do princípio do indemnizatório, na forma em que este se encontra consagrado na legislação sobre seguros, ser considerado ferido de invalidade na parte em que o valor exceda o do objecto seguro (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.04.2012);
XIII. A Senhora Juíza Árbitra não se pronunciou sobre a invocada invalidade e redução do contrato de seguro não obstante o teor dos documentos juntos e o depoimento das testemunhas arroladas pela Reclamante;
XIV. Impunha se, pois, uma concreta ponderação e avaliação da prova produzida e que a mesma fosse vertida na sentença arbitral;
Por outro lado
XV. O Reclamante não colocou "em causa a perda total do seu veículo", pretendendo o pagamento do capital, que a seu ver, estaria seguro à data do sinistro em apreço nos autos;
XVI. Dos documentos juntos e do depoimento da testemunha E… resulta que, face à violência do choque sofrido com o acidente em apreço, o veículo ..-..-OH sofreu graves e extensos danos em toda a lateral esquerda, lateral direita e frente, bem como em grande parte dos seus órgãos mecânicos pelo que a sua reparação, sem desmontagem, foi orçamentada em € 25.278,85;
XVII. Face à extensão dos danos, a reparação do veículo foi considerada anti económica, já que o seu custo excederia o valor comercial do automóvel nessa data;
XVIII. Sendo o valor venal do veículo imediatamente antes do acidente de cerca de €5.123,65;
XIX. Os salvados do automóvel foram avaliados em € 2.205,00, correspondentes ao valor da proposta mais alta para a sua aquisição;
XX. Os documentos juntos não foram impugnados pelo Reclamante, bem como não foi impugnado o valor atribuído aos salvados;
XXI. No entanto, a Senhora Juíza Arbitra na sentença proferida nada refere quanto a esta questão, limitando se a condenar a Recorrente no pagamento do valor de €24.250,00;
XXII. É por demais evidente, face à perda total do veículo OH, o Reclamante não pode receber a indemnização independentemente do valor que venha a ser fixado e manter a propriedade do salvado;
XXIII. De igual forma, do alegado resulta que a Senhora Juíza Árbitra não se pronunciou expressamente quanto às questões que lhe foram colocadas e sobre as quais, naturalmente, deveria ter tomado posição, o que fere, igualmente, de nulidade a sentença arbitral;
XXIV. Deve a presente sentença arbitral ser anulada, com todas as consequências legais.
Foram aduzidas contra-alegações nas quais se requer a confirmação do decidido.

II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos dos artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil (CPC), este na redacção introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24/8, aqui aplicável, não podendo este Tribunal de 2.ª instância conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais que aqui não relevam.
Assim sendo, em apreciação no presente recurso, a questão única de saber se, nos termos e para os efeitos do disposto nas alíneas b) e d) do n.° 1 do artigo 668.° do Código de Processo Civil (CPC), a decisão proferida em sede arbitral é, ou não, nula e tratamento jurídico decorrente dessa eventual nulidade.

III – Sentença Arbitral
Na sentença recorrida, consta o que segue, reproduzindo-se a mesma integralmente:
“1 – Atenta a posição assumida pelas partes nos seus articulados, os documentos juntos aos autos, a prova testemunhal produzida, e tudo o que foi possível apurar em sede de Audiência de Julgamento, ficaram provados os seguintes factos:
A – No dia 3 de Fevereiro de 2012, cerca das 23h32m, na E.M. …, no sentido …-…, em Vila Verde, ocorreu um acidente de viação de que foi interveniente o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-OH, conduzido pelo seu proprietário, com responsabilidade civil automóvel transferida para a Reclamada, mediante contrato de seguro titulado pela apólice …….
B – À data do acidente, a responsabilidade do acidente decorrente do risco de circulação do OH, tanto por danos causados a terceiros, como por danos próprios – designadamente, risco de choque, colisão, capotamento, incêndio, raio, explosão, furto ou roubo – encontrava-se assumida pela reclamada B…, mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº ……., sendo certo que, quanto aos danos próprios, o valor seguro era de 25.000,00€, com franquia de 750.00€.
C – A Reclamada não impugna a dinâmica do acidente aceitando os danos apresentados OH, como sendo resultado do acidente em apreço.
D – O Reclamante peticiona o montante indemnizatório referente ao valor seguro de 25.00000€, à paralisação do veículo no valor de 1.350,00€, correspondentes a 54 dias, com valor diário de 25,00€, e às despesas com o parqueamento do OH no valor de 702,72€, correspondente também a 54 dias, à taxa diária de 13,02€, tudo no total de 23.302,72 (valor da reclamação).
E – A Reclamada, na Contestação, defende-se por excepção, requerendo a resolução do contrato de seguro celebrado com a Reclamante justificando que, a celebração do mesmo, consistiu por parte da Reclamada na errada convicção de que o valor seguro do OH correspondia ao valor contratado constatando, por fim, com o acidente que o OH, à data da celebração do contrato de seguro, apresentava um valor comercial de 5.410,96.
F – A Reclamada considerou o OH na situação de perda total, atribuindo uma indemnização no valor de 5.123,65, correspondente ao valor venal, deduzido o valor do salvado, avaliado em 2.205,00€.
G – A Reclamada propõe ao reclamante, para resolução do processo, atribuir ao QH o valor comercial de quinze mil euros, reduzindo a franquia contratual para quatrocentos e cinquenta euros.
H – Ficou provado pelo depoimento do Reclamante e de todas as testemunhas do Reclamante que o OH é um veículo com características muito especiais, que foi concebido para competição, mas preparado para circular nas estradas, fazendo parte de uma edição comemorativa, por ser um modelo campeão do mundo, muito procurado e considerado pelos especialistas o melhor automóvel da marca Mitsubishi (…).
I - O depoimento da testemunha G…. Feito de forma clara, credível e assertiva, descreve, com pormenor, não só, as características especiais do OH, como sendo um automóvel com um motor 2.000 cc e 300 cavalos, com suspensão e travões ao nível de automóveis marca Ferrari e Lamborghini, equipado com alguns “extras”, como estofos em pele, escape especial, etc., como também o afirma que à data do acidente o OH se encontrava como novo, em muito bom estado de conservação e o seu valor comercial ronda com toda a certeza os vinte e cinco mil euros.
J – O depoimento da testemunha F… foi também relevante pois fê-lo de forma isenta e esclarecedora, afirmando que o OH se encontrava em muito bom estado de conservação, e face às suas características especiais possuía indubitavelmente o valor comercial contratado.
K – No que diz respeito à indemnização pelo uso de privação de uso do veículo, não ficou provado, quer por documentos, quer pelo depoimento de testemunhas, que o Reclamante tenha sofrido este prejuízo, alguns dos depoimentos, e o do próprio Reclamante confirmaram que este conduzia outro veículo da sua propriedade.
2 – Em consequência, julgando a Reclamação parcialmente procedente, condeno a Reclamada B…, enquanto seguradora, por danos próprios, do OH, nos termos dos artigos 405º, 406º, 562º, 563º e 566º do C.C., a pagar ao Reclamante a quantia de 24.250,00€ (valor contratualizado deduzida a franquia), e a quantia de 571,32€ referente ao parqueamento do OH, à qual acresce o IVA, à taxa legal desde que devidamente comprovado, correspondente ao valor dos prejuízos sofridos pelo Reclamante, em resultado do acidente em apreço.
Notifique, com cópia.”

IV - Fundamentação de Direito
A questão em apreço subsume-se, como ficou dito, em apurar da nulidade da sentença arbitral na medida em que, segundo se alega, a mesma não se encontra suficientemente fundamentada e não se pronunciou sobre matéria trazida pelas partes, sobre a qual haveria que tomar posição.
A nulidade derivaria do disposto no art. 668.°, n.° 1, alíneas b) e d) do Código de Processo Civil (CPC) na articulação feita pela apelante. Porém, como veremos melhor adiante, existe norma expressa que trata a anulação da decisão arbitral pelo Tribunal da Relação através de uma lei especifica (“specialia derogant generali”).
Atenta a especificidade deste tipo de decisões, será adequado procedermos a um enquadramento geral, sucinto, sobre o regime legal que lhes é aplicável.
Considerando a data do início dos presentes autos (12/06/2012), aplica-se ao caso concreto a nova Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14/12 (que entrou em vigor em 15/03/2012- cfr. artigos 4.º, n.º 1, 5.º, n.º 1 e 6.º da Lei n.º 63/2011, de 14/14).
Nos termos do art.42º, nº3 da LAV, a sentença arbitral deve ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência ou se trate de sentença proferida com base em acordo das partes, nos termos do artigo 41.º.
O artigo 46º, nº3 da LAV admite que em determinadas circunstâncias a decisão arbitral possa ser anulada pelo tribunal da Relação (art. 59º, nº1).
Essas circunstâncias taxativamente previstas na lei são, reproduzindo o nº3 citado:
“A sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se:
a) A parte que faz o pedido demonstrar que:
i) Uma das partes da convenção de arbitragem estava afectada por uma incapacidade; ou que essa convenção não é válida nos termos da lei a que as partes a sujeitaram ou, na falta de qualquer indicação; ou
ii) Houve no processo violação de alguns dos princípios fundamentais referidos no n.º 1 do artigo 30.º com influência decisiva na resolução do litigio; ou
iii) A sentença se pronunciou sobre um litigio não abrangido pela convenção de arbitragem ou contém decisões que ultrapassam o âmbito desta; ou
iv) A composição do tribunal arbitral ou o processo arbitral não foram conformes com a convenção das partes, a menos que esta convenção contrarie uma disposição da presente lei que as partes não possam derrogar ou, na falta de uma tal convenção, que não foram conformes com a presente lei e, em qualquer dos casos, que essa desconformidade teve influência decisiva na resolução do litígio; ou
v) O tribunal arbitral condenou em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento ou deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar; ou
vi) A sentença foi proferida com violação dos requisitos estabelecidos nos n.ºs 1 e 3 do artigo 42.º; ou
vii) A sentença foi notificada às partes depois de decorrido o prazo máximo para o efeito fixado de acordo com ao artigo 43.º; ou
b) O tribunal verificar que:
i) O objecto do litígio não é susceptível de ser decidido por arbitragem nos termos do direito português;
ii) O conteúdo da sentença ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado português.”
No caso concreto, estão em equação as alíneas v) e vi), esta última relativamente à fundamentação da sentença.
Em termos da convenção de arbitragem, temos que as partes aderiram ao Serviço de Mediação e Arbitragem do D1… e à aplicação das regras de processo constantes dos Regulamentos aprovados por esse D….
Esses regulamentos são os aprovados pela Assembleia Geral de 31/01/2010, nos termos previstos no artigo 12.º, n.º i) dos Estatutos do D1…:
- Regulamento do Serviço de Mediação e Arbitragem de Seguros;
- Regulamento da Arbitragem e das Custas.
O artigo 13.º do Regulamento do Serviço de Mediação e Arbitragem de Seguros, reportando-se à sentença, prescreve na alínea e), que a sentença arbitral será reduzida a escrito e dela constarão “Os fundamentos, de facto e de direito, da decisão.”
O artigo 14.º, por sua vez, a respeito das normas supletivas, estipula o seguinte:
“1. Em tudo o mais é aplicável a Lei n.º 31/86 (Lei da Arbitragem Voluntária), no que respeitar à arbitragem institucionalizada.
2. Em caso de omissão, aplicar-se-ão, subsidiariamente, as regras e princípios do Código de Processo Civil, adaptados à natureza marcadamente abreviada e informal do procedimento arbitral.”
O artigo 18.º do Regulamento da Arbitragem e das Custas prescreve sob a epígrafe “Decisão e Notificação”, do seguinte modo:
“1. Finda a produção de prova e feitas as alegações, quando tiverem lugar, o tribunal decide de imediato e profere a respetiva decisão, excepto se a complexidade do litígio não o permitir, devendo, nesse caso, proferir a decisão no prazo máximo de 10 dias.
2. Da audiência de julgamento será lavrada acta, a assinar pelo Juiz Árbitro, devendo a mesma conter a identificação das parte e dos restantes intervenientes, bem como a caracterização sumária do litígio e respectiva decisão, devidamente fundamentada.
(…)”
O artigo 23.º deste Regulamento insere norma em tudo idêntica ao artigo 14.º acima transcrito.
Resulta do exposto sobre o regime legal aplicável aos processos arbitrais, quer por via da aplicação da LAV, quer por via da aplicação dos mencionados Regulamentos, que a sentença arbitral deve ser “fundamentada” ou “devidamente fundamentada”.
Isto dito, não devemos olvidar que estamos perante um procedimento arbitral abreviado e informal, como preceitua o Regulamento citado. Neste contexto, mostram-se assertivas as contra-alegações produzidas pelo recorrido no que concerne à necessária ponderação das finalidades que estão na base do recurso, pelas partes, a estes meios alternativos de resolução de litígios.
Mas é tempo de apreciarmos da decisão em concreto proferida.
Aventemos, desde já, que a mesma se encontra, a nosso ver, fundamentada. Atente-se que não estava em causa a dinâmica do acidente, como acontece em outros acórdãos citados pela apelante e em que o grau de justificação é, naturalmente, exigente, sobretudo em sede factual, mas tão-somente a fixação da indemnização a prestar pela seguradora, no essencial, por força da perda total do veículo.
“Puntum dolens” seria, assim, a elucidação da questão de saber o valor comercial do veículo OH aquando do acidente.
A determinação desse valor resulta fundamental para aferir dos argumentos aduzidos pela recorrente ao pretender anular a decisão; segundo ela, a sentença olvidou abordar a matéria atinente à redução do contrato de seguro invocando que a Reclamada constatou que, à data da celebração do contrato de seguro, o veículo OH não apresentava o valor de € 25.000,00 mas sim um valor comercial de € 5.410,96. Também como decorrência deste valor mais reduzido estaríamos perante uma situação de "sobresseguro", nos termos do qual o contrato deveria, por força do princípio do indemnizatório, na forma em que este se encontra consagrado na legislação sobre seguros, ser considerado ferido de invalidade na parte em que o valor exceda o do objecto seguro.
Ora, justamente acerca deste circunstancialismo, entendemos que a decisão teve o cuidado de se debruçar fundamentadamente centrando-se, adequadamente, na questão prévia e excludente de todas as outras, de natureza factual, reportada ao valor do OH aquando do acidente.
Deste modo, apurou a instância arbitral que o OH é um veículo com características muito especiais, que foi concebido para competição, mas preparado para circular nas estradas, fazendo parte de uma edição comemorativa, por ser um modelo campeão do mundo, muito procurado e considerado pelos especialistas o melhor automóvel da marca Mitsubishi (…). Teria, portanto, em concreto, o valor comercial de €25.000,00, independentemente do ano de fabrico e de considerandos abstractos que ignoram a especificidade descrita.
Donde, inexistiria, naturalmente, qualquer ponderação a fazer sobre redução ou “sobresseguro”, atento o valor apurado do veículo.
Concluímos, portanto, estar inverificada a situação decorrente da al. vi) do citado art. 46º, nº3.
Resta apurar se o tribunal arbitral “deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar”. E aqui, salvo melhor opinião, tal como alega a recorrente, afigura-se-nos que sim, embora numa vertente secundária e cindível da sentença entendida globalmente.
Na verdade, a análise, fundamentação e decisão que foi feita, em moldes bastantes, da questão central do valor do veículo sinistrado, não poderia ser encerrada sem que se apreciasse a matéria, ainda que lateral ou acessória, da dedução ao valor da indemnização de uma quantia correspondente à propriedade dos “salvados”.
Como bem refere a recorrente “face à perda total do veículo OH, o Reclamante não pode receber a indemnização independentemente do valor que venha a ser fixado e manter a propriedade do salvado.”
Adende-se que, no teor da decisão, é expressamente referido que “a Reclamada considerou o OH na situação de perda total, atribuindo uma indemnização no valor de 5.123,65, correspondente ao valor venal, deduzido o valor do salvado, avaliado em 2.205,00€”, não se extraindo, depois, corolários dessa posição processual manifestada no processo.
Estamos, pois, efectivamente, perante uma “omissão de pronúncia” na habitual qualificação doutrinal.
Certo é, entretanto, que a mesma apenas condiciona a indemnização arbitrada num valor máximo de €2.205,00. Apreciada a questão pelo tribunal arbitral, este poderia optar por deduzir o valor em causa à condenação proferida de uma forma integral, parcial ou, no limite, desconsiderar tal situação, desde que justificasse o motivo.
Neste contexto, a nova LAV prevê expressamente no art.46º, nº7 que “Se a parte da sentença relativamente à qual se verifique existir qualquer dos fundamentos de anulação referidos no n.º 3 do presente artigo puder ser dissociada do resto da mesma, é unicamente anulada a parte da sentença atingida por esse fundamento de anulação.”
Este é, claramente, a nosso ver, o caso dos autos.
Assim, irá anular-se a parte da sentença que omitiu pronunciar-se sobre a questão da eventual dedução do valor dos “salvados” ao montante da indemnização fixada pelo tribunal arbitral, mantendo-se, em tudo o demais, a decisão recorrida.
Esta anulação parcial implica que a condenação seja reduzida no montante de €2.205,00 de modo a que a presente anulação parcial mantenha um efeito útil e efectivo para a recorrente, sem prejuízo da reapreciação que venha a ser efectuada restrita à parte ora anulada.
Destarte, a recorrente terá que pagar a quantia de €22.616,32 correspondente à parte da sentença arbitral que ora se confirma nos presentes autos. O demais, porque decorrente de uma parte anulada da decisão, não deverá onerar a seguradora.
*
Sumariando (art.713º, nº7 do Código do Processo Civil):
I – Nos termos do art.42º, nº3 da Lei n.º 63/2011, de 14/12 (Lei da Arbitragem Voluntária), a sentença arbitral deve ser fundamentada.
II – No âmbito de um processo por acidente de viação, a omissão do tratamento pelo juiz arbitral da questão dos “salvados” concernentes ao veículo automóvel sinistrado, em caso de perda total do mesmo, implica uma omissão de pronúncia conducente a uma anulação da decisão com base nos fundamento de anulação referidos no n.º 3 do art.46º da LAV.
III – Porém, na medida em que esta matéria omitida é dissociável do resto da decisão, a anulação pelo Tribunal da Relação da decisão arbitral deve ser determinada de modo parcial, mantendo-se o demais decidido.

V) Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes nesta Relação em anular parcialmente a decisão arbitral, nos termos do art. 46º, nºs 3 e 7 da Lei de Arbitragem Voluntária, mantendo a condenação relativamente à quantia global de €22.616,32 mas dando sem efeito a condenação restante.
Custas em função do decaimento ora apurado.

Registe e notifique.

Porto, 04 de Junho de 2013
José Manuel Igreja Martins Matos
Rui Manuel Correia Moreira
Henrique Luís de Brito Araújo