Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1270/13.0TYVNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA GRAÇA MIRA
Descritores: PER
REMUNERAÇÃO
ADMINISTRADOR JUDICIAL PROVISÓRIO
Nº do Documento: RP201607071270/13.0TYVNG-A.P1
Data do Acordão: 07/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTO N.º 726, FLS.162-168)
Área Temática: .
Sumário: No PER a remuneração do Administrador Judicial Provisório deve ser norteada por critérios de equidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1270/13.0TYVNG-A.P1

Acordam na Secção Cível (1ª Secção), do Tribunal da Relação do Porto:
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I – B…, Administrador Judicial Provisório no PER instaurado por C…, S.A., tendo sido notificado do despacho judicial que lhe fixou em 2.000€ (dois mil euros) o valor da remuneração, acrescida de 250€ (duzentos e cinquenta euros) para despesas, a suportar pela devedora - acima identificada, veio dele interpor recurso de apelação, tendo apresentado as correspondentes alegações, onde, nas conclusões, defende que:
A. …
B. No douto despacho proferido, a Meritíssima Juiza a quo decidiu considerar “adequado fixar em €2.000,00 o valor da remuneração ao Sr. AJP, acrescida de € 250,00 para despesas, a suportar pela devedora”, não considerando, assim, o pedido anteriormente formulado pelo AJP de que a sua remuneração fosse fixada no montante de 8.000 EUR (oito mil euros), equivalente a 1.000 EUR/mês.
C. Cumpre, assim, demonstrar que o valor de remuneração fixado ao AJP, concretamente de 2.000 EUR (dois mil euros) não é adequado e ajustado a todos os trabalhos desenvolvidos pelo mesmo no âmbito do Processo Especial de Revitalização, objecto do presente recurso. Senão Vejamos:
D. A 13 de Janeiro de 2015, o AJP, aqui Recorrente, fez juntar aos autos requerimento, no qual requer que a Meritíssima Juiza a quo lhe fixe a sua remuneração no montante de 8.000 EUR (oito mil euros),equivalente a 1.000 EUR/mês (considerando que desde a data da nomeação do Recorrente até à data do douto despacho de homologação do Plano de Recuperação da devedora decorreram quase 8 meses).
E. Por despacho proferido a 8 de Julho de 2015, a Meritíssima Juiza a quo reconhece os trabalhos desenvolvidos pelo AJP, ora Recorrente, no Processo Especial de Revitalização em discussão no presente recurso.
F. Com efeito, no aludido despacho a Meritíssima Juiza a quo refere que “Atendendo ao facto de:
-neste PER o A.J.P. ter sido nomeado em 14.11.2013, por despacho publicado no portal citius em 15.11.2013, cfr. fls. 320 e 323;
- em 14.01.2014 juntou a fls. 446 a 456 a lista provisória de credores nos termos do disposto no artigo 17.º-D do CIRE;
- da lista provisória de credores fazem parte 74 credores;
- em 18.02.2014, o AJP pronunciou-se sobre as impugnações apresentadas cfr. fls. 576 a 578;
- em 23.04.2014 juntou documentos comprovativos da remessa do plano aos credores e do resultado da votação, cfr. fls. 720 e ss;
- em 25.06.2014, juntou o quadro do resultado da votação, cfr. fls. 932 e ss.;
- foi homologado o plano de revitalização, objecto de recurso e confirmado pelo TRPorto.”
G. Não obstante ter tido em consideração os trabalhos desenvolvidos pelo AJP no Processo Especial de Revitalização em causa, a Meritíssima Juiza a quo conclui que “Tendo em atenção tudo o exposto, considerando também o número de credores (74), ao período de intervenção do Sr. AJP (7 meses) e o trabalho desenvolvido por este, nos termos do disposto no artº 32º, nº 3, do CIRE, afigura-se-nos adequado fixar em € 2.000,00 o valor da remuneração ao Sr. AJP, acrescida de €250,00 para despesas, a suportar pela devedora”.
H. Salvo o devido respeito, o aqui Recorrente não pode concordar com a remuneração fixada pela Meritíssimo Juiza a quo no aludido despacho, por ser a mesma totalmente desadequada e desajustada a todos os trabalhos realizados pelo AJP no âmbito do processo especial de revitalização em causa.
I. Andou mal a Merítissima Juiza a quo ao fixar uma remuneração ao AJP, a expressa no despacho recorrido, que não atende aos princípios da proporcionalidade, razoabilidade e da equidade que devem presidir à tomada das decisões judiciais, entendendo-se que o montante atribuído no douto despacho em apreço não é o bastante para dignificar o cargo e grau académico do AJP, ora Recorrente.
J. Além do mais, o douto despacho não reflecte totalmente o nível de intervenção, responsabilização e acompanhamento por parte do Recorrente, no Processo Especial de Revitalização em causa. Ora vejamos:
K. Nos termos do disposto no artigo 32.º, n.º 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante designado simplesmente por CIRE), a remuneração do AJP é fixada pelo próprio Juíz, na própria decisão de nomeação ou posteriormente e constitui, juntamente com as despesas em que incorra, um encargo compreendido nas custas do processo.
L. A Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro (diploma que estabelece o Estatuto do Administrador Judicial e doravante designado tão só por EAJ) veio dispor, quanto à remuneração do AJP em Processo Especial de Revitalização, ter o mesmo direito a ser remunerado pelos actos praticados, de acordo com o montante estabelecido em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da economia – cfr. Artigo 23.º, n.º 1.
M. O n.º 2 do texto legal acima mencionado estabelece que o “administrador judicial provisório ou o administrador da insolvência nomeado por iniciativa do juiz aufere ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é o fixado nas tabelas constantes da portaria referida no número anterior”.
N. Ora, o artigo 23.º, n.º 1 do EAJ equipara expressamente o AJP nomeado no processo especial de revitalização ao Administrador de Insolvência (actualmente designado de Administrador Judicial), porquanto, deste modo, quis o legislador aplicar o regime da remuneração do Administrador Judicial ao AJP.
O. Quanto à portaria que refere o artigo 23.º, n.º 1 do EJP, a mesma não foi, até à data, publicada, mantendo-se, pois, em vigor a Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro, para a fixação da remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor, considerando-se como tal o valor determinado com base no valor dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano, conforme tabela específica constante da já referida portaria – cfr. artigo 23.º, n.os 1, 3 e 3 do referido EAJ.
P. Além do mais, o EAJ apenas deixou para a supra mencionada portaria a determinação do montante da remuneração devida ao AJP e não a fixação dos critérios que deverão nortear a remuneração, os quais estão definidos expressamente no citado estatuto.
Q. Com efeito, para a fixação da remuneração do AJP, a que este tem direito pelos actos praticados, não pode deixar o Tribunal a quo de ter em conta determinados factores, como sendo o elevado número de credores, o que se retira da relação de créditos provisória remetida aos autos, o acompanhamento diário da actividade da empresa devedora, análise exaustiva dos débitos existentes, plausibilidade e exequibilidade de um processo negocial conducente a um acordo viável, mantendo-se o AJP em regime de fiscalização e coordenação diária das negociações havidas entre a devedora e os seus credores.
R. Nos autos do Processo Especial de Revitalização, objecto do presente recurso, o AJP, ora Recorrente, foi nomeado por despacho proferido a 14 de Novembro de 2013, o qual foi objecto de publicação no portal CITIUS no dia seguinte.
S. A 14 de Janeiro de 2014, o AJP aqui Recorrente, fez juntar aos autos requerimento com a lista provisória de credores, por ordem alfabética, nos termos do disposto no artigo 17.º-D, n.º 2 do CIRE.
T. Da aludida lista fazem parte 74 (setenta e quatro) credores.
U. Previamente à elaboração da aludida lista, o AJP teve de analisar as 64 (sessenta e quatro) reclamações de crédito apresentadas.
V. Em anexo à lista provisória de credores o AJP fez constar a lista de Mandatários/Representantes, por ordem alfabética de Entidade, de onde consta a entidade, Mandatário/Representante da entidade, respectivo número de contribuinte, informação da existência ou não de procuração, indicação do telefone/fax do Mandatário/Representante, endereço do mesmo, bem como endereço electrónico.
W. A 18 de Fevereiro de 2014, o AJP, aqui Recorrente, fez juntar aos autos requerimento, no qual se pronunciou sobre as impugnações ora apresentadas.
X. Concretizando, no requerimento acima mencionado o AJP pronuncia-se sobre 14 (catorze) impugnações oportunamente apresentadas.
Y. Ora, claro está que previamente à aludida pronúncia, o AJP teve de analisar todas as impugnações apresentadas.
Z. Durante todo o lapso de tempo desde que foi nomeado AJP, o ora Recorrente acompanhou a elaboração do Plano de Revitalização pela empresa devedora.
AA. Durante todo o referido lapso de tempo, o AJP, ora Recorrente, enviou e recebeu diversas comunicações electrónicas, concretamente 180 (cento e oitenta).
BB. Durante todo o referido lapso de tempo, o AJP emitiu diversos documentos, concretamente 16 (dezasseis).
CC. Para além que realizou e participou em inúmeras conferências telefónicas com os credores e Ilustres Mandatários dos credores e com a devedora.
DD. A 23 de Abril de 2014, o AJP, aqui Recorrente, fez juntar aos autos requerimento, no qual junta a Acta a que se refere o artigo 17.º-F, n.º 4 do CIRE, de que faz parte o Plano de Revitalização da devedora, comprovativos do sentido de voto dos credores e Lista Definitiva Credores com Votações.
EE. A 25 de Junho de 2014, o AJP, aqui Recorrente, fez juntar aos autos requerimento, no qual junta aos autos Lista Definitiva de Credores – Rectificação, elaborada nos termos do artigo 17.º-D, n.º 4 do CIRE, e Votações, que anula e substitui a anteriormente apresentada.
FF. A 30 de Junho de 2014 foi proferida sentença de homologação do Plano de Revitalização da devedora no âmbito dos autos do processo especial de revitalização, objecto do presente recurso.
GG. Não podia a Meritíssima Juiza a quo olvidar, como o fez, o trabalho rigoroso e exaustivo que o AJP, ora Recorrente, desenvolveu para a realização de todos os trabalhos referidos nos pontos anteedentes das presente alegações.
HH. Atente-se que no requerimento que fez juntar aos autos, datado de 13 de Janeiro de 2015, o AJP requer a sua remuneração no montante de 8.000 EUR;
II. No entanto, no despacho proferido pela Meritíssima Juiza a quo a 8 de Julho de 2015, com a referência 354578664, a Meritíssima Juiza a quo considera adequado fixar em 2.000 EUR (dois mil euros) o valor da remuneração ao AJP.
JJ. Significa isto que, em boa verdade, a Meritíssima Juiza a quo desconsiderou, em absoluto, o valor pedido pelo AJP a título da sua remuneração, o qual foi calculado pelo mesmo com base em critérios objectivos.
KK. Atente-se que na óptica da Meritíssima Juiza a quo, o AJP, ora Recorrente, tem direito à quantia de 285 EUR/mês;
LL. Portanto, quantia em muito inferior à que receberia um Adminsitrador Judicial em funções em processo de insolvência, porquanto além da remuneração fixa, este teria também direito à remuneração variável.
MM. A douta decisão da Meritíssima Juiza a quo, em boa verdade, viola o direito constitucionalmente consagrado de “para trabalho igual, salário igual”, plasmado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa, inconstituicionalidade que desde já se argui.
NN. Face a tal, salvo o devido respeito por melhor opinião, poderia criar-se o efeito inverso, e até perverso, de no consciente dos Administradores Judiciais Provisórios criar-se a convicção que será melhor deixar as empresas chegar a situação de insolvência, pois todo o trabalho levado a cabo pelos mesmos não é devida e justamente recompensado.
OO. Mais, atente-se que caso o AJP tivesse seguido a orientação plasmada na jurisprudência recente dos Tribunais Portugueses, apontando-se, a título de exemplo o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11.24.2014, proferido no âmbito do Processo 1539/13.3TBFAF.G1, e bem assim os critérios legalmente fixados para o cálculo da remuneração variável, certo é que o AJP teria direito a uma remuneração que excederia até o limite previsto no artigo 23.º, n.º 6 do EAJ. Ora vejamos:
PP. Nos autos do Processo Especial de Revitalização, objecto do presente recurso, foram reclamados créditos no valor de 39.684.718,22 EUR (trinta e nove milhões, seiscentos e oitenta e quatro mil, setecentos e dezoito euros e vinte e dois cêntimos).
QQ. Sendo que o Plano de Revitalização contemplou a recuperação de créditos fixados no valor de 38.836.339,27 EUR (trinta e oito milhões, oitocentos e trinta e seis mil, trezentos e trinta e nove euros e vinte e sete cêntimos), o que confere ao aqui Recorrente, após a aplicação das taxas previstas no ANEXO I da portaria 51/2005, uma remuneração variável de 123.302,14 EUR (cento e vinte e três mil, trezentos e dois euros e catorze cêntimos).
RR. Considerando assim que o montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no Plano, o qual é considerado o resultado da recuperação, é de 38.836.339,27 EUR (trinta e oito milhões, oitocentos e trinta e seis mil, trezentos e trinta e nove euros e vinte e sete cêntimos), nos termos do ANEXO I da indicada portaria, haverá que dividir este valor em duas partes, coincidindo uma delas com o limite do maior dos escalões que nele couber [7.500.000,00 EUR (sete milhões e quinhentos mil euros)] e a outra com o remanescente [31.336.339,27 EUR (trinta e oito milhões, oitocentos e trinta e seis mil, trezentos e trinta e nove euros e vinte e sete cêntimos)].
SS. Deste modo, sobre uma dessas partes, equivalente a 7.500.000,00 EUR (sete milhões e quinhentos mil euros), aplica-se a respectiva taxa marginal de 0,6097 %, o que totaliza uma remuneração variável de 45.727,50 EUR (quarenta e cinco mil, setecentos e vinte e sete euros e cinquenta cêntimos), sendo que à segunda parte, no valor remanescente de 31.336.339,27 EUR (trinta e oito milhões, oitocentos e trinta e seis mil, trezentos e trinta e nove euros e vinte e sete cêntimos) aplica-se a taxa base do escalão imediatamente seguinte, no caso de 0,1000 %, o que perfaz a quantia de 31.336,34 EUR (trinta e um mil, trezentos e trinta e seis euros etrinta e quatro cêntimos), totalizando tais valores a remuneração variável global de 77.063,84 EUR (setenta e sete mil, e sessenta e três eurs e oitenta e quatro cêntimos).
TT. Ademais, não podia a Meritíssima Juiza a quo olvidar, como o fez, que determina o artigo 23.º, n.º 5 EAJ que o valor assim alcançado é majorado em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos factores constantes no ANEXO II da portaria atrás citada.
UU. Deste modo, considerando que a totalidade dos créditos admitidos ascendeu ao valor de 38.836.339,27 EUR (trinta e oito milhões, oitocentos e trinta e seis mil, trezentos e trinta e nove euros e vinte e sete cêntimos), estes seriam satisfeitos a 100%, o que representa uma satisfação integral dos créditos reconhecidos, razão pela qual haverá que majorar aquela remuneração variável com um factor de 1,6 o que totaliza a remuneração variável global de 123.304,14 EUR (trinta e um mil, trezentos e trinta e seis euros etrinta e quatro cêntimos), valor que excede o limite previsto no artigo 23.º, n.º 6 do EAJ.
VV. Nestas circunstâncias, o AJP teria direito, pelo menos, a uma remuneração que, no mínimo, seria de 50.000 EUR (cinquenta mil euros).
WW. Tudo o acima exposto é manifestamente demonstrativo da total desadequação, desajuste e desproporcionalidade da remuneração fixada pela Meritíssima Juiza a quo ao AJP, ora Recorrente, por todos os trabalhos desenvolvidos pelo mesmo nos autos do processo especial de revitalização, objecto do presente recurso.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO, E, EM CONSEQUÊNCIA SER REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA, A FIM DE SER SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE FIXE AO AJP, AQUI RECORRENTE, UM VALOR A TÍTULO DE REMUNERAÇÃO NUNCA INFERIOR A 8.000 EUR (OITO MIL EUROS).
COMO É DA MAIS ELEMENTAR E ABSOLUTA JUSTIÇA!

O Ministério Público respondeu, pugnando pela confirmação do despacho recorrido.
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II – Corridos os vistos, cumpre decidir.

Como é sabido, o âmbito do recurso afere-se pelas conclusões das alegações do/a recorrente (cfr. arts. 608º, n.º 2, 635º, n.º 4 e 639º, todos do C.P.C.). Logo, só as questões colocadas em tais conclusões há que conhecer, ressalvando, é claro, as de conhecimento oficioso.
Assim, tudo se resume ao conhecimento das seguintes questões:
- verificar se há fundamento para alterar o valor da remuneração fixado na decisão atacada;
- verificar se foi violado o disposto no artigo 59.º, n.º 1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa.
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Os factos considerados assentes na decisão atacada, aqui mantidos como tal, são os seguintes:
- neste PER o A.J.P. foi nomeado em 14.11.2013, por despacho publicado no portal citius em 15.11.2013, cfr. fls. 320 e 323;
- em 14.01.2014 juntou a fls. 446 a 456 a lista provisória de credores nos termos do disposto no artigo 17.º-D do CIRE;
- da lista provisória de credores fazem parte 74 credores;
- em 18.02.2014, o AJP pronunciou-se sobre as impugnações apresentadas cfr. fls. 576 a 578;
- em 23.04.2014 juntou documentos comprovativos da remessa do plano aos credores e do resultado da votação, cfr. fls. 720 e ss;
- em 25.06.2014, juntou o quadro do resultado da votação, cfr. fls. 932 e ss.;
- foi homologado o plano de revitalização, objecto de recurso e confirmado pelo TRPorto.
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Apreciando.
Como vemos, o Recorrente discorda do valor fixado a título de remuneração no despacho recorrido, por duas ordens de razão: - por entender que, não tendo ainda sido publicada a portaria referida no artigo 23.º (n.º 1) da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro - que estabelece o estatuto do administrador judicial -, é de aplicar ao seu caso a Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro, sendo que, por via desta, a fixação da remuneração varia em função do resultado da recuperação do devedor, considerando-se como tal o valor determinado com base no valor dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano, conforme tabela específica constante da referida Portaria; - a não ser assim, estar-se-á a violar o princípio consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual – “para trabalho igual salário igual”.
Pois bem, quanto à defendida aplicação, no caso em apreço, da Portaria em causa, estamos com o entendimento nesta parte exarado no recente (16-05-2016) Acórdão deste Tribunal da Relação, proferido no Processo 631/15.4T8AVR-A.P1, in www.dgsi.pt, segundo o qual, para afastar tal aplicação a situações como a presente, para além do mais, refere o seguinte: “ A doutrina e a jurisprudência não têm sido uniformes (Criticando a omissão da portaria e a pouca compatibilização do regime daí decorrente com a natureza do PER, refere Filipa Gonçalves (“O processos especial de revitalização” in Estudos de Direito da Insolvência, Coordenadora: Maria do Rosário Epifânio, Almedina, 2015, págs. 51/98, a pág. 64, nota 55) que são estabelecidos “valores demasiado altos que o PER não consegue suportar, acabando, deste modo, por se deixar nas mãos dos juízes uma matéria que deveria ser vinculativa e não arbitrária.” Sobre a remuneração do Administrador Judicial Provisório pronuncia-se também Maria do Rosário Epifânio, mas sem tomar posição sobre o modo de a fixar, enquanto não for publicada a portaria (O Processo Especial de Revitalização, Almedina, 2015, pág. 28).) no que respeita ao cálculo da remuneração do Administrador Judicial Provisório (Sobre o papel e funções do Administrador Judicial Provisório, Jorge Calvete, “O papel do Administrador Judicial Provisório no Processo Especial de Revitalização”, in I Colóquio de Direito da Insolvência de Santo Tirso, Coordenação: Catarina Serra, Almedina, 2014, págs. 59/67.) e, essencialmente, mostram-se divididas num dos seguintes entendimentos (Fátima Reis Silva (Processo Especial de Revitalização – Notas Práticas e Jurisprudência Recente, Porto Editora, 2014, págs. 31/32) entende que “enquanto não for publicada a portaria prevista no art. 23.º, n.º 1, da Lei n.º 22/2013, de 26/02, duas opções surgem, ambas ao critério do juiz – ou aplica, com as devidas adaptações, a regra prevista para o administrador provisório em processo de insolvência fixando uma remuneração mensal ou global, mas que tenha em conta o critério do montante dos créditos a satisfazer aos credores, ou aplica o art. 23.º tal como se encontra, ou seja, fixando uma remuneração fixa e uma remuneração variável, atendendo ao mesmo critério, mas consciente da não objectivação da mesma em tabela ou forma de cálculo (que a lei pressupõe).”): a) - A remuneração variável a que o Administrador tem direito deve-se calcular com recurso às tabelas constantes da Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro, ainda em vigor (Acórdão da Relação de Guimarães de 24.11.2014, relatado pelo Desembargador António Santos, in dgsi e sumariado em Catarina Serra, O Processo Especial de Revitalização – Coletânea de Jurisprudência, Almedina, 2016, págs. 22/23.); b) – Uma vez que a Portaria n.º 51/2005 não é aplicável ao processo especial de revitalização, a remuneração variável deve ser calculada nos termos previstos no artigo 23 da Lei n.º 22/2013, sem recurso a tabelas, uma vez que as previstas não foram ainda publicadas, e o montante devido calcular-se-á segundo um juízo de equidade (Acórdão da Relação de Coimbra de 16.02.2016, relatado pela Desembargadora Maria João Areias (dgsi), que aqui seguimos de perto e que se mostra assim sumariado: “1 - O administrador judicial provisório nomeado e que venha a exercer as suas funções em processo de revitalização terá direito a uma remuneração fixa, a que alude o nº1 do artigo 23º, à qual, no caso de vir a ser aprovado um plano de recuperação, deverá acrescer uma remuneração variável, em função do resultado da liquidação da massa insolvente. 2 - Sendo a remuneração variável, prevista no art. 23º quanto ao AJP, fixável em função do resultado da recuperação, os critérios previstos na Portaria nº 51/2005, de 20 de Janeiro, pensados para o processo de insolvência e consistindo num coeficiente a incidir sobre o valor da liquidação da massa insolvente”, mostram-se inadequados para servir de base ao cálculo da remuneração da atividade do AJP. 3 - Enquanto não for publicada a portaria em falta, tal remuneração variável deverá ser fixada em função do resultado da recuperação, com recurso à equidade, e tendo em consideração as funções desempenhadas pelo AJP, atendendo, para tal, ao número e natureza dos créditos reclamados, montante dos créditos a satisfazer, prazo durante o qual exerceu as funções.”].
Parecendo-nos evidente que o Administrador Judicial Provisório não pode deixar de ser remunerado…
No entanto, e como decorre do que já se disse, não tendo havido publicação da portaria que deveria prever as tabelas de cálculo para a fixação da remuneração, a questão relevante é a de saber como proceder ao respectivo cálculo.
Pode a remuneração em causa … ser calculada com base nos critérios previstos na Portaria nº 51/2005, de 20 Janeiro, que ainda vigora?
A resposta, salvo o respeito devido por melhor saber deve ser negativa. Aquela Portaria n.º 51/2005, que aprovou o montante fixo da remuneração do administrador da insolvência nomeado pelo juiz e as tabelas relativas ao montante variável da mesma remuneração foi apenas pensada para o processo de insolvência, tanto mais que, na previsão da remuneração variável atende à “liquidação da massa insolvente”.
O Processo Especial de Revitalização não comporta a apreensão e liquidação de bens, pretende mesmo evitar esta liquidação e as funções Administrador Provisório consistem, na sua essência, no recebimento das reclamações de créditos, na elaboração da lista provisória de credores, na condução, orientação e participação nas negociações entre os credores e devedor, na recolha dos votos relativos à aprovação do plano de recuperação e à remessa ao tribunal da documentação comprovativa desta aprovação.
Parece-nos claro, por isso, que as tabelas previstas na Portaria n.º 51/2005, traduzidas num coeficiente que incide sobre o valor da liquidação da massa insolvente, se revelam completamente inadequadas para fundamentar o cálculo da remuneração que deve corresponder à actividade do Administrador Judicial Provisório, pois é sintomática a diferente natureza dos processos (recuperação/liquidação) e as concretas funções exercidas num e no outro.”
É, efectivamente, assim.
E, com este entendimento, não só afastamos a aplicação da identificada Portaria ao caso em análise, como afastamos a apontada violação do preceito constitucional citado pelo Recorrente, dada a clara destrinça entre as funções do AJP e as do AI, acabadas de referir.
Posto isto, e atendendo ao estabelecido no artº 32º, nº3, do CIRE e a critérios de equidade, ambos mencionados pelo Tribunal a quo para fundamentar a decisão recorrida, sempre diremos que nos parece justificada a discordância do Recorrente quanto ao valor da remuneração fixado.
Com efeito, tendo o Apelante exercido as funções para as quais foi nomeado durante sete meses, com êxito (o plano de revitalização foi homologado) - o que demonstra empenhamento da sua parte -, com um número bastante considerável de credores – 74 -, só por si revelador do muito trabalho que terá desenvolvido, e todo o mais considerado factualmente assente pelo Tribunal a quo, para fundamentar a decisão aqui atacada - por nós acolhido, como vimos –, leva-nos a considerar como mais adequada a remuneração de €4.000,00, i.e., o dobro da fixada pela 1ª instância e metade da pedida pelo Recorrente, nesta medida se impondo, pois, alterar a decisão recorrida.
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III - Nestes termos, acordam em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, alteram a decisão recorrida fixando o valor da remuneração do Sr. AJP em €4.000,00 (quatro mil euros). No mais, confirma-se o decidido pela 1ª instância.
Custas na respectiva proporção.
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Porto, 7 de Julho, de 2016
Maria Graça Mira
Anabela Dias da Silva
Ana Lucinda Cabral