Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
237/11.7PEGDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: FURTO QUALIFICADO
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
SERVIÇO CÍVICO
Nº do Documento: RP20130925237/11.7PEGDM.P1
Data do Acordão: 09/25/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No momento da decisão em que o julgador escolhe a pena, isto é, pondera se a pena de prisão aplicada (no caso 3 anos de prisão) deve ou não ser substituída por outra pena prevista na lei (no caso colocou-se a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão nos termos do art. 50º do CP, sujeita ou não a deveres, regras de conduta e/ou acompanhada de regime de prova, tal como previsto respectivamente nos arts. 51º, 52º e 53º do CP), apenas pode atender a critérios de prevenção.
II - Na operação de escolha da pena, a aplicação da pena de substituição impõe-se quando se verificam os seus pressupostos materiais, o que exige que se ponderem as razões de prevenção especial (carência de socialização do arguido) e que simultaneamente fique salvaguardado o “limiar mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica”. Ou seja, quando se está na fase da escolha da pena (momento posterior ao da determinação da medida concreta da pena), o tribunal pondera as exigências de prevenção especial que se fazem sentir no caso concreto e, caso estas sejam satisfeitas através da aplicação de uma pena de substituição, não pode deixar de aplicar a pena de substituição se esta igualmente realizar as exigências mínimas (que são irrenunciáveis) de prevenção geral positiva.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: (proc. n º 237/11.7PEGDM.P1)
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Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
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I- RELATÓRIO
No 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Gondomar, nos autos de processo comum (Tribunal Singular) nº 237/11.7PEGDM, foi proferida sentença, em 17.1.2013 (fls. 154 a 167 do 1º volume), constando do dispositivo o seguinte:
Por todo o exposto, julga-se a acusação parcialmente procedente e decide-se:
1.º Condenar o arguido B… pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, al. e), por referência ao art.º 202.º, al. d), todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
2.º Suspender a execução da pena de prisão por igual período de três anos, subordinando-a ao cumprimento de um Regime de Prova e a deveres e a regras de conduta, nos termos dos art.ºs 50.º, 51.º, 52.º, n.º 1, al. c) e n.º 3, 53.º e 54.º todos do Código Penal, designadamente:
- Sujeitar o arguido a regime de prova;
- Executar 200 horas de serviço cívico, mediante o acompanhamento e a supervisão da DGRS;
- Sujeitar-se a acompanhamento médico e a eventual tratamento a hábitos aditivos, quer de substâncias estupefacientes, quer quanto à ingestão de bebidas alcoólicas;
3.º Condenar o arguido B… nas custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.
(…)
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Não se conformando com a sentença, o Ministério Público recorreu (fls. 174 a 182), apresentando as seguintes conclusões:
1. Na decisão recorrida não se tiveram em conta as razões de prevenção geral, e especial, a ilicitude do facto, quer a culpa do arguido, bem como as circunstâncias agravantes, violando-se desta forma, os normativos ínsitos nos artigos 40.º e 71.º, do Código Penal.
2. O arguido cometeu o crime de furto qualificado, revelando a sua indiferença pelo património alheio e a ineficácia das anteriores condenações, em pena de multa e prisão suspensa, tudo apontando para um mais amplo desencontro da sua personalidade com os valores legais e sociais.
3. Nesta linha, no nosso entendimento a prática destes factos, mostra a inoperância da mera suspensão da pena de prisão, justificando agora a opção pela pena de prisão efectiva, como um sinal mais forte de que sucessivos comportamentos como os que tem vindo a adoptar não podem ser tolerados.
4. Não obstante, os factos terem ocorrido em 2000 e 2007, e os dos autos em 2011, verificamos que nem o decurso de tempo parece desmotivar o arguido a praticar o mesmo ilícito criminal e outros de natureza estradal em 2008 e 2010.
5. Acresce ainda o facto do arguido não assumir a autoria dos factos, não demonstrando qualquer arrependimento, revelando não ter interiorizado o desvalor da sua conduta no que respeita ao valor dos bens jurídicos violados, contrariamente ao que se refere no relatório social.
6. Com efeito, o arguido não revelou juízo auto-critico quanto ao crime e às consequências para a vítima, revelador da ausência de interiorização das finalidades da punição.
7. Assim, apesar da evolução positiva no meio prisional e a existência de condições objectivas favoráveis no meio livre, nomeadamente o suporte familiar, não são, no caso, de molde a concluir pela pena de prisão suspensa na sua execução, dadas as fortes exigências de prevenção geral e especial.
8. Assim, sopesadas as razões de prevenção geral e especial e, ainda, a culpa do arguido na escolha da pena, conforme determina nesta matéria os normativos contidos nos artºs. 40.º e 71.º do Cód. Penal, e tendo-se em conta as circunstâncias favoráveis e desfavoráveis, anteriores, contemporâneas ou posteriores à prática do crime, entendemos que a pena de 3 anos de prisão aplicada ao arguido B…, pela prática do crime de furto qualificado, não deveria ser suspensa na sua execução, condenando-se o mesmo na pena de 3 anos de prisão efectiva, que só deste forma satisfaz de forma adequada e justa as finalidades da punição, designadamente a protecção dos bens jurídicos em causa e a reintegração do arguido, tendo ainda em atenção a culpa do arguido, as circunstâncias agravantes e as acrescidas exigências de prevenção geral e especial.
Termina pedindo o provimento do recurso.
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Na 1ª instância, o arguido respondeu ao recurso (fls. 197 a 206 do 1º vol.), concluindo pelo seu não provimento.
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A Srª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer (fls. 223 e 224 do 2º vol.) concluindo pela procedência do recurso, atentas as razões nele invocadas.
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Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do CPP.
O arguido respondeu ao parecer nos termos que constam de fls. 228, mantendo tudo o que alegou na resposta ao recurso.
Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
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Na sentença sob recurso foram dados como provados os seguintes factos:
1.º No dia 11/2/2011, entre as 00h:30 e as 10h:00, o arguido B… dirigiu-se, ao café “C…”, sito na Rua …, nº …, R/Ch, em …, a fim de se apoderar dos bens que aí encontrasse.
2.º Uma vez aí o arguido, de forma não concretamente apurada, entroncou a fechadura da porta de entrada do estabelecimento comercial e introduziu-se no interior deste de onde retirou os seguintes bens, apoderando-se dos mesmos:
- 1 televisor plasma, no valor de pelo menos € 980,00;
- uma torradeira, no valor de € 21,00;
- duas garrafas de martini, no valor de € 14,00;
- duas garrafas de whisky novo, de marca higlander, no valor de € 13,00;
- várias latas de Pepsi de 33 cl, no valor de 10,00;
- uma máquina de brindes;
-vários pacotes de batatas fritas, no valor de pelo menos € 5.00;
- Vários maços de tabaco e o dinheiro que se encontrava no interior da máquina de tabaco, no valor aproximado de € 100,00.
3.º Tais bens pertenciam à ofendida D….
4.º Para retirar o dinheiro da máquina de tabaco o arguido arrancou do interior da mesma os acessórios onde se encontrava o dinheiro, local onde foram encontrados os vestígios lofoscópicos pertencentes ao arguido.
5.º O arguido agiu com o propósito de fazer seus os bens que encontraram no interior do café, bem sabendo que o local onde entrou era um espaço fechado, cujo acesso nas condições descritas lhe era vedado. Sabia ainda que os bens não lhe pertenciam e que a sua conduta era contrária à vontade do seu proprietário.
6.º O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
Mais se provou que:
7.º O Arguido era um assíduo frequentador do supra referido estabelecimento comercial.
8.º O arguido é solteiro e encontra-se a cumprir pena no Estabelecimento Prisional do Porto, onde exerce uma actividade profissional remunerada, aufere € 66, não tendo quaisquer outros rendimentos.
9.º O arguido tem um filho com 5 anos de idade e quando for libertado pretende ir morar com a mãe.
10.º O arguido tem o 5.º ano de escolaridade.
11.º Do relatório social do arguido consta, designadamente, que:
“O processo de crescimento de B… decorreu no seu agregado de origem composto pelos pais, ampliado com o nascimento da irmã quando ele tinha sete anos de idade, sendo a dinâmica funcional e equilibrada aos vários níveis e sustentados pelas actividades laborais do pai, como pintor da construção civil e da mãe, como cozinheira.
Efectuou a formação escolar até concluir o 2° ciclo da escolaridade e precocemente começou a realizar trabalhos remunerados na área da construção civil, vindo a especializar-se como pintor.
Aos dezasseis anos regista uma prática criminal por furto e uso de veículo, condenado em pena de multa, que pagou, comportamento inserido na dinâmica do grupo de pares, onde iniciou o de consumo de haxixe e de bebidas etílicas.
B… foi mantendo uma atitude laboral activa, privilegiando o convívio com pares nos períodos de fim-de-semana, em locais de diversão nocturna, contexto em que conheceu e depois começou o namoro com uma cidadã de nacionalidade brasileira, bailarina, com quem passou a fazer vida em comum em espaço residencial autónomo.
Aos vinte e dois anos e também no contexto da convivência de grupo, co-arguidos, por prática de crimes de roubo a 29.DEZ.2005, foi sujeito a prisão preventiva a 16.FEV.2006, medida desagravada a 16.MAI.2006, para OPH com vigilância electrónica, concretizada em casa dos pais dele, grupo familiar que a companheira também integrou.
Decorridos meses, na sequência da dificuldade relacional intra-familiar, nomeadamente entre os pais dele e a companheira, esta e o arguido mudaram para espaço autónomo, arrendado, e o arguido foi autorizado a trabalhar, contudo o casal protagonizou vários episódios de conflito e de perturbação na execução da medida de coacção.
O arguido e a companheira foram mudando com frequência o local de residência, e ocorreram alguns períodos de separação por dificuldades no relacionamento como casal.
À data da ocorrência que originou o presente processo o arguido residia novamente com a companheira, correspondendo a morada que consta nos autos à residência da mãe dele.
O arguido era frequentador habitual do estabelecimento comercial onde se registou o facto que originou o presente processo e conhecia a vítima.
Realizava trabalhos remunerados como pintor da construção civil.
Mantinha o comportamento aditivo com bebidas etílicas e haxixe.
Ocorrida a presente reclusão, a companheira regressou ao país de origem, e como elementos declaradamente apoiantes e integradores configuram-se a mãe, a irmã do arguido, com visitas periódicas e a disponibilidade para o ajudar no processo de reinserção.
A mãe do arguido trabalha como cozinheira e a irmã como empregada de balcão, habitam em casa arrendada de tipologia 2, situada em zona periurbana com fácil acesso a transportes e infraestruturas sociais, zona calma e sem referência a problemáticas sociais.
No cumprimento da pena o arguido tem apresentado uma postura global de respeito face ao normativo institucional e adaptada no relacionamento com os funcionários e os pares.
Conforme solicitou foi colocado a 15.NOV.2011 no exercício de actividade com carácter laboral no serviço da cozinha.
O arguido valora a situação de reclusão por lhe permitir a reflexão crítica dirigida aos comportamentos criminais que protagonizou e ao estilo de vida desleixado face às condenações e obrigações, com desrespeito por vítimas e lesados.
Revela também consciência do significado criminal decorrente do consumo excessivo de bebidas alcoólicas e releva a circunstância de no cumprimento da pena ter tido a oportunidade de conseguir a desvinculação deste comportamento, enquanto manifesta a intenção de diligenciar a habilitação a conduzir veículos.
Contudo, ainda consome ocasionalmente haxixe, comportamento que não percepciona como sendo problemático nem criminógeno.
O arguido perspectiva reingressar no ambiente familiar composto pela irmã e pela mãe, motivado para a possibilidade de poder trabalhar no restaurante onde ela exerce, que já sensibilizou a entidade patronal para a situação.
B… apresenta no seu percurso de vida comportamentos e contextos que potenciaram práticas criminais, e revelou desinteresse pelo significado das condenações e dos direitos de vítimas /lesados e das consequências para estes.
Relativamente à família cedo privilegiou a sociabilidade no grupo de pares e com a companheira laboralmente relacionada com ambientes de diversão nocturna, contextos que favoreceram a manutenção de situações de risco.
O cumprimento de pena efectiva de prisão promoveu a alteração do estilo de vida e afigura-se que também proporcionou a interiorização de alguns factores de risco e do desvalor de comportamentos que protagonizou.
Revela hábitos de trabalho e motivação para não reincidir e para concretizar um processo de reinserção pessoal e socialmente adaptado.”
12.º Do certificado de registo criminal do arguido, constam as seguintes condenações:
- Por sentença datada de 19/02/2002, transitada em julgado em 22/04/2002, proferida no âmbito do processo 1036/01.0TBMTS, do 1.º Juízo Criminal de Matosinhos, foi o arguido condenado pela prática de um crime de furto de uso de um veículo, cometido em 08/08/2000, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 2,00, pena que foi declarada extinta por despacho de 26/11/2004;
- Por acórdão datado de 24/01/2007, transitado em julgado em 08/02/2007, proferida no âmbito do processo 887/05.0PAOVR, do Juízo de Instância Criminal de Ovar – Juiz 2 – da Comarca do Baixo Vouga, foi o arguido condenado pela prática de um crime de roubo, cometido em 29/12/2005, na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução por 4 anos, com obrigação de pagar solidariamente com os restantes arguidos a quantia de 100 a cada um dos ofendidos, no prazo de 9 meses e submeter-se a acompanhamento do IRS;
- Por sentença datada de 26/05/2008, transitada em julgado em 27/06/2011, proferida no âmbito do processo 915/08.8PTPRT, do 1.º Juízo de Pequena Instância Criminal do Porto, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e de um crime de condução sem habilitação legal, cometidos em 23/05/2008, na pena de 130 dias de multa, à taxa diária de € 7,00, num total de € 910,00, e na pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 4 meses;
- Por sentença datada de 02/07/2008, transitada em julgado em 29/07/2008, proferida no âmbito do processo 1008/08.3PTPRT, do 1.º Juízo Criminal de Gondomar, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, cometido em 13/06/2008, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, num total de € 450,00, tendo o arguido cumprido 60 dias de prisão subsidiária, pena que foi declarada extinta por despacho de 28/04/2012;
- Por sentença datada de 09/04/2010, transitada em julgado em 28/05/2012, proferida no âmbito do processo 322/10.2PTPRT, do 1.º Juízo de Pequena Instância Criminal do Porto, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, cometidos em 13/03/2010, na pena de seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 4 meses.

Foram dados como não provados os seguintes factos:
A) Que nesse dia (da parte da manhã) o Arguido, bem como as pessoas que o acompanhavam, estiveram presentes no estabelecimento comercial.
B) Que o arguido tenha tido contacto com alguns objectos que se encontravam no referido estabelecimento comercial.

Na fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto, mencionou-se:
O Tribunal fundou a sua convicção no conjunto da prova produzida e analisada na audiência de discussão e julgamento, valorada à luz das regras da experiência comum e da normalidade social, designadamente:
O arguido quis prestar declarações, no âmbito das quais negou a prática dos factos. Disse que era frequentador diário do café da ofendida; que esteve no estabelecimento no dia dos factos de manhã, a hora que não soube precisar, na companhia da namorada e de outros familiares desta; que a ofendida comentou com a sua namorada o que se passou e que o arguido e a namorada encontravam-se ao balcão. Diz que viu as caixas em cima da mesa, mas não se recorda se lhes tocou ou não. Mais afirmou que durante essa noite esteve sempre na companhia da namorada.
Veio depor a ofendida D…, que disse que: que explorou o café “Santiago” até Abril de 2011; que na manhã dos factos chegou ao café e a porta estava aberta, com a fechadura da porta rebentada; que chegou ao café antes das 10 h e que de imediato chamou a Polícia; descreveu os objectos que foram subtraídos do café, incluindo o seu valor – o plasma no valor de € 1.080; o aquecedor no valor de € 15; bebidas no valor de € 8 a € 10 cada; um expositor de batatas fritas no valor de € 27; uma torradeira no valor de € 17; tabaco e matrecos. Esclareceu que antes da Polícia chegar estavam no interior do café a ofendida, o filho e a nora e um casal que identificou como uma senhora que conhece e a quem ligou porque ficou muito nervosa, afirmando de forma muito segura que esse casal não era constituído pelo arguido. Mais esclareceu que mal se apercebeu que tinha sido assaltada disse aos presentes para não tocarem, nem mexerem em nada, procedimento que tomou porque foi a terceira vez que foi assaltada.
Nos presentes autos, parece-nos ser pacífico que os factos descritos na acusação aconteceram. A actividade probatória do julgamento foi especialmente dirigida para a questão de saber se foi o arguido quem cometeu tais factos, considerando que foi encontrado um vestígio lofoscópico na parte externa do mecanismo interior da máquina de tabaco que foi arrombada.
As declarações que o arguido prestou foram vagas e pouco circunstanciadas. Sendo uma situação atípica, ocorrida há cerca de um ano, não é credível que o arguido não se recordasse de mais pormenores do que aqueles a que fez referência. O arguido afirmou que não se recorda se mexeu nos objectos onde foi encontrada a sua impressão digital. Ora, a sua versão não foi sustentada por qualquer meio de prova. Desta forma, o arguido não logrou justificar por que razão a sua impressão digital se encontrava num local da máquina a que só podia ter acesso a pessoa que a arrombou. Efectivamente, a ofendida atestou que nem a própria tinha acesso a tal objecto por não ter acesso à máquina.
Por outro lado, a ofendida depôs de forma objectiva, circunstanciada e cronologicamente mais sustentada. Descreveu quem esteve no interior do café no dia dos factos e em que momento, antes e depois de chegarem as autoridades policiais. Afastou, por outro lado, de forma serena, segura e convicta que o arguido não podia ter estado no local dos factos no momento em que se teve conhecimento do assalto pois identificou o único casal que lá se encontrava para além do seu filho e da sua nora, arredando a hipótese de o casal que diz ter estado no interior do café antes da chegada da Polícia ser o arguido e a namorada, que conhecia por serem frequentadores do seu estabelecimento. O tribunal atribuiu, por estas razões, credibilidade ao depoimento da ofendida.
Este quadro não afasta a possibilidade de o arguido ter estado no café nesse dia de manhã, mas não nas circunstâncias de tempo e de lugar alegados pelo arguido.
Se concatenarmos o depoimento da ofendida com a prova pericial realizada nestes autos – constante do relatório pericial de fls. 7 a 12 e que identificou uma impressão digital encontrada na face externa do acessório que foi arrancado do interior da máquina de tabaco que foi arrombada, como sendo do arguido. Estes meios de prova revelaram-se consistentes e compatíveis entre si, o que permitiu efectuar a identificação do autor do furto como sendo o arguido. Para tanto contribuíram também as fotografias de fls. fls. 14 a 18 e o auto de notícia de fls. 2.
A prova referente às condições sócio-económicas do arguido foi confirmada pelas suas declarações, prestadas em audiência e corroboradas pelo relatório social elaborado pela DGRS de fls. 138 a 142.
Os antecedentes criminais do arguido resultaram do certificado de registo criminal do arguido de fls. 98 a 106.

A fundamentação da medida da pena é do seguinte teor:
O crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 204.º, n.º 2, al. e), do Código Penal é cominado com pena de dois a oito anos de prisão.
As consequências jurídicas da prática de um crime pautam-se pela aplicação de determinados critérios relacionados com as necessidades dos fins das penas, que são, segundo dispõe o n.º 1 do art.º 40.º do Código Penal “a protecção de bens jurídicos” (prevenção geral) “e a reintegração do agente na sociedade” (prevenção especial). Actua-se no âmbito da prevenção geral positiva ou de integração quando se reforça na comunidade o sentimento da validade e da segurança face às normas jurídicas violadas, e no da prevenção especial positiva ou de socialização quando a pena é dirigida à ressocialização ou reintegração do agente e perante a qual o julgador efectua um juízo de prognose quanto aos efeitos desta na futura conduta do delinquente.
Assim, a determinação da medida da pena, dentro dos limites supra definidos, far-se-á em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tal como decorre do artigo 71º do Código Penal em conjugação com o referido art.º 40.º do mesmo diploma legal.
O quantum de culpa constituirá sempre o limite máximo da pena a aplicar, em nome do princípio segundo o qual, não pode haver pena sem culpa e a medida da culpa determinará a medida da pena - art. 40º, n.º 2 Código Penal.
Mais se atenderá a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, designadamente as enunciadas no n.º 2 daquele artigo 71º.
Assim sendo, em resultado daquilo que foi possível apurar em sede de audiência de julgamento, em desfavor do arguido militam as seguintes circunstâncias:
- o dolo é directo, na sua modalidade mais gravosa, o dolo directo;
- o grau de ilicitude do facto é médio atento o modo como o arguido cometeu os factos e o valor dos bens furtados, considerando-se que os objectos nunca foram devolvidos, mantendo-se a ofendida até hoje com o prejuízo integral.
- A existência de antecedentes criminais, sendo de realçar que o arguido está a cumprir pena por ter cometido um crime de roubo, sendo certo que os factos dos presentes autos foram cometidos depois daquela decisão ter transitado em julgado e antes de transitar o despacho que revogou a suspensão da pena de prisão ali aplicada.
- Em seu favor impendem as seguintes circunstâncias:
- O facto de, segundo o relatório da DGRS, o arguido demonstrar, quer pelo investimento na área laboral, quer pelo comportamento que vem adoptando na cadeia, que está a interiorizar o valor dos bens jurídicos violados e a censurabilidade dos actos que cometeu.
- O facto de o arguido ter uma estrutura familiar, composta pela mãe e irmã, pessoas integradas, laboralmente activas e que apoiam o arguido.
A prevenção geral exige uma pena afastada dos limites mínimos, uma vez que em causa está o direito de propriedade, tanto mais que cada vez é em maior número a prática deste tipo de crimes e a prevenção especial exige uma pena que faça sentir convenientemente ao arguido a censurabilidade da sua conduta, tanto mais que o telemóvel não foi recuperado.
Assim, tudo visto e ponderado tem-se por adequado, proporcional e suficiente aplicar ao arguido B…, uma pena de 3 (três) anos de prisão.
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Pena de substituição:
Dada a pena concreta de prisão assim fixada, coloca-se o problema da sua substituição por alguma das penas de substituição previstas no Código Penal.
Da análise efectuada pela DGRS ao percurso normativo do arguido, espelhado no relatório social junto aos autos, resulta que o arguido vem progressivamente interiorizando a censurabilidade dos actos que cometeu, vem adoptando uma postura de cumprimento das regras vigentes na cadeia e, sobretudo, revela hábitos e motivação para o trabalho, podendo constatar-se esta motivação no trabalho que vem desempenhando na cadeia. Do identificado relatório ressalta ainda a circunstância de o arguido ter como objectivo, em momento posterior à reclusão, integrar o agregado familiar da mãe e da irmã, com quem pretende ir viver. Salienta-se que estes elementos estruturantes da vida do arguido estão plenamente integrados na sociedade e valorizam os hábitos de trabalho. Por fim, resulta do relatório em apreciação que o arguido mantém alguns hábitos aditivos moderados de haxixe.
Assim, à luz das circunstâncias acima identificadas, cremos ser possível, no caso em concreto, efectuar um juízo de prognose favorável ao arguido, de molde a suspender-lhe a pena aplicada. Na verdade, neste caso em concreto, existem indicadores de que o arguido, com o cumprimento da pena de prisão vem reflectindo sobre os valores em causa e vem gizando projectos positivos para o seu futuro, permitindo ao tribunal acreditar que existe ainda a possibilidade de o arguido se reintegrar de modo progressivo e de forma positiva na sociedade.
Assim sendo, decide-se suspender a execução da pena de prisão por igual período, subordinando-a ao cumprimento de um regime de prova e a deveres e a regras de conduta, nos termos dos art.ºs 50.º, 51.º, 52.º, n.º 1, al. c) e n.º 3, 53.º e 54.º todos do Código Penal, designadamente, consideramos ser suficiente:
- Sujeitar o arguido a regime de prova;
- Executar 200 horas de serviço cívico, mediante o acompanhamento e a supervisão da DGRS;
- Sujeitar-se a acompanhamento médico e a eventual tratamento a hábitos aditivos, quer de substâncias estupefacientes, quer quanto à ingestão de bebidas alcoólicas.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
O objecto do recurso do Ministério Público prende-se apenas com a sua discordância em relação à pena de substituição aplicada, isto é, discorda da suspensão da execução da pena de prisão imposta, ainda que sujeita ao regime de prova e aos deveres e regras de conduta fixadas na sentença impugnada (portanto, a questão que coloca relaciona-se com a operação de escolha da pena e não com a operação anterior de determinação da medida concreta da pena).
Passemos então a apreciar o recurso aqui em apreço, sendo certo que por não se detectar no texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, qualquer dos vícios previstos no nº 2 do art. 410º do CPP (os quais são de conhecimento oficioso[1]) e, não existindo qualquer nulidade ou irregularidade de conhecimento oficioso, considera-se definitivamente fixada a decisão proferida pela 1ª instância sobre a matéria de facto.
Importa, igualmente, ter em atenção que o recorrente concorda com a qualificação jurídica dos factos dados como provados (os quais integram a prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado p. e p. nos arts. 203º, nº 1 e 204º, nº 2, al. e), com referência ao art. 202º, al. d), todos do CP, cuja moldura abstracta é de pena de prisão de 2 a 8 anos) e também com o quantum da pena imposta (3 anos de prisão).
Como sabido, as finalidades da pena são, nos termos do artigo 40º do Código Penal, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade[2].
Uma vez determinada a pena concreta, sendo aplicada pena de prisão, consoante o seu quantum, impõe-se ao tribunal determinar se é caso de a substituir por uma pena não detentiva ou por uma pena detentiva prevista na lei.
Com efeito, as penas de substituição “podendo substituir qualquer uma das penas principais concretamente determinadas (…) se não são, em sentido estrito, penas principais (porque o legislador não as previu expressamente nos tipos de crime) …[são] penas que são aplicadas e executadas em vez de uma pena principal (penas de substituição)”[3].
Como diz Jorge Figueiredo Dias, as penas de substituição radicam “tanto histórica como teleologicamente, no (…) movimento político-criminal de luta contra a aplicação de penas privativas de liberdade”[4].
Considerações relativas à culpa não podem ser ponderadas para justificar a não aplicação de uma pena de substituição[5].
E, também não se pode esquecer que a pena de prisão é encarada como a ultima ratio, sendo preocupação do legislador e, obrigação do Estado, contribuir para a própria socialização do arguido.
Na suspensão da execução da pena de prisão, esta, embora efectivamente pronunciada pelo tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para realizar as finalidades da punição.
Para esse efeito, no momento em que profere a decisão, o tribunal deverá efectuar um juízo de prognose favorável em relação ao arguido, tendo em atenção a sua personalidade, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste (art. 50º, nº 1, do CP).
Sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, o julgador tem o dever (trata-se de um poder-dever vinculado) de suspender a execução da pena de prisão, suspensão essa que, como pena autónoma é uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico[6], devendo ser ponderada no momento da decisão.
Este juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido, terá de assentar numa expectativa razoável de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e, consequentemente, dessa forma será viável conseguir a sua ressocialização em liberdade, funcionando a condenação como uma advertência para evitar a prática de futuros crimes.
Importa, pois, analisar a operação efectuada pela 1ª Instância quando decidiu suspender a execução da pena de prisão de 3 anos aplicada por igual período, subordinando-a ao cumprimento de um regime de prova e a deveres e a regras de conduta, nos termos dos art.ºs 50.º, 51.º, 52.º, n.º 1, al. c) e n.º 3, 53.º e 54.º todos do Código Penal, designadamente, considerando suficiente:
- Sujeitar o arguido a regime de prova;
- Executar 200 horas de serviço cívico, mediante o acompanhamento e a supervisão da DGRS;
- Sujeitar-se a acompanhamento médico e a eventual tratamento a hábitos aditivos, quer de substâncias estupefacientes, quer quanto à ingestão de bebidas alcoólicas.
Para assim concluir a 1ª instância teve em atenção o percurso do arguido (espelhado no relatório social), considerando que o mesmo “vem progressivamente interiorizando a censurabilidade dos actos que cometeu, vem adoptando uma postura de cumprimento das regras vigentes na cadeia e, sobretudo, revela hábitos e motivação para o trabalho” (motivação no trabalho que vem desempenhando na cadeia), “tem como objectivo, em momento posterior à reclusão, integrar o agregado familiar da mãe e da irmã, com quem pretende ir viver”, o que tudo permite a sua plena integração da sociedade, sendo de valorizar os hábitos de trabalho, razão pela qual, apesar de manter “alguns hábitos aditivos moderados de haxixe”, considerando que “existem indicadores de que o arguido, com o cumprimento da pena de prisão vem reflectindo sobre os valores em causa e vem gizando projectos positivos para o seu futuro”, o tribunal pode “acreditar que existe ainda a possibilidade de o arguido se reintegrar de modo progressivo e de forma positiva na sociedade” e, por isso, entendeu “ser possível, no caso em concreto, efectuar um juízo de prognose favorável de molde a suspender-lhe a pena aplicada”, embora sujeito a regime de prova e com as condições e deveres que fixou.
No recurso o MºPº argumenta por um lado com o grau de ilicitude da conduta (que considera elevado e não médio como defendeu o tribunal), com a culpa (que também entendeu ser elevada) do arguido, com os seus antecedentes criminais, entendendo que a conclusão contida no relatório social, aceite pelo julgador (“segundo o relatório da DGRS, o arguido, demonstrar, quer pelo investimento na área laboral, quer pelo comportamento que vem adoptando na cadeia, que está a interiorizar o valor dos bens jurídicos violados e a censurabilidade dos actos que cometeu”), é contrariada pela postura do arguido em julgamento (que negou frontalmente os factos, não mostrou arrependimento, não revelando juízo autocrítico quanto ao crime e consequências para a vítima) e, por outro lado, apelas às elevadas razões de prevenção geral (concordando com o julgador quanto às razões de prevenção especial), ao facto do arguido estar a cumprir pena de prisão por crime de roubo (para além de ter outros antecedentes criminais) e ter cometido o crime aqui em apreço quando já havia decisão da 1ª instância a revogar a pena de prisão aplicada por esse crime de roubo.
Pois bem.
Em primeiro lugar, importa esclarecer que, no momento da decisão em que o julgador escolhe a pena, isto é, pondera se a pena de prisão aplicada (no caso 3 anos de prisão) deve ou não ser substituída por outra pena prevista na lei (no caso colocou-se a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão nos termos do art. 50º do CP, sujeita ou não a deveres, regras de conduta e/ou acompanhada de regime de prova, tal como previsto respectivamente nos arts. 51º, 52º e 53º do CP), apenas pode atender a critérios de prevenção.
À face da lei, como diz Anabela Rodrigues[7], “a culpa só pode (e deve) ser considerada no momento que precede o da escolha da pena – o da determinação da medida concreta da pena de prisão – não podendo ser ponderada para justificar a não aplicação de uma pena de substituição: tal atitude é tomada tendo em conta unicamente critérios de prevenção (Anabela Rodrigues, Critério de Escolha das Penas de Substituição no Código Penal Português, 1988, pp. 24 e segs.). Ou seja: não oferece qualquer dúvida interpretar o estipulado pelo legislador (artigo 71º do Código Penal) a partir da ideia de que um orientamento de prevenção – e esse é o de prevenção especial – deve estar na base da escolha da pena pelo tribunal; sendo igualmente um orientamento de prevenção – agora de prevenção geral, no seu grau mínimo – o único que pode (e deve) fazer afastar a conclusão a que se chegou em termos de prevenção especial.”
Portanto, a argumentação do recorrente quando apela a considerações que não se relacionam com os critérios de prevenção subjacentes ao momento da escolha da pena (v.g. quando invoca a culpa com que o arguido agiu, o grau de ilicitude da sua conduta, as circunstâncias favoráveis e desfavoráveis que foram atendidas no momento da determinação da medida concreta da pena, pretendendo que sejam outra vez analisadas na operação da escolha da pena) não pode ser atendida e, como tal, não justifica a discordância que manifesta, no sentido de se impor o cumprimento de prisão efectiva.
Em segundo lugar, há que ter em atenção que não tendo o recorrente impugnado a decisão proferida sobre a matéria de facto, nem, na altura própria, isto é, em audiência de julgamento, pôs em causa o teor do relatório social junto aos autos (solicitado ao abrigo do art. 370º do CPP, para auxiliar o tribunal na correcta determinação da sanção a aplicar) e estando de acordo com a operação de determinação da medida concreta da pena, não pode em sede de motivação de recurso discutir as ilações que dele retirou o julgador, v.g. quando concluiu, naquele momento de determinação da medida concreta da pena que “segundo o relatório da DGRS, o arguido, demonstrar, quer pelo investimento na área laboral, quer pelo comportamento que vem adoptando na cadeia, que está a interiorizar o valor dos bens jurídicos violados e a censurabilidade dos actos que cometeu”.
Portanto, essa argumentação do recorrente designadamente quando, concordando com a pena concreta aplicada (3 anos de prisão), discorda de considerações feitas pelo julgador aquando da operação de determinação da medida concreta da pena (v.g. quando procura contrariar aquela conclusão do julgador, apoiada no relatório social, apelando à postura do arguido em julgamento, dizendo que negou frontalmente os factos e não mostrou arrependimento e quando discorda do que consta do relatório social), não podem ser aqui atendidas, por serem irrelevantes.
Em terceiro lugar, importa realçar que, na operação de escolha da pena, a aplicação da pena de substituição impõe-se quando se verificam os seus pressupostos materiais, o que exige que se ponderem as razões de prevenção especial (carência de socialização do arguido) e que simultaneamente fique salvaguardado o “limiar mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica”.
Ou seja, quando se está na fase da escolha da pena (momento posterior ao da determinação da medida concreta da pena), o tribunal pondera as exigências de prevenção especial que se fazem sentir no caso concreto e, caso estas sejam satisfeitas através da aplicação de uma pena de substituição, não pode deixar de aplicar a pena de substituição se esta igualmente realizar as exigências mínimas (que são irrenunciáveis) de prevenção geral positiva.
E, assim sendo, percebe-se melhor o raciocínio a fazer para aferir se é caso ou não de suspender a execução da pena de prisão, com o regime de prova, deveres e regras de conduta impostos pela 1ª instância.
Para efectuar o juízo de prognose (tendo em atenção o disposto no art. 50º, nº 1, do CP) quanto à viabilidade do arguido alcançar a sua socialização em liberdade, importa desde logo ponderar a sua personalidade.
Ora, se é verdade que por um lado, no momento da prática dos factos aqui em apreço apresentava uma personalidade avessa ao direito, por outro lado, no momento da sentença impugnada, passados já 2 anos sobre a prática dos crimes, estando em cumprimento de pena de prisão (pela prática de crime de roubo, em virtude de revogação da suspensão da execução da pena aí imposta), já revelava mudança de atitude, não só por já ser capaz de ter um juízo crítico em relação aos crimes anteriormente praticados, como por já estar a interiorizar o desvalor dos seus anteriores comportamentos ilícitos.
Essa evolução na sua personalidade é credível, tendo em atenção a sua idade (nasceu em 13.11.1983, tal como consta da sua identificação na sentença) e que em 17.1.2013 (data em que foi proferida a sentença sob recurso) era expectável que a pena de prisão que cumpria já estivesse a produzir efeitos no sentido de promover a sua recuperação social.
E, prova disso, é que já em reclusão, a seu pedido, em 15.11.2011 passou a trabalhar no serviço de cozinha, assim adquirindo e mostrando valorizar hábitos regulares de trabalho, o que é um factor que favorece as expectativas de que possa alcançar a sua ressocialização em liberdade, tanto mais que até perspectiva ir viver com a mãe e irmã.
Quanto às condições da sua vida (art. 50º, nº 1, do CP) é verdade que se encontra preso em cumprimento de pena, mas tem projectos futuros (trabalhar e viver com a mãe), o que já mostra a sua vontade de mudar o seu anterior estilo de vida.
Analisando a sua conduta anterior (art. 50º, nº 1, do CP) é certo que à data (11.2.2011) da prática do crime aqui em apreço o arguido tinha antecedentes criminais (já havia sofrido 5 condenações, destacando-se a que ocorreu por sentença de 19.2.2002, em pena de multa, entretanto paga, conforme consta do CRC, pela prática em 8.8.2000 de crime de furto de uso e a imposta por acórdão de 24.1.2007, em pena de prisão suspensa, tendo sido esta suspensão revogada, estando a cumprir a prisão aplicada de 3 anos, sendo certo que as restantes 3 condenações se reportam a crimes de diversa natureza, a saber, condução sem habilitação legal e condução de veículo em estado de embriaguez), mas também é verdade que nessa altura ainda não havia cumprido pena de prisão.
Repare-se que quando cometeu o crime aqui em apreço o arguido ainda não tinha iniciado o cumprimento de pena de prisão e mantinha a sua atitude anterior.
E, nem dos autos resulta (como parece sugerir o recorrente, tendo em atenção a certidão de fls. 184 a 193), que quando cometeu em 11.2.2011 o crime aqui em apreço já tivesse conhecimento da revogação pela 1ª instância da suspensão da pena de prisão que actualmente cumpre no âmbito do dito processo onde foi condenado por crime de roubo.
Como dos factos apurados não se extrai qual foi a motivação para a prática do crime aqui em apreço e desconhece-se em que circunstâncias foram cometidos os anteriores crimes pelos quais foi condenado, também não se pode afirmar que o arguido revele tendência ou propensão para a prática de crimes contra o património (desde logo tendo em atenção a data da prática dos anteriores crimes – sendo que 3 deles são por crimes de natureza estradal – e tempo entretanto decorrido).
Olhando agora para a sua conduta posterior (art. 50º, nº 1, do CP), já sabemos que se encontra preso, está a trabalhar e tudo indica que está empenhado em mudar o seu anterior rumo de vida e passar a levar uma vida conforme ao direito (tanto mais que também apresenta uma postura de cumprimento das regras vigentes na cadeia).
De resto, contando com o apoio familiar, é de esperar atenta a mudança da sua atitude, que o arguido altere o seu percurso de vida, tal como já deu mostras desde que está preso.
Resulta da motivação da sentença sob recurso que, em audiência, o arguido negou a prática do crime aqui em apreço; no entanto, daí não decorre, sem mais, que interiormente não esteja arrependido (sabido que em julgamento a postura dos arguidos pode ser motivada por diferentes factores, muitas vezes até no seguimento de estratégias de defesa que nem sempre são as melhores), desconhecendo-se igualmente se tinha ou não possibilidades de reparar os prejuízos causados com a sua conduta.
Ou seja, perante os factos apurados, nada se pode deduzir quanto à postura do arguido em julgamento (quando negou o crime) e quanto ao seu posicionamento em relação aos prejuízos causados (a nível das consequências da sua conduta para a vítima).
Daí que não seja infirmado o raciocínio acima exposto, no sentido do arguido apresentar uma personalidade ainda recuperável.
Quanto às circunstâncias do crime cometido (art. 50º, nº 1, do CP) não há dúvidas que o mesmo se insere dentro do que é habitual em casos semelhantes.
Ora, se é certo que se pode aceitar que o julgador tivesse formulado um juízo no sentido de acreditar que a pena de substituição da suspensão da execução da pena de prisão satisfaz as exigências de prevenção especial (sendo viável que o arguido alcance a sua socialização em liberdade), a questão que se coloca é se com a escolha dessa pena de substituição fica garantido o limiar mínimo de prevenção geral positiva.
Atentas as particularidades deste caso concreto, apesar dos antecedentes criminais do arguido (havendo que ponderar a diferente natureza dos delitos rodoviários dos restante e o período de tempo que decorreu entre a prática de cada um deles), cremos que não se pode concluir que a exigência daquele grau mínimo de prevenção geral deve afastar a conclusão a que se chegou no sentido da pena de substituição ser adequada em termos de prevenção especial (se assim não fosse, estava-se a sobrevalorizar os antecedentes criminais de forma indevida, considerando as características das condenações anteriores e a atribuir à pena um efeito de repressão e de castigo).
De qualquer modo, não obstante se reconhecer que este é um caso limite, cremos, que o julgador ainda podia fazer o juízo de prognose favorável, assente na expectativa razoável de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão, acompanhadas do regime de prova, deveres e regra de conduta impostas, realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, funcionando a condenação como uma advertência para evitar a prática de futuros crimes, assim se conferindo e reconhecendo à pena de substituição aplicada o seu conteúdo reeducativo e pedagógico.
Tudo indica que aquele limiar mínimo de prevenção geral está assegurado, desde logo tendo em atenção que o arguido fica sujeito a regime de prova e ao cumprimento de determinados deveres e regras de conduta.
Repare-se que, se quando foi proferida a sentença sob recurso, o arguido estivesse em liberdade, trabalhasse e vivesse com a mãe (tendo em atenção os seus projectos) por certo que seria mais fácil aceitar a substituição da pena, tal como foi escolhida pelo julgador.
Estando esse raciocínio certo (tendo em atenção o que sucede em processos semelhantes), parece que então o motivo da discordância prende-se não com as razões de prevenção (que estão satisfeitas), mas antes com razões subjectivas que decorrem do facto de, na altura do julgamento, o arguido estar preso (estigmas negativos que se associam às pessoas que “passam” pela prisão) e com um eventual diferente grau de exigência na formulação do juízo de prognose sobre a viabilidade da suspensão da pena de prisão.
Ora, assim sendo, então esses motivos não autorizam que se altere a decisão do julgador quanto à escolha da pena de substituição a aplicar.
A conduta posterior do arguido, principalmente desde que está preso, revela sensibilidade positiva à pena que lhe foi aplicada, com reflexo favorável no juízo de prognose sobre a necessidade e a probabilidade da sua reinserção social em liberdade.
Com a referida pena de substituição exige-se do arguido um papel activo na interiorização dos valores jurídico-penais violados, só desse modo se alcançando a “eficácia óptima de protecção dos bens jurídicos” e a “estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada”.
Razões de prevenção especial justificam a substituição da pena de prisão, na medida em que essa substituição é ainda suportada comunitariamente.
Recorde-se que a suspensão da execução da pena, não deixa de ser uma verdadeira pena e como tal tem um efeito penoso para o arguido, ainda para mais que neste caso está subordinada ao regime de prova e sujeita a determinados deveres e obrigações que exigem esforço e responsabilidade da sua parte e, nessa medida, satisfaz igualmente as expectativas da comunidade, assegurando a confiança na validade da norma violada.
Por outro lado, perante a mudança de atitude do arguido (ainda que tal só tenha sucedido quando passou a cumprir pena de prisão) e passos que já deu nesse sentido (o que permitiu ao julgador “acreditar que existe ainda a possibilidade de o arguido se reintegrar de modo progressivo e de forma positiva na sociedade”), cremos que o grau de socialização que carece e as probabilidades de êxito não são compensados com o “carácter estigmatizante e criminógeno da prisão, potenciador da reincidência”[8].
Nessa medida, entendemos que ainda é possível formular um juízo de prognose favorável, tanto mais que a pena de prisão suspensa subordinada ao regime de prova, com o dever de executar 200 horas de serviço cívico, mediante o acompanhamento e a supervisão da DGRS e com a obrigação de sujeitar-se a acompanhamento médico e a eventual tratamento a hábitos aditivos, quer de substâncias estupefacientes, quer quanto à ingestão de bebidas alcoólicas, é aquela que se revela mais eficaz neste caso concreto.
É precisamente tendo em vista a ideia de prevenção especial (finalidade de socialização) que se justifica a escolha desta pena de substituição, nos termos descritos, a qual se mostra suficiente não só para evitar que o arguido reincida (dissuadir o agente da prática de novos crimes), como também para satisfazer aquele limiar mínimo da prevenção geral da defesa do ordenamento jurídico.
Do exposto resulta que, apesar de se conceder que se trata de um caso limite, esta é a derradeira oportunidade que o arguido tem de voltar a conduzir a sua vida de acordo com o direito, acreditando-se (atenta a sua idade, propósitos e responsabilidades que tem e que se irão reforçar com o regime de prova a que também fica subordinado) que ainda será viável que alcance a sua socialização em liberdade, ficando igualmente garantida a segurança da comunidade.
Por isso, conclui-se que a pena de substituição (não de «clemência») da suspensão da execução da pena de prisão de 3 anos de prisão por igual período de tempo, subordinada ao regime de prova, com o dever de executar 200 horas de serviço cívico, mediante o acompanhamento e a supervisão da DGRS e com a obrigação de sujeitar-se a acompanhamento médico e a eventual tratamento a hábitos aditivos, quer de substâncias estupefacientes, quer quanto à ingestão de bebidas alcoólicas, enquanto verdadeira pena autónoma, revela-se suficiente e adequada à realização das finalidades da punição, sendo, assim, possível alcançar a almejada ressocialização do arguido em liberdade.
Improcede, pois, a argumentação do recorrente, sendo certo que não foram violadas as disposições legais por ele citadas.
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III- DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em, negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público.
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Sem custas por delas estar isento o recorrente.
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(Processado em computador e revisto pela 1ª signatária. O verso das folhas encontra-se em branco – art. 94º, nº 2, do CPP)
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Porto, 25-09-2013
Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias
Ernesto de Jesus de Deus Nascimento
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[1] A sindicância da decisão sobre a matéria de facto no âmbito dos vícios enunciados no art. 410º, nº 2, do CPP é de conhecimento oficioso, conforme jurisprudência fixada pelo STJ no acórdão nº 7/95, publicado no DR I-A de 28/12/1995, com a qual se concorda.
[2] Anabela Rodrigues, «O modelo da prevenção na determinação da medida concreta da pena», in RPCC ano 12º, fasc. 2º (Abril-Junho de 2002), p. 155, refere que o art. 40º CP condensa “em três proposições fundamentais, o programa político-criminal - a de que o direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos; de que a culpa é tão só um limite da pena, mas não seu fundamento; e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena”.
[3] Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Editorial Noticias, 1993, n p. 91.
[4] Ibidem.
[5] Anabela Rodrigues, “A determinação da medida concreta da pena privativa de liberdade e a escolha da pena”, anotação ao Ac. do STJ de 21 de Março de 1990 (3ª secção – processo nº 40 639), in RPCC ano I, nº 2, Abril – Junho de 1991, p. 256.
[6] Neste sentido, entre outros, Ac. do STJ de 27/6/1996; CJ 1996, II, 204.
[7] Anabela Rodrigues, ob. cit., p. 256.
[8] Anabela Rodrigues, ob. cit., p. 255.