Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0443639
Nº Convencional: JTRP00038293
Relator: CONCEIÇÃO GOMES
Descritores: MAUS TRATOS ENTRE CÔNJUGES
Nº do Documento: RP200507130443639
Data do Acordão: 07/13/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: Não deixa de existir a reiteração necessária para a tipificação do crime do artigo 152º do CP95 pelo facto de terem decorrido 3 e 4 meses entre as agressões.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam em Audiência na Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

1. RELATÓRIO
1.1. No Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia o Ministério Público deduziu acusação em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular contra o arguido B..............., devidamente identificado nos autos, imputando-lhe a prática de um crime de maus tratos a cônjuge, p. e p., pelo art. 152º, nºs 1, al. a) e nº2, do CP, pelo quais foi pronunciado.
A lesada C........... deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido/demandado, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 25 000, acrescida de juros de mora desde a notificação para contestar, a título de indemnização pelos danos morais sofridos com a conduta do arguido.
O “Hospital D..........”, deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido/demandado, no valor de € 89,14, acrescido de juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento, a título do custo dos cuidados médicos prestados á ofendida na sequência das lesões causadas pelo arguido.
1.2. Efectuado o julgamento foi o arguido B............, condenado pela prática de um crime de maus tratos, p. e p. pelo art. 152º, nºs 1 e 2, do CP, na pena 16 (dezasseis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses.
Foi julgado-se parcialmente procedente o pedido cível formulado pela lesada B............ e condenado o arguido/demandado a pagar-lhe a quantia de € 4.000 (quatro mil euros), acrescida de juros de mora, contados desde a data da notificação para contestar o pedido cível até integral pagamento, à taxa legal de 4%.
Foi igualmente julgado procedente o pedido civil deduzido pelo lesado "HOSPITAL D.............." e condenado o arguido a pagar-lhe a quantia de € 89,14 (oitenta e nove euros e catorze cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a data da notificação para contestar o pedido até integral pagamento.
1.3. Inconformado com a sentença dele interpôs recurso o arguido, que motivou, concluindo nos seguintes termos:
«DAS RAZÕES DO RECURSO
(Art. 410, Nº 2 als. a), b) e c) do C. P. P.)
1 - A matéria de facto dada como provada pelo meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo" é insuficiente para manter a decisão, ora recorrida.
2- Existe uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão
3- Existe erro notório na apreciação da prova.
4- A matéria de facto dada como provada é manifestamente insuficiente para sustentar a condenação imposta ao arguido, quer no respeitante aos factos de que foi pronunciado, quer da discussão da causa em sede de audiência de julgamento, quer do pedido cível formulado.
a)- Da matéria de facto dada como provada não ficaram preenchidos os elementos objectivos integradores do tipo legal de crime por maus tratos, previsto e punido pelo Art. 152.º, N.º 1 al. a) e 2 do Código Penal.
b)- Não ficaram provados os insultos do recorrente à ofendida, chamando-lhe "puta" e "filha da puta".
c)- Não ficaram provados os factos ocorridos nos dias 27/12/2001, 28/04/2002 e 25/07/2002 que conduziram à pronúncia do arguido.
5- O Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo" assentou a sua convicção apenas no depoimento parcial da ofendida.
6- Dos depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento não resultou provado que o recorrente tenha insultado ou agredido a ofendida.
7- Os registos clínicos e os autos de exame médicos juntos de fls. 16, 17, 51, 19 a 20 e 54 a 55, apenas comprovam as lesões sofridas e não o autor das agressões que eventualmente lhe deram origem.
8- Na formação da convicção, o Tribunal "a quo" não teve em conta os nomes e os efeitos dos fármacos constantes dos autos e cujos recibos se encontram de fls. 187 a 207 dos autos, e a forma repetida e prolongada que a ofendida os toma, considerando-os apenas de anti-depressivos e ansiolíticos, nomeadamente o medicamento prescrito "Kainever Estazolan 2 mg", a merecer só por si, um exame médico do foro neurológico e psiquiátrico à ofendida, conforme foi requerido pelo recorrente, para melhor avaliar os comportamentos daquela.
9- O recorrente não insultou nem agrediu a ofendida, nem se encontra suficientemente provado que os factos ocorridos a 27/12/2001, 28/04/2002 e 25/07/2002 tenham sido provocados ou causados por qualquer atitude agressiva daquele.
10- As lesões sofridas pela ofendida a 27/12/2001 não se deveram a qualquer comportamento agressivo do recorrente, mas sim ao facto daquela se ter agarrado e este sem o largar e por isso ter sido arrastada desde o pátio da casa até ao caminho.
11- O Tribunal "a quo" motivou a sua decisão sobre os factos ocorridos a 28/04/2002 apenas no depoimento da ofendida, pois nenhuma testemunha inquirida provou a veracidade do "empurrão" à ofendida, por este não ter existido.
12- O mesmo acontecendo com os factos ocorridos a 25/07/2002 cerca das 23,40 horas, em que foi dado como provado o arguido ter desferido uma eventual cabeçada na cara da ofendida, atingindo-a no nariz.
13- Atenta a matéria dada como provada em 13 e 14 da Fundamentação da douta decisão do Tribunal "a quo", não foram esclarecidos nem tidos em conta os motivos que levaram o recorrente a munir-se de um gravador de som e de uma máquina de filmar, aquando dos comportamentos desavindos do casal, e que a ofendida destruiu por não lhe interessar o que em tais aparelhos se encontrava gravado e filmado. E teria sido importante para a descoberta da verdade dos factos.
14- No que concerne à matéria de facto dada como provada, o Meritíssimo Juíz do Tribunal "a quo" sustentou a sua motivação exclusivamente no depoimento da própria ofendida, argumentando que de forma aparentemente imparcial e pungente relatou os comportamentos, que o arguido assumiu para consigo, descrevendo-os de forma circunstanciada e convincente.
15- Tal argumento enferma de consistência, pelo que o recorrente o impugna.
16- As declarações prestadas pela ofendida estão pejadas de contradições, incongruências e obviamente de inquestionável parcialidade e falta de isenção, quando confrontadas com os depoimentos das restantes testemunhas.
17- E, sendo o depoimento "aparentemente imparcial" não pode ter sido convincente, nem contribuir de forma segura para a decisão da matéria de facto.
DA NULIDADE DA SENTENÇA:
18- De acordo com o Art. 374.º, n.º 2 do C P P o julgador tem de fundamentar a sua decisão de facto e de direito com indicação das provas que fundamentaram a sua convicção, quer quanto aos factos provados quer quanto aos factos não provados.
19- Quanto aos factos provados, a sentença alicerça-se fundamentalmente no depoimento parcial da ofendida C..........., por as testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento nada terem provado, no que refere a comportamentos do recorrente, que consubstanciam o crime de maus tratos.
20- Quanto aos factos não provados, englobando os constantes do pedido cível, não há qualquer referência à convicção, que levou a que os mesmos fossem dados como não provados, limitando-se o Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo" a referir, sem especificar quais depoimentos, que nenhuma das pessoas ouvidas a eles aludiu nos termos bastantes para se darem como provados.
21- A desconformidade entre a ausência da motivação e a conclusão fáctica, constitui erro notório na apreciação da prova, vício constante do art. 410º n.º 2 al. c) do C. P. P.
22 - Tal vício conduz ao reenvio do processo para novo julgamento.
23- Porém, se não se atribuir a tal vício essa qualificação, a omissão na motivação constitui uma nulidade da sentença nos termos do Art. 379.º al. a) do C. P. P. por referência ao Art. 374º, nº. 2 do mesmo preceito legal.
24- A arguição dessa nulidade pode ser feita na presente motivação de recurso e provoca a invalidade da sentença.
ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL
25- O tipo de crime de que o recorrente foi pronunciado p. e p. pelo Art. 152.º, nº 2 do C. Penal, pressupõe uma reiteração nas respectivas condutas.
26- Um tempo longo entre dois ou mais comportamentos afastará o elemento reiteração ou habitualidade.
27- Engloba maus tratos físicos e psíquicos ao cônjuge, tendo como bem jurídico protegido, a saúde deste, inserida no respeito pela dignidade humana.
28- Como se refere na motivação do presente recurso, não ficou provado, que o recorrente tenha insultado ou agredido fisicamente a ofendida. Porém, mesmo que assim se não entenda,
29- Nenhum dos pressupostos típicos deste crime foi preenchido pelo comportamento do recorrente, para que se possa afirmar com segurança que foi este o crime por ele cometido.
30- O crime de maus tratos exige uma conduta plúrima e repetitiva em determinado período de tempo.
31- Tal não se verifica, mesmo que se considere as eventuais condutas do recorrente integradoras do crime em apreço.
32- O recorrente vivia em união de facto com a ofendida desde 1986, tendo ambos casado em 15/11/94.
33- Assim, 16 anos após a vivência em comum, o recorrente foi pronunciado, sendo-lhe atribuído um empurrão na ofendida, fazendo com que esta caísse ao chão, em 28/04/2002.
34- Em 25/07/2002 foi atribuído ao recorrente ter este desferido uma cabeçada na cara da ofendida, atingindo-a no nariz, de tal forma que esta, após caminhar alguns passos em direcção à rua, ficou prostrada no solo, sem sentidos, sofrendo edema acentuado no nariz com epistaxis.
35- Em 27/12/2001, num desentendimento entre ambos, a ofendida agarrou-se ao arguido, porque pretendia conversar com ele e retirar-lhe o gravador que empunhava, e dado que este continuou a caminhar, aquela foi sendo arrastada, sofrendo traumatismo parieto-occipital com hematoma, bem como equimoses e hematomas dispersos pelos braço e ante-braço direitos e edema do dedo anelar direito.
36- Estas três condutas do recorrente a serem provadas, não preenchem os elementos objectivos do tipo de crime que lhe é imputado, nem podem consubstanciar, como consta da douta decisão do Tribunal "a quo", inequivocamente uma reiteração de agressões corporais, injúrias e humilhações, ao longo de vários anos a ponto de se traduzirem em maus tratos fisicos e psíquicos.
DOS PEDIDOS CÍVEIS:
37- Não se encontrando comprovado e preenchido o elemento objectivo do tipo de crime de que foi acusado, não se vislumbram os pressupostos estabelecidos no Art. 483.º do C. Civil, pelo que ao recorrente não cabe qualquer responsabilidade em indemnizar a ofendida.
38- Porém, a indemnização constante da douta decisão é no mínimo exagerada, face ás condições económicas do recorrente e ao tipo legal de crime de que foi pronunciado, e não teve em conta o facto de o recorrente pagar renda da casa onde habita na importância de € 150,00 e pagar a título de pensão de alimentos para a filha e para a ofendida, € 130,00 e € 200,00, respectivamente.
39- Face ao sobredito. nada tem o recorrente de pagar ao Hospital D.............. proveniente de curativos na pessoa da mulher.
Termina pelo provimento do recurso.
1.4. Na 1ª Instância não houve Resposta.
1.6. Nesta Relação o Exmº PGA emitiu douto Parecer, concluindo, pela improcedência total do recurso.
1.7. Foi cumprido o disposto no art. 417º, nº2, do CPP.
1.8. Não houve documentação dos actos da audiência, por dela terem prescindido ambas as partes.
1.9. Foram colhidos os Vistos legais.
1.10. Procedeu-se a julgamento com observância do legal formalismo.
***
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos:
2.1.1. O arguido viveu em união de facto com a ofendida, C............, desde aproximadamente 1986, tendo casado com ela em 15 de Novembro de 1994.
2.1.2. Têm em comum uma filha menor, habitando todos no lugar de ............. em ...., Estarreja.
2.1.3. Por vezes, sobretudo nos últimos anos, o arguido tem insultado a ofendida, chamando-lhe "puta" e "filha da puta".
2.1.4. Também por vezes, o arguido munia-se de um gravador, para registar as conversas com a ofendida.
2.1.5. O arguido chegou também a agredir fisicamente a esposa, a qual não recebia assistência médica nem apresentava queixa quer por vergonha, quer por medo de represálias por parte dele.
2.1.6. No dia 27 de Dezembro de 2001, na referida residência do casal, quando o arguido se dirigia para a rua, a ofendida, porque pretendia conversar com ele e retirar-lhe o gravador que o mesmo empunhava, agarrou-se a ele, sem o soltar, o que fez com que fosse arrastada desde o pátio até ao caminho, uma vez que o arguido não deixou de caminhar.
2.1.7. Em consequência de tais factos, a ofendida sofreu traumatismo parieto-occipital com hematoma, bem como equimoses e hematomas dispersos pelos braço e ante-braço direitos e edema do dedo anelar direito, lesões estas que lhe demandaram sete dias de doença, sem incapacidade para o trabalho.
2.1.8. No dia 28 de Abril de 2002, cerca das 22h e 30m, junto à entrada da residência do casal, o arguido empurrou a ofendida, fazendo com que a mesma caísse ao chão, causando-lhe ferida incisa na perna direita, lesão que lhe demandou oito dias de doença, sem incapacidade para o trabalho.
2.1.9. Na noite de 25 de Julho de 2002, cerca das 23h e 40m, decorrendo uns festejos populares na via pública, em ........, Estarreja, próximo da residência de ambos, o arguido desferiu uma cabeçada na cara da ofendida, atingindo-a no nariz, de tal forma que esta, após caminhar alguns passos em direcção à rua, pedindo socorro e dizendo que o marido a tinha agredido, ficou prostrada no solo, sem sentidos, sofrendo edema acentuado no nariz com epistaxis, lesão esta que lhe demandou oito dias de doença, sem incapacidade para o trabalho.
2.1.10. Desde essa data, arguido e ofendida deixaram de fazer qualquer vida em comum, tendo o arguido saído de casa e ido morar em casa arrendada, estando a decorrer a respectiva acção de divórcio.
2.1.11.O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de agredir fisicamente a sua mulher e de a maltratar psiquicamente, com o fim de fazer valer a sua vontade pelo recurso à violência física e psíquica. Mais sabia que as suas condutas eram proibidas por lei.
2.1.12. A ofendida toma frequentemente medicamentos anti-depressivos e ansiolíticos.
2.1.13. O arguido munia-se de um gravador e de uma câmara de filmar porque a ofendida lhe atribuía comportamentos que este entendia não ter cometido.
2.1.14. Pelo menos num dos episódios de violência física, o arguido também sofreu escoriações, tendo chegado a receber tratamentos de uma pessoa amiga.
2.1.15. No episódio ocorrido no dia 27 de Dezembro de 2001, o arguido tinha ido a casa para acordar a filha, a fim de a mesma fazer alguns trabalhos escolares, tendo sido à saída de casa que a ofendida se agarrou a ele.
2.1.16. O episódio ocorrido no dia 25 de Julho de 2002 deveu-se ao facto de a ofendida ainda pretender ir com a filha ao arraial da festa, com o que o arguido não concordou face ao adiantado da hora.
2.1.17. Nessa ocasião, as pessoas que ocorreram ao local insurgiram-se contra o arguido, obrigando-o a retirar-se ligeiramente do local onde a ofendida se encontrava caída.
2.1.18. Esta foi transportada ao hospital, para receber tratamento.
2.1.19. O arguido é considerado por familiares e amigos como uma pessoa educada e bem conceituada.
2.1.20. Trabalha como operário fabril, auferindo um salário mensal que ronda os € 1.480.
Actualmente vive só, pagando E 150 de renda de casa. A títulos de pensão alimentar para a filha e para a mulher paga por mês, respectivamente, € 130 e € 200.
2.1.21. Como habilitações literárias possuí o antigo 6º ano do liceu.
2.1.22. Do seu certificado de registo criminal nada consta.
2.1.23. Em consequência das lesões sofridas pela ofendida, esta deslocou-se ao "Hospital D.........." nos dias 27 de Dezembro de 2001 e 26 de Julho de 2002, tendo-lhe sido prestados cuidados médicos cujo custo ascendeu a, respectivamente, € 61,21 e € 27,93.
2.1.24. Frequentemente o arguido rebaixava a ofendida.
2.1.25. Não obstante esse e os supra descritos comportamentos do arguido, a ofendida, durante anos, tudo suportou na esperança de poder manter o seu casamento e de não causar tristeza à filha do casal.
2.1.26. A ofendida, em consequência das mencionadas condutas do arguido, sofreu dores.
2.1.27. Tudo isso, fez com que tivesse crises nervosas.
2.1.28. Actualmente sente-se revoltada, frustrada e desalentada. 29. Nasceu em 12 de Março de 1952.
2.1.30. arguido não a deixava trabalhar.
2.2. Na sentença recorrida deram-se como não provados os seguintes factos:
Para além do que também já resulta excluído em face da matéria provada, não se provou que:
- No dia 27 de Dezembro de 2001, o arguido arrastou a ofendida pela casa.
- No dia 28 de Abril de 2002, a ofendida encontrava-se em casa, jantando com a filha.
- Há alguns anos a esta parte, a ofendida, sem qualquer justificação, revela uma instabilidade súbita e despropositada, grita constantemente em casa e chama frequentemente por socorro dos vizinhos e da GNR.
- E tenta agredir o arguido sem qualquer motivo justificativo, obrigando-o a tomar atitudes defensivas.
- A ofendida revela um desequilíbrio emocional.
- O arguido foi várias vezes insultado pela ofendida e também por várias vezes teve de se defender das tentativas de agressão física e dos actos de violência da mesma.
- Aquando do episódio ocorrido no dia 27 de Dezembro de 2001, devido à violência utilizada pela ofendida, o arguido desequilibrou-se, caindo os dois desamparadamente pelas escadas abaixo, estatelando-se ambos no chão.
- Vendo o arguido caído no chão, a ofendida sentou-se sobre ele, sendo com bastante dificuldade que o mesmo saiu dessa posição e se desembaraçou daquela.
- No episódio ocorrido no dia 28 de Abril de 2002, em vez de aguardar que o marido lhe abrisse o portão da entrada principal da casa, a ofendida resolveu saltá-lo por se ter esquecido da chave, caindo ao chão.
- No episódio do dia 25 de Julho de 2002, a ofendida, em gritaria, dirigiu-se ao arguido e tentou agredi-lo com uma cabeçada, o qual, em gesto defensivo, se desviou, batendo ela com a cabeça no seu ombro e nas suas costas.
- A ofendida insistiu na agressão e agarrou-se ao arguido, o qual se tentou desembaraçar, soltando os seus braços que ela prendia.
- Após as pessoas se abeirarem dela, a ofendida deixou-se cair ao chão, simulando um desmaio.
- O arguido dizia que a ofendida era uma tola.
- Esta não saía de casa com medo das agressões do arguido.
- E só não tentou o suicídio pelo amor que tem à filha.
- O arguido dizia-lhe que iria tirar-lhe a filha, o que deixava a ofendida em pânico.
- É quase impossível à ofendida reiniciar uma nova vida e ser-lhe-á muito difícil conseguir um emprego.
- O arguido tem automóvel.
A demais matéria alegada é meramente conclusiva, de direito ou simplesmente irrelevante para a decisão da causa.
2.3. Na motivação probatória da decisão de facto consta o seguinte:
«1. No que concerne aos factos provados, a convicção do Tribunal assentou nos seguintes meios de prova:
- As declarações prestadas pelo próprio arguido, na parte em que aludiu à união de facto e ao subsequente casamento com a ofendida, à actual separação e pendência da acção de divórcio, à circunstância de, por vezes, utilizar um gravador para registar as conversas desta última, e ao facto de terem ocorrido os episódios relativos aos dias 27 de Dezembro de 2001 e 25 de Julho de 2002, embora descrevendo-os de forma substancialmente diferente. Foi ainda o arguido a descrever as suas condições pessoais.
- O depoimento prestado pela própria ofendida, C............., que de forma aparentemente imparcial e pungente, relatou os comportamentos que o arguido assumiu para consigo, descrevendo-os de forma circunstanciada e convincente, a forma como o mesmo a tratava, aludiu à união de facto, ao casamento e à separação, confirmou o facto de tomar medicamentos, à circunstância de o arguido não a deixar trabalhar e ao modo como se sente em consequência da vivência com o mesmo.
- O depoimento da testemunha E..............., amiga da ofendida e que demonstrou conhecimento de determinados factos, em virtude de, aquando do episódio do dia 27 de Dezembro de 2001, ter visto a ofendida caída no chão e de no dia seguinte ao do episódio ocorrido em 28 de Abril de 2002, a mesma ter ido a sua casa, com a perna ferida, tendo-a acompanhado ao hospital.
- O depoimento da testemunha F..........., que, no aquando dos factos ocorridos no dia 25 de Julho de 2002, viu a ofendida a sangrar do nariz.
- O depoimento da testemunha G..........., que, na mesma altura, viu a ofendida com a cara ensanguentada, mais referindo que o arguido se encontrava exaltado.
- O depoimento das testemunhas H.............e I............, que depuseram sobre a forma como a ofendida se sente em consequência dos comportamentos do arguido.
- O depoimento da testemunha J..........., que numa ocasião viu o arguido com ferimentos, tendo-lhe feito um curativo.
- O depoimento da testemunha L............., vizinho do casal e que revelou conhecimento da existência de desentendimentos entre ambos.
- O depoimento das testemunhas M.............., N............ e O.........., respectivamente, cunhada e amigos e colegas do arguido, tendo mencionado a forma como este é considerada por familiares e amigos.
- Os registos clínicos e os autos de exame médico juntos a fls. 16, 17, 51, 19 a 20 e 54 a 55, no que concerne às lesões sofridas pela ofendida e respectivas consequências.
- As certidões juntas a fls. 30 e 168, quanto ao casamento entre o arguido e a ofendida e à data de nascimento desta, respectivamente.
- Os recibos juntos a fls. 187 a 207, no que concerne ao facto de a ofendida tomar anti-depressivos e ansiolíticos.
- O certificado de registo criminal junto a fls. 47, relativamente à ausência de antecedentes criminais do arguido.
- As facturas de fls. 107 e 108, quanto ao custo dos cuidados médicos prestados à ofendida no Hospital D.......... .
2. Relativamente aos factos não provados, e para além dos que resultam excluídos em face da factualidade provada, não foi feita prova suficiente, porquanto nenhuma das pessoas ouvidas a eles aludiu em termos bastantes para se poderem dar como provados»
***
3 O DIREITO
3.1. No caso subjudice, uma vez que não houve documentação dos actos da audiência, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 364º nº 1 e 428º, nºs 1 e 2, todos do CPP, neste Tribunal o conhecimento de facto abrange apenas os vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do CPP, mas tão só se os mesmos resultem do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum, no seguimento do decidido no Ac. do STJ nº 07/95, em interpretação obrigatória.
O objecto o presente recurso prende-se com as seguintes questões:
- o acórdão recorrido enferma dos vícios a que aludem as alíneas a), b) e c), do nº2, do art. 410º, do CPP;
- a sentença sofre de nulidade nos termos do art. 379.º al. a) do CPP, por violação do art. 374º, nº2, do CPP,
- o enquadramento jurídico-penal dos factos
- o montante da indemnização civil fixada
3.1.1. Analisando em primeiro lugar se a sentença enferma de quaisquer dos vícios a que alude o art. 410º, nº2, als. a) a c), do CPP.
Como acima dissemos os vícios previstos nas alíneas a) a c), nº2, do art. 410º, do CPP, têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso a elementos externos à decisão.
Alega o recorrente que a matéria de facto dada como provada pelo Mmº Juiz "a quo" é insuficiente para manter a decisão, ora recorrida; existe uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão; existe erro notório na apreciação da prova.
A matéria de facto dada como provada é manifestamente insuficiente para sustentar a condenação imposta ao arguido, quer no respeitante aos factos de que foi pronunciado, quer da discussão da causa em sede de audiência de julgamento, quer do pedido cível formulado.
a)- Da matéria de facto dada como provada não ficaram preenchidos os elementos objectivos integradores do tipo legal de crime por maus tratos, previsto e punido pelo art. 152.º, n.º 1 al. a) e 2 do Código Penal.
b)- Não ficaram provados os insultos do recorrente à ofendida, chamando-lhe "puta" e "filha da puta".
c)- Não ficaram provados os factos ocorridos nos dias 27/12/2001, 28/04/2002 e 25/07/2002 que conduziram à pronúncia do arguido.
O Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo" assentou a sua convicção apenas no depoimento parcial da ofendida.
Dos depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento não resultou provado que o recorrente tenha insultado ou agredido a ofendida.
Os registos clínicos e os autos de exame médicos juntos de fls. 16, 17, 51, 19 a 20 e 54 a 55, apenas comprovam as lesões sofridas e não o autor das agressões que eventualmente lhe deram origem.
Na formação da convicção, o Tribunal "a quo" não teve em conta os nomes e os efeitos dos fármacos constantes dos autos e cujos recibos se encontram de fls. 187 a 207 dos autos, e a forma repetida e prolongada que a ofendida os toma, considerando-os apenas de anti-depressivos e ansiolíticos, nomeadamente o medicamento prescrito "Kainever Estazolan 2 mg", a merecer só por si, um exame médico do foro neurológico e psiquiátrico à ofendida, conforme foi requerido pelo recorrente, para melhor avaliar os comportamentos daquela.
O recorrente não insultou nem agrediu a ofendida, nem se encontra suficientemente provado que os factos ocorridos a 27/12/2001, 28/04/2002 e 25/07/2002 tenham sido provocados ou causados por qualquer atitude agressiva daquele. As lesões sofridas pela ofendida a 27/12/2001 não se deveram a qualquer comportamento agressivo do recorrente, mas sim ao facto daquela se ter agarrado e este sem o largar e por isso ter sido arrastada desde o pátio da casa até ao caminho. O Tribunal "a quo" motivou a sua decisão sobre os factos ocorridos a 28/04/2002 apenas no depoimento da ofendida, pois nenhuma testemunha inquirida provou a veracidade do "empurrão" à ofendida, por este não ter existido. O mesmo acontecendo com os factos ocorridos a 25/07/2002 cerca das 23,40 horas, em que foi dado como provado o arguido ter desferido uma eventual cabeçada na cara da ofendida, atingindo-a no nariz. Atenta a matéria dada como provada em 13 e 14 da Fundamentação da douta decisão do Tribunal "a quo", não foram esclarecidos nem tidos em conta os motivos que levaram o recorrente a munir-se de um gravador de som e de uma máquina de filmar, aquando dos comportamentos desavindos do casal, e que a ofendida destruiu por não lhe interessar o que em tais aparelhos se encontrava gravado e filmado. E teria sido importante para a descoberta da verdade dos factos.
No que concerne à matéria de facto dada como provada, o Meritíssimo Juíz do Tribunal "a quo" sustentou a sua motivação exclusivamente no depoimento da própria ofendida, argumentando que de forma aparentemente imparcial e pungente relatou os comportamentos, que o arguido assumiu para consigo, descrevendo-os de forma circunstanciada e convincente.
Tal argumento enferma de consistência, pelo que o recorrente o impugna.
As declarações prestadas pela ofendida estão pejadas de contradições, incongruências e obviamente de inquestionável parcialidade e falta de isenção, quando confrontadas com os depoimentos das restantes testemunhas.
E, sendo o depoimento "aparentemente imparcial" não pode ter sido convincente, nem contribuir de forma segura para a decisão da matéria de facto.
3.1.2. Vejamos, pois se o acórdão recorrido enferma do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Conforme constitui Jurisprudência pacífica do STJ “a insuficiência a que se refere o art. 410º, nº 2, al. a), do CPP, é a que decorre da omissão de pronúncia pelo tribunal, sobre facto (s) alegado (s) ou resultante (s) da discussão da causa que sejam relevante (s) para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão. (…).A insuficiência da matéria de facto provada existe quando os factos provados são insuficientes para justificar a decisão assumida, ou quando o Tribunal recorrida podendo fazê-lo deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que essa matéria de facto não permite, por insuficiência a aplicação do direito ao caso submetido à apreciação do Tribunal, ou seja, no cumprimento do dever da descoberta da verdade material, que lhe é imposto pelo normativo do art. 340º, do CPP, o Tribunal podia e devia ter ido mais longe e, não o tendo feito, ficaram por investigar factos essenciais cujo apuramento permitira alcançar a solução legal e justa” [entre muitos outros os Acs. do STJ de 30JUN99, proc. nº 271/99, 3ª Secção, de 02JUN99, no proc. nº 354/99, 3ª Secção, cujo sumários se encontram publicados na página da Internet do STJ]
A Lei Fundamental consagra no art. 205º, nº 1, que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
Em conformidade com este preceito constitucional, o art. 374º, nº 2, do CPP determina que a sentença deve conter a “fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”
Para a falta de indicação das provas que serviram para fundamentar a convicção do tribunal comina-se uma nulidade – art. 379º, al. a), do CPP.
A ratio do mencionado imperativo legal – o dever de fundamentar a convicção do tribunal – radica, em suma, no facto de permitir aos sujeitos processuais e ao tribunal de recurso o exame do processo lógico ou racional que subjaz à formação da convicção do julgador, e das razões que levaram a que determinada prova tenha convencido o tribunal, bem como assegurando a inexistência de violação do princípio da inadmissibilidade das proibições de prova.
Com efeito, com a revisão do CPP operada em 1998 a fundamentação da sentença passou a conter, não só a indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, como o seu exame crítico, tendo em atenção que por virtude de tal revisão se veio assegurar um efectivo duplo grau de jurisdição em matéria de facto atribuída às Relações, daí que a alteração contida no citado art. 374º, nº2, do CPP, bem como o escopo de tal alteração legal, ao exigir-se, para além da indicação das provas, dever ser entendida não no sentido de se exigir num detalhado exame crítico da prova produzida (que a ter lugar é suportado pela documentação da prova e pela sua posterior reapreciação por parte do Tribunal Superior, e não pela intermediação subjectivada pelo tribunal, relatada tão só por um dos seus membros, sobre a forma de «apreciação crítica das provas» e a partir de meras indicações não obrigatórias dada por cada membro do tribunal recorrido), mas antes no exame crítico dos próprios meios de prova, designadamente da sua razão de ciência e credibilidade, por forma (como refere o Tribunal Constitucional no Ac. nº 680/98) a «explicitar (d) o processo de formação da convicção do tribunal.
Assim se garante que não se tratou de uma ponderação arbitrária das provas ao atribuir ao seu conteúdo uma especial força na formação da convicção do Tribunal.[Vide Simas Santos e Leal Henriques, in Código de Processo Penal Anotado, 2ª Ed. 2000, Rei dos Livros, II, Vol, pág. 556-557)]

Com efeito, como refere Marques Ferreira [Jornadas 229-230], a propósito da motivação da decisão, «Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência».
Como é sabido em processo penal vigora o princípio da livre apreciação da prova inserto no art. 127º, do CPP, segundo o qual “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”, que não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova, nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova, mas tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica [Ac. do STJ de 09MAI96, in proc. nº 48690/3ª]
«Livre apreciação da prova não é livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, mas apreciação que, liberta do jugo de um rígido sistema de prova legal, se realiza, em geral, de acordo com critérios lógicos e objectivos e, dessa forma, determina uma convicção racional, logo, também ela, em geral, objectivável e motivável. Isso não significa, porém, uma convicção absolutamente objectiva. Com efeito, a convicção do juiz, ainda que tenha de ser capaz de, racionalmente se impor ou convencer o arguido e outros, não deixa de ser uma convicção pessoal, na qual desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v. g. a credibilidade que concede a um determinado meio de prova) e mesmo puramente emocionais».[Ac. do STJ de 07JUL99, 3ª Secção, sumariado no Site do STJ na Internet, Boletim interno nº 33]
Como se afirma no Ac. do STJ de 30JAN02, [sumariado no Site da Internet do STJ, Boletim Interno 2002] “A partir da indicação e exame das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este enuncia as razões de ciência extraídas destas, o porquê da opção por uma e não outra das versões apresentadas, as houver, os motivos da credibilidade em depoimentos documentos ou exames que privilegiou na sua convicção, em ordem a que um leitor atento e minimamente experimentado fique ciente da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção».
3.1.3. Retomando a factualidade apurada relevante para este tópico da decisão, o Tribunal “a quo” deu como provado que:
«O arguido viveu em união de facto com a ofendida, C.........., desde aproximadamente 1986, tendo casado com ela em 15 de Novembro de 1994.
Têm em comum uma filha menor, habitando todos no lugar de ......, em ....., Estarreja.
Por vezes, sobretudo nos últimos anos, o arguido tem insultado a ofendida, chamando-lhe "puta" e "filha da puta".
Também por vezes, o arguido munia-se de um gravador, para registar as conversas com a ofendida.
O arguido chegou também a agredir fisicamente a esposa, a qual não recebia assistência médica nem apresentava queixa quer por vergonha, quer por medo de represálias por parte dele.
No dia 27 de Dezembro de 2001, na referida residência do casal, quando o arguido se dirigia para a rua, a ofendida, porque pretendia conversar com ele e retirar-lhe o gravador que o mesmo empunhava, agarrou-se a ele, sem o soltar, o que fez com que fosse arrastada desde o pátio até ao caminho, uma vez que o arguido não deixou de caminhar.
Em consequência de tais factos, a ofendida sofreu traumatismo parieto-occipital com hematoma, bem como equimoses e hematomas dispersos pelos braço e ante-braço direitos e edema do dedo anelar direito, lesões estas que lhe demandaram sete dias de doença, sem incapacidade para o trabalho.
No dia 28 de Abril de 2002, cerca das 22h e 30m, junto à entrada da residência do casal, o arguido empurrou a ofendida, fazendo com que a mesma caísse ao chão, causando-lhe ferida incisa na perna direita, lesão que lhe demandou oito dias de doença, sem incapacidade para o trabalho.
Na noite de 25 de Julho de 2002, cerca das 23h e 40m, decorrendo uns festejos populares na via pública, em ....., ......, Estarreja, próximo da residência de ambos, o arguido desferiu uma cabeçada na cara da ofendida, atingindo-a no nariz, de tal forma que esta, após caminhar alguns passos em direcção à rua, pedindo socorro e dizendo que o marido a tinha agredido, ficou prostrada no solo, sem sentidos, sofrendo edema acentuado no nariz com epistaxis, lesão esta que lhe demandou oito dias de doença, sem incapacidade para o trabalho.
Desde essa data, arguido e ofendida deixaram de fazer qualquer vida em comum, tendo o arguido saído de casa e ido morar em casa arrendada, estando a decorrer a respectiva acção de divórcio.
O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de agredir fisicamente a sua mulher e de a maltratar psiquicamente, com o fim de fazer valer a sua vontade pelo recurso à violência física e psíquica. Mais sabia que as suas condutas eram proibidas por lei.
A ofendida toma frequentemente medicamentos anti-depressivos e ansiolíticos.
O arguido munia-se de um gravador e de uma câmara de filmar porque a ofendida lhe atribuía comportamentos que este entendia não ter cometido.
Pelo menos num dos episódios de violência física, o arguido também sofreu escoriações, tendo chegado a receber tratamentos de uma pessoa amiga.
No episódio ocorrido no dia 27 de Dezembro de 2001, o arguido tinha ido a casa para acordar a filha, a fim de a mesma fazer alguns trabalhos escolares, tendo sido à saída de casa que a ofendida se agarrou a ele.
O episódio ocorrido no dia 25 de Julho de 2002 deveu-se ao facto de a ofendida ainda pretender ir com a filha ao arraial da festa, com o que o arguido não concordou face ao adiantado da hora.
Nessa ocasião, as pessoas que ocorreram ao local insurgiram-se contra o arguido, obrigando-o a retirar-se ligeiramente do local onde a ofendida se encontrava caída.
Esta foi transportada ao hospital, para receber tratamento.
Em consequência das lesões sofridas pela ofendida, esta deslocou-se ao "Hospital D.........." nos dias 27 de Dezembro de 2001 e 26 de Julho de 2002, tendo-lhe sido prestados cuidados médicos cujo custo ascendeu a, respectivamente, € 61,21 e € 27,93»
Por seu turno na motivação probatória da decisão de facto, consta que:
«No que concerne aos factos provados, a convicção do Tribunal assentou nos seguintes meios de prova:
- As declarações prestadas pelo próprio arguido, na parte em que aludiu à união de facto e ao subsequente casamento com a ofendida, à actual separação e pendência da acção de divórcio, à circunstância de, por vezes, utilizar um gravador para registar as conversas desta última, e ao facto de terem ocorrido os episódios relativos aos dias 27 de Dezembro de 2001 e 25 de Julho de 2002, embora descrevendo-os de forma substancialmente diferente. Foi ainda o arguido a descrever as suas condições pessoais.
- O depoimento prestado pela própria ofendida, C............, que de forma aparentemente imparcial e pungente, relatou os comportamentos que o arguido assumiu para consigo, descrevendo-os de forma circunstanciada e convincente, a forma como o mesmo a tratava, aludiu à união de facto, ao casamento e à separação, confirmou o facto de tomar medicamentos, à circunstância de o arguido não a deixar trabalhar e ao modo como se sente em consequência da vivência com o mesmo.
- O depoimento da testemunha E............., amiga da ofendida e que demonstrou conhecimento de determinados factos, em virtude de, aquando do episódio do dia 27 de Dezembro de 2001, ter visto a ofendida caída no chão e de no dia seguinte ao do episódio ocorrido em 28 de Abril de 2002, a mesma ter ido a sua casa, com a perna ferida, tendo-a acompanhado ao hospital.
- O depoimento da testemunha F............, que, no aquando dos factos ocorridos no dia 25 de Julho de 2002, viu a ofendida a sangrar do nariz.
- O depoimento da testemunha G........., que, na mesma altura, viu a ofendida com a cara ensanguentada, mais referindo que o arguido se encontrava exaltado.
- O depoimento das testemunhas H........ e I.........., que depuseram sobre a forma como a ofendida se sente em consequência dos comportamentos do arguido.
- O depoimento da testemunha J......., que numa ocasião viu o arguido com ferimentos, tendo-lhe feito um curativo.
- O depoimento da testemunha L........, vizinho do casal e que revelou conhecimento da existência de desentendimentos entre ambos.
- O depoimento das testemunhas M........., N.......... e O..........., respectivamente, cunhada e amigos e colegas do arguido, tendo mencionado a forma como este é considerada por familiares e amigos.
- Os registos clínicos e os autos de exame médico juntos a fls. 16, 17, 51, 19 a 20 e 54 a 55, no que concerne às lesões sofridas pela ofendida e respectivas consequências.
- As certidões juntas a fls. 30 e 168, quanto ao casamento entre o arguido e a ofendida e à data de nascimento desta, respectivamente.
- Os recibos juntos a fls. 187 a 207, no que concerne ao facto de a ofendida tomar anti-depressivos e ansiolíticos.
- O certificado de registo criminal junto a fls. 47, relativamente à ausência de antecedentes criminais do arguido.
- As facturas de fls. 107 e 108, quanto ao custo dos cuidados médicos prestados à ofendida no Hospital D............ .
2. Relativamente aos factos não provados, e para além dos que resultam excluídos em face da factualidade provada, não foi feita prova suficiente, porquanto nenhuma das pessoas ouvidas a eles aludiu em termos bastantes para se poderem dar como provados»
3.1.4. Do exposto resulta que a motivação expressa pelo Tribunal recorrido é suficiente para habilitar os sujeitos processuais, bem como o Tribunal de recurso, a concluir que as provas a que o Tribunal “a quo” atendeu são todas permitidas por lei de acordo com o preceituado no art. 355º, do CPP, e que os julgadores seguiram um processo lógico e racional na formação da sua convicção, desta não resultando uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou claramente violadora das regras experiência comum na apreciação da prova.
Com efeito, o Tribunal ancorou-se de modo decisivo, atenta a idoneidade técnica de quem os elaborou, relativamente aos factos ocorridos no dia 27DEZ01, no exame médico, quando foi observada nos serviços de Urgência do Hospital D...................., onde se descreve que a arguida apresentava «hematoma parieto-accipital; hematomas e equimoses dispersas pelo braço e antebraço direito, mais edema dedo anelar médio», conforme consta dos registos clínicos de fls. 16; quanto aos facto ocorrido no dia 29ABR02, no exame médico, quando foi observada nos serviços de Urgência do Hospital D..........., onde se descreve que a arguida apresentava «ferida contusa na perna direita» e dos auto de exame médico directo efectuado no Tribunal em 25JUN02 junto a fls. 19; onde se descreve, as lesões que apresentava, conforme consta dos exames efectuados no serviços de urgência do Hospital D..........., bem como quanto à natureza do instrumento «As lesões sofridas foram produzidas por contusão no pavimento, ao ser empurrada e cair, necessitando de três dias pelo TCE e sete dias pela ferida», estando medicada pelo síndroma depressivo, anterior a estas agressões, mas que entretanto se agravou; (fls. 19 e 20); quanto aos factos ocorridos no dia 26JUL02, e conforme resulta do exame médico efectuado nos serviços de Urgência do mesmo Hospital D.........., consta que a arguida «sofreu ferida contusa na perna direita e edema acentuado no nariz com epistaxis, tendo sido enviada ao HDA para exame de nariz, despiste de fractura, tal como consta dos registos clínicos de fls. 51, e do exame directo e de sanidade efectuado no tribunal, a que alude o doc. de fls. 54 a 55.
Por outro lado, o Tribunal alicerçou-se, ainda no depoimento da ofendida C..........., que relatou os comportamentos que o arguido assumiu para consigo, descrevendo-os de forma circunstanciada e convincente, a forma como o mesmo a tratava, aludiu à união de facto, ao casamento e à separação, confirmou o facto de tomar medicamentos, à circunstância de o arguido não a deixar trabalhar e ao modo como se sente em consequência da vivência com o mesmo; no depoimento da testemunha E............, amiga da ofendida e que demonstrou conhecimento de determinados factos, em virtude de, aquando do episódio do dia 27DEZ01, ter visto a ofendida caída no chão e de no dia seguinte ao do episódio ocorrido em 28ABR02, a mesma ter ido a sua casa, com a perna ferida, tendo-a acompanhado ao hospital; no depoimento da testemunha F..........., que, no aquando dos factos ocorridos no dia 25JUL 02, viu a ofendida a sangrar do nariz; no depoimento da testemunha G.........., que, na mesma altura, viu a ofendida com a cara ensanguentada, mais referindo que o arguido se encontrava exaltado; no depoimento da testemunha L........., vizinho do casal e que revelou conhecimento da existência de desentendimentos entre ambos; nos recibos juntos a fls. 187 a 207, no que concerne ao facto de a ofendida tomar anti-depressivos e ansiolíticos; nas facturas de fls. 107 e 108, quanto ao custo dos cuidados médicos prestados à ofendida no Hospital D.......... .
3.1.5. Quanto à alegação do recorrente que os registos clínicos e os autos de exame médicos juntos de fls. 16, 17, 51, 19 a 20 e 54 a 55, apenas comprovam as lesões sofridas e não o autor das agressões que eventualmente lhe deram origem.
Dir-se-á, o seguinte:
Por um lado, o art.163º, nº 1, do CPP consagra que “O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador”, dispondo o nº 2, do citado normativo que “Sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência”.
Conforme afirma o Prof. Figueiredo Dias, [Direito Processual Penal, Vol I, 209] «…Se os dados de facto que servem de base ao parecer estão sujeitos à livre apreciação do juiz - que, contrariando-os pode furtar a validade ao parecer -, já o juízo científico ou parecer propriamente dito só é passível de uma crítica igualmente material e científica. Quer dizer. Perante um certo juízo cientificamente provado, de acordo com as exigências legais, o tribunal guarda a sua inteira liberdade no que toca à apreciação da base de facto pressuposta; quanto, porém, ao juízo científico, a apreciação há-de ser científica também, e estará, por conseguinte subtraída em princípio à competência do tribunal…».
Ou seja, face ao disposto no citado normativo se o julgador acatar o juízo técnico, científico ou artístico dos peritos inerentes à prova pericial, nada terá que dizer. Se não acatar tal juízo, e dele divergir, terá que fundamentar a sua divergência.
«Face ao disposto no art. 163º, do CPP, o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial impõe-se, em princípio, ao julgador, que o tem de acatar; se dele divergir – e é lícita a divergência -, o julgador tem de fundamentar a sua divergência».[Ac. do STJ de 05MAI93, in BMJ 427-441]
Por outro lado, a prova é apreciada na sua globalidade, segundo a regra da livre apreciação da prova inserta no art. 127º, do CPP, “…a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”, que não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova, nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova, mas tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica [Ac. do STJ de 09MAI96, in proc. nº 48690/3ª]
Acresce ainda que, neste tipo de crimes de maus tratos a cônjuge, enfim os chamados crimes de violência doméstica, é muito raro haver testemunhas directas dos factos, pois tudo se passa dentro do silêncio do lar, dentro da casa de morada de família, ou em locais solitários, isolados ou ermos, em que a agressão á vítima, não é vista por quem quer que seja, justamente porque o agressor sabe ou pressente que não tem testemunhas próximas. Acontece que muitas vezes o único elemento de prova existente, resume-se às declarações da própria ofendida, e de alguns elementos instrumentais, que conjugados entre si, e com as regras da experiência comum, permitem chegar à prova plena ou pleníssima.
In casu, porém, como se viu para além do depoimento da ofendida, existem demais elementos de prova, entre os quais exames médicos, credíveis atenta a idoneidade técnica de quem os elaborou, os depoimentos das testemunhas, que viram a ofendida logo após a ocorrência dos factos, designadamente a testemunha E............., amiga da ofendida e que demonstrou conhecimento de determinados factos, em virtude de, aquando do episódio do dia 27DEZ01, ter visto a ofendida caída no chão e de no dia seguinte ao do episódio ocorrido em 28ABR02, a mesma ter ido a sua casa, com a perna ferida, tendo-a acompanhado ao hospital; a testemunha F............, que, no aquando dos factos ocorridos no dia 25JUL 02, viu a ofendida a sangrar do nariz; a testemunha G..........., que, na mesma altura, viu a ofendida com a cara ensanguentada, mais referindo que o arguido se encontrava exaltado; a testemunha L.........., vizinho do casal e que revelou conhecimento da existência de desentendimentos entre ambos; os quais conjugados entre si, e com as regras da experiência comum e a lógica do homem médico, permitem concluir que o arguido praticou os factos que constam da pronúncia, e que se deram como provados.
Correlacionado e conjugando todos os elementos de prova na sua globalidade, de acordo com as regras da experiência comum e a lógica do homem médio, resulta com evidência que a decisão recorrida indica com precisão, o porquê e a relevância a que deu aos meios de prova apresentados pela acusação e pela defesa, e resultantes da discussão da causa, seguindo um raciocínio lógico e coerente, de tal forma que, analisada a motivação probatória da decisão de facto, bem como com os documentos juntos aos autos, não se pode concluir que teria de ser outra a decisão sobre a matéria de facto, sendo que o julgador procedeu a uma cuidadosa e criteriosa apreciação da prova, fundamentando a decisão de facto, nos meios de prova apresentados, constando expressamente qual o raciocínio a que chegou o tribunal para formar a sua convicção
Como se afirma no Ac. do STJ de 30JAN02, [sumariado no Site da Internet do STJ, Boletim Interno 2002] “A partir da indicação e exame das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este enuncia as razões de ciência extraídas destas, o porquê da opção por uma e não outra das versões apresentadas, as houver, os motivos da credibilidade em depoimentos documentos ou exames que privilegiou na sua convicção, em ordem a que um leitor atento e minimamente experimentado fique ciente da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção».
3.1.6. Do supra exposto se conclui que não resulta que da sentença recorrida que o Tribunal “a quo” tenha atendido a prova proibida por lei (art. 125º, do CPP), que tenha desprezado prova tarifada (art. 163º, do CPP), mas ao invés que todas as provas apresentadas foram objecto de apreciação segundo as regras da experiência comum e a sua convicção (art. 127º, do CPP), não resultando qualquer apreciação arbitrária, procedendo à análise crítica da prova (art. 374º, nº2, do CPP). Aí se referem quais de entre as várias provas produzidas aquelas que serviram para a formação da convicção do tribunal, com uma fundamentação convincente, em que é feita a análise crítica das várias provas atendidas. Trata-se de uma fundamentação em que se retracta exemplarmente a consagração no direito processual penal dos princípios da legalidade, da oralidade e da imediação, no que tange ao processo psicológico de formação da convicção do julgador.
Ou seja, conclui-se que o Tribunal “a quo”, face às regras da experiência comum, e á lógica do homem médio, fez uma correcta valoração e apreciação da prova produzida em audiência, e dos elementos de prova constantes dos exames médico-legais, para fixar a matéria de facto provada e não provada.
Ora, uma coisa é a forma como o tribunal aprecia e interpreta a prova produzida em audiência, outra coisa é a insuficiência para a decisão de facto considerada provada, ou seja, quando os factos provados são insuficientes para fundamentar a decisão tomada.
3.1.7. Vejamos, agora, se o acórdão recorrido enferma do vício de erro notório na apreciação da prova.
Como é consabido, o erro notório na apreciação da prova é o erro grosseiro que não escapa a um observador médio. Existe tal vício quando se dão provados, factos que, face às regras da experiência comum e à lógica do homem médio, não se teriam podido verificar ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsos.
Quanto ao erro notório na apreciação da prova, refere o Prof. Marques da Silva que «é o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.» [Curso de Processo Penal, Vol III pp. 341 e 342. Um facto é notório quando o juiz o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas nem a juízos presuntivos. Vd. ainda, com particular interesse, Alberto dos Reis, no «Código de Processo Civil, Anotado», vol. III, pp. 259 e ss., Castro Mendes, «Do Conceito de Prova», pp. 711 e ss. e Vaz Serra, Provas», no BMJ 110, pp. 61 e ss.]
In casu, porém, nenhum erro transparece do texto da decisão recorrida, quer por si só, quer conjugada com as regras da experiência comum, nem se vislumbra o desrespeito por prova legalmente vinculativa ou tarifada que tivesse sido desprezada, ou não investigada pelo tribunal recorrido.
Como vimos, o Tribunal recorrido fundamentou a sua decisão quanto à matéria de facto provada e não provada, de forma minuciosa, enumerando os elementos probatórios em que se baseou para formar a sua convicção, com indicação dos depoimentos das testemunhas prestados em audiência, e do porquê da relevância/credibilidade que lhe foi atribuída, com critérios lógicos e objectivos, e alicerçada nos elementos de prova obtidos em audiência, bem como nos documentos juntos aos autos e invocados na motivação da matéria de facto, encontrando-se a matéria de facto fixada de acordo com um raciocínio lógico e coerente.
Do exposto resulta que o acórdão sob sindicância não enferma do vício de erro notório na apreciação da prova. Com efeito, uma coisa é a discordância a decisão de facto do julgador e outra aquela que teria sido a do próprio recorrente.
Por um lado dos elementos de prova carreados para os autos, e do texto da decisão recorrida, não resulta que o Tribunal tenha dado como provados factos que como tal especificou, tendo dúvidas sobre a verificação de algum ou alguns deles, e, por outro do mesmo texto, conjugado com as regras da experiência comum, não ressalta que outra deveria ter sido a decisão sobre a matéria de facto
“Se o recorrente alega vícios da decisão recorrida a que se refere o nº 2 do art. 410º do CPP, mas fora das condições previstas nesse normativo, afinal impugna a convicção adquirida pelo tribunal “a quo” sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecido da regra da livre apreciação da prova inserta no art. 127º” [Ac. do STJ de 13FEV91, AJ nºs 15/16,7)].
No caso subjudice, o recorrente faz decorrer o alegado vício de erro notório na apreciação da prova, de uma diferente apreciação da prova produzida em audiência, impugnando dessa forma a convicção assim adquirida e pondo em causa a regra da livre apreciação da prova. A motivação expressa pelo Tribunal “a quo” é suficiente para habilitar os sujeitos processuais, bem como o Tribunal de recurso, a concluir que as provas a que o Tribunal “a quo” atendeu são todas permitidas por lei de acordo com o preceituado no art. 355º, do CPP, e que o Colectivo seguiu um processo lógico e racional na formação da sua convicção, desta não resultando uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou claramente violadora das regras experiência comum na apreciação da prova.
3.1.8. Quanto à alegada contradição entre a decisão e a sua fundamentação,
Sobre esta questão, dir-se-á, apenas, o seguinte, o vício de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, a que alude a al. b), do nº2., do art. 410º, do CPP, verifica-se quando do texto da decisão recorrida constam, sobre a mesma questão, posições antagónicas e inconciliáveis, como por exemplo dar o mesmo facto provado e como não provado, quando se afirma e nega a mesma coisa, ao mesmo tempo, ou quando simultaneamente se dão como provados factos contraditórios ou quando a contradição se estabelece entre a fundamentação probatória da matéria de facto, em situações que não possam ser ultrapassadas pelo tribunal de recurso, e tem de resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum [Ac. do STJ de 02DEZ99, Proc. nº 1 046/98, 5ª Sec., Bol. 36, sumariado na pág. da Internet, do STJ.]
Como acima se referiu, a sentença deve conter a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, sob pena de nulidade (arts. 374º, nº2.e 379º, nº1, al. a), do CPP.
No caso subjudice, a sentença recorrida enumerou os factos que considerou provados e em seguida os factos não provados, em obediência ao mencionado preceito legal.
Ora, não consta da sentença recorrida que os factos provados e não provados são inconciliáveis ou antagónicos entre si, com os factos dados como provados, sendo que estes – os factos provados – permitem concluir que a conduta do arguido integra a prática do crime de violação, p. e p., pelo art. 152º, do CP, crime este que lhe era imputado na pronúncia.
Assim sendo, tendo o tribunal “a quo” considerado provados os factos que integram os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime imputado ao arguido na acusação, não podia deixar de julgar a acusação procedente.
Neste sentido, improcede nesta parte o recurso do arguido.
3.2. Relativamente á nulidade da sentença, nos termos do art. 379º, al. a), do CPP, por violação do art. 374º, nº2, do CPP.
Alega o recorrente que quanto aos factos provados, a sentença alicerça-se fundamentalmente no depoimento parcial da ofendida C.............., por as testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento nada terem provado, no que refere a comportamentos do recorrente, que consubstanciam o crime de maus tratos.
Quanto aos factos não provados, englobando os constantes do pedido cível, não há qualquer referência à convicção, que levou a que os mesmos fossem dados como não provados, limitando-se o Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo" a referir, sem especificar quais depoimentos, que nenhuma das pessoas ouvidas a eles aludiu nos termos bastantes para se darem como provados.
3.2.1. Como acima referimos para a falta de indicação das provas que serviram para fundamentar a convicção do tribunal comina-se uma nulidade – art. 379º, al. a), do CPP.
Contudo, in casu, como acima deixámos transcrito, o Tribunal “a quo” na motivação, pronunciou-se de forma coerente, pormenorizada e explícita, a forma como formou a sua convicção, o porquê e a relevância a que a deu aos meios de prova apresentados pela acusação e pela defesa, e constantes dos documentos juntos, quer quanto aos factos provados, quer quanto aos factos não provados.
Quanto aos factos não provados, consta expressamente da motivação probatória da decisão de facto que «Relativamente aos factos não provados, e para além dos que resultam excluídos em face da factualidade provada, não foi feita prova suficiente, porquanto nenhuma das pessoas ouvidas a eles aludiu em termos bastantes para se poderem dar como provados»
Neste sentido, não enferma a sentença recorrida de qualquer nulidade, por falta de motivação, nos termos dos arts. 374º, nº2, e 379º, nº 1, al. a), do CPP.
3.3. Vejamos, agora a matéria de direito:
Insurge-se o recorrente quanto ao enquadramento jurídico-penal, porquanto no seu entender, o tipo de crime de que o recorrente foi pronunciado p. e p. pelo art. 152.º, n.º 2 do C. Penal, pressupõe uma reiteração nas respectivas condutas. Um tempo longo entre dois ou mais comportamentos afastará o elemento reiteração ou habitualidade. Engloba maus tratos físicos e psíquicos ao cônjuge, tendo como bem jurídico protegido, a saúde deste, inserida no respeito pela dignidade humana. Nenhum dos pressupostos típicos deste crime foi preenchido pelo comportamento do recorrente, para que se possa afirmar com segurança que foi este o crime por ele cometido. O crime de maus tratos exige uma conduta plúrima e repetitiva em determinado período de tempo. Tal não se verifica, mesmo que se considere as eventuais condutas do recorrente integradoras do crime em apreço. O recorrente vivia em união de facto com a ofendida desde 1986, tendo ambos casado em 15/11/94. Assim, 16 anos após a vivência em comum, o recorrente foi pronunciado, sendo-lhe atribuído um empurrão na ofendida, fazendo com que esta caísse ao chão, em 28/04/2002. Em 25/07/2002 foi atribuído ao recorrente ter este desferido uma cabeçada na cara da ofendida, atingindo-a no nariz, de tal forma que esta, após caminhar alguns passos em direcção à rua, ficou prostrada no solo, sem sentidos, sofrendo edema acentuado no nariz com epistaxis. Em 27/12/2001, num desentendimento entre ambos, a ofendida agarrou-se ao arguido, porque pretendia conversar com ele e retirar-lhe o gravador que empunhava, e dado que este continuou a caminhar, aquela foi sendo arrastada, sofrendo traumatismo parieto-occipital com hematoma, bem como equimoses e hematomas dispersos pelos braço e ante-braço direitos e edema do dedo anelar direito. Estas três condutas do recorrente a serem provadas, não preenchem os elementos objectivos do tipo de crime que lhe é imputado, nem podem consubstanciar, como consta da douta decisão do Tribunal "a quo", inequivocamente uma reiteração de agressões corporais, injúrias e humilhações, ao longo de vários anos a ponto de se traduzirem em maus tratos fisicos e psíquicos».
3.3.1. O crime de maus tratos a cônjuge, p. e p., pelo art. 152º, nº1, do CP, na redacção dada pela Lei nº 7/2000, de 27MAI, «Quem, tendo ao seu cuidado, à sua guarda, sob a responsabilidade da sua direcção ou educação, ou a trabalhar ao seu serviço, pessoa menor ou particularmente indefesa, em razão da idade, deficiência, doença ou gravidez, e:
a) Lhe inferir maus tratos físicos ou psíquicos ou a tratar cruelmente;
b) A empregar em actividades perigosas ou desumanas ou proibidas; ou
c) A sobrecarregar com trabalhos excessivos;
é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos, se o facto não for punível pelo art. 144º;»
Dispondo o nº2, do citado normativo que «A mesma pena é aplicável a quem infligir ao cônjuge, ou a quem com ele conviver em condições análogas às dos cônjuges, maus tratos físicos ou psíquicos».
«No crime de maus tratos a cônjuge p. e p., pelo art. 152º, nºs 1 e 2, do CP, “o bem jurídico protegido é a saúde, bem jurídico complexo que abrange a saúde física psíquica e mental, bem jurídico este que pode ser afectado por toda a multiplicidade de comportamentos que (…) afectem a dignidade pessoal do cônjuge” [Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, 1999, Vol I, pág. 332]

As condutas previstas e punidas neste preceito são de várias espécies: maus tratos físicos, ou seja, ofensas corporais simples, maus tratos psíquicos, isto é, humilhações, provocações, molestações, ameaças mesmo que não configuradas em si crime de ameaça.
Como salienta o mesmo autor, «A ratio do tipo não está, pois, na protecção da comunidade (…) conjugal, (…), mas sim na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana. O âmbito punitivo deste tipo de crime inclui os comportamentos que de forma reiterada, lesam esta dignidade”.
“O tipo de crime em análise pressupõe, segundo a ratio da autonomização deste crime, uma reiteração das respectivas condutas. Um tempo longo entre dois ou mais dos referidos actos afastará o elemento reiteração ou habitualidade pressuposto, implicitamente, por este tipo de crime», [Taipa de Carvalho, in ob.cit., pág. 334]
Também na mesma linha argumentativa, sobre a questão do elemento reiteração, Leal Henriques e Simas Santos, [in Código Penal Anotado, 3ª Ed. 2º vol., Ed. Rei dos Livros, 2000, pág. 301], observam que «não basta uma acção isolada do agente para que se preencha o tipo legal (estaríamos então no domínio das ofensas á integridade física, pelo menos), mas também não se exige a habitualidade da conduta».
3.3.2. Retornando à factualidade provada na sentença recorrida, temos como assentes a seguinte factualidade:
«O arguido viveu em união de facto com a ofendida, C............, desde aproximadamente 1986, tendo casado com ela em 15 de Novembro de 1994. Têm em comum uma filha menor, habitando todos no lugar de ........., em ......., Estarreja. Por vezes, sobretudo nos últimos anos, o arguido tem insultado a ofendida, chamando-lhe "puta" e "filha da puta". Também por vezes, o arguido munia-se de um gravador, para registar as conversas com a ofendida. O arguido chegou também a agredir fisicamente a esposa, a qual não recebia assistência médica nem apresentava queixa quer por vergonha, quer por medo de represálias por parte dele.
No dia 27 de Dezembro de 2001, na referida residência do casal, quando o arguido se dirigia para a rua, a ofendida, porque pretendia conversar com ele e retirar-lhe o gravador que o mesmo empunhava, agarrou-se a ele, sem o soltar, o que fez com que fosse arrastada desde o pátio até ao caminho, uma vez que o arguido não deixou de caminhar. Em consequência de tais factos, a ofendida sofreu traumatismo parieto-occipital com hematoma, bem como equimoses e hematomas dispersos pelos braço e ante-braço direitos e edema do dedo anelar direito, lesões estas que lhe demandaram sete dias de doença, sem incapacidade para o trabalho.
No dia 28 de Abril de 2002, cerca das 22h e 30m, junto à entrada da residência do casal, o arguido empurrou a ofendida, fazendo com que a mesma caísse ao chão, causando-lhe ferida incisa na perna direita, lesão que lhe demandou oito dias de doença, sem incapacidade para o trabalho.
Na noite de 25 de Julho de 2002, cerca das 23h e 40m, decorrendo uns festejos populares na via pública, em ....., ....., Estarreja, próximo da residência de ambos, o arguido desferiu uma cabeçada na cara da ofendida, atingindo-a no nariz, de tal forma que esta, após caminhar alguns passos em direcção à rua, pedindo socorro e dizendo que o marido a tinha agredido, ficou prostrada no solo, sem sentidos, sofrendo edema acentuado no nariz com epistaxis, lesão esta que lhe demandou oito dias de doença, sem incapacidade para o trabalho.
Desde essa data, arguido e ofendida deixaram de fazer qualquer vida em comum, tendo o arguido saído de casa e ido morar em casa arrendada, estando a decorrer a respectiva acção de divórcio.
O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de agredir fisicamente a sua mulher e de a maltratar psiquicamente, com o fim de fazer valer a sua vontade pelo recurso à violência física e psíquica. Mais sabia que as suas condutas eram proibidas por lei.
A ofendida toma frequentemente medicamentos anti-depressivos e ansiolíticos. O arguido munia-se de um gravador e de uma câmara de filmar porque a ofendida lhe atribuía comportamentos que este entendia não ter cometido. Pelo menos num dos episódios de violência física, o arguido também sofreu escoriações, tendo chegado a receber tratamentos de uma pessoa amiga.
No episódio ocorrido no dia 27 de Dezembro de 2001, o arguido tinha ido a casa para acordar a filha, a fim de a mesma fazer alguns trabalhos escolares, tendo sido à saída de casa que a ofendida se agarrou a ele.
O episódio ocorrido no dia 25 de Julho de 2002 deveu-se ao facto de a ofendida ainda pretender ir com a filha ao arraial da festa, com o que o arguido não concordou face ao adiantado da hora. Nessa ocasião, as pessoas que ocorreram ao local insurgiram-se contra o arguido, obrigando-o a retirar-se ligeiramente do local onde a ofendida se encontrava caída. Esta foi transportada ao hospital, para receber tratamento. Em consequência das lesões sofridas pela ofendida, esta deslocou-se ao "Hospital D............" nos dias 27 de Dezembro de 2001 e 26 de Julho de 2002, tendo-lhe sido prestados cuidados médicos cujo custo ascendeu a, respectivamente, € 61,21 e € 27,93.
Frequentemente o arguido rebaixava a ofendida. Não obstante esse e os supra descritos comportamentos do arguido, a ofendida, durante anos, tudo suportou na esperança de poder manter o seu casamento e de não causar tristeza à filha do casal. A ofendida, em consequência das mencionadas condutas do arguido, sofreu dores. Tudo isso, fez com que tivesse crises nervosas. Actualmente sente-se revoltada, frustrada e desalentada. Nasceu em 12 de Março de 1952. arguido não a deixava trabalhar».
Do exposto resulta que a conduta do arguido não se consubstanciou num acto isolado, num mero episódio de circunstância, num acto excepcional ou acidental, mas ao invés repetiu-se por três vezes em 27DEZ01, em 28ABR02, e em 25JUL02, sendo que desde esta data, arguido e ofendida deixaram de fazer qualquer vida em comum, tendo o arguido saído de casa e ido morar em casa arrendada, estando a decorrer a respectiva acção de divórcio.
Além de que, já anteriormente a 27DEZ01, por vezes, sobretudo nos últimos anos, o arguido tem insultado a ofendida, chamando-lhe "puta" e "filha da puta", e também por vezes, o arguido munia-se de um gravador, para registar as conversas com a ofendida, chegando o arguido também a agredir fisicamente a esposa, a qual não recebia assistência médica, nem apresentava queixa, quer por vergonha, quer por medo de represálias por parte dele, tal como resulta da factualidade dada como provada.
Com efeito, o conceito de «reiteração», acto ou efeito de repetir = repetidamente», [Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa, Ed. Verbo 2001], para efeitos de se verificar a conduta típica do crime de maus tratos a cônjuge, p. e p., pelo art. 152º, nº2, do CP, não significa que diariamente ou consecutivamente o agente inflija maus tratos físicos ou psíquicos ao cônjuge ou a pessoa com quem em união de facto.
Porém, no caso dos autos, entre a primeira agressão concretamente discriminada no tempo [que ocorreu em 27DEZ01] e a segunda [que ocorreu em 28ABR02], decorreram 4 meses, e a terceira foi perpetrada decorridos 3 meses – 25JUL02, logo não se pode considerar que entre as mencionadas condutas decorreu um tempo longo, de modo a afastar o conceito de reiteração, implícito na previsão normativa do art. 152º, nº2, do CP.
Assim sendo, mostra-se, pois, provado, o elemento «reiteração», pressuposto do tipo de crime de maus tratos a cônjuge, p. e p., pelo art. 152º, nº 2, do CP.
É, pois, de manter a qualificação jurídico-criminal por que optou a sentença recorrida, integrando a conduta do arguido os elementos objectivo e subjectivo do crime de maus tratos a cônjuge, p. e p., pelo art. 152º, nº2, do CP, pelo qual foi condenado, improcedendo os fundamentos do recurso relativos a esta qualificação.
3.4. Finalmente a última questão suscitada pelo recorrente, reside no montante da indemnização que foi fixado na sentença recorrida.
Alega o recorrente, que a indemnização constante da douta decisão é no mínimo exagerada, face ás condições económicas do recorrente e ao tipo legal de crime de que foi pronunciado, e não teve em conta o facto de o recorrente pagar renda da casa onde habita na importância de € 150,00 e pagar a título de pensão de alimentos para a filha e para a ofendida, € 130,00 e € 200,00, respectivamente.
3.4.1. No caso subjudice a ofendida C............. deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido/demandado, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 25 000, acrescida de juros de mora desde a notificação para contestar o pedido cível, a título de indemnização pelos danos morais sofridos com a conduta do arguido.
Na sentença recorrida foi julgado parcialmente procedente o pedido cível formulado pela lesada C.............., condenando o arguido a pagar-lhe a quantia de € 4.000 (quatro mil euros), acrescida de juros de mora, contados desde a data da notificação para contestar até integral pagamento, à taxa legal de 4%.
O que está em causa são apenas os danos não patrimoniais, sofridos pela ofendida em consequência da conduta do arguido.
De harmonia com o estatuído no nº 1, do art. 496º, do C. Civil «Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais, que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito».
E o seu nº 3, acrescenta que «O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo, em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º».
O quantum indemnizatório correspondente aos danos não patrimoniais terá de ser calculado, sempre, “segundo critério de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular do direito à indemnização (art. 496º, nº 3), aos padrões da indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, às flutuações do valor da moeda, etc” [A. Varela in “Das Obrigações em Geral”, vol I, 7ª ed. pág. 601]
“A indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar, de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente” [ob. cit. pág. 602]
A dificuldade de “quantificar” os danos não patrimoniais não pode servir de entrave à fixação de uma indemnização que procurará ser justa, correndo o risco, embora, de ser aleatória, tanto mais, que neste campo assume particular relevância a vertente da equidade [vide Ac. da RL. de 15DEZ94, in CJ de 1994, Tomo V, pág.135)].
A reparação judicial dos danos ou prejuízos, na jurisdição criminal, quer para os danos patrimoniais, quer para dos danos não patrimoniais, deve ser determinada, quanto ao montante da indemnização, segundo o prudente arbítrio do julgador que atenderá à gravidade da infracção, ao dano material e moral por ele causado, à situação económica e à condição social do ofendido e do infractor.
Os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis, não podendo ser reintegrados, mesmo por equivalência, ou seja, não visam reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento, mas sim compensar o lesado pelas dores e também sancionar a conduta do lesante.
A norma orientadora (art. 494º, do C. Civil) fornece elementos suficientes, ao julgador. A equidade funda-se, em suma, em razões de conveniência, de oportunidade e, principalmente de justiça concreta.
A reparação dos danos não patrimoniais, ou seja, o montante indemnizatório ao ser fixado equitativamente, deverá ter em consideração as circunstâncias apontadas no art. 496º, nº 3, do C. Civil, e deve aproximar-se quanto possível, dos padrões seguidos pela jurisprudência tendo em conta as flutuações da moeda e deve ser actual, aplicando-se aqui igualmente a regra do art. 566º, do C. Civil, que manda atender à data mais recente em que o facto é apreciado pelo Tribunal.
Equidade não é sinónimo de arbitrariedade pura e simples, mas sim um critério para a correcção do direito em ordem a que se tenha em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto.
3.4.2. No caso dos autos ficou provado que: «O arguido viveu em união de facto com a ofendida, C.............., desde aproximadamente 1986, tendo casado com ela em 15 de Novembro de 1994.Têm em comum uma filha menor, habitando todos no lugar de ...., em ...., Estarreja. Por vezes, sobretudo nos últimos anos, o arguido tem insultado a ofendida, chamando-lhe "puta" e "filha da puta". Também por vezes, o arguido munia-se de um gravador, para registar as conversas com a ofendida. O arguido chegou também a agredir fisicamente a esposa, a qual não recebia assistência médica nem apresentava queixa quer por vergonha, quer por medo de represálias por parte dele.
No dia 27 de Dezembro de 2001, na referida residência do casal, quando o arguido se dirigia para a rua, a ofendida, porque pretendia conversar com ele e retirar-lhe o gravador que o mesmo empunhava, agarrou-se a ele, sem o soltar, o que fez com que fosse arrastada desde o pátio até ao caminho, uma vez que o arguido não deixou de caminhar. Em consequência de tais factos, a ofendida sofreu traumatismo parieto-occipital com hematoma, bem como equimoses e hematomas dispersos pelos braço e ante-braço direitos e edema do dedo anelar direito, lesões estas que lhe demandaram sete dias de doença, sem incapacidade para o trabalho.
No dia 28 de Abril de 2002, cerca das 22h e 30m, junto à entrada da residência do casal, o arguido empurrou a ofendida, fazendo com que a mesma caísse ao chão, causando-lhe ferida incisa na perna direita, lesão que lhe demandou oito dias de doença, sem incapacidade para o trabalho. Na noite de 25 de Julho de 2002, cerca das 23h e 40m, decorrendo uns festejos populares na via pública, em ........., ....., Estarreja, próximo da residência de ambos, o arguido desferiu uma cabeçada na cara da ofendida, atingindo-a no nariz, de tal forma que esta, após caminhar alguns passos em direcção à rua, pedindo socorro e dizendo que o marido a tinha agredido, ficou prostrada no solo, sem sentidos, sofrendo edema acentuado no nariz com epistaxis, lesão esta que lhe demandou oito dias de doença, sem incapacidade para o trabalho.
Desde essa data, arguido e ofendida deixaram de fazer qualquer vida em comum, tendo o arguido saído de casa e ido morar em casa arrendada, estando a decorrer a respectiva acção de divórcio.
O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de agredir fisicamente a sua mulher e de a maltratar psiquicamente, com o fim de fazer valer a sua vontade pelo recurso à violência física e psíquica. Mais sabia que as suas condutas eram proibidas por lei.
A ofendida toma frequentemente medicamentos anti-depressivos e ansiolíticos. O arguido munia-se de um gravador e de uma câmara de filmar porque a ofendida lhe atribuía comportamentos que este entendia não ter cometido.
Pelo menos num dos episódios de violência física, o arguido também sofreu escoriações, tendo chegado a receber tratamentos de uma pessoa amiga.
No episódio ocorrido no dia 27 de Dezembro de 2001, o arguido tinha ido a casa para acordar a filha, a fim de a mesma fazer alguns trabalhos escolares, tendo sido à saída de casa que a ofendida se agarrou a ele. O episódio ocorrido no dia 25 de Julho de 2002 deveu-se ao facto de a ofendida ainda pretender ir com a filha ao arraial da festa, com o que o arguido não concordou face ao adiantado da hora. Nessa ocasião, as pessoas que ocorreram ao local insurgiram-se contra o arguido, obrigando-o a retirar-se ligeiramente do local onde a ofendida se encontrava caída. Esta foi transportada ao hospital, para receber tratamento.
Frequentemente o arguido rebaixava a ofendida. Não obstante esse e os supra descritos comportamentos do arguido, a ofendida, durante anos, tudo suportou na esperança de poder manter o seu casamento e de não causar tristeza à filha do casal. A ofendida, em consequência das mencionadas condutas do arguido, sofreu dores. Tudo isso, fez com que tivesse crises nervosas. Actualmente sente-se revoltada, frustrada e desalentada. Nasceu em 12 de Março de 1952. arguido não a deixava trabalhar».
Por seu turno quanto à situação económica do demandado resultou provado que «Trabalha como operário fabril, auferindo um salário mensal que ronda os € 1.480. Actualmente vive só, pagando E 150 de renda de casa. A títulos de pensão alimentar para a filha e para a mulher paga por mês, respectivamente, € 130 e € 200».
Considerando, por um lado, a factualidade apurada relevante para este tópico da decisão, ou seja, as lesões sofridas em consequência das agressões de que foi vítima por parte do arguido, seu marido, as dores que sofreu, os vexames e humilhações, sendo que desde 25JUL02, data da última agressão, o arguido e ofendida deixaram de fazer qualquer vida em comum, tendo o arguido saído de casa e ido morar em casa arrendada, estando a decorrer a respectiva acção de divórcio, e, tendo em atenção, por outro lado que «as indemnizações, em geral, não podem ser meramente simbólicas ou miserabilistas, pois visam compensar, de algum modo, sofrimentos e frustrações, por meio de disponibilidade de certas quantias em dinheiro, e que os tribunais, conscientes da natureza irremediável de muito grande número de situações, devem proceder a uma atribuição de montantes que, dado o nível de preços existente na sociedade actual, possam proporcionar, não propriamente prazer, mas talvez algum conforto, no sentido de compensar, pelo único modo possível, perdas afectivas e outros casos de grande sofrimento» [vide Ac do STJ de.02-07-1998, Revista n.º 444/98 - 2.ª Secção Relator: Cons. Roger Lopes, publicado na página da Internet do STJ)], e tendo ainda em atenção, que na fixação do quantum indemnizatório se atenderá à gravidade da infracção, e também à situação económica e à condição social do ofendido e do infractor, e que a indemnização por danos não patrimoniais, visa não só compensar o lesado pelas dores e também sancionar a conduta do lesante, afigura-se-nos justa e equilibrada a quantia de € 4 000 (quatro mil euros), que lhe foi fixada na sentença recorrida a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos pela ofendida C.............., em consequência da conduta do demandado.
3.4.3. Relativamente á quantia de € 89,14 (oitenta e nove euros e catorze cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a data da notificação para contestar o pedido até integral pagamento, em que o demandado foi condenado a pagar ao "HOSPITAL D.............." atenta a factualidade dada como provada na sentença recorrida, ou seja, que «Em consequência das lesões sofridas pela ofendida, esta deslocou-se ao "Hospital D............." nos dias 27 de Dezembro de 2001 e 26 de Julho de 2002, tendo-lhe sido prestados cuidados médicos cujo custo ascendeu a, respectivamente, € 61,21 e € 27,93», mostra-se devidamente arbitrada, de harmonia com o disposto no art. 6º, nº1, do DL nº 218/99, de 15JUN.
Neste sentido, a sentença recorrida não merece qualquer reparo ou censura, fazendo uma correcta interpretação e aplicação da lei, não a violando em qualquer ponto, mostrando-se justa e equilibrada a pena em que o arguido foi condenado, assim como o montante que foi fixado a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela ofendida, e o montante que foi arbitrado ao Hospital D............., que prestou assistência á ofendida, pelo que improcede na totalidade o recurso.
***
4. DECISÃO.
Termos em que acordam os Juizes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, e, em consequência, confirmar a douta sentença recorrida.
Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 6UC.
Honorários ao Exmº Defensor Oficioso nos termos legais.
***
Porto, 13 de Julho de 2005
Maria da Conceição Simão Gomes
Francisco José Brízida Martins
António Gama Ferreira Gomes
Arlindo Manuel Teixeira Pinto