Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3639/15.6T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CARACTERIZAÇÃO
LEI APLICÁVEL
ENFERMAGEM
ESTATUTO REMUNERATÓRIO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Nº do Documento: RP201801083639/15.6T8VFR.P1
Data do Acordão: 01/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL (2013)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º267, FLS.32-51)
Área Temática: .
Sumário: I - A caracterização da relação jurídica estabelecida entre as partes contratantes tem de ser efectuada tendo em conta a lei em vigor à data da sua constituição.
II. À data em que o contrato em causa foi celebrado iniciara a sua vigência, em 1 de Dezembro de 2003, o Código do Trabalho 03 (art.º 3.º 1, da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto). Assim, contrariamente ao que foi entendido pelo Tribunal a quo e, assinale-se, também pela recorrente, a apreciação da questão relativa à qualificação do contrato deve ser feita face ao disposto no art.º 12.º do CT03, na sua versão inicial, e não à luz da correspondente norma do actual CT/09.
III - O DL 122/2010, de11 Novembro, tem por objecto regular duas situações distintas: por um lado, vem estabelecer um estatuto remuneratório, aplicável à carreira especial de enfermagem regulada pelo Decreto-Lei 248/2009, de 22 de Setembro; por outro, estabelece as regras de reposicionamento remuneratório por efeito da transição para a carreira especial de enfermagem dos trabalhadores, aplicável aos enfermeiros contratados por pessoas colectivas públicas nas situações tipificadas no art.º 2.º do DL 437/91, que passaram a estar enquadrados na carreira especial de enfermagem regulada pela Lei 248/2009, de 22 de Setembro.
IV - Significando isto que a não podia estar abrangida pelas regras de reposicionamento remuneratório a que se refere o art.º 5.º, do mesmo diploma, dado que o seu estatuto de origem é de enfermeira contratada por contrato de trabalho sujeito ao regime do Código do Trabalho e respectiva legislação especial. A autora recorrente não transitou para a carreira especial de enfermagem nem podia ter transitado e, logo, está fora do âmbito de aplicação do art.º 5.º do DL 122/2010.
V - O princípio da igualdade “postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais”.
VI - Significa isto, pois, que a indagação da alegada situação de tratamento desigual da autora recorrente só pode ser aferida em relação a situações concretas que constem da matéria de facto, sendo que, de acordo com as regras gerais de repartição do ónus de prova, sobre ela recaía o ónus de alegação e prova dos factos necessários para demonstrar a alegada discriminação em preterição do princípio constitucional “trabalho igual salário igual”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 3639/15.6T8VFR.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I. RELATÓRIO
I.1 No Tribunal da Comarca de Aveiro – Juízo do Trabalho de …, B…, instaurou a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo declarativo comum, a qual veio a ser distribuída ao J1, contra Centro Hospitalar C…, E.P.E, pedindo que se declare e reconheça que:
- A –
1 – O contrato celebrado entre A. e R., a 16 de Dezembro de 2003 é um verdadeiro contrato de trabalho, considerando-se celebrado sem termo;
2 – A A. detém, para efeitos de antiguidade, 12 anos de serviço, contados ininterruptamente desde 17 de Julho de 2003;
3 – A A. deveria ter adquirido a categoria profissional de “Enfermeiro Graduado”, com efeitos desde 18 de Julho de 2009;
4 – A A. tem direito ao reposicionamento remuneratório previsto na alínea por via da indexação do seu contrato de trabalho aos índices salariais dos enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde, com efeitos desde 1 de Janeiro de 2012. Ou,
4 b) – Caso assim não se entenda, subsidiariamente, o que por mera hipótese académica se consente, ter a A. direito ao reposicionamento remuneratório previsto na alínea c) do n.º 2 do art.º 5º do DL 122/2010, de 11 de Novembro;
5 – A A. presta serviços de qualidade, quantidade e natureza igual ao trabalho prestado por colegas no Sistema Nacional de Saúde e, declarar que lhe assiste o direito a receber da R. o mesmo valor que aqueles, a título de retribuições base e outros acréscimos salariais.
Deve também ser a R. condenada a pagar à A. as seguintes quantias:
- B –
1 – A diferença remuneratória correspondente a €125,26 mensais, desde 1 de Agosto de 2009 (1º dia do mês seguinte à obtenção da categoria de enfermeiro graduado) e até 1 de Janeiro de 2012 no montante de €3.632,54;
2 – A diferença remuneratória correspondente a €181,42 mensais, desde 1 de Janeiro de 2012 e até 16 de Novembro de 2015 (pela aplicação do reposicionamento remuneratório previsto na alínea b) do n.º 2 do Art.º 5º do DL 122/2010, de 11 de Novembro), no montante de €8.526,74;
3 – Os juros moratórios referentes às prestações supra referidas, no montante de €1.148,96;
4 – A diferença da retribuição das Férias e respectivo subsídio, bem assim como do Subsídio de Natal, nos anos de 2009 a 2015, acrescida de juros, no valor total de €3.192,10 (2.872,44 + 319,66).
Que ora perfazem o montante de €16.500,34, E ainda, ser a R. condenada a pagar:
5 – As retribuições respeitantes às diferenças salariais pelo trabalho prestado desde 1 de Agosto de 2009 até 16 de Novembro de 2015, designadamente referente a prestações complementares e acessórias, trabalho nocturno, trabalho suplementar e qualquer outra forma de retribuição.
6 – E todos os acréscimos salariais que, em virtude da ausência de promoção, deveriam ter sido pagos em função do salário base ilíquido de €1.145,32 referente à categoria profissional de Enfermeiro Graduado.
7 – Todos os acréscimos salariais, que em virtude de discriminação salarial, que deveriam ter sido pagos em função do salário base ilíquido de €1.201,48.
8 – Ser a R. condenada a pagar, com eficácia ex nunc à A., o montante salarial base de €1.201,48, resultante da aplicação indexação dos respectivos contratos aos dos enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde.
9 – Os juros moratórios, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações retributivas, até efectivo e integral pagamento;
10 – Custas e demais encargos legais;
11 – Tudo, o que não seja já líquido, a liquidar em execução de sentença.
Realizou-se audiência de partes, sem ter sido possível obter a sua conciliação, pelo que foi ordenada a notificação da Ré para contestar.
A Ré apresentou contestação, pugnando pela improcedência da acção. Contrapõe, em suma, que a A. invoca legislação que não se lhe aplica, uma vez que tal legislação apenas se aplica aos enfermeiros integrados na carreira especial de enfermagem cuja relação jurídica de emprego pública seja constituída por contrato de trabalho em funções públicas.
I.2 Dispensou-se audiência preliminar, fixou-se o valor da causa, saneou-se o processo e dispensou-se a identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento.
I.3 Subsequentemente foi proferida sentença, fixando a matéria de facto provada e aplicando o direito aos factos, concluída com o dispositivo seguinte:
- «Pelo exposto, julgo a presente acção totalmente improcedente, por não provada.
Custas a cargo da A.
Registe e notifique.
(..)».
I.4 Inconformada com esta sentença, a Autora interpôs recurso de apelação, apresentando alegações finalizadas com as conclusões seguintes:
I – Da nulidade da sentença:
i) Padece a sentença recorrida de nulidade, por força da alínea d) do n.º 1 do Art.º 615.º do CPC, aplicável ex vi Art.º 1.º CPT, porquanto;
ii) O tribunal a quo não se pronunciou, como lhe competia, quanto à celebração de um contrato, putativamente de prestação de serviços, em violação do disposto no n.º 1 do Art.º 132 do CT à data vigente.
iii) O tribunal a quo não se pronunciou, como lhe competia, relativamente à igualdade funcional, quanto à quantidade, natureza e qualidade do serviço prestado, quer entre a recorrente e a enfermeira D…, quer quanto àquela e aos seus demais colegas, nos quais se incluem as testemunhas ouvidas presencialmente, não ficando essa matéria nem por provada, nem por não provada.
iv) O tribunal a quo não se pronunciou, como lhe competia, quanto ao resultado qualitativo da avaliação a que foi sujeita a recorrente, facto aliás provado através de documento interno da recorrida.
v) O tribunal a quo não se pronunciou, como lhe competia, relativamente ao cumprimento por parte da recorrente dos requisitos para a obtenção da categoria profissional de “enfermeiro graduado” desde 18 de Julho de 2009.
II – Dos factos e do Direito:
a) O tribunal a quo considerou provado que a recorrente sempre trabalhou na sede da recorrida, usando instrumentos de trabalho desta, cumprindo os horários de trabalho que esta unilateralmente definia, usando farda e cartão de funcionário, condições que por si só faziam presumir estar-se perante contrato de trabalho, nos termos do Art.º 11.º do Código do Trabalho.
b) O tribunal a quo deu por ilidida a presunção de laboralidade, tendo apenas por base o contrato de putativa prestação de serviços celebrado entre recorrente e recorrida, sem necessidade de qualquer prova por parte da ali Ré;
c) As condições em que o trabalho foi prestado pela recorrente foram sempre as mesmas, não sofrendo quaisquer alterações que não fossem de natureza contributiva, desde 17 de Junho de 2003 e até à presente data.
d) A recorrente trabalhou desde 17 de Junho de 2003 de forma ininterrupta para a recorrida, sempre como enfermeira, e de forma subordinada.
e) A presunção do tribunal a quo de que a recorrente, por ser uma pessoa culta e esclarecida, sabia bem o contrato que estava a assinar, desconsidera a mundividência altamente díspar entre a recorrente nos dias de hoje e em 2003, com 23 anos de idade, quando assinou aquele contrato.
f) A recorrente acedeu à proposta de contrato da apresentada pela recorrida, tal como até então tinha feito, pura e simplesmente porque tinha acabado de sair da faculdade e necessitava de um emprego, aceitando-o nas condições que lhe eram oferecidas, por necessidade.
g) Para ilidir a presunção de laboralidade cumpria à recorrida levar ao tribunal indícios do carácter autónomo do trabalho prestado que, pela quantidade e impressividade, impusessem a conclusão de se estar perante outro tipo de relação jurídica.
h) Sendo a recorrida uma Entidade Pública Empresarial, co-financiada pelo erário público, é particularmente gravoso o abuso dessa posição dominante para a celebração de contratos de falsas prestações de serviços.
i) Independentemente da natureza, o contrato celebrado 16 de Dezembro de 2003, por se seguir imediatamente a um contrato a termo, violou o disposto no n.º 1 do Art.º 132 do CT à data vigente, o que impunha, nos termos do n.º 3 da mesma norma, que o mesmo fosse considerado contrato sem termo.
j) O tribunal a quo ao procurar a solução para o presente processo nos acórdãos dessa veneranda Relação n.º 496/14.1TTVFR.P1 e 497/14.1TTVFR.P1, desvirtuou gravemente as especificidades deste caso concreto que, por si só, impunham solução diferente.
k) A recorrente alegou sentir-se discriminada face, entre outras, à sua colega D…, que claramente identificou e que foi ouvida nos presentes autos, cumprindo o ónus que sobre si recaia;
l) A aludida enfermeira afirmou ter uma sucessão de contratos igual à da autora e sempre ter desempenhado, no mesmo local e da mesma forma, funções iguais;
m) Trabalho que confirmou haver desempenhado de forma subordinada, com horário pré-definido pela recorrida, em igual quantidade, natureza e qualidade ao da recorrente;
n) Sendo que essa colega foi promovida a enfermeira graduada, auferindo desde Junho de 2009 um salário de €1.145,32, nos termos da Decreto-Lei 437/91, de 8 de Novembro;
o) E voltou, em Janeiro de 2012, a sofrer progressão na carreira, nos termos da alínea b) do n.º 2 do Art.º 5º do DL122/2010, passando desde então a auferir €1.201,48.
p) À recorrente, que estava rigorosamente nas mesmas circunstâncias, foi negado o direito quer à graduação, quer ao reposicionamento remuneratório, vendo o seu salário manter-se inalterado até Outubro de 2015;
q) As circunstâncias aduzidas configuram violação do princípio da igualdade, na sua vertente, “para trabalho igual, salário igual”.
r) A sentença recorrida resolve esta questão de forma limitada, ao reportar-se aos acórdãos acima identificados, com os fundamentos daqueles, que não são compatíveis com a situação fáctica subjacente ao presente processo.
s) Tal como a testemunha ouvida por meio de carta rogatória, também as que prestaram o seu testemunho presencialmente afirmaram ter contrato individual de trabalho com a recorrida, e terem sido alvo de reposicionamento remuneratório entre 2011 e 2013, para o salário base de €1.201,48, conforme previsto no do DL122/2010.
t) As testemunhas ouvidas, consideradas coerentes pelo tribunal a quo, revelaram prestar funções iguais às da recorrente e decorre da documentação junta que trabalhavam exactamente o mesmo número de horas.
u) A conduta da recorrida, ao promover uns seus trabalhadores em detrimento de outros que se encontravam em igualdade de circunstâncias, violou o princípio “para trabalho igual salário igual”, decorrente do princípio da equidade retributiva, consagrado no Art.º 59.º,n.º 1, alínea a), da Constituição da Republica Portuguesa.
v) A recorrida ao inserir nos contratos de trabalho uma cláusula de equiparação entre a carreira dos enfermeiros com contrato individual de trabalho e a carreira dos enfermeiros integrados no SNS, criou-lhes uma espectativa legítima de progressão e promoção na carreira, nos mesmos termos que aqueles.
w) A recorrida promoveu todos os enfermeiros com contrato individual de trabalho ao seu serviço que se enquadravam nas alíneas a) e b) do n.º 2 do Art.º 5º do DL 122/2010, com excepção da recorrente.
x) Sendo certo que já tinha promovido os mesmos enfermeiros à categoria de enfermeiro graduado, assim que cumpriram seis anos ao seu serviço, com avaliações iguais ou superiores a satisfaz.
y) A recorrente cumpriu seis anos de serviço ininterrupto ao serviço da recorrida no dia 18 de Julho de 2009, devendo ter sido considerada enfermeira graduada com efeitos patrimoniais desde 1 de Agosto do mesmo ano, devendo desde essa data ter passado a auferir €1.145,32;
z) Pela mesma ordem de razões, a recorrida tinha o direito a, nos termos da alínea b) do n.º 2 do Art.º 5º do Decreto-Lei 122/2010, da mesmíssima forma que o foram os seus colegas, ser alvo do reposicionamento remuneratório aí previsto, tendo passado a receber, desde Janeiro de 2012, o salário de €1.201,48.
aa) A cláusula prevê que a promoção da ora recorrente “a categoria superior da respectiva carreira, bem como a progressão em cada categoria, são análogas às dos profissionais de idêntica categoria integrados no Serviço Nacional de Saúde, sendo-lhes aplicável o correspondente regime jurídico” não pode ser interpretada de qualquer outra forma que não no sentido de que, enfermeiros com aquela cláusula nos seus contratos que até 23 de Setembro de 2009 – data da entrada em vigor do Decreto-Lei 248/2009 – reunissem as condições previstas no Decreto-Lei 437/91, teriam direito a ser graduados;
bb) Não podendo a mesma cláusula ser interpretada com outro sentido que não o da aplicabilidade a estes enfermeiros em concreto, por remissão contratual, do regime previsto no Decreto-Lei 122/2010.
cc) Tendo a enfermeira D… sido promovida e visto o seu salário aumentado por força da aplicação daquelas normas e sendo denegado o mesmo direito à recorrente, em igualdade de circunstâncias, há discriminação directa desta.
dd) Tal como outros colegas e como a enfermeira D…, também as testemunhas ouvidas foram graduadas e progrediram na carreira, com os consequentes aumentos salariais e, por trabalharem todas no mesmo serviço, por terem contratos iguais e por desempenharem todas funções de idêntica natureza, qualidade e quantidade, a recorrente fundou uma legítima convicção de que gozaria de igual prerrogativa;
ee) Ao ver ter sido preterida na aplicação daquelas normas e das consequentes progressões e promoções na carreira, as legítimas espectativas da recorrente foram injustificadamente frustradas, em violação do princípio da protecção da confiança, subprincípio concretizador do Estado de Direito Democrático, positivado nos Art.º 2.º, 3.º e 9.º, alínea b) e d), da Constituição da República Portuguesa.
ff) A previsibilidade jurídica da vida da recorrente ficou gravemente afectada, com o consequente prejuízo efectivo, pelo facto da mesma situação apenas ter ficado acoberta por instrumento de regulação colectiva em 2015.
gg) O presente processo identifica-se com a seguinte indagação; podem duas pessoas que fazem as mesmíssimas funções, com a mesma produtividade, com os mesmos encargos e exigibilidade de grau de perícia, com a mesma exigência técnica, com o mesmo número de horas de trabalho, receber remunerações diferentes?
hh) Na carreira da enfermagem, quer na vigente quer na antecessora, a antiguidade tem um reflexo pecuniário decorrente do cumprimento de um determinado número de anos numa determinada categoria, não é critério de promoção para esta categoria de “Enfermeiro”, tão somente foi critério para definir o momento temporal dessa mesma promoção.
ii) Aquilo que a recorrente pede, com efeitos desde Janeiro de 2013, é uma equiparação à base da carreira de enfermagem, sendo-lhe reconhecido o direito ao mesmo salário auferido por um colega que apenas nesse ano tenha começado a trabalhar.
jj) A concreta alegação da discriminação, e a identificação suficientemente específica das pessoas em relação às quais a recorrente se sente discriminada foi clara e evidente, feita vasta e ostensiva a prova acerca desses factos.
kk) O presente processo não tem completa identidade com os processos 497/14.1TTVFR.P1 e 496/14.1TTVFR.P1 não podendo, sem mais, colar-se aquelas decisões a este processo, desconsiderando as muitas diferenças materiais e factuais que subjazem a cada um deles.
ll) A cláusula 2.ª n.º 2 do Contrato de Trabalho da recorrente determina que “A remuneração base definida no número anterior será actualizada em função do aumento percentual que vigorar, em cada momento, para o nível de idêntica categoria dos “Enfermeiros” integrados no Sistema Nacional de Saúde e conforme publicação em Diário da República.”;
mm) Qualquer enfermeiro que tenha iniciado a sua carreira em funções públicas, a partir de 1 de Janeiro de 2013, em cenário algum poderia auferir menos de €1.201,48 e todos os enfermeiros que, à data, estivessem na base da carreira de enfermagem – e eram muitos – veriam o seu salário aumentado de €1.020,06 para €1.201,48;
nn) Tendo os enfermeiros com contrato de funções públicas, no primeiro escalão daquela categoria retributiva passado a auferir €1.201,48 (fosse em 2011, 2012 ou em 2013), quando ao abrigo da tabela remuneratória anteriormente em vigor, auferiam €1.020,06, tal traduz-se num aumento de 17,8%, sendo esse o percentual de aumento que deveria aplicar-se à recorrente.
oo) Por força do disposto no n.º 2 do Art.º 104º da Lei 12-A/2008, por inaplicabilidade do n.º 1, por não haver identidade “salarial”, os trabalhadores, in casu, os enfermeiros, seriam reposicionados em nível remuneratório não inferior ao da primeira categoria para a qual transitam (a de Enfermeiro), o primeiro escalão daquela nova categoria, auferindo, invariavelmente, o salário base de €1.201,48, ou seja, teriam sempre, e no mínimo, um aumento salarial de 17,8%.
pp) A cláusula 5.ª do Contrato de Trabalho da recorrente determina que “A promoção da Segunda Outorgante a categoria superior da respectiva carreira, bem como a progressão em cada categoria, são análogas às dos profissionais de idêntica categoria integrados no Sistema Nacional de Saúde, sendo-lhes aplicável o correspondente regime jurídico”, sendo esta cláusula o elemento chave para a boa decisão da causa.
qq) Por força quer do Decreto-Lei n° 247/2009, de 22/09, quer do Decreto-Lei n° 248/2009, de 22/09, apenas existem duas categorias profissionais nas carreiras de enfermagem – Enfermeiro e enfermeiro principal, o que nos delimita o recorte da aplicação daquela cláusula, à recorrente, seria feita a promoção e progressão na carreira análogas às dos profissionais do SNS com a categoria de “Enfermeiro”, sendo-lhe aplicável o correspondente regime jurídico;
rr) Se a promoção e progressão na carreira da recorrente seria análoga à dos profissionais do SNS com a categoria de “Enfermeiro”, aplicando-se a estes últimos o Decreto-Lei n° 122/2010, por força dos contratos de trabalho, a recorrida estava obrigada a aplicar-lhe o mesmo regime, que determina que a progressão na carreira se faça de forma faseada, e que em momentos diferentes os profissionais com a categoria profissional de “Enfermeiro”, sejam objecto de reposicionamento remuneratório;
ss) Nos termos do aludido regime jurídico, impunha-se a passagem da recorrente à nova categoria profissional, cabendo-lhe também uma nova remuneração que, por dever ter sido graduada em 2009, lhe era devida desde 2012, e corresponderia à primeira posição remuneratória do 15º escalão da tabela remuneratória única.
tt) Não é dissociável da alteração da categoria profissional a remuneração que lhe corresponde.
uu)Se em abstracto não estaria qualquer enfermeiro com contrato individual de trabalho sujeito àquele regime jurídico, o certo é que recorrente e recorrida quiseram que neste caso concreto estivessem, tendo para o efeito remetido por meio de cláusula contratual para o regime que vigorasse ou viesse a vigorar para os enfermeiros do SNS.
vv) Não é crível, nem razoável, que uma entidade faça uma alteração que lhe custou, desde 2011 e até finais de 2015 centenas de milhares de euros – e que até hoje nada tenha feito quanto a isso – por mero lapso;
ww) A decisão recorrida viola a Constituição da República Portuguesa, nos seus princípios da equidade retributiva e no princípio da protecção da confiança;
xx) Ainda que os enfermeiros que 2011 e 2012 se enquadravam nas alíneas a) e b) do n.º 2 do Art.º 5º, do DL n.º 122/2010 houvessem sido promovidos por mero lapso, em nada fica prejudicada a pretensão da recorrente que provou cabalmente que desde 2011 nuns casos e 2012 noutros, colegas seus devidamente identificados e ouvidos nos autos, que desempenhavam já à data, e ainda desempenham, rigorosamente as mesmas funções que esta, no mesmo número de horas semanais, receberam um salário mais elevado, a cada mês, sem qualquer factor distintivo que o justificasse;
yy) Não é legítimo que o Tribunal a quo – antes viola a Constituição da República Portuguesa – tenha entendido que funcionários de uma mesma entidade, que desempenham rigorosamente as mesmas funções, fazendo-o da mesmíssima forma, reconhecendo que uns têm um salário superior ao de outros, por força de um reposicionamento remuneratório a realizar em três momentos temporais diferentes, e que considere tal situação justa e pacífica, sem necessidade de uma solução judicial diferente;
zz) Perante este quadro factual e documental, impunha-se que o Tribunal a quo tivesse decidido pela procedência da acção, conforme peticionado pela recorrente na sua PI.
Conclui pedindo a procedência do recurso e a consequente revogação da sentença.
I.5 A Recorrida contra-alegou, mas sem que as alegações se mostrem sintetizadas em conclusões.
No essencial sustenta o seguinte:
- Não se verifica a arguida nulidade da sentença, dado que só ocorre a omissão de pronúncia quando não houver apreciação da questão em causa e não quando não responde a cada um dos motivos ou argumentos da parte.
- Quanto à qualificação do contrato celebrado entre as partes e denominado de prestação de serviços, a sentença responde por antecipação às alegações da apelante sobre esta matéria. O facto de haver antes e depois deste um outro tipo de contrato não influi nem pode levar à conclusão pretendida pela apelante.
- Quanto à alegada discriminação, contra o que defende a apelante, não existem sequer factos. A simples referência a uma Colega, sem factos relativos à sua contratação e outros antecedentes laborais ou de vínculo, não permite concluir pela existência de discriminação. Nem existe nos autos prova do contrato celebrado com a colega da apelante nem das condições que nele existiam. A apelante procura estabelecer a igualdade com algo que não consta dos autos.
- Quanto à pretendida qualificação como “Enfermeiro Graduado”, a apelante invoca legislação que não lhe é aplicável, já que tem um contrato individual de trabalho e não um contrato em funções públicas. Isto basta para afastar as suas pretensões.
- Quanto ao pretendido reposicionamento remuneratório, estando contratada ao abrigo de um contrato individual de trabalho não pode a apelante considerar que lhe é aplicável o Decreto-Lei nº 122/2010, apenas por considerar que exerce as mesmas funções que um enfermeiro com contrato em funções públicas.
Conclui pugnando pela improcedência do recurso.
I.6 O Ministério Público teve visto nos autos, nos termos do art.º 87.º3, do CPT, tendo-se pronunciado no sentido de ser negado provimento ao recurso.
I.7Foram cumpridos os vistos legais e determinada a inscrição do processo para julgamento em conferência.
I.8 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 640.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho], as questões colocadas para apreciação pela recorrente são as seguintes:
i) nulidade da sentença, com fundamento em alegada omissão de pronúncia, por força da alínea d) do n.º 1 do Art.º 615.º do CPC, aplicável ex vi Art.º 1.º CPT,.
ii) Erro de julgamento na aplicação do direito aos factos:
a) Ao dar por ilidida a presunção legal de laboralidade na qualificação do contrato celebrado entre as partes em 16 de Dezembro de 2003 e com termo a 1 Janeiro de 2004, por aquelas denominado de “Contrato de Prestação de Serviços”.
b) Decidindo em violação do princípio trabalho igual salário igual.
c) Ao interpretar as cláusulas 2.ª 2 e 5.ª do Contrato de Trabalho da autora;
d) Na interpretação da alínea c), do n.º 2, do art.º 5.º do DL 122/2010;
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo fixou o elenco factual adiante transcrito:
1 - A 17 de Julho de 2003, por contrato de trabalho a termo certo, a R. admitiu a A. ao seu serviço, com a categoria profissional de “Enfermeiro, nível 1”. (Cfr. Doc. 1, junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
2 - O contrato tinha a vigência de 152 dias, caducando a 15 de Dezembro de 2003 (Cfr. Doc. 1, junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
3 - A 16 de Dezembro de 2003 foi celebrado entre A. e R. um contrato de trabalho denominado “contrato de prestação de serviços”, com início nesse mesmo dia e fim a 16 de Janeiro de 2004. (Cfr. Doc. 2, junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
4 – Da sucessão de contratos resultou para a A. alteração no seu regime de descontos para a Segurança Social.
5 – Ao abrigo deste contrato referido em 3, a A. comprometeu-se a, “… como profissional, por conta própria, a praticar todos os actos de enfermagem necessários a garantir o eficaz atendimento dos utentes” – (Cfr. Doc. 2, cláusula 4º, nº 1, junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
6 - O local de trabalho da A., em cada um dos contratos celebrados com a R. é e sempre foi, o Hospital E…, em …, primeiro na Unidade E1…, depois E2… e, mais recentemente, novamente na Unidade E1….
7 - Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pela A., no exercício das suas funções, foram sempre pertença da R., bem como todo o material clínico necessário à prossecução da sua actividade como a própria farda e o cartão de funcionária, que lhe foram fornecidos.
8 - A A. teve que cumprir o horário de trabalho pré-estabelecido pela R., sendo inclusivamente afixada no seu local de trabalho a respectiva escala de serviço (Cfr. Doc. 3 – A, 3 – B e 3 – C, juntos com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
9 - No contrato de prestação de serviços ficou estipulado, no que concerne às obrigações da A. que esta se obriga “… a prestar os seus serviços na sede do PRIMEIRO OUTORGANTE [ R.],respeitando o horário de funcionamento normal do PRIMEIRO OUTORGANTE” (Cfr. Doc. 2, cláusula 4, nº 2 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
10 - No contrato de prestação de serviços ficou estipulado que a A. “… exercerá a sua actividade, independentemente, segundo os ditames da sua vontade, saber e inteligência com vista ao objectivo pretendido pelas partes e com garantia de obtenção do resultado visado” (Cfr. Doc. 2, cláusula 5 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
11 - No contrato de prestação de serviços ficou estipulado que a R. “…poderá transmitir ao SEGUNDO OUTORGANTE [A.] instruções, visando obter o resultado pretendido pelo presente contrato de Prestação de Serviços” (Cfr. Doc. 2, cláusula 6 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
12 - No contrato de prestação de serviços ficou estipulado que “Na execução do presente contrato, o SEGUNDO OUTORGANTE [A.] não será sujeito à autoridade e direcção do PRIMEITO OUTORGANTE [R.] na forma que entenda por conveniente para atingir o fim visado pelas partes” (Cfr. Doc. 2, cláusula 7 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
13 - A A. foi contratada para trabalhar 35 horas semanais, de segunda a domingo, em regime de trabalho por turnos, horário que sempre manteve.
14 - A 30 de Novembro de 2004 foi celebrado entre A. e R. um contrato de trabalho sem termo, cuja vigência principiou no dia seguinte – 1 de Dezembro de 2004. (Cfr. Doc. 4, junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.)
15 - Em todos os contratos celebrados entre R. e A., esta utilizou o seu espaço de trabalho da R., os respectivos equipamentos e as ferramentas, pertença da R., e que lhe eram fornecidas pela mesma,
16 - Desempenhando todas as funções inerentes à actividade profissional de enfermeira, do mesmo modo que os demais colegas, sujeita aos horários definidos pela entidade empregadora, aqui R.
17 - A R. fez cessar contrato de trabalho a termo celebrado em 17/7/03 por efeito da sua caducidade.
18-No contrato celebrado entre A. e R. em 30/11/2004 ficou consignado que a promoção da A. a “… categoria superior da respectiva carreira, bem como a progressão em cada categoria, são análogas às dos profissionais de idêntica categoria integrados no Serviço Nacional de Saúde, sendo-lhes aplicável o correspondente regime jurídico (cfr. cláusula 5ª do Contrato de Trabalho sem termo – Doc. 3 junto com a petição para o qual se remete e aqui se dá por reproduzido na íntegra).
19 - A categoria da A. era, desde 17 de Julho de 2003, a de “Enfermeiro Nível 1”.
20 - A A. foi sujeita a avaliação efectuada pela R., nos moldes que esta definiu e teve por convenientes, que designa por “critérios de avaliação de desempenho existentes nesta instituição”.
21 - O salário base da A. manteve-se nos €1.020,06 até 30 de Setembro de 2015.
22 - Na sequência de acordo colectivo celebrado com as entidades públicas do sector da saúde ( entre as quais a aqui R.) e o sindicato dos Enfermeiros Portugueses, a A. passou a receber €1.201,48 (mil duzentos e um euros e quarenta e oito cêntimos) a partir do dia 1 de outubro de 2015 ( cfr. acordo publicado no BTE nº 43, datado de 22/11/2015, pag. 3194 e acta de Fls. 328).
23- O R. é uma EPE - Empresa Pública Empresarial, integrado no sistema Nacional de Saúde.
Factos dados como não provados.
Com interesse para a presente decisão, não se provaram quaisquer factos diferentes ou contrários dos que especificamente foram dados como demonstrados.
II.2 Nulidade da sentença
A recorrente inicia as alegações dirigidas a este Tribunal de recurso arguindo a nulidade da sentença, com fundamento em alegada omissão de pronúncia da da sentença, estribando-se no n.º 1 d) do art.º 615º do CPC, aplicável ex vi n.º 2 b) do art.º 1º do CPT. Mais precisamente, tal consta sob o título “B – Da nulidades”, compreendido pelos artigos I a XVI.
As causas de nulidade da sentença constam previstas no art.º 615.º n.º 1 do CPC, decorrendo da norma invocada que a sentença é nula quando “[O] juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia conhecer ” [al. d)].
Resulta do nº 4 do mesmo art.º 615.º, que a arguição de nulidades (salvo a respeitante à falta de assinatura do juiz) deve ser feita perante o tribunal que proferiu a decisão, se esta não admitir recurso ordinário. No caso contrário, o recurso pode ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
Este é o regime do Código de Processo Civil.
O processo laboral contém, porém, uma particularidade, decorrente do disposto no n.º1 do art.º 77.º do CPT. Em concreto, “a arguição de nulidade da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso”.
Esta redacção, pese embora as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 295/2009, de 13 de Outubro, corresponde à introduzida na versão inicial deste CPT, aprovado pelo Decreto-Lei nº 480/99, de 9 de Novembro.
De resto, já antes se estabelecia idêntica solução no anterior Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo artigo 1º do Decreto-Lei n.º 272-A/81, de 30/9, em cujo art.º 72º, nº 1, constava o seguinte:
- "A arguição de nulidade da sentença é feita no requerimento de interposição do recurso".
Esta regra é ditada por razões de economia e celeridade processuais e prende-se com a faculdade que o juiz tem de poder sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso (n.º 3 do art.º 77º). Precisamente por isso, para que possa ser exercida, é necessário que a nulidade seja arguida no requerimento de interposição do recurso que é dirigido ao juiz e não nas alegações do recurso que são dirigidas ao tribunal superior, o que implica, naturalmente, que a motivação da arguição também conste daquele requerimento.
É entendimento pacífico da jurisprudência, reafirmado sucessivamente na vigência dos diplomas acima referido, que o tribunal superior não deve conhecer da nulidade ou nulidades da sentença que não tenham sido arguidas, expressa e separadamente, no requerimento de interposição do recurso, mas somente nas respectivas alegações [cfr., a título de exemplo, os Acórdãos do STJ de 25/10/95, Col. Jur.- Ac. do STJ de 1995, III, 279;e de 23/4/98, BMJ, 476, 297; de 24-06-2003, proc.º 03S1388, DINIS ROLDÃO, este disponível em www.dgsi.pt/jstj].
Nessa consideração, como se escreve no recente Acórdão do STJ de 03/06/2015, “Se, não obstante a inobservância por parte do recorrente daquele formalismo processual, o Tribunal da Relação conhece da nulidade em questão, ao fazê-lo, conhece de questão cujo conhecimento lhe estava vedado, incorrendo, nessa parte, em nulidade de acórdão por excesso de pronúncia” [Processo 297/12.3TTCTB.C1.S1, Conselheiro Melo Lima, disponível em www.dgsi.pt].
Acontece que no caso em apreço, a recorrente remeteu a arguição da nulidade para as alegações do recurso, isto é, não incluiu, como era devido nos termos do referido art.º 77º, nº 1, do C.P.T., no requerimento de interposição do recurso, a completa, decisiva e autónoma motivação da arguição, o que torna extemporânea a arguição das nulidades e obsta a que delas se conheça.
Consequentemente, decide-se não conhecer da arguida nulidade.
II.3 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
A sentença recorrida identificou as seguintes questões a apreciar:
- A sucessão de contratos entre A. e R. e a sua tipologia.
- A progressão na carreira.
- O reposicionamento remuneratório.
- O princípio da igualdade na sua vertente de “trabalho igual, salário igual”.
A recorrente discorda em toda a linha do decidido quanto a esses pontos, vindo sustentar o alegado erro de julgamento do tribunal a quo na aplicação do direito aos factos, conforme sintetizámos acima, em razão do seguinte:
a) Ao dar por ilidida a presunção legal de laboralidade na qualificação do contrato celebrado entre as partes em 16 de Dezembro de 2003 e com termo a 1 Janeiro de 2004, por aquelas denominado de “Contrato de Prestação de Serviços”.
b) Decidindo em violação do princípio trabalho igual salário igual.
c) Ao interpretar as cláusulas 2.ª 2 e 5.ª do Contrato de Trabalho da autora;
d) Na interpretação da alínea c), do n.º 2, do art.º 5.º do DL 122/2010.
II.3.1 Na fundamentação da sentença, a propósito da questão identificada como “A sucessão de contratos entre A. e R. e a sua tipologia”, consta o seguinte:
« (..)
No caso concreto, o que está em causa é apurar se a autora prestava serviços à R. na qualidade de trabalhador independente [como a R. defende] ou na qualidade de trabalhador por conta de outrem [como defende a A.].
(..)
De trazer ainda à colação a presunção prevista no artigo 12.º, n.º 1, do Código do Trabalho, onde ressalta que «presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa».
Ora, da presunção estabelecida neste último preceito, concluímos que estamos perante indícios de subordinação jurídica que fazem presumir a existência de um contrato de trabalho, dispensando normalmente o trabalhador da prova da relação de subordinação jurídica, ou seja, passa a caber ao empregador demonstrar que não existe subordinação jurídica e, nesta medida, um contrato de trabalho – cfr. art. 342.º e 350.º, n.º 1, do Código Civil.
No caso sub judice a trabalhadora quer demonstrar a existência de um contrato de trabalho celebrado em 16/12/2003.
Dúvidas não restam que se verifica, na relação mantida entre A. e R. no período pós 16/12/2003, alguns dos indícios referidos, mais concretamente, a autora utilizava equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à R., beneficiária da actividade, tinha de respeitar o horário de funcionamento normal da R., tinha uma retribuição horária fixa previamente determinada e trabalhava nas instalações da R.. Todavia, não podemos afirmar a existência, sem dúvida, de outros indícios pois, embora a autora trabalhasse nas instalações da beneficiária da actividade e com equipamentos e instrumentos de trabalho desta, não podemos olvidar outros aspectos constantes dos autos e do manancial fáctico provado [na realidade, do contrato de prestação de serviços que está junto aos autos resulta claramente o estabelecimento pormenorizado do objecto do contrato, de uma claúsula de independência e a previsão de autonomia da A. – cfr. contrato junto a Fls, 35 e factos acima dados por provados]. A questão que se coloca é a seguinte: a norma do artigo 12.º do Código do Trabalho é uma norma que estabelece indícios de interpretação das declarações negociais num contrato que, em regra, é meramente verbal, ou seja, o contrato de trabalho.
Todavia, a interpretação das declarações negociais, sendo independentes do nome ou título que as partes atribuem ao contrato, deve fazer-se de acordo as regras dos artigos 236.º e 238.º, do Código Civil, segundo os quais as declarações negociais devem valer com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição de real declaratário, deve entendê-la, desde que no texto do documento esse sentido encontre um mínimo de correspondência. O artigo 236.º, do Código Civil, consagra em tese geral, a chamada teoria da impressão do destinatário de modo a conferir uma tutela plena à legítima confiança da pessoa em face de quem é emitida a declaração, o que significa que o que é relevante é o “sentido que seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do declaratário, isto é, em face daquilo que o concreto destinatário da declaração conhecia e daquilo até onde ele podia conhecer” com a limitação de que para esse “sentido relevar torna-se necessário que seja possível a sua imputação ao declarante, isto é, que este pudesse razoavelmente contar com ele” (cfr. neste sentido o contributo esclarecido de Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, 1994, páginas 447 e 448; e Ferrer Correia, Erro e interpretação na teoria do negócio jurídico, Coimbra, 1939, página 200). Sendo esta a regra geral, sofre desvios em sentido objectivista e subjectivista em situações particulares. O artigo 238.º, do Código Civil, corresponde exactamente a um desvio à regra geral de natureza objectivista [recorde-se que está junto aos autos um contrato escrito entre as partes que denominam de contrato de prestação de serviços]. Refere-se esta norma aos negócios formais e nestes o sentido correspondente à doutrina da impressão do destinatário não pode valer se não tiver um mínimo de correspondência, ainda que imperfeita, no texto do respectivo documento – trata-se da consagração da denominada teoria da manifestação. Admite-se, no entanto, que um sentido não traduzido no documento possa ainda assim valer desde que corresponda à vontade real e concordante das partes e a esse sentido não se oponham as razões determinantes da forma do negócio (Mota Pinto, obra citada, página 453).
Assim sendo como é, a interpretação das declarações negociais faz-se tendo em conta a interpretação normal que seria feita pela parte contrária, considerando esta como um declaratário normal e razoável colocado naquela posição. Então, consideramos que não podemos afirmar, com base nos factos provados, a existência de um contrato ou de uma relação contratual de outra natureza pois as partes quiseram efetivamente vincular-se de forma diversa de uma relação laboral, tendo sido isso precisamente que resulta do documento que subscreveram e, por conseguinte, um declaratário normal ou razoável colocado na mesma posição, entenderia necessariamente no mesmo sentido. Não podemos igualmente deixar de consignar que, sendo a A., no momento da celebração do contrato de prestação de serviços, uma ex-trabalhadora da R., entendeu perfeitamente que estava a assinar um contrato de prestação de serviços, em tudo [denominação, objecto, autonomia, independência] diferente do anterior [contrato de trabalho] antecedentemente assinado e quis fazê-lo, absolutamente consciente das diferenças (até porque, repetimos, tinha consciência das diferenças de redacção entre um contrato [o anterior contrato de trabalho] e o outro), como pessoa culta e esclarecida que é.
O que poderia estar em causa é um vício das declarações negociais que levaram à formação do negócio e que viciaria determinantemente a formação da vontade declarativa da A., mas tal não foi alegado, muito menos provado, pelo que não curamos aqui de dar continuidade a tais dúvidas.
Em conclusão, temos que afirmar que o contrato estabelecido entre A. e R. em 16/12/2013 foi um verdadeiro contrato de prestação de serviços.
Então, nada impede que à celebração daquele contrato de prestação de serviços se lhe seguisse, como aconteceu, um novo contrato de trabalho, desta vez sem termo, não estando violada quaisquer normas laborais, ao invés do invocado pela A., o que impede que o tempo de serviço da A. seja contabilizado nos moldes por ela peticionados».
Contrapõe a recorrente, no essencial, o seguinte:
- as condições em que prestou trabalho foram sempre as mesmas, não sofrendo quaisquer alterações que não fossem de natureza contributiva, desde 17 de Junho de 2003 e até à presente data.
- o tribunal a quo ao considerar que a recorrente, por ser uma pessoa culta e esclarecida, sabia bem o contrato que estava a assinar, desconsidera a mundividência altamente díspar entre a recorrente nos dias de hoje e em 2003, com 23 anos de idade, quando assinou aquele contrato.
- a recorrente acedeu à proposta de contrato da apresentada pela recorrida, tal como até então tinha feito, pura e simplesmente porque tinha acabado de sair da faculdade e necessitava de um emprego, aceitando-o nas condições que lhe eram oferecidas, por necessidade.
- para ilidir a presunção de laboralidade cumpria à recorrida levar ao tribunal indícios do carácter autónomo do trabalho prestado que, pela quantidade e impressividade, impusessem a conclusão de se estar perante outro tipo de relação jurídica.
Com relevo para esta questão, consta provado o seguinte:
3 - A 16 de Dezembro de 2003 foi celebrado entre A. e R. um contrato de trabalho denominado “contrato de prestação de serviços”, com início nesse mesmo dia e fim a 16 de Janeiro de 2004. (Cfr. Doc. 2, junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
4 – Da sucessão de contratos resultou para a A. alteração no seu regime de descontos para a Segurança Social.
5 – Ao abrigo deste contrato referido em 3, a A. comprometeu-se a, “… como profissional, por conta própria, a praticar todos os actos de enfermagem necessários a garantir o eficaz atendimento dos utentes” – (Cfr. Doc. 2, cláusula 4º, nº 1, junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
6 - O local de trabalho da A., em cada um dos contratos celebrados com a R. é e sempre foi, o Hospital E…, em …, primeiro na Unidade E1…, depois E2… e, mais recentemente, novamente na Unidade E1….
7 - Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pela A., no exercício das suas funções, foram sempre pertença da R., bem como todo o material clínico necessário à prossecução da sua actividade como a própria farda e o cartão de funcionária, que lhe foram fornecidos.
8 - A A. teve que cumprir o horário de trabalho pré-estabelecido pela R., sendo inclusivamente afixada no seu local de trabalho a respectiva escala de serviço (Cfr. Doc. 3 – A, 3 – B e 3 – C, juntos com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
9 - No contrato de prestação de serviços ficou estipulado, no que concerne às obrigações da A. que esta se obriga “… a prestar os seus serviços na sede do PRIMEIRO OUTORGANTE [ R.],respeitando o horário de funcionamento normal do PRIMEIRO OUTORGANTE” (Cfr. Doc. 2, cláusula 4, nº 2 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
10 - No contrato de prestação de serviços ficou estipulado que a A. “… exercerá a sua actividade, independentemente, segundo os ditames da sua vontade, saber e inteligência com vista ao objectivo pretendido pelas partes e com garantia de obtenção do resultado visado” (Cfr. Doc. 2, cláusula 5 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
11 - No contrato de prestação de serviços ficou estipulado que a R. “…poderá transmitir ao SEGUNDO OUTORGANTE [A.] instruções, visando obter o resultado pretendido pelo presente contrato de Prestação de Serviços” (Cfr. Doc. 2, cláusula 6 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
12 - No contrato de prestação de serviços ficou estipulado que “Na execução do presente contrato, o SEGUNDO OUTORGANTE [A.] não será sujeito à autoridade e direcção do PRIMEITO OUTORGANTE [R.] na forma que entenda por conveniente para atingir o fim visado pelas partes” (Cfr. Doc. 2, cláusula 7 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
II.3.1.1 O contrato de trabalho tem a sua definição na lei. Segundo o artigo 1152.º do Código Civil, «Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta».
Esta noção era integralmente reproduzida no art.º 1.º da LCT (Decreto Lei n.º 49.498, de 24.11.69).
A noção foi mantida no Código do Trabalho de 2003, ainda que ligeira alteração de redacção, lendo-se no art.º 10.º: ”Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, aprestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direcção destas”.
No actual CT/09, a noção de contrato de trabalho consta do art.º 11.º, agora com uma alteração mais significativa, sendo a seguinte: “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob autoridade destas”.
A propósito desta alteração, Marlene Mendes, Sérgio Silva de Almeida e João Botelho, observam que o «(..) aditamento da expressão “singular” especifica(ndo) agora que só se podem obrigar a prestar a sua actividade, mediante contrato de trabalho as pessoas singulares, excluindo-se as pessoas colectivas. (..) o termo “direcção” é substituído por “no âmbito de organização”, ajudando a distinguir e integrar situações de fronteira em que poderiam existir dúvidas em relação ao tipo de contrato existente entre as partes, ao mesmo tempo que se pretende incluir, no âmbito da noção de contrato de trabalho os falsos recibos verdes e eventuais casos de prestação de actividade no âmbito de uma organização» [na obra conjunta Código do Trabalho Anotado 2009, Livraria Petrony, Lisboa, 2009, p. 38].
Por seu turno, o contrato de prestação de serviços, cuja noção legal consta no art.º 1154.º do Código Civil, é definido como «(..) aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar a outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição».
Os dois tipos de contrato diferenciam-se, essencialmente, pelo respectivo objecto, qual seja o da prestação de uma actividade (no caso do contrato de trabalho) ou da obtenção de um resultado (no caso do contrato de prestação de serviço), e pelo relacionamento entre as partes, isto é, a existência de uma relação de subordinação (quanto ao primeiro) ou de autonomia (quanto ao segundo).
Não nos cabe aqui indagar qual a qualificação jurídica correcta que deve ser atribuída à relação contratual que existiu entre A. e R., mas antes saber se, face aos factos provados, deve concluir-se pela existência de um contrato de trabalho, pressuposto necessário para a aplicação da lei laboral com os efeitos que, com base na mesma, pretende a recorrente fazer valer através da acção.
A noção legal do contrato de trabalho permite identificar como elementos essenciais deste tipo de contrato, os seguintes: i) a actividade laboral; ii) a retribuição; iii) a colocação do trabalhador sob a autoridade e no âmbito da organização do empregador. O primeiro elemento consiste na natureza da prestação a que o trabalhador se obriga, isto é, a prestação de actividade, que se concretiza em fazer algo, como aplicação ou exteriorização da força de trabalho tornada disponível para a outra parte, através do negócio. O segundo consiste na contrapartida devida ao trabalhador em troca da disponibilidade da força de trabalho, sendo normalmente paga em dinheiro. O último corresponde ao que a doutrina e jurisprudência identificam habitualmente, e a partir da perspectiva do trabalhador, pela expressão “subordinação jurídica”, da sua verificação dependendo o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho [Cfr. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 14.ª ed., Almedina, pp. 127/137; e, Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II, 3.ª Edição, Almedina, pp. 20 a 37].
A subordinação jurídica é usualmente definida como o dever legal do trabalhador acatar e cumprir as ordens e instruções que, em cada momento, lhe sejam dirigidas pelo empregador, emitidas por este no uso do seu poder de direcção da empresa, directivas essas que são vinculativas para aquele devido à obrigação de obediência consagrada na lei.
Segundo Monteiro Fernandes a subordinação jurídica consiste «(..) numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem (..)». Porém, como assinala o mesmo autor, «(..) a subordinação jurídica pode não transparecer em cada instante do desenvolvimento da relação de trabalho. Muitas vezes, a aparência é de autonomia do trabalhador, que não recebe ordens directa e sistemáticas da entidade patronal; mas, a final, verifica-se que existe, na verdade, subordinação jurídica», que existirá sempre que relativamente à entidade patronal exista «(..) um estado de dependência potencial (conexo à disponibilidade que o patrão obteve pelo contrato)» não sendo necessário «(..) que essa dependência se manifeste ou explicite em actos de autoridade e direcção efectiva» [Op. cit, pp. 136/137].
A subordinação jurídica que caracteriza o contrato de trabalho é, assim, o elemento típico deste contrato que permite distingui-lo quer do contrato de prestação de serviços, quer de outros contratos afins, como sejam o contrato de mandato, o contrato de sociedade, o contrato de comissão e outros, e decorre daquele poder de direcção que a lei confere à entidade empregadora [art.º 39.º/1 da LCT; art.º 150.º CT/03; art.º 97.º CT/09] a que corresponde um dever de obediência por parte do trabalhador [art.º 20.º/ 1 al. c) LCT; art.º 121.º/1 al. d) e 2, CT 03; art.º 128.º / 1 al.e) e 2, CT/09].
Como elucida Maria do Rosário Palma Ramalho “O confronto do elemento da subordinação com os restantes elementos essenciais do contrato de trabalho evidencia a sua importância vital para a distinção do negócio laboral de outros negócios que envolvem a prestação de uma actividade laborativa: enquanto o elemento da actividade é comum e o elemento da retribuição pode estar presente nas vários formas de prestação de um trabalho, o elemento da subordinação é típico e específico do contrato de trabalho” [Op. cit.pp.33].
Sendo consensual o entendimento sobre os elementos que caracterizam o contrato de trabalho e que na distinção com outros contratos releva a existência de subordinação jurídica, já no plano prático, a extrema variabilidade das situações concretas dificulta muitas vezes a subsunção dos factos na noção de trabalho subordinado, implicando a necessidade de se recorrer a critérios acessórios, baseados na interpretação de indícios de subordinação [Cfr. Monteiro Fernandes, op.cit.,p. 148; Maria do Rosário Palma Ramalho, op. cit. pp. 40; e, Bernardo da Gama Lobo Xavier, Iniciação ao Direito do Trabalho, Editorial Verbo, 2.ª Edição, 1999, p. 156].
Nos casos limite, a doutrina e a jurisprudência aceitam a necessidade de fazer intervir indícios reveladores dos elementos que caracterizam a subordinação jurídica, os chamados indícios negociais internos.
Para essas “zonas cinzentas”, na expressão de Bernardo Lobo Xavier, afirma este professor que «(..) é corrente aplicar-se o método de índices para testar a existência de uma situação de autonomia ou de subordinação», apontando como índices mais relevantes os seguintes:
- Organização do trabalho: se é do próprio que o desempenha, indicia-se trabalho autónomo, se é de outrem, trabalho subordinado.
- Resultado do trabalho: se o contrato tem em vista o resultado, indicia-se trabalho autónomo, se tem em vista a actividade em si mesma, indicia-se trabalho subordinado.
- Propriedade dos instrumentos de trabalho: se estes pertencem ao trabalhador, presume-se autonomia, se não, indicia-se subordinação.
- Lugar de Trabalho: se este pertence ao trabalhador, indicia-se autonomia, se não subordinação.
- Horário de Trabalho: a existência de um horário definido pela pessoa a quem se presta a actividade é um dos mais fortes indícios de subordinação.
- Retribuição: a existência de uma retribuição certa à hora, ao dia, à semana ou ao mês indicia trabalho subordinado, enquanto o pagamento à peça, à comissão ou por produto acabado indicia trabalho autónomo.
- Outros índices: a exclusividade ou não da prestação de serviço relativamente a um único empresário; existência ou não de ajudantes do prestador do serviço, por este pagos; incidência do risco da inutilização do produto [Op.cit. p. 156 e 157].
Mas como também assinala este autor, muitos outros elementos há ainda relevantes para estabelecer a distinção entre trabalho autónomo e trabalho subordinado. Assim, para além daqueles, a doutrina e a jurisprudência apontam, ainda, a designação dada ao contrato, o direito a férias, pagamento de subsídios de férias e de Natal, inserção do trabalhador na organização produtiva, existência de controlo externo do modo de prestação da actividade laboral, obediência a ordens, sujeição à disciplina da empresa, o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade, a inscrição do prestador da actividade na Segurança Social e a sua sindicalização.
Cada um daqueles indícios tem naturalmente um valor muito relativo e, só por si, não são concludentes quanto à existência de subordinação jurídica, impondo-se um juízo de globalidade em resultado de uma valoração conjunta dos factos provados.
Essa posição é igualmente sustentada por Monteiro Fernandes, dizendo «Para cumprirem o seu papel decisório (que não é tanto o de definir uma qualificação categórica, como o de escolher uma lei aplicável), os tribunais utilizam um “método tipológico”, baseado na procura de indícios que são outras tantas características parcelares do trabalho subordinado (..). (..) O uso deste método permite ao tribunal reconhecer que existe uma semelhança suficiente entre o tipo e o caso concreto para que lhe seja aplicado o mesmo regime jurídico” [Op. cit. p. 148].
Referindo-se-lhes como “indícios de subordinação”, distingue entre os que respeitam ao “momento organizatório” da subordinação jurídica e outros. Naquele primeiro grupo refere: a vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa, todos elementos «(..) retirados da situação típica de integração numa organização técnico-laboral predisposta e gerida por outrem”. Quanto a outros indícios que, na sua expressão, “acrescem” àqueles, menciona num primeiro plano, a modalidade da retribuição (em função do tempo, em regra), propriedade dos instrumentos de trabalho e a disponibilidade dos meios complementares da prestação; e, num segundo, indícios de carácter formal e externo, como a observância dos regimes fiscal e de segurança social próprios do trabalho por conta de outrem. Conclui, afirmando igualmente e relatividade de cada um daqueles indícios e a necessidade de se recorrer sempre a um «(..) juízo de globalidade, conduzindo a uma representação sintética da tessitura jurídica da situação concreta e comparação dela com o tipo trabalho subordinado» [Op. cit., p. 148/149].
Na mesma linha pronuncia-se igualmente Maria do Rosário Palma Ramalho, explicando a dificuldade na operacionalização do elemento subordinação jurídica com a índole subjectiva desse elemento, ao contrário do que sucede com os elementos da actividade retribuição, para depois explicar que “para aferir da existência de um estado de subordinação do trabalhador, que suporte a qualificação laboral do negócio jurídico, tanto a doutrina como a jurisprudência desenvolveram um método tipológico de qualificação, que passa pela identificação de factores susceptíveis de revelar aquele estado de subordinação: são os denominados indícios se subordinação jurídica”. Assinala como mais frequentemente referenciados, os seguintes: a titularidade dos meios de produção ou dos instrumentos de trabalho por parte do credor; o local de trabalho, consistindo no facto de o trabalhador desenvolver a sua actividade em instalações predispostas pelo credor; o tempo de trabalho, de um modo geral o trabalhador subordinado encontra-se adstrito a um determinado horário, que delimita temporalmente a sua disponibilidade perante o credor; o modo de cálculo da remuneração, uma vez que se for em função do tempo evidencia o horizonte temporal em que o trabalhador está na disponibilidade do credor; a assunção do risco da não produção dos resultados por conta do credor; o credor ter outros trabalhadores ao seu serviço, apontando para uma situação de trabalho dependente; a dependência económica do trabalhador exclusivamente dos rendimentos auferidos por conta do credor ou o facto de desenvolver a sua actividade em exclusivo para aquele; o regime fiscal e o regime de segurança social a que o trabalhador se encontra adstrito, quando o credor proceda aos descontos e retenção do IRS; a sujeição do trabalhador a ordens directas ou a simples instruções genéricas e o controlo directo da sua prestação pelo credor; a inserção do trabalhador na organização predisposta pelo credor e a sua sujeição às regras desta organização [Op. cit., pp. 141/144].
A jurisprudência sobre esta problemática é vasta, como logo se depreende da referência feita por qualquer dos autores acima citados, ao assinalarem o seu contributo para o desenvolvimento deste método indiciário para aferir, em cada caso concreto, sobre a existência de um estado de subordinação do trabalhador. Para além disso, de resto como também se retira do afirmado por aqueles autores, essa jurisprudência tem seguido uma linha de entendimento uniforme. Precisamente por isso, a título meramente ilustrativo, deixa-se aqui o sumário do recente Acórdão do STJ de 04-05-2011, onde se lê o seguinte:
«I -O contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviço distinguem-se, basicamente, pelo objecto e pelo tipo de relacionamento entre as partes: enquanto no primeiro se contrata a actividade subordinada, no segundo visa-se a prossecução de um determinado resultado, em regime de autonomia.
II - Sempre que a actividade desenvolvida seja de natureza eminentemente técnica, é mais no âmbito do relacionamento entre as partes que hão-de buscar-se os indícios reveladores da matriz que os diferencia, a subordinação jurídica típica da relação juslaboral.
III - Perante a dificuldade probatória na identificação dos elementos de facto que integram a subordinação jurídica – consubstanciada no poder de conformação da prestação, orientação, direcção e fiscalização da actividade laboral em si mesma, com o correspondente poder disciplinar – a distinção faz-se pelo método tipológico, deduzindo-se dos factos indiciários, em juízo de aproximação, a qualificação que se demanda.
IV - Incumbe ao trabalhador o ónus de alegação e prova dos factos reveladores da existência de uma relação de natureza jurídico-laboral, porque constitutivos do direito que vem exercitar (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
V - Na operação de apreciação e qualificação dos factos-índice é essencial averiguar qual a vontade das partes revelada quando procederam à definição dos termos do contrato.
VI - Na ponderação global dos indícios disponíveis, o convénio celebrado pelas partes, por escrito, titulado como “contrato de prestação de serviços”, não é susceptível de ser perspectivado como um contrato de trabalho quando, nos termos clausulados e na sua subsequente execução, se constata que o Autor era pago mediante uma prestação mensal variável, calculada em função do número de equipamentos assistidos, inexistindo qualquer retribuição fixa; era o Autor que escolhia fazer férias, quando e como, impondo-lhe a Ré apenas que se fizesse substituir por outro técnico, conquanto que avalizado por esta; as férias não eram remuneradas pela Ré, que também nunca entregou ao Autor qualquer quantia a título de subsídios de férias e de Natal; não se demonstrou que o Autor cumprisse efectivamente algum horário de trabalho; o Autor sempre emitiu os chamados “recibos verdes”, com eles titulando o recebimento das importâncias que lhe eram pagas pela Ré”.
[Proc.º n.º 3304/06.5TTLSB.S1, Conselheiro Fernandes da Silva, disponível em www.dgsi.pt/jstj]
Foi justamente com o propósito de procurar atender a essas realidades de fronteira - ou “zonas cinzentas”, na expressão de Bernardo Lobo Xavier - e facilitar a sua apreensão e qualificação, que o legislador do Código do Trabalho de 2003, introduziu uma nova norma, nomeadamente, o art.º12.º, com a epígrafe, “Presunção”, dispondo o seguinte:
- «Presume-se que as partes celebraram um contrato de trabalho sempre que, cumulativamente:
a) O prestador de trabalho esteja inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as orientações deste;
b) O trabalho seja realizado na empresa beneficiária da actividade ou em local por esta controlado, respeitando um horário previamente definido;
c) O prestador de trabalho seja retribuído em função do tempo despendido na execução da actividade ou se encontre numa situação de dependência económica face ao beneficiário da actividade;
d) Os instrumentos de trabalho sejam essencialmente fornecidos pelo beneficiário da actividade;
e) A prestação de trabalho tenha sido executada por um período, ininterrupto, superior a 90 dias».
Se bem atentarmos no conteúdo das alíneas a) a e), logo se constata que mais não eram do que a tradução de alguns dos indícios de subordinação acima referidos.
É sabido que a redacção da norma levou a sérias dificuldades de interpretação, senão mesmo de aplicação, dada a expressão “cumulativamente”, posto que dai resultava que a presunção legal só operava quando se verificassem “cumulativamente” todos aqueles indícios. Por um lado, verificando-se todos aqueles indícios era inútil a presunção; e, por outro, punha-se a questão de saber como decidir quando se verificavam indícios suficientes para qualificar o contrato como de trabalho subordinado, mas não estavam presentes todos aqueles.
Sobre as dificuldades suscitadas na interpretação e aplicação da norma, Monteiro Fernandes observa o seguinte:
- «A versão inicial do CT (de 2003) parecia consagrar também, no seu art.º 12.º, uma tal presunção legal. Mas tratava-se de uma simples aparência, com o seu quê de bizarro.
Aquele artigo estabelecia, com efeito, que se presumia ter sido celebrado um contrato de trabalho quando se verificassem, cumulativamente, cinco condições: a inserção do prestador de trabalho numa organização do beneficiário da actividade e a realização sob as orientações deste; que o trabalho fosse realizado na empresa beneficiária ou em local por ela controlado, com observância de horário previamente definido; a prática de retribuição em função do tempo de trabalho ou a dependência económica do prestador de trabalho face ao seu beneficiário; o fornecimento dos instrumentos de trabalho pelo beneficiário da actividade; e, finalmente, que uma situação com essa características dure, sem interrupção, mais de 90 dias.
A leitura do preceito conduzia a uma conclusão perturbadora: o primeiro dos suportes da “presunção de contrato de trabalho” preencheria já o essencial da noção legal desse contrato; a verificação das quatro primeiras condições permitiria alicerçar, mais do que uma presunção (ilidível, nos termos do art.º 350./2 CCivil), a certeza da existência de contrato de trabalho; e o quinto elemento da enumeração legal (duração superior a noventa dais) parecia inteiramente destituído de aptidão qualificativa.
Trata-se, pois, se tanto, de presunção iuris et de iure, embora o teor da lei não apontasse nesse sentido. De qualquer modo, só razões que podiam conferir a uma presunção de contrato de trabalho uma utilidade concreta para o afinamento da aplicação das normas laborais não eram atendidas. Pelo contrário: a exigência da verificação cumulativa das características enumeradas – sendo uma delas, já de si, concludente, e outra manifestamente imprópria (a da duração da situação) – podia levar a que se suscitassem dúvida sobre a qualificação de situações que, sem esse preceito, os tribunais considerariam, liquida e concretamente, cobertas pelas leis do trabalho” [Op. cit. p. 153/154].
Reconhecidas essas dificuldades pelo legislador, essa norma foi entretanto revogada pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, passando o mesmo artigo a ter a redacção seguinte:
- «Presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização deste, mediante retribuição».
Convenhamos que a solução não foi igualmente feliz. Com efeito, se o prestador está na “dependência e inserido na estrutura organizativa” do beneficiário da actividade, realizando a sua prestação “sob as ordens, direcção e fiscalização daquele beneficiário” e “mediante retribuição”, parece que nada há a presumir, antes se impondo concluir pela qualificação da relação como de contrato de trabalho subordinado. Como salienta Maria do Rosário Palma Ramalho, “(..) embora se tenha limitado os indícios de laboralidade (..) fez-se coincidir a maior parte desses indícios com os próprios elementos essenciais do contrato de trabalho, o que lhe retirou qualquer valor indiciário, para além de os continuar a conceber como indícios cumulativos, o que diminuía a sua operacionalidade” [Op. cit., pp. 51].
No mesmo sentido, complementando a alusão ao art.º 12.º do CT/03 acima transcrita, Monteiro Fernandes prosseguia dizendo:
- «Com a L. 9/2006, de 20/3, o art. 12.º CT foi modificado, mas, na realidade, pouco melhorado. Passou a constituir base da “presunção” a verificação de que “o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização deste, mediante retribuição”. Não se estava aqui perante elementos concretos de facto susceptíveis de prova, mas de conceitos normativos e abstractos; e, no fim de contas, não se oferecia uma presunção, mas uma definição (uma segunda definição) do contrato de trabalho. Continuava, pois, a não existir no CT uma verdadeira presunção da existência do contrato de trabalho” [Op. cit. 154].
O artigo 12.º do actual CT, embora mantendo a presunção de laboralidade, veio a conferir-lhe uma nova formulação, para além do mais, dispondo o seguinte:
«1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
2- (..)
3 - (..)
4 - (..)»
Assim, nos termos aí estabelecidos, presume-se a existência de um contrato de trabalho sempre que ocorram alguns dos indícios ali mencionados nas alíneas a) a e), cuja enunciação é meramente exemplificativa, sendo bastante que se verifiquem apenas dois desses indícios para que possa ser presumida a existência de um contrato de trabalho. Não estabelecendo a norma qualquer proibição, a presunção legal aí contida é ilidível, como é de regra, significando isso que a qualificação laboral por efeito da presunção, pode ser afastada se o empregador provar a autonomia do trabalhador ou a falta de outro elemento essencial do contrato [art.º 350.º n.º2, do CC]. Dito de outro modo, constatada a existência de alguns desses indícios opera a presunção, ficando o trabalhador dispensado de provar a existência do contrato de trabalho [n.º1, do art.º 350.º CC], passa a recair sobre o empregador o encargo de provar a existência de uma situação de trabalho autónoma ou por conta própria, para afastar a presunção [n.º2, do mesmo art.º 350.º do CC].
Nada impede o trabalhador de alegar e provar todos os elementos essenciais do contrato de trabalho, nomeadamente, que desenvolveu uma actividade remunerada para o empregador, sob a sua autoridade e direcção, integrado na sua estrutura empresarial. Na verdade, sobre ele continua a recair esse ónus de alegação e prova dessa realidade [art.º 342.º 1 do CC]. Mas não logrando fazer essa prova, bastar-lhe-á que consiga provar os factos necessários, apreciado segundo um juízo de globalidade, para demonstrar pelo menos dois dos indícios, enunciados na lei para beneficiar da presunção. Porém, nesse caso, fica sujeito a que a mesma possa ser ilidida pelo empregador.
II.3.1.2 Começaremos por relembrar que a autora veio a juízo pedir, desde logo, que o contrato celebrado entre si e a R. a 16 de Dezembro de 2003, que denominaram “contrato de prestação de serviços”, com início nesse mesmo dia e fim a 16 de Janeiro de 2004, seja qualificado como contrato de trabalho.
É jurisprudência pacífica que a caracterização da relação jurídica estabelecida entre as partes contratantes tem de ser efectuada tendo em conta a lei em vigor à data da sua constituição, vendo-se neste sentido, nomeadamente, o acórdão deste Supremo Tribunal de 15 de Abril de 2015, proferido no processo n.º 329/08.0TTCSC.L1.S1.
À data em que o contrato em causa foi celebrado iniciara a sua vigência, em 1 de Dezembro de 2003, o Código do Trabalho 03 (art.º 3.º 1, da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto).
Assim, contrariamente ao que foi entendido pelo Tribunal a quo e, assinale-se, também pela recorrente, a apreciação desta questão deve ser feita face ao disposto no art.º 12.º do CT03, na sua versão inicial, e não à luz da correspondente norma do actual CT/09.
Como já se percebeu, tendo presente o que acima se assinalou acerca desta disposição e dos problemas suscitados quanto ao seu sentido e alcance, mormente na sua versão inicial, tal significa que a presunção de laboralidade a ter em conta de pouco vale à recorrente, pois para operar é necessário que se demonstrem cumulativamente todos os indícios de laboralidade enumerados nas alíneas a) a e) do artigo, o que aqui não se verifica, desde logo, pelo facto da prestação de trabalho executada ao abrigo desse contrato não ter decorrido ininterruptamente por período superior a 90 dias, como exigido pela última daquelas alíneas.
Com efeito, a execução de trabalho pela recorrente ao abrigo desse durou apenas de 16 de Dezembro de 2003 a Janeiro de 2004, ou seja, pelo período de 30 dias.
Vale isto por dizer que, para demonstrar a existência de uma relação de trabalho subordinado naquele período de tempo, cabia à autora alegar e provar os factos necessários que consubstanciassem os elementos essenciais do contrato de trabalho, nomeadamente, que desenvolveu uma actividade remunerada para o empregador, sob a sua autoridade e direcção, integrado na sua estrutura empresarial.
Ora, salvo o devido respeito, os factos provados não permitem chegar a essa conclusão.
Não basta ter-se provado que a autora prestou a sua actividade no Hospital E…, em … (facto 6), tal como prestara antes e continuou a prestar depois. Mais, faz-se notar que em bom rigor nem sequer pode dizer-se com segurança que a autora prestou trabalho no mesmo local de trabalho, pois apesar da entidade contratante ser aquele Hospital, não é irrelevante o facto de a autora ter executado a prestação da sua actividade em serviços diferentes, nomeadamente, “na Unidade E1…, depois E2… e, mais recentemente, novamente na Unidade E1…” (facto 6). Não se sabe, pois, se a execução desde contrato denominado de prestação de serviços teve lugar no mesmo serviço onde a autora prestara antes trabalho ao abrigo do contrato de trabalho a termo por 152 dias, caducado a 15 de Dezembro de 2003, a que se refere o facto 2.
Portanto, ainda que se possa entender como um indício de laboralidade, o certo é que o mesmo é ténue.
Outro indício resulta do provado em 7, nomeadamente, o facto da autora utilizar equipamentos e instrumentos de trabalho pertença da R., bem como o material clínico necessário à prossecução da sua actividade e, ainda a própria farda e um cartão de funcionária.
Contudo, também não assume especial relevância tendo em conta a actividade em causa. A prestação de serviços de enfermagem, seja ao abrigo de um contrato de trabalho ou de um contrato de prestação de serviços num estabelecimento hospitalar pressupõe que se utilizem os instrumentos de trabalho, designadamente, equipamentos médicos e material clínico, do próprio estabelecimento. E o mesmo é de dizer quanto ao uso de farda de serviço, por um lado como meio de higiene e segurança, por outro como sinal distintivo do tipo de profissional.
O que se vem dizendo serve igualmente para o cumprimento de um horário em escala de serviço. Um estabelecimento hospitalar não pode funcionar sem um sistema organizado de trabalho. Os serviços podem ter períodos de funcionamento contínuo ou um determinado horário de atendimento. Daí que, quer a prestação da actividade seja ao abrigo de um contrato de trabalho subordinado quer no âmbito de um contrato de prestação de serviços, a inserção num determinado esquema organizado de trabalho não seja um elemento especialmente distintivo de uma ou outra realidade contratual. Note-se que nem tão pouco sabemos em que dias e horas a autora prestava a sua actividade de enfermeira no período em causa, isto é, de 16 de Dezembro de 2003 a 16 de Janeiro de 2004. Por tudo isto, não se afasta como indício, mas o seu relevo não é grande.
Em contraponto, isto é, enquanto indícios da existência de um contrato de prestação de serviços, temos o próprio contrato celebrado entre as partes, não só denominado como tal, mas para além disso, como assinala o tribunal a quo, contendo cláusulas que visam afirmar uma determinada autonomia (facto 10), ainda que admitindo-se que a R. pudesse transmitir à autora “instruções, visando obter o resultado pretendido pelo presente contrato de Prestação de Serviços” (cláusula 11).
A cláusula é vaga e não existem factos provados, dado que nem sequer foram alegados, que nos elucidem sobre como se desenrolava no quotidiano a prestação da actividade de enfermeira pela autora. Certo é, porém, que tanto quanto decorre do contrato, foi propósito das partes afastar expressamente que a Autora estivesse sujeita à autoridade e direcção da R (facto 12).
Por conseguinte, resta concluir que os factos provados são manifestamente insuficientes para se poder concluir pela qualificação do contrato em causa como de trabalho subordinado.
Na verdade, em poucas palavras, não estão provados factos que permitam concluir, com a segurança necessária, pela existência de subordinação jurídica, elemento essencial para que aquela relação contratual devesse ser qualificada como contrato de trabalho.
Assim, quanto a este ponto improcede o recurso.
II.3.2 Seguindo-se a ordem inculcada pela recorrente nas suas alegações e conclusões, cabe agora apreciar se o tribunal a quo decidiu em violação do princípio trabalho igual salário igual; se errou na interpretação das cláusulas 2.ª 2 e 5.ª do Contrato de Trabalho da autora; e, se errou na interpretação da alínea c), do n.º 2, do art.º 5.º do DL 122/2010.
Pronunciando-se sobre estes pontos, ainda que por ordem diversa, o Tribunal a quo, no essencial, fez constar da fundamentação o seguinte:
Na esteira e conforme Ac. da Relação do Porto, proferido num processo deste Tribunal e deste Juízo, Ac. da R.P. de 07-07-2016 in www.dgsi.pt., proc. n.º 497/14.1TTVFR.P1 e que aqui se aplica com inteira propriedade por similitude de situações, transcrevemos (…).
(..)
Conforme resulta do próprio preâmbulo e dos artigos 2.º, n.º 2 e 5.º, n.º 1 do D.L. n.º 122/2010, este diploma aplica-se tão só aos enfermeiros com relação jurídica de emprego público constituído por contrato de trabalho em funções públicas (o que, como resulta pacífico não é o caso da A.) e submetidos ao regime da carreira especial de enfermagem previsto no D.L. n.º 248/2009, de 22-09.
Efectivamente este regime apenas tem aplicação no que reporta aos enfermeiros que se encontram submetidos e enquadrados no âmbito de aplicação do D.L. n.º 248/2009, de 22-09.
Termos em que, analisado tal diploma, resulta à saciedade que o reposicionamento automático apenas se encontra previsto para estes trabalhadores. O reposicionamento dos outros enfermeiros ficou dependente da publicação de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho (cfr. artigos 2.º e 13.º do D.L. n.º 247/2009, de 22-09).
Que dizer então das questões colocadas pela A. no que concerne à progressão na carreira e reposicionamentos remuneratórios?
Ora, não se provando que foi propósito da R. indexar automática e imediatamente os aumentos salariais dos enfermeiros com Contrato Individual de Trabalho aos valores previstos para enfermeiros no S.N.S., soçobra a conclusão pretendida pela A..
Voltando novamente ao Ac. da RP supra citado e o qual subscrevemos na íntegra, citaremos com legitimidade que: (..)».
(..)
Reproduzindo aqui a nossa interpretação acima expendida para interpretação das declarações negociais, sendo independentes do nome ou título que as partes atribuem ao contrato, no sentido de que deve fazer-se de acordo as regras dos artigos 236.º e 238.º, do Código Civil (aquando da nossa interpretação da interpretação a dar ao conteúdo do denominado contrato de prestação de serviços celebrado entre A. e R.) e fazendo a subsunção das cláusulas insertas nos contratos de trabalho celebradas entre A. e R., concluímos que a interpretação daquelas cláusulas contratuais dos acordos em referência não permite concluir que a progressão na carreira e os respectivos reposicionamentos remuneratórios ocorrerão para os valores previstos para profissionais do SNS de categoria igual, ou idêntica, não podendo pois afirmar-se que a R. quis remeter a A. para o regime do o D.L. n.º 248/2009, de 22-09 quanto à progressão na carreira e aumentos salariais.
Assim, nas temáticas que antecedem, carece a A. de razão.
A A. invoca ainda a existência de viola violação do princípio da igualdade, na sua vertente de “trabalho igual, salário igual”.
Assim, sendo certo que tal princípio tem acolhimento no Art. 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da Republica Portuguesa, a este propósito citaremos uma vez mais o Ac. da RP, no processo 497/14.1TTVFR ao consagrar que (..).
(..)
Face ao exposto não podemos concluir pela violação deste princípio. Conforme decorre do Ac. da R.P. de 20-06-2016, in www.dgsi.pt., proc. n.º 496/14.1TTVFR.P1: “Em síntese, o legislador quis mesmo criar regimes diferentes, não sendo evidente que deles resulte directamente uma discriminação ou desigualdade em matéria retributiva – tal depende do insucesso ou da força da negociação colectiva no caso dos trabalhadores com contrato individual de trabalho.
– (…)”.
Conforme se pode constatar pela leitura das conclusões, para pôr em causa o decidido a recorrente repete os mesmos argumentos mais do que uma vez em pontos diferentes. Assim, no essencial, os mesmos assentam na invocação do seguinte:
- Alegou sentir-se discriminada face, entre outras, à sua colega D…, que identificou e foi ouvida, tendo afirmado ter uma sucessão de contratos igual à da autora e sempre ter desempenhado, no mesmo local e da mesma forma, funções iguais;
- Colega que foi promovida a enfermeira graduada, auferindo desde Junho de 2009 um salário de €1.145,32, nos termos da Decreto-Lei 437/91, de 8 de Novembro; e, em Janeiro de 2012, teve nova progressão na carreira, nos termos da alínea b) do n.º 2 do Art.º 5º do DL122/2010, passando desde então a auferir €1.201,48.
- À recorrente, que estava rigorosamente nas mesmas circunstâncias, foi negado o direito quer à graduação, quer ao reposicionamento remuneratório, vendo o seu salário manter-se inalterado até Outubro de 2015, o que configura violação do princípio da igualdade, na sua vertente, “para trabalho igual, salário igual”, consagrado no Art.º 59.º,n.º 1, alínea a), da Constituição da Republica Portuguesa.
- As testemunhas afirmaram ter contrato individual de trabalho com a recorrida, e terem sido alvo de reposicionamento remuneratório entre 2011 e 2013, para o salário base de € 1.201,48, conforme previsto no do DL122/2010.
- A recorrida ao inserir nos contratos de trabalho uma cláusula de equiparação entre a carreira dos enfermeiros com contrato individual de trabalho e a carreira dos enfermeiros integrados no SNS, criou-lhes uma espectativa legítima de progressão e promoção na carreira, nos mesmos termos que aqueles.
- A cláusula só pode ser interpretada no sentido de que, enfermeiros com aquela cláusula nos seus contratos que até 23 de Setembro de 2009 – data da entrada em vigor do Decreto-Lei 248/2009 – que reunissem as condições previstas no Decreto-Lei 437/91, teriam direito a ser graduados.
- A recorrente cumpriu seis anos de serviço ininterrupto ao serviço da recorrida no dia 18 de Julho de 2009, devendo ter sido considerada enfermeira graduada com efeitos patrimoniais desde 1 de Agosto do mesmo ano, devendo desde essa data ter passado a auferir €1.145,32; e, pela mesma ordem de razões, tinha o direito a, nos termos da alínea b) do n.º 2 do Art.º 5º do Decreto-Lei 122/2010, da mesmíssima forma que o foram os seus colegas, ser alvo do reposicionamento remuneratório aí previsto, tendo passado a receber, desde Janeiro de 2012, o salário de € 1.201,48.
- Não é legítimo que o Tribunal a quo – antes viola a Constituição da República Portuguesa – tenha entendido que funcionários de uma mesma entidade, que desempenham rigorosamente as mesmas funções, fazendo-o da mesmíssima forma, reconhecendo que uns têm um salário superior ao de outros, por força de um reposicionamento remuneratório a realizar em três momentos temporais diferentes, e que considere tal situação justa e pacífica, sem necessidade de uma solução judicial diferente.
14 - A 30 de Novembro de 2004 foi celebrado entre A. e R. um contrato de trabalho sem termo, cuja vigência principiou no dia seguinte – 1 de Dezembro de 2004. (Cfr. Doc. 4, junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.)
18 - No contrato celebrado entre A. e R. em 30/11/2004 ficou consignado que a promoção da A. a “… categoria superior da respectiva carreira, bem como a progressão em cada categoria, são análogas às dos profissionais de idêntica categoria integrados no Serviço Nacional de Saúde, sendo-lhes aplicável o correspondente regime jurídico (cfr. cláusula 5ª do Contrato de Trabalho sem termo – Doc. 3 junto com a petição para o qual se remete e aqui se dá por reproduzido na íntegra).
Para apreciação destas questões, percorrido o elenco dos factos provados, constata-se que apenas relevam os seguintes:
19 - A categoria da A. era, desde 17 de Julho de 2003, a de “Enfermeiro Nível 1”.
20 - A A. foi sujeita a avaliação efectuada pela R., nos moldes que esta definiu e teve por convenientes, que designa por “critérios de avaliação de desempenho existentes nesta instituição”.
21 - O salário base da A. manteve-se nos €1.020,06 até 30 de Setembro de 2015.
22 - Na sequência de acordo colectivo celebrado com as entidades públicas do sector da saúde (entre as quais a aqui R.) e o sindicato dos Enfermeiros Portugueses, a A. passou a receber €1.201,48 ( mil duzentos e um euros e quarenta e oito cêntimos) a partir do dia 1 de outubro de 2015 ( cfr. acordo publicado no BTE nº 43, datado de 22/11/2015, pag. 3194 e acta de Fls. 328).
23- O R. é uma EPE - Empresa Pública Empresarial, integrado no sistema Nacional de Saúde.
II.3.2.1 Afigura-se-nos útil começar por um breve enquadramento jurídico relativo ao regime legal da carreira de enfermagem.
Como flui do seu artigo 1.º, o Decreto-lei 437/91, de 8 de Novembro, veio aprovar “(..) o regime legal da carreira de enfermagem” (n.º1), mencionando-se, ainda, que “Ao pessoal integrado nesta carreira aplica-se o disposto no Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro, com as especialidades constantes deste diploma (n.º2).
Sobre o âmbito de aplicação do diploma dispunha a artigo 2.º, daí resultando aplicar-se “(..) aos enfermeiros providos em lugares de quadro ou mapas de pessoal dos estabelecimentos e serviços dependentes do Ministério da Saúde” [n.º1], sendo(..) ainda aplicável aos enfermeiros dos organismos dependentes de outros ministérios, ou por eles tutelados, onde se encontra prevista a carreira de enfermagem (..)” [n.º2], bem como “(..) aos agentes dos estabelecimentos e serviços referidos nos números anteriores” [n.º3]. Acrescentava ainda o n.º4, que “Mediante decreto-lei, o regime aprovado pelo presente diploma poderá ainda aplicar-se a instituições privadas de solidariedade social”.
Releva assinalar que o Decreto-Lei 353-A/89, a que se refere o n.º2, do art.º 1.º, estabelecia regras sobre o estatuto remuneratório dos funcionários e agentes da Administração Pública e a estrutura das remunerações base das carreiras e categorias nele contempladas.
Importa fazer notar que então vigoravam o Decreto-lei 184/89, de 2 de Junho, que veio estabelecer os princípios gerais em matéria de emprego público, remunerações e gestão de pessoal da função pública (art.º 1.º), bem como o Decreto-Lei 427/89 de 7 de Dezembro, que na continuidade daquele primeiro, veio “desenvolve(r) e regulamentar os princípios a que obedece a relação jurídica de emprego na Administração Pública” [cfr. preâmbulo], definindo o regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na administração pública (art.º 1.º).
Serve a nota para deixar esclarecido que o DL 437/91, de 8 de Novembro, não era aplicável genericamente, como poderá sugerir a menção de vir aprovar “o regime legal da carreira de enfermagem”. De resto, não poderá esquecer-se que o art.º 2 vem delimitar o seu âmbito de aplicação às diferentes situações indicadas nos números 1 a 3, nomeadamente:
i)[n.º1]- “(..) aos enfermeiros providos em lugares de quadro ou mapas de pessoal dos estabelecimentos e serviços dependentes do Ministério da Saúde” ;
ii) [n.º2]- “(..)aos enfermeiros dos organismos dependentes de outros ministérios, ou por eles tutelados, onde se encontra prevista a carreira de enfermagem (..)”;
iii) [n.º3] - “(..) aos agentes dos estabelecimentos e serviços referidos nos números anteriores”.
Assinalando-se, ainda, relativamente ao n.º3 do artigo, através das palavras do Acórdão de 22-02-2008, do Tribunal Central Administrativo do Norte, que de “tal preceito não se poder retirar uma premissa absoluta e de aplicação irrestrita do quadro legal em matéria de carreira de enfermagem a todos os enfermeiros independentemente do tipo de vínculo detido ou ausência deste [proc.º 00460/06.6BEPNF, Carlos Luís Medeiros de Carvalho, disponível em www.dgsi.pt].
Continuando a servirmo-nos das palavras do citado aresto (sumário), releva também sublinhar que: [I] “A relação jurídica de emprego público pode constituir-se por nomeação e por contrato de pessoal, que pode ser um contrato de provimento ou um contrato de trabalho em qualquer das suas modalidades; [2] Apenas a nomeação confere a qualidade de funcionário, sendo que, dos contratos de pessoal, apenas o contrato administrativo de provimento confere a qualidade de agente administrativo.
O Decreto-lei 184/89, de 2 de Junho, veio a ser alterado pela Lei 23/2004, de 22 de Junho, diploma que veio definir “o regime jurídico do contrato de trabalho nas pessoas colectivas públicas” [art.º 1.º/1], estabelecendo o art.º2.º, o seguinte:
1 - Aos contratos de trabalho celebrados por pessoas colectivas públicas é aplicável o regime do Código do Trabalho e respectiva legislação especial, com as especificidades constantes da presente lei.
2 - O contrato de trabalho com pessoas colectivas públicas não confere a qualidade de funcionário público ou agente administrativo, ainda que estas tenham um quadro de pessoal em regime de direito público.
Significando isso, no que releva para o caso, que os profissionais de enfermagem contratados por pessoas colectivas públicas ao abrigo deste regime não detinham “a qualidade de funcionário público ou agente administrativo, ainda que estas tenham um quadro de pessoal em regime de direito público” e, consequentemente, não lhes era aplicável o DL 437/91, de 8 de Novembro.
Como resulta dos diplomas referidos, no universo dos enfermeiros contratados por pessoas colectivas públicas, em termos de regime jurídico de contratação, havia duas situações distintas: a dos enfermeiros enquadrados nas situações tipificadas no art.º 2.º do DL 437/91; e, a dos enfermeiros contratados por contrato de trabalho sujeito ao “regime do Código do Trabalho e respectiva legislação especial”.
É a existência dessa realidade que explica a publicação, na mesma precisa data, de dois diplomas distintos regulando a carreira de enfermagem, mas com âmbitos de aplicação e especificidades próprias, nomeadamente, os Decreto-Lei n.º 247/2009 e n.º 248/2009, ambos de 22 de Setembro.
O Decreto-Lei n.º 247/2009, de 22 de Setembro, veio definir “o regime legal da carreira aplicável aos enfermeiros nas entidades públicas empresariais e nas parcerias em saúde, em regime de gestão e financiamento privados, integradas no Serviço Nacional de Saúde, bem como os respectivos requisitos de habilitação profissional e percurso de progressão profissional e de diferenciação técnico – científica [art.º 1.º], aplicando-se “aos enfermeiros em regime de contrato individual de trabalho, nos termos do Código do Trabalho, nas entidades públicas empresariais e nas parcerias em saúde, em regime de gestão e financiamento privados, integradas no Serviço Nacional de Saúde, nos termos dos diplomas legais que definem o regime jurídico dos trabalhadores das referidas entidades, sem prejuízo da manutenção do mesmo regime laboral e dos termos acordados no respectivo instrumento de regulamentação colectiva de trabalho” [art.º 2.º/1].
Para que melhor se compreenda esta realidade e a evolução politico-legislativa que conduziu a este diploma, afigura-se-nos pertinente deixar aqui transcrito o respectivo preâmbulo, onde se lê o seguinte:
- «Iniciado, em 2002, um processo de reforma da gestão hospitalar mediante o aprofundamento das formas de natureza empresarial e de gestão de recursos humanos, com a alteração da natureza jurídica dos hospitais para sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos, determinou- -se, posteriormente, em finais de 2005, a transformação das referidas unidades de saúde em entidades públicas empresariais.
No que concerne aos recursos humanos, tem-se revelado como linha condutora dos regimes do sector empresarial do Estado, sucessivamente aprovados, em 1999 e 2007, fazer aplicar, aos respectivos trabalhadores, o Código do Trabalho, enquanto sede legal do respectivo estatuto de pessoal.
Na presente legislatura, iniciou -se a reforma da Administração Pública. Em conformidade, a Lei n.º 12 -A/2008, de 27 de Fevereiro, veio estabelecer novos regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, prevendo, em particular, a revisão dos regimes dos corpos ou carreiras especiais.
No âmbito da reformulação do regime de carreiras da Administração Pública, criou-se um patamar de referência para as carreiras dos profissionais de saúde a exercer em entidades públicas empresariais no âmbito do Serviço Nacional de Saúde (SNS), pelo que adquire, neste contexto, particular importância a intenção de se replicar o modelo no sector empresarial do Estado.
Efectivamente, a padronização e a identidade de critérios de organização e valorização de recursos humanos contribuem para a circularidade do sistema e sustentam o reconhecimento mútuo da qualificação, independentemente do local de trabalho e da natureza jurídica da relação de emprego.
Para alcançar este desiderato, torna -se imperativo alterar, em conformidade, o regime de pessoal das entidades públicas empresariais no domínio do SNS para todos os profissionais de saúde. Cumpre, a este propósito, referir que a presente alteração não condiciona a aplicação do Código do Trabalho nem a liberdade de negociação reconhecida às partes no âmbito da contratação colectiva.
Em síntese, através do presente decreto-lei, o Governo pretende garantir que os enfermeiros das instituições de saúde no âmbito do SNS possam dispor de um percurso comum de progressão profissional e de diferenciação técnico-científica, o que possibilita também a mobilidade interinstitucional, com harmonização de direitos e deveres, sem subverter a autonomia de gestão do sector empresarial do Estado».
Por seu turno, o Decreto-Lei n.º 248/2009, “define o regime da carreira especial de enfermagem, bem como os respectivos requisitos de habilitação profissional” [art.º 1.º], aplicando-se “(..) aos enfermeiros integrados na carreira especial de enfermagem cuja relação jurídica de emprego público seja constituída por contrato de trabalho em funções públicas”.
Com o mesmo propósito de melhor se compreenderem as razões de política-legislativa subjacente ao regime definido pelo diploma, deixa-se também aqui a transcrição do respectivo preâmbulo:
- «A Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto, Lei de Bases da Saúde, instituiu uma nova política de recursos humanos para a saúde com vista a satisfazer, à luz da conjuntura, as necessidades da população, com garantia da formação dos profissionais e da segurança dos cuidados prestados, procurando uma adequada cobertura em todo o território nacional.
No seguimento do disposto na base XII da referida lei de bases, foi aprovado um novo Estatuto do Serviço Nacional de Saúde (SNS), pelo Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro, o qual constituiu uma revisão do estatuto inicial de 1979, no sentido de criar unidades integradas de cuidados de saúde e flexibilizar a gestão dos recursos.
Dada a relevância social do direito à protecção da saúde, adoptaram-se mecanismos especiais de mobilidade e de contratação de pessoal, pretendendo compensar as desigualdades de acesso e de cobertura geodemográfica, cumprindo a obrigação constitucional de universalidade do acesso à prestação de cuidados de saúde.
Do mesmo modo que se investiu em novas instalações, novas tecnologias na saúde e de informação, implementaram-se também métodos de organização e gestão, de entre os quais a definição de carreiras, a qual constituiu um factor agregador das competências e garantias do SNS.
Com as alterações de gestão e organização, as quais prefiguraram uma aposta na qualidade e na criação de novas estruturas, a consagração legal da carreira de enfermagem, nos termos do Decreto -Lei n.º 437/91, de 8 de Novembro, ora revogado, desenvolveu e valorizou a prestação de enfermagem no SNS, como um todo coeso e coerente, com especificidades próprias e com um projecto sustentável.
Na presente legislatura, encetou-se a reforma da Administração Pública. Em conformidade, a Lei n.º 12 -A/2008, de 27 de Fevereiro, veio estabelecer novos regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, prevendo, em particular, a revisão dos regimes dos corpos ou carreiras especiais.
Neste contexto, a natureza da prestação de cuidados de enfermagem, pela sua especificidade, conteúdo funcional e independência técnica, não permite a sua absorção em carreira geral e impõe a criação de uma carreira especial.
Deste modo, nos termos do artigo 101.º da Lei n.º 12 -A/2008, de 27 de Fevereiro, dado o estabelecido no artigo 41.º da mesma lei, o presente decreto-lei revoga o Decreto -Lei n.º 437/91, de 8 de Novembro, e define o regime legal da carreira de enfermagem, enquanto carreira especial da Administração Pública. A carreira especial de enfermagem, implementando um modelo de referência em todo o SNS, independentemente da natureza jurídica dos estabelecimentos e serviços, pretende reflectir um modelo de organização de recursos humanos essencial à qualidade da prestação e à segurança dos procedimentos.
Efectivamente, no âmbito do conjunto de medidas para o desenvolvimento do ensino na área da saúde, aprovado através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 140/98, de 4 de Dezembro, constituiu um marco relevante para a dignidade e valorização da profissão de enfermeiro, a reorganização, que tem vindo a ser feita na última década, da rede de escolas e do modelo de formação geral dos enfermeiros, através de licenciatura e pós -graduação.
Este processo, instituído pelo Decreto-Lei n.º 353/99, de 3 de Setembro, possibilitou ainda, aos que frequentavam o curso de bacharelato, bem como aos bacharéis em enfermagem, o acesso ao grau de licenciatura, mediante o preenchimento de determinadas condições.
O presente decreto-lei vem agora instituir uma carreira especial de enfermagem na Administração Pública, integrando as actuais cinco categorias em duas, remetendo para deveres funcionais comuns a todos os trabalhadores em funções públicas, bem como para o conteúdo funcional da prestação de cuidados de saúde.
Estabelecem-se duas categorias, enfermeiro e enfermeiro principal, as quais reflectem uma diferenciação de conteúdos funcionais, ao mesmo tempo que se fixam as regras de transição para as novas categorias».
Conforme decorre dos factos provados (14), em 30 de Novembro de 2004 foi celebrado entre A. e R. um contrato de trabalho sem termo, cuja vigência principiou no dia seguinte – 1 de Dezembro de 2004.
Justamente por isso, voltamos ao DL 247/2009 - aplicável aos enfermeiros em regime de contrato individual de trabalho – para sublinhar que, conforme mencionado na parte final do preâmbulo, a sua finalidade é essencialmente a de “(..)garantir que os enfermeiros das instituições de saúde no âmbito do SNS possam dispor de um percurso comum de progressão profissional e de diferenciação técnico-científica”. Justamente por isso, o seu articulado é apenas composto por 14 artigos, regulando os aspectos essenciais da carreira de enfermagem dos enfermeiros contratos em regime de contrato individual de trabalho, nomeadamente os seguintes:
- CAPÍTULO II Nível habilitacional: Art.º 3.º Natureza do nível habilitacional / “(..) exigido para a carreira de enfermagem (..)[n.º1]“; Art.º 4.º Qualificação de enfermagem / “(..) é estruturada em títulos (..)”;
CAPÍTULO III Estrutura da carreira: Art.º 6.º Áreas de exercício profissional / “A carreira de enfermagem organiza -se por áreas de exercício profissional (..)” [n.º1]; Art.º 7.º Categorias / “A carreira de enfermagem estrutura -se nas (..) categorias de enfermeiro e enfermeiro principal” [n.º1 alíneas a) e b)]; Art.º 8.º Deveres funcionais / dos “(..) trabalhadores integrados na carreira de enfermagem (..)”; Art.º 9.º Conteúdo funcional da categoria de enfermeiro; Art.º 10.º Conteúdo funcional da categoria de enfermeiro principal; Art.º 11.º Condições de admissão / ao “(..) exercício de funções no âmbito da carreira especial de enfermagem (..)”; Art.º 12.º Recrutamento / “O recrutamento para os postos de trabalho sujeitos ao regime do Código do Trabalho, correspondentes à carreira de enfermagem, incluindo mudança de categoria, é feito mediante processo de selecção com observância do disposto no artigo 11.º do presente decreto –lei” [n.º1], sendo “Os requisitos de candidatura e a tramitação do processo de selecção (..) regulados por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho” [n.º2];Art.º 13.º Remunerações e posições remuneratórias / “(..) dos trabalhadores integrados na carreira de enfermagem são fixadas em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho”; Art.º 14.º Reconhecimento de títulos e categorias.
Conclui-se, pois, que este diploma não visou regular todas as matérias relativas aos contratos individuais de trabalho celebrados entre as entidades nele mencionado e enfermeiros em regime de contrato individual de trabalho. A intervenção do legislador teve em vista definir os pontos fundamentais do regime legal da carreira, para assegurar aquele propósito de se estabelecer “um percurso comum de progressão profissional e de diferenciação técnico-científica”. Em tudo o mais, esses contratos de trabalho estão sujeitos à disciplina do Código do Trabalho e legislação complementar, bem assim, “em especial, aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho” [art.º 1.º do CT/09].
Com o propósito de melhor se compreender os diferentes âmbitos de aplicação, dirigindo agora a nossa atenção para o DL 248/2009, este composto por 29 artigos, releva assinalar que as mesmas precisas matérias acima enunciadas são reguladas nos mesmos capítulos, englobando aqui os artigos 3.º a 16.º, com os mesmos títulos. Neste diploma a regulação dessas matérias está distribuída por mais dois artigos, apenas porque contém uma norma que não se encontra no DL 247/2009, nomeadamente o artº 11.º, com a epígrafe “Grau de complexidade funcional”, dispondo que “A carreira especial de enfermagem é classificada como de grau 3 de complexidade funcional”; e, ainda, porque a matéria relativa a “Remunerações” e “Posições remuneratórias”, consta em dois artigos com esses mesmos títulos (14.º e 15.º).
Tendo este diploma por finalidade definir, na expressão constante da exposição introdutória, “(..) o regime legal da carreira de enfermagem, enquanto carreira especial da Administração Pública (..)”, naturalmente que nos artigos que regulam a estrutura da carreira não se encontram menções ao código do trabalho ou aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, antes se estabelecendo que “[O] recrutamento para os postos de trabalho correspondentes à carreira de enfermagem, incluindo mudança de categoria, é feito mediante procedimento concursal [art.º 12.º/1] e que “[A] identificação dos níveis remuneratórios correspondentes às posições remuneratórias das categorias da carreira especial de enfermagem é efectuada em diploma próprio”[art.º 14.º1] e que “A cada categoria da carreira especial de enfermagem corresponde um número variável de posições remuneratórias, a constar de diploma próprio” [art.º 15.º 1].
Em suma, o Decreto-Lei n.º 247/2009 e o DL n.º 248/2009, ambos de 22 de Setembro, regulam realidades distintas, apenas tendo em comum o propósito afirmado no preâmbulo do primeiro deles, isto é, o de “(..) garantir que os enfermeiros das instituições de saúde no âmbito do SNS possam dispor de um percurso comum de progressão profissional e de diferenciação técnico-científica”. Apesar da estrutura base da carreira partilhar princípios comuns, tudo o mais está depois sujeito ao seu próprio regime, isto é, no caso dos enfermeiros contratados em regime de contrato individual de trabalho, ao Código do Trabalho e legislação complementar e “(..) aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho (..)”; no caso, dos enfermeiros cuja relação jurídica de emprego público seja constituída por contrato de trabalho em funções públicas, ao regime próprio da administração pública, vulgo, do funcionalismo público. Assim acontece, por exemplo, com o regime remuneratório e o regime de faltas férias, férias e feriados [Cfr. Ac. Relação do Porto de 14 de Março de 2016, Proc.º 9706/14.6T8PRT.P1, relatado pelo aqui relator, disponível em www.dgsi.pt].
II.3.2.2Revertendo ao caso, tendo a autora sido admitidas mediante a celebração de contrato individual de trabalho, nos termos do DL 247/2009, de 22 de Setembro, a relações laboral estabelecida entre si e a Ré está sujeita ao “regime legal da carreira aplicável aos enfermeiros nas entidades públicas empresariais e nas parcerias em saúde, em regime de gestão e financiamento privados, integradas no Serviço Nacional de Saúde”, regulado por este diploma.
Um dos fundamentos da autora e recorrente, consiste na invocação de que a R. “promoveu todos os enfermeiros com contrato individual de trabalho ao seu serviço que se enquadravam nas alíneas a) e b), do art.º 5.º do DL 122/2010, com excepção da recorrente”, acrescentando que “já tinha promovido os mesmos enfermeiros à categoria de enfermeiro graduado, assim que cumpriram seis anos ao seu serviço, com avaliações iguais ou superiores a satisfaz”, para depois prosseguir defendendo que cumpriu seis anos de serviço ininterrupto ao serviço da recorrida em 18 de Julho de 2009, devendo ter sido considerada como enfermeira graduada com efeitos patrimoniais a 1 de Agosto do mesmo ano, passando a auferir € 1 145,32 (conclusões w,x,y).
O Decreto-lei 122/2010, de 11 de Novembro, estabelece, conforme expresso no [art.º1.º, “o número de posições remuneratórias das categorias da carreira especial de enfermagem, identifica os respectivos níveis da tabela remuneratória única, define as regras de transição para a nova carreira e identifica as categorias que se mantêm como subsistentes” (n.º1), bem assim “os rácios dos enfermeiros principais na organização dos serviços, fixando regras para a determinação do número de postos de trabalho a prever nos respectivos mapas de pessoal” (n.º2) e, ainda, “a remuneração para as funções de direcção e chefia, exercidas em comissão de serviço”.
Para que melhor se compreenda o objecto do diploma, deixa-se aqui parte do respectivo preâmbulo, onde se lê o seguinte:
O Decreto-Lei 248/2009, de 22 de Setembro, definiu o regime da carreira especial de enfermagem, bem como os requisitos de habilitação profissional, relativamente aos enfermeiros com relação jurídica de emprego público constituída por contrato de trabalho em funções públicas.
Nos termos dos seus artigos 14.º e 15.º, os níveis remuneratórios correspondentes às posições remuneratórias das categorias que integram a carreira especial de enfermagem - enfermeiro e enfermeiro principal - são identificados por diploma próprio.
Assim, e em conformidade com os princípios e regras consagrados na Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, o presente decreto-lei estabelece, por categoria, o número de posições remuneratórias da carreira especial de enfermagem, bem como identifica os correspondentes níveis remuneratórios.
Esta definição tem em consideração, por um lado, o grau de complexidade funcional da carreira especial de enfermagem e, por outro, o processo de dignificação e valorização da profissão de enfermeiro que tem vindo a ser feito na última década, nomeadamente através do modelo de formação dos enfermeiros.
(..)
No que respeita às regras relativas ao regime de reposicionamento remuneratório para a tabela remuneratória agora estabelecida, prevê-se a aplicação dos princípios fixados no artigo 104.º da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro».
O disposto no artigo 1.º, interpretado com o contributo do enunciado pelo legislador na motivação do preâmbulo, é suficiente para perceber que o diploma tem por objecto regular duas situações distintas, por um lado, vem estabelecer um estatuto remuneratório, por outro pretende definir as regras “relativas ao regime de reposicionamento remuneratório para a tabela remuneratória agora estabelecida”.
Os artigos 2.º e 5.º tratam destas distintas situações, dispondo o seguinte:
[Artigo 2.º Posições remuneratórias]
[1] O número de posições remuneratórias das categorias da carreira especial de enfermagem, bem como a identificação dos correspondentes níveis remuneratórios da tabela remuneratória única constam do anexo ao presente decreto-lei, do qual faz parte integrante.
[2] A alteração de posição remuneratória na categoria efectua-se nos termos previstos nos artigos 46.º a 48.º da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.
[Artigo 5.º Reposicionamento remuneratório]
[1] Na transição para a carreira especial de enfermagem, os trabalhadores são reposicionados nos termos do artigo 104.º da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.
[2] Sem prejuízo do disposto no número anterior, os enfermeiros posicionados nos escalões 1 e 2 da categoria de enfermeiro, bem como os posicionados no escalão 1 da categoria de enfermeiro graduado, mantêm o direito à remuneração base que vêm auferindo, sendo reposicionados na primeira posição remuneratória da tabela remuneratória constante do anexo ao presente diploma, nos seguintes termos:
a) A 1 de Janeiro de 2011, os enfermeiros graduados com avaliação positiva que, pelo menos, desde 2004, se encontrassem posicionados no escalão 1 daquela categoria;
b) A 1 de Janeiro de 2012, os restantes enfermeiros graduados com avaliação positiva;
c) A 1 de Janeiro de 2013, os enfermeiros posicionados nos escalões 1 e 2 da categoria de enfermeiro, bem como os enfermeiros graduados que não tenham sido abrangidos pelas alíneas anteriores.
3 - No reposicionamento remuneratório dos enfermeiros que se encontrem a exercer funções em regime de horário acrescido, o montante pecuniário a considerar para efeitos de determinação da posição remuneratória é o correspondente à remuneração base, devendo o acréscimo remuneratório correspondente àquela modalidade de trabalho continuar a ser abonado nos termos dos n.os 2 a 4 do artigo 112.º, enquanto se mantiverem nesse regime.
Em suma, o diploma regula duas situações distintas, nomeadamente as seguintes:
i) define um estatuto remuneratório aplicável à carreira especial de enfermagem regulada pelo Decreto-Lei 248/2009, de 22 de Setembro, estabelecendo, por categoria, o número de posições remuneratórias dessa carreira e identificando os correspondentes níveis remuneratórios, nos termos da tabela remuneratória única anexa ao diploma (art.º 2.º/1), determinando que “[A] alteração de posição remuneratória na categoria efectua-se nos termos previstos nos artigos 46.º a 48.º da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro” (art.º 2.º/2) .
ii) estabelece as regras de reposicionamento remuneratório por efeito da transição para a carreira especial de enfermagem dos trabalhadores, aplicável aos enfermeiros contratados por pessoas colectivas públicas na situações tipificadas no art.º 2.º do DL 437/91, que passaram a estar enquadrados na carreira especial de enfermagem regulada pela Lei 248/2009, de 22 de Setembro, dispondo o art.º 5.º/1, que “Na transição para a carreira especial de enfermagem, os trabalhadores são reposicionados nos termos do artigo 104.º da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro”.
Significa isto, que a autora que não podia estar abrangida pelas regras de reposicionamento remuneratório a que se refere o art.º 5.º, do mesmo diploma, dado que o seu estatuto de origem é de enfermeiras contratados por contrato de trabalho sujeito ao regime do Código do Trabalho e respectiva legislação especial. A autora recorrente não transitou para a carreira especial de enfermagem nem podia ter transitado e, logo, está fora do âmbito de aplicação do art.º 5.º do DL 122/2010.
Para além disso, embora adiante voltemos a atentar neste aspecto, importa sublinhar que a recorrente vem invocar factos que não estão alegados e, mais, que nem sequer alegou em concreto. Não se sabe, pois, quais foram os enfermeiros vinculados por contrato individual de trabalho que alegadamente se enquadravam nas alíneas a) e b) do n.º2, do art.º 5º do DL 122/2010, nem se já tinham sido foram promovidos, quando e ao abrigo de que regime jurídico à categoria de enfermeiro graduado.
Improcede, pois, este argumento.
II.3.2.3 Prosseguindo, defende a Recorrente autora que a recorrida ao inserir no contrato de trabalho uma cláusula de equiparação entre a carreira dos enfermeiros com contrato individual de trabalho e a carreira dos enfermeiros integrados no SNS, criou-lhes uma espectativa legítima de progressão e promoção na carreira, nos mesmos termos que aqueles; a cláusula só pode ser interpretada no sentido de que, enfermeiros com aquela cláusula nos seus contratos que até 23 de Setembro de 2009 – data da entrada em vigor do Decreto-Lei 248/2009 – que reunissem as condições previstas no Decreto-Lei 437/91, teriam direito a ser graduados.
Consta provado que no contrato celebrado entre A. e R. em 30/11/2004 ficou consignado que a promoção da A. a “… categoria superior da respectiva carreira, bem como a progressão em cada categoria, são análogas às dos profissionais de idêntica categoria integrados no Serviço Nacional de Saúde, sendo-lhes aplicável o correspondente regime jurídico”.
Pretendendo, por esta via, que se lhe aplique o n.º2, do art.º 5.º do DL 122/2010, mas sem especificar qual das alíneas.
A cláusula do contrato individual de trabalho da autora refere-se à “ promoção (..) a categoria superior da respectiva carreira, bem como a progressão em cada categoria”, que nada tem a ver com aumentos salariais. E, a A vem pedir que lhe seja reconhecido que deveria ter adquirido a categoria profissional de “Enfermeiro Graduado”, com efeitos desde 18 de Julho de 2009.
Ora, como acima se deixou explicado, o art.º 5.º do DL 122/2010, estabelece as regras de reposicionamento remuneratório por efeito da transição para a carreira especial de enfermagem dos trabalhadores, aplicável aos enfermeiros contratados por pessoas colectivas públicas na situações tipificadas no art.º 2.º do DL 437/91, que passaram a estar enquadrados na carreira especial de enfermagem regulada pela Lei 248/2009, de 22 de Setembro, como logo flui do disposto no n.º1, do art.º 5.º: “Na transição para a carreira especial de enfermagem, os trabalhadores são reposicionados nos termos do artigo 104.º da Lei que não podiam estar abrangidos pelas regras de reposicionamento remuneratório a que se refere o art.º 5.º, do mesmo diploma, dado que o seu estatuto de origem é de enfermeiras contratados por contrato de trabalho sujeito ao regime do Código do Trabalho e respectiva legislação especial.
Dito em poucas palavras, o diploma não veio regular a promoção ou progressão na carreira, quando o que a A pretende é que lhe seja reconhecido o direito a uma alegada promoção.
Para além disso, repete-se, tendo a autora e recorrente sido contratada em regime de contrato individual de trabalho, com a categoria de enfermeira, nunca poderia ser-lhe aplicável um regime previsto para situações de transição de carreira.
Mais, nem pode esquecer-se que à data em que a cláusula foi inserida no contrato individual de trabalho da autora -30/11/2004 – estava-se ainda bem longe da publicação dos Decreto-Lei n.º 247/2009 e n.º 248/2009, ambos de 22 de Setembro, instituindo regimes distintos, nomeadamente, o dos enfermeiros contratados em regime de contrato individual de trabalho e o dos enfermeiros integrados na carreira especial de enfermagem. E, logicamente, distante estava igualmente a publicação do DL 122/2010, que como se deixou explicado veio regular matérias relativas aos enfermeiros da carreira especial de enfermagem.
Assim, por um lado não tem cabimento pretender-se uma interpretação da cláusula no sentido de aplicação de um regime jurídico que nem podia ser previsto à data em que foi inserida no contrato de trabalho; e, por outro, também não é aceitável defender-se uma interpretação que põe em causa os diferentes regimes jurídicos das carreiras de enfermagem que vieram a ser instituídos pelo legislador.
A R. é uma EPE - Empresa Pública Empresarial, integrado no sistema Nacional de Saúde (facto 21) e, como tal, está sujeita ao cumprimento estrito da lei, nomeadamente, respeitando as especificidades próprias das carreiras de enfermagem, nos termos regulados por aqueles diplomas.
Justamente por isso, sendo a autora uma enfermeira contratada em regime de contrato individual de trabalho, não tem fundamento pretender que a Ré lhe deveria aplicar o regime jurídico da carreira especial de enfermagem.
O que compete à R. assegurar à A. é a aplicação do regime jurídico dos enfermeiros vinculados perante si ao abrigo de contrato individual de trabalho e, por essa razão, como conta provado (22) “Na sequência de acordo colectivo celebrado com as entidades públicas do sector da saúde (entre as quais a aqui R.) e o sindicato dos Enfermeiros Portugueses, a A. passou a receber €1.201,48 (mil duzentos e um euros e quarenta e oito cêntimos) a partir do dia 1 de outubro de 2015 ( cfr. acordo publicado no BTE nº 43, datado de 22/11/2015, pag. 3194 e acta de Fls. 328)”.
Por conseguinte, improcede também esta linha de argumentação.
II.3.2.4 A derradeira questão a apreciar consiste em saber se a sentença errou quando concluiu não haver violação do princípio constitucional “trabalho igual salário igual”.
É consabido que o Tribunal Constitucional tem sucessivamente afirmado que o princípio da igualdade, consagrado no art.º 13.º da CRP, exige, num primeiro passo, que seja dado tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais.
Pronunciando-se a esse propósito com expressivo desenvolvimento, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 232/2003 [Diário da República, I Série-A, de 17 de Junho de 2003), escreve-se, para além do mais, o seguinte:
-« (..)
O Acórdão nº 319/00 (in AcTC, 47º vol., pp. 497ss), apoiando-se no Acórdão nº 563/96 (in AcTC, 33º vol., pp. 47ss), procedeu a uma síntese da jurisprudência constitucional relativa ao princípio da igualdade. Assim:
“[O] Tribunal Constitucional teve já a oportunidade de se pronunciar diversas vezes sobre as exigências do princípio constitucional da igualdade, que, no fundo, se reconduz à proibição do arbítrio, proibição essa que, naturalmente, não anula a liberdade de conformação do legislador onde ele a não infrinja. Assim, por exemplo, no acórdão nº 563/96 (...), publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33º, pág. 47 e segs., foram assim descritas:
1.1.-O princípio da igualdade do cidadão perante a lei é acolhido pelo artigo 13º da Constituição da República que, no seu nº 1, dispõe, genericamente, terem todos os cidadãos a mesma dignidade social, sendo iguais perante a lei, especificando o nº 2, por sua vez, que ‘ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social'.
Princípio estruturante do Estado de Direito democrático e do sistema constitucional global (cfr., neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 125) o princípio da igualdade vincula directamente os poderes públicos, tenham eles competência legislativa, administrativa ou jurisdicional (cfr. ob. cit., pág. 129) o que resulta, por um lado, da sua consagração como direito fundamental dos cidadãos e, por outro lado, da ‘atribuição aos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias de uma força jurídica própria, traduzida na sua aplicabilidade directa, sem necessidade de qualquer lei regulamentadora, e da sua vinculatividade imediata para todas as entidades públicas, tenham elas competência legislativa, administrativa ou jurisdicional (artigo 18º, nº 1, da Constituição)’ (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 186/90, publicado no Diário da República, II Série, de 12 de Setembro de 1990).
Muito trabalhado, jurisprudencial e doutrinariamente, o princípio postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais (proibindo, inversamente, o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais) - cfr., entre tantos outros, e além do já citado Acórdão nº 186/90, os Acórdãos nºs. 39/88, 187/90, 188/90, 330/93, 381/93, 516/93 e 335/94, publicados no referido jornal oficial, I Série, de 3 de Março de 1988, e II Série, de 12 de Setembro de 1990, 30 de Julho de 1993, 6 de Outubro do mesmo ano, e 19 de Janeiro e 30 de Agosto de 1994, respectivamente.
(..)».
Adianta-se já não assistir razão à recorrente.
O princípio da igualdade “postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais” .
Significa isto, pois, que a indagação da alegada situação de tratamento desigual da autora recorrente só pode ser aferida em relação a situações concretas que constem da matéria de facto, sendo que, de acordo com as regras gerais de repartição do ónus de prova, sobre ela recaía o ónus de alegação e prova dos factos necessários para demonstrar a alegada discriminação em preterição do princípio constitucional “trabalho igual salário igual”.
Neste sentido, entre outros, pronunciou-se esta Relação em acórdão de 13/02/2017, relatado pelo aqui relator [Proc.º 10879/15.6T8VNG.P1, disponível em www.dgsi.pt] , em cujo sumário se consignou o seguinte:
I - A aplicação do princípio para trabalho igual salário igual, consagrado nos artigos 59.º n.º 1, al. a), da CRP, e 270.º do CT/09, pressupõe que sejam tidas em conta “a quantidade, natureza e qualidade do trabalho”, significando tal que é admitida a atribuição de salários diferentes a trabalhadores da mesma categoria, desde que exista diferença da prestação em razão de um ou mais daqueles factores.
II - Pretendendo o trabalhador que seja reconhecida a violação do princípio “para trabalho igual, salário igual”, cabe-lhe alegar e provar que a diferenciação existente é injustificada em virtude de o trabalho por si prestado ser igual aos dos demais trabalhadores quanto à natureza, abrangendo esta a perigosidade, penosidade ou dificuldade; quanto à quantidade, aqui cabendo o volume, a intensidade e a duração; e, quanto à qualidade, compreendendo-se nesta os conhecimentos dos trabalhadores, a capacidade e a experiência que o trabalho exige, mas também, o zelo, a eficiência e produtividade do trabalhador.
III - Esses factos são constitutivos do direito subjectivo do trabalhador “discriminado” (à igualdade de tratamento), pelo que ao trabalhador cumprirá prová-los quando pretender fazer valer esse direito (art.º 342.º 1, do CC).
IV- (..)».
Atendendo aos factos provados a considerar, não existe prova de onde se possa concluir que a autora, no desempenho das suas funções, “estava rigorosamente nas mesmas circunstâncias” da sua colega D…, nem que esta tenha “sido promovida e visto o seu salário aumentado por força da aplicação daquelas normas”.
Na verdade, não há um único facto provado a esse propósito.
Do mesmo modo, como já se assinalou em ponto anterior, nada permite concluir que a R. tenha aplicado a outros profissionais de enfermagem vinculados por contrato individual de trabalho o regime jurídico constante do artigo 5.º n.º2, alíneas a) a c), do DL 122/2010, e diversamente não tenha assim actuado em relação à autora. Designadamente, nenhum facto provado permite concluir, como veio afirmar a recorrente, que “também as testemunhas ouvidas foram graduadas e progrediram na carreira, com os consequentes aumentos salariais e, por trabalharem todas no mesmo serviço, por terem contratos iguais e por desempenharem funções de idêntica natureza, qualidade e quantidade”.
Concluindo, também aqui improcede o recurso.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.
As custas do recurso são da responsabilidade da autora, atento o decaimento (art.º 527.º CPC).

Porto, 8 de Janeiro de 2018
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira