Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2010/10.0TXPRT-O.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE LANGWEG
Descritores: ALTERAÇÃO LEGISLATIVA
APLICAÇÃO DA LEI MAIS FAVORÁVEL
REABERTURA DA AUDIÊNCIA
REQUERIMENTO DO CONDENADO
Nº do Documento: RP201909112010/10,0TXPRT-O.P1
Data do Acordão: 09/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 809, FLS 27-35)
Área Temática: .
Sumário: I - Com a entrada em vigor da Lei nº 94/2017, de 23 de Agosto, foram introduzidas importantes alterações nos regimes dos artigos 43º a 46º, 50º, 53º, 58º e 59º, todos do Código Penal.
II – Tais alterações têm repercussão em questões relativas à ponderação e eventual aplicação retroactiva de regime penal mais favorável ao condenado.
III - A aplicação de lei mais favorável em relação a penas já decididas e transitadas em julgado tem procedimentos próprios, previstos no artigo 371º-A do Código de Processo Penal, que exigem a possibilidade de reabertura da audiência para aplicação retroativa de lei penal mais favorável.
IV - O artigo 138º, n.º 2, in fine, do C.E.P.M.P.L, estatui que a competência para proceder à reabertura da audiência em causa recai sobre o tribunal da condenação, em harmonia com a regra geral de competência instituída no artigo 470º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na qual se inscreve o conhecimento das questões incidentais previstas no artigo 474º, 1 e 2, do mesmo texto legal.
V – Tendo o ora recluso sido notificado, expressamente, para requerer tal reabertura e não tendo o mesmo agido em conformidade, não pode pretender a aplicação de lei eventualmente mais favorável.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Processo n° 2010/10.0TXPRT-O.P1
Data do acórdão: 11 de Setembro de 2019
Relator: Jorge M. Langweg
Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa
Origem:
Tribunal de Execução das Penas do Porto

Acordam, em conferência, os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto

Nos presentes autos acima identificados, em que figura como recorrente o recluso B…;
I- RELATÓRIO
1. Em 13 de Junho de 2019 foi proferida nos autos principais uma decisão que considerou:
a. não justificadas as faltas de entrada no estabelecimento prisional, o que determinou que a prisão por dias livres passe a ser cumprida, pelo tempo que faltar, em regime contínuo;
b. estar esgotado o poder jurisdicional para poder apreciar o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação;
c. que a possibilidade de reabertura da audiência para aplicação retroativa de lei penal mais favorável (artigo 371.°-A do Código de Processo Penal), depende da iniciativa do condenado, mas não compete ao T.E.P. a sua realização, mas ao tribunal do julgamento do qual resultou a condenação penal exequenda;
2. Inconformado com a decisão, o visado recorreu da mesma, terminando a motivação com as conclusões a seguir reproduzidas:
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2. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo, subindo imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.
2. O Ministério Público respondeu à motivação do recurso, pugnando pela sua improcedência mediante uma resposta que culminou com as seguintes conclusões:
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3. Nesta instância, o Ministério Público emitiu parecer, reiterando, no essencial, os termos da resposta junta na primeira instância, concluindo pela improcedência do recurso:
"(...)
Por decisão de 13.06.2019 não foram consideradas justificadas as 30 faltas em que incorreu B… no cumprimento dos 36 períodos de PDL em que foi condenado no proc. 940/09.1PCMTS, correspondentes a 6 meses de prisão, pelo que se determinou o cumprimento contínuo da pena em falta, mais se tendo considerado que não cabia na competência do tribunal de execução de penas a eventual aplicação retroactiva da lei mais favorável, decorrente da entrada em vigor da Lei 94/2017, de 23 de Agosto e, concretamente, pronunciar-se pelo cumprimento do remanescente da pena de prisão sob o regime de permanência na habitação, como requerera.
Dessa decisão interpôs recurso, considerando que as faltas não deveriam ter por injustificadas e mesmo que assim não fosse deveria o cumprimento da pena em falta ser determinado em regime de permanência na habitação. Insurge-se também contra a condenação em taxa de justiça por beneficiar de apoio judiciário.
O MP, na sua resposta ao recurso, considera que a decisão recorrida não merece qualquer censura. Assim, defende que não é de considerar justificação para as faltas as invocadas oportunidades de trabalho que lhe surgiam aos fins-de-semana.
Por outro lado, o Tribunal competente para conhecer da aplicação do cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, decorrente da Lei 94/2017, é o Tribunal da condenação, através da abertura da audiência.
Acresce que o recorrente foi previamente notificado para requerer no tribunal da condenação a abertura da audiência com vista a eventual aplicação da Lei 94/2017 já depois de verificado o incumprimento dos períodos da prisão por dias livres e nada requereu. Quanto à condenação na taxa de justiça considera que o benefício de apoio judiciário não se confunde com dispensa do seu pagamento que só se mantém enquanto se mantiver a situação de insuficiência económica que determinou a concessão de tal benefício.
Acompanha-se o teor de tal resposta, nada nos restando acrescentar de significativo.
O recurso deverá ser julgado improcedente."
3. O recorrente não apresentou resposta.
4. Não tendo sido requerida audiência, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais [artigos 417°, 7 e 9, 418°, 1 e 419°, 1 e 3, c), todos, ainda do mesmo texto legal].
Questões a decidir
Para definir o âmbito do recurso, a doutrina [1] e a jurisprudência [2] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412°, n° 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.
Atento o teor do relatório produzido nesta decisão, importa decidir as questões substanciais suscitadas neste recurso:
A. Erro de direito ao considerar injustificada as faltas de entrada no estabelecimento prisional, por inconsideração do disposto no artigo 13° n.° 2 da Constituição da República Portuguesa;
B. Erro em matéria de direito que resulta na aplicação de prisão contínua, em vez do regime de permanência na habitação, contrariando o disposto no artigo 12°, n° 2, da Lei n.° 94/2017, de 23 de Agosto, ex vi do artigo 2° n.° 4, 1ª parte, do Código Penal;
C. Erro em matéria de direito, que consiste na condenação do recluso no pagamento de duas unidades de conta que, no entendimento do recorrente, não deve ser paga, uma vez que o comprovativo do requerimento de apoio jurídico foi, de imediato junto aos autos (al. c) do n.° 2 do artigo 4° do Regulamento das Custas Processuais).
Para decidir as matérias acima descritas, importará, primeiramente, recordar a fundamentação da decisão recorrida.
II - FACTOS PROCESSUAIS RELEVANTES Extrato da decisão:
«Resulta dos elementos que documentam o processo que B…, com os demais sinais dos autos, foi transitadamente condenado no processo n.° 940/09.1PCMTS, da Comarca do Porto - Juízo Local Criminal de Matosinhos - Juiz 2, na pena de 6 meses de prisão, substituída por prisão por dias livres, a cumprir em 36 períodos, cada um deles com a duração de 48 horas.
Em 20.04.2017 foi emitida guia de apresentação do condenado no Estabelecimento Prisional …, para o início do cumprimento da pena, na sequência do que aquele aí se apresentou em 12.05.2017 para o cumprimento do primeiro período (fls. 20-21).
O estabelecimento prisional comunicou a não apresentação do condenado ao cumprimento de vários períodos que deviam ter sido iniciados depois disso, a última dessas faltas de entrada tendo ocorrido em 08.03.2019.
Entre 12.05.2017 e a última data referida cumpriu o condenado seis períodos (fls. 111 e 164).
Por despacho de 09.01.2018 foi o condenado notificado para, querendo, requerer a reabertura da audiência junto do processo da condenação, com vista a eventual aplicação da Lei n.° 94/2017, de 23 de agosto, nada tendo sido requerido (fls. 60-61 e 144).
Em 08.03.2019 foi sujeito a prisão no âmbito de um outro processo, situação em que permanece (fl. 162).
Procedeu-se à audição presencial do condenado, o qual declarou que: durante o tempo em que permaneceu em liberdade cumpriu apenas seis períodos da PDL e, sempre que faltou, foi para trabalhar, pois os melhores trabalhos que lhe surgiram, em mudanças, obras e limpeza de terrenos, ocorriam nesses períodos; fê-lo sempre com o único intuito de ajudar a sua família, que tinha dificuldades económicas, tendo passado a residir com a sua actual companheira, que sofre de doença crónica asmática, e os quatro filhos dela, não querendo que lhes faltasse nada; chegou a fazer alguns desses trabalhos com sacrifício pessoal, na condição de doente.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser determinado o cumprimento em regime contínuo da pena aplicada.
O condenado respondeu no sentido do cumprimento em regime de permanência na habitação, com meios de controlo à distância, do remanescente da pena de prisão resultante do incumprimento da prisão por dias livres. Não se vislumbra a necessidade de se proceder a qualquer outra diligência.
Apreciando.
Em face do supra apurado, resulta evidente que o condenado, durante o período em que permaneceu em liberdade, optou por sacrificar o cumprimento da pena em causa no processo em prol de outros interesses (por relevantes, em termos sociofamiliares, que possam ser).
As invocadas dificuldades económicas do seu agregado familiar e as alegadas oportunidades de trabalho surgidas nos períodos de fim-de-semana, não podem servir para justificar as faltas de entrada pois, de outro modo, estaria aberto o caminho à ineficácia da pena imposta, cujo cumprimento visa a satisfação de necessidades jurídico-penais.
No acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19.07.2016, proferido no processo n.° 1441/11.3TXPRT-C.P1, considerou-se que "não cabe ao tribunal esgotar as possibilidades físicas e especulativas susceptíveis de poderem justificar a atitude do condenado; é este que, de forma diligente e empenhada, terá de invocar e provar causas justificativas da falta de comparecimento ao cumprimento dos períodos de detenção".
Tudo visto, ponderado o disposto no artigo 125.°, n.° 4, do CEP, não considero justificadas as mencionadas faltas de entrada no estabelecimento prisional, em consequência do que determino que a prisão passe a ser cumprida em regime contínuo pelo tempo que faltar.
Quanto ao requerido cumprimento em regime de permanência na habitação, com meios de controlo à distância, do remanescente da pena de prisão resultante do incumprimento da prisão por dias livres, cumpre dizer o seguinte.
O momento de aplicação das medidas previstas nos artigos 43.° a 46.°, 50.°, 53.°, 58.° e 59.°, todos do CP, é o da prolação da decisão condenatória no processo do tribunal do julgamento, encontrando-se tais matérias dentro do círculo dos poderes do juiz de julgamento.
Neste sentido, no caso particular do instituto regulado no artigo 44.°, do CP (versão anterior à Lei n.° 94/2017, de 23 de Agosto), veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no âmbito do processo n.° 117/07.0GAPFR-A.P1 - 1.a Secção.
Não tendo sido feita, nesse âmbito, aplicação de uma qualquer dessas medidas e tendo transitado em julgado a respectiva decisão, mostra-se esgotado o respectivo poder jurisdicional (com a prolação da sentença, o juiz realiza o acto final de cumprimento do seu dever de julgar e fica, por isso, imediatamente esgotado o seu poder jurisdicional quanto à matéria em causa - artigo 613.°, n.° 1, do CPC).
Por seu turno, na decisão do Tribunal da Relação do Porto proferida em 16.03.2016, no quadro do processo n.° 119/11.2PFMTS-B.P1, entendeu-se que "a sentença que (...) transitou em julgado, por isso, não pode, por definição, ser alterada por um qualquer despacho posterior, seja de que tribunal for".
Consigna-se, aqui, que os domínios de aplicação previstos nos vários números do artigo 138.° do CEP se prendem com a execução da pena, tal como determinada pelo processo da condenação, e não com a sua natureza (tal como bem se distinguiu na decisão do Tribunal da Relação de Lisboa proferida em 15.02.2011, no quadro do processo n.° 434/10.2GCBNVE.L1).
Importa, também, contextualizar a norma ampla em que se traduz o artigo 138.°, n.° 2, do CEP, concretamente na parte em que se refere a "modificação e substituição". Afigura-se que esta disposição legal é uma norma de salvaguarda das competências próprias do TEP, a qual permite a este tribunal a possibilidade de exercer as consequências não directamente pensadas face às competências materiais especificadas nas várias alíneas do n.° 4 do mesmo artigo 138.°. Exemplificando, sem exaustividade: justificação de falta a cumprimento de período de prisão por dias livres, caso em que se faz acrescer um período ao termo inicialmente previsto, e alteração do respectivo horário de cumprimento (casos de modificação); concessão de liberdade condicional em sede de modificação de execução da pena ou concessão de modificação de execução de pena sem vigilância electrónica a condenado em adaptação à liberdade condicional (casos de substituição); morte de condenado em regime de liberdade condicional ou extinção de prisão subsidiária abrangida por regime de liberdade condicional (casos de extinção).
Sucede que, em 21.11.2017, entrou em vigor a Lei n.° 94/2017, de 23 de Agosto, a qual introduziu importantes alterações nos regimes dos artigos 43.° a 46.°, 50.°, 53.°, 58.° e 59.°, todos do CP, o que suscita questões relativas à ponderação e eventual aplicação retroactiva de regime penal mais favorável ao condenado.
A possibilidade de reabertura da audiência para aplicação retroactiva de lei penal mais favorável, hoje expressamente consagrada no artigo 371.°-A do CPP, dependendo da iniciativa do condenado, radica no antigo ensinamento de Beleza dos Santos, que defendeu que "o caso julgado não pode impedir a execução integral de uma lei, nem importar uma ampliação ilegítima do seu domínio de aplicação.
Quando existe uma sentença que encontra na sua execução uma lei por força da qual tem de ser modificada, o que há a fazer é reforma-la, levantando o incidente na respectiva execução (.)
A intangibilidade do caso julgado tem de ceder, quando a aplicação da lei a isso obriga"
Por seu turno, decorre da ressalva contida no artigo 138.°, n.° 2, parte final, do CEP, que a competência para proceder à pertinente reabertura da audiência recai sobre o tribunal da condenação, em harmonia com a regra geral de competência instituída no artigo 470.°, n. 1, do CPP, na qual se inscreve o conhecimento das questões incidentais previstas no artigo 474.°, n.° 1 e n.° 2, também do CPP.
Bem se compreende que assim seja.
Por um lado, no TEP não se procedeu previamente à realização de qualquer audiência (de julgamento), a qual implica a produção de prova de acordo com o rito processual regulado na lei de processo geral, pelo que, quando se torna necessária uma reabertura, estará em causa, necessariamente, a da audiência de discussão e julgamento realizada no tribunal de 1.a instância em que correu o processo penal condenatório: não pode, por força das coisas, ocorrer no TEP a reabertura de uma audiência que nele não teve lugar.
Por outra parte, nenhuma disposição da lei penal, substantiva ou adjectiva, atribui competência ao TEP para alterar a pena tal como definida pelo tribunal da condenação, não o fazendo, designadamente, o artigo 138.°, alínea l), do CEP, na redacção introduzida pela Lei n.° 94/2017, de 23 de Agosto, alteração que traduz a mais recente palavra legislativa neste âmbito: na verdade, por via desta disposição, apenas é conferida ao TEP competência para "decidir sobre a homologação do plano de reinserção social e das respectivas alterações, as autorizações de ausência, a modificação das regras de conduta e a revogação do regime, quando a pena de prisão seja executada em regime de permanência na habitação", o que, bem entendido, pressupõe uma decisão judicial prévia, proferida pelo tribunal da condenação.
Assim sendo, também quando a disposição transitória do artigo 12.° da Lei n.° 94/2017, de 23 de Agosto, alude a 'tribunal' no contexto da reabertura de audiência prevista está, evidentemente, a referir-se ao tribunal de 1.a instância em que correu o processo penal condenatório e não ao TEP, que é materialmente incompetente para os termos ali em causa, o que se declara. Por todo o exposto, não se atenderá ao requerido neste âmbito.
Condeno o recluso dos autos no pagamento da taxa de justiça de 2 (duas) UC.
(...)
III - FUNDAMENTAÇÃO EM MATÉRIA DE DIREITO
Introdução
A decisão recorrida situa-se na fase da execução da pena, apreciando a questão incidental referente à ponderação da (in)justificação das faltas de entrada em estabelecimento prisional, nos termos do disposto no artigo 125.°, n.° 4, do C.E.P., com as devidas consequências legais - sendo consideradas injustificadas, ser determinado que a prisão passe a ser cumprida em regime contínuo pelo tempo que faltar.
Do mérito do recurso:
1a questão:
a) Tese do recorrente:
A decisão recorrida padece de um erro de direito ao considerar injustificadas as faltas de entrada no estabelecimento prisional, por tal contrariar o disposto no artigo 13° n.° 2 da Constituição da República Portuguesa.
Sustenta essa tese com a alegação do seguinte argumento factual: "o fim pelo qual não cumpriu os períodos em falta apenas se deve, única e exclusivamente, para ajudar o seu agregado familiar, quer a nível económico, como financeiro, o qual carece de bastantes dificuldades. Deste modo, o cumprimento da prisão por dias livres era completamente incompatível com a sua atividade laboral.
Integra tal facto numa alegada violação do disposto no artigo 13° n.° 2 da Constituição da República Portuguesa, na medida em que esta garantia constitucional prevê que "Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.".
b) Tese do Ministério Público:
O Ministério Público contrapõe que a justificação não colhe, uma vez que o cumprimento, mesmo em prisão por dias livres, supõe o cumprimento efetivo em reclusão.
Cumpre apreciar e decidir.
O argumento invocado pelo recorrente para sustentar a sua pretensão recursória é manifestamente improcedente:
§ 1 - A versão dos factos verbalizada pelo recluso não permite integrar a conclusão por si alegada na motivação de recurso - que o cumprimento da prisão por dias livres era completamente incompatível com a sua atividade laboral: convidado a explicar as razões pelas quais faltou entrar no estabelecimento prisional, para cumprir a prisão por dias livres, o ora recorrente esclareceu[3] que deixou de comparecer no Estabelecimento Prisional devido à sua atividade laboral, uma vez que, no seu setor (serviços de transporte e mudanças, bem como na limpeza de terrenos), os melhores negócios ocorriam ao fim de semana.
Esta versão apenas permite concluir que a realização de trabalho ao fim-de-semana é, normalmente, mais bem remunerada do que durante os dias úteis da semana, o que, aliás, não é um exclusivo da profissão do condenado, o que o legislador tinha presente quando estabeleceu o regime de prisão por dias livres.
Em momento algum foi referido pelo condenado - e muito menos demonstrado nos autos, que a sobrevivência do seu agregado familiar dependesse da realização, por aquele, de trabalho ao fim-de-semana e, nem sequer, que o mesmo tenha, efetivamente trabalhado nesses períodos -.
Do exposto apenas sobra a única conclusão possível mais favorável ao condenado que o mesmo faltou ao cumprimento da prisão livre, por considerar não ser do seu interesse - e do seu agregado familiar - estar recluso, por poder perder a oportunidade de auferir uma remuneração acrescida com trabalho ao fim-de-semana.
O legislador previu que "A prisão por dias livres consiste numa privação da liberdade por períodos correspondentes a fins-de-semana.", justamente, para assegurar a possibilidade de trabalho aos cidadãos condenados em pena de prisão efetiva aplicada em medida não superior a um ano, que não deva ser substituída por pena de outra espécie (artigo 45°, 1, do Código Penal, na versão aplicada na decisão condenatória).
Como é notório, qualquer reclusão prisional envolve sacrifícios pessoais e económicos para os condenados e, por inerência, em medida diferente, para os agregados familiares daqueles. Não basta invocar esse prejuízo - inerente a todas as penas de prisão efetiva - para justificar as faltas de entrada em estabelecimento prisional, nos termos do disposto no artigo 125.°, n.° 4, do C.E.P..
§ 2 - O recorrente ainda coloca uma questão jurídica manifestamente destituída de fundamento jurídico, ao pretender significar que a injustificação das faltas e consequente cumprimento da pena passe a ser cumprida em regime contínuo constitui uma violação direta da garantia constitucional prevista no artigo 13° n.° 2 da Constituição da República Portuguesa, por entender que as suas faltas de entrada no estabelecimento prisional se deveram a razões de insuficiência económica.

A este respeito, cumpre assinalar, primeiramente, que não há decisões que violem diretamente um preceito constitucional, mas apenas interpretações jurídicas vertidas na fundamentação de decisões judiciais:
a) que recusem a aplicação de qualquer norma ordinária com fundamento na sua inconstitucionalidade (ou ilegalidade);
b) que apliquem norma ordinária que seja materialmente inconstitucional; e
c) que apliquem norma anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional.
Na situação retratada nos autos, o recorrente não chega a concretizar qualquer dessas modalidades de "inconstitucionalidade" suscetíveis de apreciação jurisdicional: a norma jurídica ordinária aplicada pelo tribunal "a quo" foi o artigo 125.°, n.° 4, do C.E.P., tendo o recorrente omitido qualquer referência à mesma na sua arguição de inconstitucionalidade material da fundamentação jurídica da decisão, de modo a concretizar a interpretação jurídica judicial suscetível de ser sindicada à luz das garantias constitucionais.
Por conseguinte, improcede a primeira questão colocada pelo recorrente, na medida em que:
a) o recorrente não chega a colocar, em termos processuais, uma questão de inconstitucionalidade suscetível de apreciação;
b) os factos invocados pelo recorrente, com respaldo na realidade documentada nos autos, não permitem vislumbrar, sequer, a possibilidade da questão jurídica subjacente - e não devidamente formulada - ter a menor possibilidade de sucesso.
2a questão
a) Tese do recorrente:
A decisão recorrida padece de um erro de direito ao aplicar prisão contínua, em vez do regime de permanência na habitação, contrariando o disposto no artigo 12°, n° 2, da Lei n.° 94/2017, de 23 de Agosto, ex vi do artigo 2° n.° 4, 1a parte, do Código Penal.
b) Tese do Ministério Público:
O Ministério Público contrapõe que a concessão do benefício pretendido pelo recorrente apenas estava dependente da iniciativa do recorrente que, não obstante para tal notificado, não requereu, no processo da condenação e ao abrigo do disposto na Lei 94/2017, de 23 de Agosto, o cumprimento dos períodos em falta em regime de permanência na habitação, carecendo o Tribunal de Execução de Penas de competência para determinar o regime do cumprimento da pena.
Cumpre apreciar e decidir.
Com a entrada em vigor da Lei n° 94/2017, de 23 de Agosto, foram introduzidas importantes alterações nos regimes dos artigos 43.° a 46.°, 50.°, 53.°, 58.° e 59.°, todos do Código Penal, com repercussão em questões relativas à ponderação e eventual aplicação retroativa de regime penal mais favorável ao condenado - tal como é a possibilidade legal agora pretendida pelo recorrente -.
A aplicação de lei mais favorável em relação a penas - já decididas e transitadas em julgado - tem procedimentos próprios, previstos no artigo 371.°-A do Código de Processo Penal, que exigem a possibilidade de reabertura da audiência para aplicação retroativa de lei penal mais favorável.
O artigo 138.°, n.° 2, in fine, do C.E.P., estatui que a competência para proceder à reabertura da audiência em causa recai sobre o tribunal da condenação, em harmonia com a regra geral de competência instituída no artigo 470.°, n. 1, do Código de Processo Penal, na qual se inscreve o conhecimento das questões incidentais previstas no artigo 474.°, 1 e 2, do mesmo texto legal.
Tendo o ora recluso sido notificado, expressamente, para requerer tal reabertura e não tendo o mesmo agido em conformidade, sibi imputet, si, quod saepius cogitare poterat et evitare, non fecit.[4]
3ª questão
a) Tese do recorrente:
Erro em matéria de direito que, no entender do recorrente consiste na sua condenação, pelo tribunal a quo, no pagamento de duas unidades de conta que, no entendimento do recorrente, não deve ser paga, uma vez que juntou aos autos o comprovativo do requerimento de apoio jurídico (al. c) do n.° 2 do artigo 4° do Regulamento das Custas Processuais).
b) Tese do Ministério Público:
A condenação em taxa de justiça só terá de ser paga se, a final, aquando da liquidação elaboração da nota de custas, o recorrente já não beneficiar de apoio judiciário, nada tendo a condenação no pagamento da mesma que estar dependente da atual situação de benefício de apoio judiciário.
Cumpre apreciar e decidir.
O fundamento jurídico apresentado pelo recorrente estriba-se no estatuído no artigo 4°, 2, c), do Regulamento das Custas Processuais, o qual apresenta a seguinte redação:
"Ficam também isentos:
(...)
Todos os processos que devam correr no Tribunal de Execução de Penas, quando o recluso esteja em situação de insuficiência económica, comprovada pela secretaria do tribunal, nos termos da lei de acesso ao direito e aos tribunais;"
Terá, então, sido ilegal a condenação do recorrente nas custas do processo?
Compulsados os autos, constata-se que o recorrente se limitou a juntar aos autos um requerimento de apoio judiciário, não se verificando, à data da prolação da decisão recorrida - nem tal se mostrar invocado pelo recorrente - a condição prevista na parte final do preceito acima reproduzido ("situação de insuficiência económica, comprovada pela secretaria do tribunal, nos termos da lei de acesso ao direito e aos tribunais.").
Ao condenar o recluso no pagamento das custas, o tribunal "a quo" limitou-se a cumprir a lei, ao fixar a taxa de justiça, considerando a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela Tabela III e nos termos do disposto no artigo 6°, n° 1 e 8°, n° 9, ambos do Regulamento das Custas Processuais.
Questão diferente é a do pagamento das custas.
Para que haja lugar ao pagamento das custas, tal pressupõe a elaboração da conta (artigo 29°, 1, do Regulamento da Custas Processuais). Porém, nos casos em que o devedor das custas fixadas pelo tribunal beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos, não há lugar à elaboração de conta, conforme estatuído no artigo 29°, 1, d), ainda do mesmo texto legal.
De resto, existe a possibilidade abstrata da proteção jurídica ser cancelada oficiosamente pelos serviços da segurança social ou a requerimento do Ministério Público, da Ordem dos Advogados ou patrono nomeado (artigo 10°, 1 da Lei n.° 34/2004, de 29 de Julho, na redação introduzida pela Lei n.° 47/2007, de 28 de Agosto) e, nessas circunstâncias, o devedor das custas necessita saber o valor das custas devidas.
Conclui-se, assim, pela improcedência da última pretensão recursória, confirmando-se a decisão recorrida.
*
Das custas:
Sendo o recurso do recluso julgado não provido, impõe-se a sua condenação no pagamento das custas, nos termos previstos nos artigos 513°, 1, do Código de Processo Penal e 8°, n° 9, do Regulamento das Custas Processuais.
A taxa de justiça é fixada em 3 (três) unidades de conta, nos termos da Tabela III anexa àquele Regulamento, tendo em conta o objeto e a extensão reduzida do recurso.
*
IV- DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes subscritores em conferência e por unanimidade, negar provimento ao recurso do recluso B….
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (três unidades de conta).
Nos termos do disposto no art. 94°, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97°, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.

Porto, em 11 de Setembro de 2019.
Jorge Langweg
Maria Dolores da Silva e Sousa
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[1] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág.335, V.
[2] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme em todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1a-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477°,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478°,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477°,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo n°. 30/09.7GCCLD.L1.S1.
[3] Declarações prestadas presencialmente nos termos do disposto no n° 4 do art. 125°, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade e à luz do acórdão de fixação de jurisprudência n° 7/2015, publicado no Diário da República, I-Série, de 25 de Maio de 2015.
[4] Codex lustiniani 4.29.22.1.