Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1424/13.9TTPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: INSOLVÊNCIA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RP201501051424/13.9TTPRT.P1
Data do Acordão: 01/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência do devedor, cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, da acção declarativa proposta contra o devedor e destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, haja, ou não, abertura da fase de reclamação de créditos no processo de insolvência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1424/13.9TTPRT.P1
4.ª Secção

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
II
1. B… instaurou a presente acção emergente de contrato de trabalho, com o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo, contra C…, Lda., alegando factos que, na sua perspectiva, implicam o reconhecimento do direito ao pagamento de créditos laborais e da indemnização devida pela resolução do contrato de trabalho com justa causa.
Formulou, a final, o pedido de condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 18.414,00 a título de créditos laborais emergentes da execução do contrato de trabalho e da sua cessação e compensação pela resolução com justa causa, prestações estas acrescidas de juros.
Desenvolvendo-se diligências para citação da R. que se revelaram infrutíferas, veio entretanto a ser junta a fls. 57 e seguintes certidão demonstrativa de que a empregadora foi declarada insolvente através de sentença proferida no dia 18 de Dezembro de 2012, que transitou em julgado no dia 9 de Janeiro de 2013, proferida nos autos de Insolvência a correr termos no 1.º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia com o nº 1394/12.0TYVNG, a qual concluiu pela insuficiência do património da aludida sociedade para a satisfação das custas e dívidas previsíveis da massa insolvente (artigo 39.º, n.º 1 e 9 do CIRE) e não determinou a abertura do incidente de qualificação da insolvência por o entender injustificado.
Foi então proferida pelo tribunal a quo, com data de 12 de Maio de 2014, decisão que, por força daquela declaração de insolvência, julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
A A., inconformada, interpôs recurso desta decisão, tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“a) A autora, B..., em tempo, instaurou ação emergente de contrato de trabalho, contra C..., Lda., e onde reclama o reconhecimento e pagamento de créditos laborais e da indemnização devida pela resolução do contrato de trabalho com justa causa;
b) Essa sociedade foi declarada insolvente em 18/12/2012, transitada em julgado em janeiro de 2013.
c) Tendo a insolvência foi decretada com caracter limitado; ou seja sem os efeitos de uma insolvência com carácter pleno; nomeadamente, na ausência de reclamação de créditos; motivo pelo qual a presente ação se justifica e se legitima para o exercício dos direitos laborais da autora, e conforme é jurisprudência pacifica acerca desta matéria.
d) Na douta sentença recorrida, confunde-se estes dois conceitos, ou seja refere-se que terá aplicação o arts. 128º, n.º 3, 130º e 141º, CIRE, quando os mesmos não tem aplicação ao caso em concreto, mas sim se estivéssemos perante uma insolvência com carácter pleno, o que não sucede.
e) Ou seja, mesmo o douto Acórdão Uniformizador de Jurisprudência a que se faz referência na douta sentença tem apenas aplicação aos efeitos da não reclamação de créditos no âmbito de um processo de insolvência com carácter pleno (onde existem reclamações).
f) A sociedade/ ré foi declarada insolvente com caráter limitado/ restrito, o que significa que a Ré não fica privada dos poderes de administração e disposição do seu património (que existia à data e continuará a existir), nem se produzem quaisquer dos efeitos que normalmente correspondem à declaração de insolvência.
g) Assim, quem tem a administração dos bens é o administrador da devedora (gerência) e não o Administrador de Insolvência que cessou as suas funções.
h) A presente ação declarativa terá de prosseguir não existindo qualquer obstáculo legal à prossecução da mesma contra a devedora originária, e nem sequer se pode falar de uma qualquer massa insolvente, uma vez que esta também inexiste.
i) Como bem se refere no douto Acórdão do TR Coimbra, in Proc. 5517/08.6TBLRA.C1, em 03/05/2011: “Tendo a sentença de declaração de insolvência carácter limitado, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 39.º do CIRE, não há lugar à extinção da instância, por impossibilidade superveniente da lide, em acção executiva pendente contra o insolvente que, por isso, poderá prosseguir os seus ulteriores termos na busca da existência (se os houver) de bens penhoráveis”;
j) Semelhante entendimento, teve-se no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, in Proc. 1116/08.0TBCBR-A.C1, de 14/04/2009, entre muitos outros.
k) Veja-se ainda o recentíssimo douto Acórdão do TR Porto, in Proc. 90/12.0TTSTS.P1, de 19/05/2014, cujo sumário reza o seguinte: “- Inexiste, qualquer violação do caso julgado, não se verificando, por outro lado, qualquer efeito preclusivo, pela circunstância de o Autor não ter reclamado no processo de insolvência, parte do seu crédito, vencido antes da declaração da insolvência da recorrente, uma vez que nada o impede, após o encerramento daquele processo, de exercer o seu direito em acção proposta contra a Ré, que entretanto iniciou a sua actividade. II - Da interpretação conjugada dos artigos 90º, 217º, nº 1, alíneas a) e c) e 233º, nº 1, todos do CIRE nada impede que o credor possa reclamar, após o encerramento do processo de insolvência, o seu crédito. Se assim não fosse, estaríamos perante uma exoneração do passivo restante implícita, cuja não tem cobertura legal. III -Sendo a reclamação de créditos um ónus (artigo 128º, nº 3 do CIRE), está na disponibilidade do credor de a fazer ou não. Se a não fizer, ou seja, caso não reclame os seus créditos ou apenas parte deles, a consequência é que tais créditos não podem ser considerados para efeitos de pagamento no processo de insolvência “restando ao credor esperar para exercer o seu direito uma vez encerrado o processo e tornado in bonis o devedor”. IV -O CIRE não determina que o credor da insolvência que no âmbito do processo de insolvência não reclamou o seu crédito, fique impedido, numa fase posterior, e já fora desse mesmo âmbito, de o fazer em acção própria. A sua inércia não implica a renúncia ao crédito. Ao não reclamar os seus créditos no âmbito do processo de insolvência corre os riscos inerentes a essa mesma não reclamação, já que pode deixar de ter a possibilidade de fazer essa reclamação numa fase posterior. V -Além do mais devemos levar em consideração que estamos perante um credor, cujos créditos derivam da relação laboral que ainda mantem com a sociedade que se apresentou e foi declarada insolvente. Tais créditos têm, cada vez mais, uma função alimentar, não só do trabalhador, mas também da sua família (cfr. artigo 84º, nº 3 do CIRE), sendo os mesmos, durante a vigência do contrato de trabalho irrenunciáveis. E tanto assim é que os mesmos apenas prescrevem passado um ano sobre a extinção da relação laboral (artigo 337º, nº 1 do Código do Trabalho). VI -Sendo assim, inexistindo no âmbito do CIRE, qualquer norma impeditiva de que o credor laboral possa numa fase posterior ao encerramento do processo de insolvência reclamar os seus créditos, não vislumbramos, que princípios inerentes a este processo (de insolvência), se possam sobrepor aos princípios reguladores das normas laborais acima elencadas, máxime, que a não reclamação de créditos no âmbito daquele processo determine uma espécie de renúncia dos créditos dos trabalhadores, nomeadamente quando a relação laboral se encontra intacta.”
l) E o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, in Proc. 1281/13.5TBPRD.P1, 03/04/2014, em que se refere: “O encerramento do processo de insolvência por insuficiência de bens (…) não importa a extinção da acção executiva instaurada depois desse encerramento.”
m) In casu, acompanha também a n/ pretensão o bem fundamentado no douto Acórdão do TR Porto, in Proc. 960/10.3TVPRT.P1, e 30/05/2013, em que se refere: “As coisas poder-se-iam passar de forma diferente, perante as situações a que alude o artº 39º, casos em que juiz conclui que o património do devedor não é presumivelmente suficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente e não estando essa satisfação por outra forma garantida, dá apenas cumprimento ao disposto nas als. a) a d) e h) do artº 36º, declarando aberto o incidente de qualificação com carácter limitado, e não sendo requerido que a sentença seja complementada com as restantes menções daquele artº 36º, então o processo de insolvência será declarado findo logo que a sentença transite em julgado [artº 39º, nº 7, alínea b)].Nessa situação, a declaração de insolvência não deverá conduzir à inutilidade superveniente da lide, pois o processo continuará a fazer e a ter sentido útil.Todavia, como se refere no citado acórdão do STJ de 25/3/2010, esta situação não tem aplicação ao caso vertente porque nenhuma menção é feita à insuficiência do património do devedor, sendo também certo que foi declarado o incidente da qualificação da insolvência com carácter pleno, pelo que o credor tem sempre que reclamar o seu crédito no prazo fixado.”
n) Após a instauração da ação laboral não surgiu qualquer facto novo superveniente que determine que a decisão a proferir já não possa ter qualquer efeito útil, sendo, ainda, possível dar satisfação à pretensão da Recorrente, quer quanto ao reconhecimento da resolução com justa causa do contato de trabalho; a indemnização pela antiguidade decorrente desse contrato e das anteriores transmissões do estabelecimento comercial; assim como quanto ao reconhecimento dos créditos daí emergentes e ai reclamados (o que ainda não se verificou)
o) A sentença que será proferida na ação declarativa tem toda a utilidade para efeitos de tentar obter parte do seu crédito junto da Ré;
p) Dos seus direitos decorrentes da longa relação laboral;
q) Na possibilidade de a Recorrente acionar o Fundo de Garantia Salarial, que como é óbvio só pagará parte desses créditos com o reconhecimento por sentença judicial), entre outros.
r) Não havendo lugar a decisão que fixe prazo para reclamar créditos no processo de insolvência, in casu, não haverá lugar à inutilidade da lide na respetiva ação declarativa.
s) A douta sentença recorrida violou assim os arts. 39º e 88º CIRE, e o art. 277º, al. e), CPC e os princípios consagrados na nossa CRP.
Nestes termos, e nos mais de direito que doutamente Vossas Excelências se dignarão suprir, requer-se que seja revogada a douta sentença recorrida, substituindo-a por uma outra que mande prosseguir a presente ação declarativa, com o que se fará inteira justiça.”
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação com efeito meramente devolutivo (fls. 80).
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta opinou pela procedência do recurso nos termos do douto Parecer de fls. 87-88.
Cumprido o disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, e realizada a Conferência, cumpre decidir.
*
2. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do CPC –, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a única questão que se coloca à apreciação deste tribunal consiste em saber se no caso sub judice a declaração de insolvência da ré empregadora determina a extinção da instância da presente acção declarativa laboral por inutilidade superveniente da lide.
*
3. Os factos necessários e relevantes para a decisão do recurso emergem do relatório que antecede.
E dos mesmos, bem como dos documentos constantes dos autos, resulta a seguinte sequência factual cronológica:
● 30 de Outubro de 2012 – data da eficácia da declaração de resolução emitida pela A. (documento de fls. 20-21);
● 18 de Dezembro de 2012 – data da sentença que declarou a insolvência da R. C…, Lda., a qual concluiu pela insuficiência do património da sociedade para a satisfação das custas e dívidas previsíveis da massa insolvente (artigo 39.º, n.º 1 e 9 do CIRE), nomeou administrador à insolvente e não declarou aberto o incidente de qualificação da insolvência, nem a fase de reclamação de créditos;
● 9 de Janeiro de 2013 – trânsito em julgado da declaração de insolvência da R.;
● 12 de Maio de 2014 – prolação da decisão recorrida a declarar extinta a instância desta acção declarativa por inutilidade superveniente da lide.
*
4. Tendo presente esta factualidade, analisemos a questão essencial suscitada no recurso.
*
4.1. À presente acção aplica-se o Código de Processo do Trabalho aprovado pelo 480/99, de 9 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10 (aplicáveis às acções iniciadas após a sua entrada em vigor em 2010.01.01 nos termos dos seus artigos 6.º e 9.º), bem como a título subsidiário o Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho (aplicável em plenitude aos processos instaurados a partir de 2013.09.01 - artigo 8.º do diploma).
Uma vez que a Ré foi declarada insolvente por sentença proferida em 18 de Dezembro de 2012, transitada em julgado em 9 de Janeiro de 2013, há ainda que ter presente o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 200/2004, de 18 de Agosto e alterado pelos Decretos-Lei n.ºs 76-A/2006, de 29 de Março, 282/2007, de 7 de Agosto, 116/2008, de 4 de Julho, 185/2009, de 12 de Agosto e pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, esta última em vigor desde 20 de Maio de 2012.
*
4.2. A questão de saber se, uma vez transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, a instância pertinente àquela acção declarativa deve ser declarada extinta por inutilidade da lide – actualmente prevista na alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil – não mereceu durante algum tempo uma resposta unânime da jurisprudência dos nossos tribunais superiores.
Contrapunha-se a propósito de tal matéria a tese defendida, além do mais, nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2010.03.25, Processo n.º 2532/05.5TTLSB.L1.S1 de 2011.01.13, Processo n.º 2209/06.4TBFUN-L1.S1 e de 2011.09.20, Processo n.º 2435/09.4TBMTS.P1.S1 e nos Acórdãos da Relação de Lisboa de 8 de Fevereiro de 2012, Processo n.º 3213/09.6TTLSB.L1 e de 21 de Março de 2012, Processo n.º 1799/10.1TTLSB.L1, ambos inéditos e subscritos pela ora relatora como 1.ª e 2.ª adjunta, respectivamente, bem como pelo Acórdão da Relação de Lisboa de 2012.05.09, Processo n.º 314/08.1TTALM.L1, também inédito e relatado pela ora relatora – de que deixa de ter utilidade o prosseguimento de acção declarativa tendente ao reconhecimento de invocados créditos laborais, pois que os mesmos terão de ser objecto de reclamação no processo de insolvência, pelo que, transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, a instância pertinente àquela acção declarativa deve ser declarada extinta, nos termos da alínea e) do artigo 287.º do Código de Processo Civil então em vigor – a uma outra tese sufragada, além do mais, pelos Acórdãos da Relação do Porto de 2013.01.28, processo n.º 677/11.7TTPRT.P1 e de 2013.01.07, Processo n.º 1366/11.2TTPRT.P1 – no sentido de que a declaração de insolvência do empregador não implica a inutilidade superveniente da lide da acção laboral cujo julgamento ainda não tenha sido efectuado.
Ainda no contexto de tal divergência jurisprudencial, os defensores da tese da inutilidade da lide salvaguardavam, por vezes, que tal questão apenas se colocava quando a declaração de insolvência não é efectuada nos termos do disposto no artigo 39.º do CIRE, considerando que na situação prevista neste preceito, em que o juiz, concluindo que o património do devedor não é presumivelmente suficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente e não estando essa satisfação por outra forma garantida, dá apenas cumprimento ao disposto nas alíneas a) a d) e h) do artigo 36.º do CIRE, não abre a fase de reclamação de créditos, declara aberto o incidente de qualificação com carácter limitado, sendo caso disso, e não vem a ser requerido que a sentença seja complementada com as restantes menções daquele artigo 36.º [nos termos do artigo 39.º, n.º 2, alínea a) e n.ºs 3 e 4], caso em que o processo de insolvência é declarado findo logo que a sentença transite em julgado [artigo 39.º, n.º 7, alínea b)].
Havendo quem defendesse que a declaração de insolvência, nestes termos restritos, não conduz à inutilidade superveniente da lide da acção declarativa[1].
Mas a questão não era pacífica, defendendo por exemplo Maria Adelaide Domingos que, não obstante a falta de “resposta satisfatória” a estas situações por parte do CIRE, as acções laborais pendentes também devem ser declaradas extintas por inutilidade da lide no caso em que na sentença declaratória da insolvência o juiz conclua que o património do devedor não é presumivelmente suficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas da massa insolvente, não desencadeia o prazo de reclamação de créditos e nenhum interessado requer o complemento da sentença nos termos prescritos no artigo 39.º, n.º 2, alínea a), caso em que o processo de insolvência é declarado findo logo que a sentença transite em julgado.
Segundo a mesma autora, mesmo neste caso em que o trabalhador não pode reclamar o crédito no processo de insolvência, não se configura qual o interesse do trabalhador no seu prosseguimento “uma vez que a penúria da massa insolvente acarreta, inevitavelmente, a não satisfação do crédito que venha a ser reconhecido judicialmente” [2].
E, acrescenta, o encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa vai determinar a liquidação da sociedade nos termos gerais (artigo 234.º, n.º 4 do Código Comercial) pelo que, uma vez encerrada a liquidação e extinta a sociedade, caso haja activo superveniente, a responsabilidade do seu pagamento cai sobre os antigos sócios (artigo 163.º, n.º 1 do CSC), pelo que a efectivação da responsabilidade pelos débitos sociais não satisfeitos impõe a demanda directa dos sócios em acção autónoma[3], mantendo-se a inutilidade da lide destinada à obtenção de uma sentença de condenação da insolvente.
Não se vê, efectivamente, qual a utilidade de prosseguir uma acção para fazer valer créditos contra a insolvente cujo património não é presumivelmente suficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente.
O n.º 3 do artigo 88.º do CIRE, introduzido pelo Decreto-Lei n.° 16/2012, de 20 de Abril, veio, a nosso ver, sustentar este entendimento, tornando clara a impossibilidade de prossecução das execuções instauradas pelos credores da insolvência que decorria já do n.º 1 do preceito nestas específicas situações em que se constata a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa, ao estabelecer que “[a]s acções executivas suspensas nos termos do n.º 1 [com a declaração da insolvência] extinguem-se, quanto ao executado insolvente, logo que o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 230.º, salvo para efeitos do exercício do direito de reversão legalmente previsto”. Ao determinar a extinção das acções executivas suspensas com a declaração da insolvência quanto ao executado insolvente logo que o processo seja encerrado, além do mais, quando o administrador da insolvência constate a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa, o preceito torna patente que o legislador entendeu ser inútil prosseguir com tais execuções face à constatada insuficiência do património do devedor mesmo para as custas do processo e para as dívidas previsíveis da massa.
Seja como for, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2014, prolatado em 8 de Maio de 2013 pelo plenário das Secções Cíveis e Social do Supremo Tribunal de Justiça[4] veio a uniformizar jurisprudência fixando o seguinte entendimento:
«Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.»
Este aresto não faz qualquer distinção entre os casos em que a sentença declaratória da insolvência concluiu pela insuficiência do património da sociedade para a satisfação das custas e dívidas previsíveis da massa insolvente e os demais em que se verificou a abertura da fase de reclamação de créditos e o processo prosseguiu. Pelo contrário, o segmento uniformizador mostra-se enunciado em termos que abrangem qualquer sentença que declare a insolvência, determinando que se deve “decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide” da acção declarativa proposta pelo credor uma vez “ transitada em julgado a sentença que declara a insolvência”.
Entendemos pois que o acórdão uniformizador, não fazendo distinção, abarca na hipótese que formula todos os casos em que é declarada, por sentença com trânsito em julgado, a insolvência do devedor demandado, haja, ou não, abertura da fase de reclamação de créditos.
Este entendimento interpretativo é alicerçado pelo facto de o Supremo Tribunal de Justiça não ter acolhido a proposta de uniformização apresentada pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta que fazia referência à fixação judicial do prazo para reclamação de créditos ao propor a seguinte redacção: «1 – Certificado o trânsito em julgado da sentença declaratória da insolvência e declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência com carácter pleno e fixado o prazo para reclamação de créditos, o prosseguimento da acção declarativa tendente ao reconhecimento de direitos laborais (créditos salariais e direitos indemnizatórios) torna -se inútil, devendo a mesma ser declarada extinta, nos termos do art. 287.º, e), do C.P.C. 2 – Tal inutilidade (superveniente) deve -se ao facto de durante a pendência do processo de insolvência, os credores só poderem exercer os seus direitos nesse processo, segundo o regime decorrente da ‘reclamação universal’, a que se referem as disposições combinadas dos arts. 90.º e 47.º n.º 1 do CIRE e da ‘execução universal’ a que se refere o art. 1.º do mesmo diploma legal e segundo os meios processuais regulados no mesmo Código, consubstanciando, tal exercício, um verdadeiro ónus colocado a cargo de todos os credores, sem excepção, sendo que o tal Código lhes fornece, também, os meios processuais necessários à defesa dos seus interesses. 3 – Quando a decisão de despedimento tem lugar em data anterior à instauração do processo de insolvência, o fundamento dos créditos e direitos invocados é–lhes também necessariamente anterior, situação que impossibilita a sua verificação ulterior, nos termos do art. 146.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) e b), do CIRE, pelo que a declaração da inutilidade superveniente da acção declarativa não tem obviamente quaisquer reflexos nessa já existente impossibilidade’.»
E é também alicerçado pelo facto de se contemplar nos votos de vencido a circunstância de ter havido reclamação de créditos no processo de insolvência (acrescentando-lhe, ou não, outros requisitos) como condição para se afirmar a inutilidade da lide da acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor[5], o que denota ter sido a mesma ponderada pelo colectivo de juízes e afastada pela maioria dos Exmos. Srs. Conselheiros que subscreveram o acórdão de uniformização de jurisprudência.
Apesar de o texto do aresto não referenciar que nele se mostram abrangidas as duas hipóteses – de se abrir, ou não abrir, a fase da reclamação de créditos no processo de insolvência –, a proposta de uniformização do Ministério Público e estes votos de vencido esclarecem a doutrina do acórdão que não acolheu as ressalvas neles contempladas e relacionadas, quer com a abertura da fase de reclamação de créditos, quer com a sua garantia por bens integrados na massa, quer com a reclamação do crédito em causa, quer com o seu relacionamento pelo Administrador.
O segmento uniformizador do acórdão faz depender a inutilidade da lide da acção declarativa destinada a obter o reconhecimento do crédito nela peticionado, da mera circunstância de se mostrar transitada em julgado a sentença que declarou a insolvência do devedor ali demandado pelo credor, pelo que a ora relatora revê posição anterior em que sustentou haver utilidade na continuação da lide quando se não abrisse no processo de insolvência a fase da reclamação de créditos.
No caso sub judice, a sentença proferida em 8 de Dezembro de 2012 declarou a insolvência da aqui R., concluiu pela insuficiência do património da sociedade para a satisfação das custas e dívidas previsíveis da massa insolvente (artigo 39.º, n.º 1 e 9 do CIRE), nomeou administrador à insolvente, declarou não se justificar a abertura do incidente de qualificação da insolvência, não abriu a fase de reclamação de créditos e não resulta dos elementos juntos aos autos que haja sido requerida a complementação da sentença nos termos acima mencionados.
Tal sentença transitou em julgado em 9 de Janeiro de 2013.
Assim, face à doutrina expressa pelo AUJ, de que não vemos razões válidas para divergir, não pode proceder a pretensão da recorrente de ver a presente acção prosseguir contra a insolvente.
Não pode ainda perder-se de vista que o encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa determina a liquidação da sociedade nos termos gerais (artigo 234.º, n.º 4 do Código Comercial) e que, uma vez encerrada a liquidação e extinta a sociedade, caso haja activo superveniente, a responsabilidade do seu pagamento recai sobre os antigos sócios (artigo 163.º, n.º 1 do CSC), pelo que a efectivação da responsabilidade pelos débitos sociais não satisfeitos impõe a demanda destes, maxime se a sociedade se mostrava já dissolvida à data da petição inicial da acção declarativa, como tudo indica que terá sucedido no que respeita à R. atento o tempo decorrido desde a declaração de insolvência.
Esta questão mostra-se contudo subtraída à nossa apreciação, não só porque se não mostra junta aos autos a competente certidão demonstrativa de que a dissolução da sociedade ré se teria verificado quando a A. instaurou a presente acção declarativa (o que implicaria a sua falta de personalidade judiciária para nela ser demandada nos termos do artigo 11.º do Código de Processo Civil), pelo que carecemos dos elementos de facto indispensáveis à sua apreciação, mas, também, porque consubstancia uma questão nova sobre a qual não se debruçou o tribunal recorrido.
A A. alega, por fim, que a sentença que será proferida na acção declarativa tem toda a utilidade para efeitos de “accionar o Fundo de Garantia Salarial, que como é óbvio só pagará parte desses créditos com o reconhecimento por sentença judicial, entre outros” [conclusões o) e q)].
Trata-se de argumento que foi igualmente ponderado no AUJ n.º 1/2014, onde se rebateu a sua relevância para afastar a inutilidade da lide da acção declarativa. Aí se discorreu, a propósito, nos seguintes termos:
“Invocou também como outra utilidade da obtenção de decisão definitiva na acção laboral a possibilidade de a recorrente accionar o Fundo de Garantia Salarial (FGS) se já não existir massa insolvente no processo de insolvência na altura em que for proferida sentença.
Igualmente, aqui, sem fundamento válido, porquanto, uma vez verificadas as pressupostas circunstâncias, a invocada possibilidade de accionar o Fundo de Garantia Salarial não depende da apresentação da decisão definitiva sobre os créditos peticionados, para cujo fim valem outros meios de prova: certidão ou cópia autenticada comprovativa dos créditos reclamados pelo trabalhador emitida pelo Tribunal competente onde corre o processo de insolvência, ou pelo IAPMEI, no caso de ter sido requerido o procedimento de conciliação; também a declaração emitida pelo empregador, comprovativa da natureza e montante dos créditos em dívida, declarados no requerimento pelo trabalhador e ainda declaração de igual teor emitida pela ACT, anotando-se que na sentença declarativa da insolvência se cuidou logo de notificar o FGS – vide o já citado texto de Maria Adelaide Domingos, pg. 277, e o ajuizado a propósito no citado Acórdão de 25.3.2010.”.
O artigo 336.º do Código do Trabalho de 2009, aqui aplicável, dispõe que «[o] pagamento de créditos de trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil, é assegurado pelo Fundo de Garantia Salarial, nos termos previstos em legislação específica», normativo cuja regulamentação consta dos artigos 317.º a 326.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho (Legislação especial que regulamenta o Código do Trabalho de 2003, adiante designada por LECT), que entrou em vigor em 28 de Agosto de 2004 e ainda continua vigente, por força do art.º12, n.º 6, alínea o) da Lei nº 7/2009 de 12 de Fevereiro.
Nos termos do preceituado no artigo 323.º da LECT que «[o] Fundo de Garantia Salarial efectua o pagamento dos créditos garantidos mediante requerimento do trabalhador, do qual consta, designadamente, a identificação do requerente e do respectivo empregador, bem como a discriminação dos créditos objecto do pedido».
Por seu turno, o artigo 324.º da LECT determina que o requerimento previsto no artigo anterior é instruído, consoante as situações, com os seguintes meios de prova: «a) certidão ou cópia autenticada comprovativa dos créditos reclamados pelo trabalhador emitida pelo tribunal competente onde corre o processo de insolvência ou pelo Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas (IAPMEI), no caso de ter sido requerido o procedimento de conciliação; b) declaração emitida pelo empregador, comprovativa da natureza e do montante dos créditos em dívida declarados no requerimento pelo trabalhador, quando o mesmo não seja parte constituída; c) declaração de igual teor, emitida pela Inspecção-Geral do Trabalho
Conforme sublinha Maria Adelaide Domingos, «[n]ão se exige que a prova dos referidos créditos seja feita através de decisão judicial condenatória, o que vem reforçar a desnecessidade do prosseguimento da acção laboral»[6].
Ou seja, a eventual decisão condenatória que fosse proferida no âmbito do presente processo não teria para o efeito maior utilidade do que a apresentação de uma “declaração emitida pelo empregador, comprovativa da natureza e do montante dos créditos em dívida declarados no requerimento pelo trabalhador, quando o mesmo não seja parte constituída” ou de uma “declaração de igual teor, emitida pela Inspecção-Geral do Trabalho”, a que aludem as alíneas b) e c) do artigo 324.º do RCT. Repare-se que não se mostra prevista neste preceito especial, sequer, a hipótese de a prova do crédito ser feita com a apresentação de uma sentença condenatória proferida em acção declarativa.
Assim, não é correcto afirmar que o Fundo de Garantia Salarial só pagará parte dos créditos da recorrente com o reconhecimento por sentença judicial que condene a empresa em tal pagamento.
Deve ainda acrescentar-se que os Acórdãos da Relação citados pela recorrente nas conclusões i), j) e l) são referentes a acções executivas (sendo os dois primeiros anteriores à alteração do artigo 88.º do CIRE operada em 2012), que o aresto da Relação do Porto de 19 de Maio de 2014 citado na conclusão k) se reporta a uma situação em que no processo de insolvência houve reclamação de créditos e a sociedade insolvente havia reiniciado a sua actividade na sequência de um plano de insolvência aprovado nos termos dos artigos 192.º e ss. do CIRE e que o aresto citado na conclusão m) é anterior à publicação oficial do referenciado AUJ n.º 1/2014.
Finalmente, deve referir-se que o AUJ n.º 1/2014 foi objecto de apreciação por parte do Tribunal Constitucional que, no seu Acórdão 46/2014, publicado no DR, 2ª Série, de 2014.02.11, decidiu “[n]ão julgar inconstitucional a interpretação normativa de acordo com a qual, transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a ação declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 287º do CPC”, juízo de constitucionalidade que foi reiterado no Acórdão 485/2014, processo n.º 1100/2013 (in www.tribunalconstitucional.pt) que igualmente versou sobre uma acção emergente do contrato individual de trabalho.
Nesta conformidade, e em conclusão, improcedem as conclusões do recurso.

As custas do recurso ficam a cargo da recorrente, uma vez que nele ficou vencida (artigo 527.º do Código de Processo Civil), atendendo-se contudo ao que ficou decidido em sede de apoio judiciário.
*
*
5. Em face do exposto, nega-se provimento à apelação e mantém-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, atendendo-se a que beneficia de apoio judiciário.
Nos termos do artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Porto, 5 de Janeiro de 2015
Maria José Costa Pinto
João Nunes
António José Ramos
______________
[1] Cfr. neste sentido, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12 de Março de 2009, Processo n.º 2113/04.0YXLSB.L1-2, disponível em www.dgsi.pt e de 9 de Fevereiro de 2011, Processo n.º 263/10-3TTPDL.L1, ao que sabemos inédito.
[2] «Efeitos Processuais da Declaração de Insolvência sobre as Acções Laborais Pendentes», in Memórias do IX e X Congressos Nacionais de Direito do Trabalho, Instituto Lusíada de Direito do Trabalho, Coimbra, 2007, p. 276.
[3] Vide Maria Adelaide Domingos, in estudo citado, p. 276, nota 16.
[4] In Diário da República, 1.ª série, de 25 de Fevereiro de 2014.
[5] Veja-se o voto da Exma. Sra. Cons. Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza, com a declaração de que se deveria ter esclarecido que era «transitada em julgado a sentença que declara a insolvência e fixa prazo para reclamação de créditos» e que o crédito seja garantido por «bens integrados na respectiva massa insolvente». Veja-se também o voto do Exmo. Sr. Cons. Sebastião Póvoas que conclui: “assim, de modo sintético, e impeditivo de equivocidades, concluiria: “A reclamação de um crédito num processo de insolvência, ou o seu relacionamento pelo Administrador, é causa de extinção da instância, por inutilidade da lide, da acção declarativa em que o pedido formulado contra o insolvente é o mesmo crédito”.
[6] In ob. cit., p. 277.
___________
Nos termos do artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência do devedor, cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, da acção declarativa proposta contra o devedor e destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, haja, ou não, abertura da fase de reclamação de créditos no processo de insolvência.

Maria José Costa Pinto