Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
71/15.5T8ALB.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
ACIDENTE OCORRIDO NUMA AUTO-ESTRADA E PROVOCADO POR UM UTENTE DA VIA
INDEMNIZAÇÃO DA CONCESSIONÁRIA DA AUTO-ESTRADA
LUCRO CESSANTE
Nº do Documento: RP2017062071/15.5T8ALB.P1
Data do Acordão: 06/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 772, FLS 214-229)
Área Temática: .
Sumário: A dedução da remuneração da concessionária de autoestrada, em virtude de acidente ocorrido na via causado por um seu utente e que determinou a indisponibilidade temporária da via, configura-se como lucro cessante, sendo, por isso, dano indemnizável.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 71/15.5 T8ALB.P1
Comarca de Aveiro – Albergaria-A-Velha – Instância Local – J1
Apelação
Recorrentes: “B..., S.A.”; “C..., Companhia de Seguros, S.A.”
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Maria de Jesus Pereira

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
A autora “B..., S.A.” veio instaurar a presente ação declarativa comum contra a ré “C... – Companhia de Seguros, S.A.” peticionando a condenação desta no pagamento de 17.687,51€, acrescido de juros à taxa legal, a contar da citação, até efetivo e integral pagamento, a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos em consequência do sinistro ocorrido quando D... conduzia o veículo composto pelo trator de mercadorias de matrícula ..-HE-.. e pelo semi-reboque de matrícula P-....., sendo o trator propriedade de “E..., Lda.” e o semi-reboque de “F..., Lda.”, ao km 27+900, na A25, sentido Este/Oeste, tendo deflagrado um incêndio nos rodados do lado direito do referido semi-reboque e que se propagou ao conjunto e mercadoria transportada por aquele, sendo certo que não observou os elementares cuidados de segurança e de manutenção do veículo que conduzia.
Fundamenta a sua pretensão, no facto de ter sofrido danos na área de que é concessionária, designadamente nas guardas de segurança, e respetivo pavimento, teve custos com a obtenção da participação e limpeza da via, bem com despesas processuais, e sofreu prejuízos em virtude da indisponibilidade da via, deixando de ser remunerada pelo concedente.
Conclui, argumentando que à data do sinistro a responsabilidade civil pelos danos causados pela circulação dos aludidos veículos se encontrava validamente transmitida para a ré.
Citada, a ré deduziu contestação, alegando, em síntese, que impugna a responsabilidade do seu segurado quanto à culpa que lhe é atribuída pela eclosão do sinistro, bem como desconhece se os valores que autora alega ter sofrido, efetivamente os sofreu, rejeitando a responsabilidade no pagamento dos custos com a obtenção da participação e despesas processuais, desconhecendo se a autora sofreu prejuízos advenientes da indisponibilidade da via.
Pugna assim pela absolvição do pedido.
Dispensou-se a realização da audiência prévia, tendo-se proferido o respetivo despacho saneador, com definição do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova.
Realizou-se depois audiência de discussão e julgamento com observância de todas as formalidades legais.
Seguidamente proferiu-se sentença que condenou a ré “C... – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar à autora “B..., S.A.” a quantia de 9.136,36€, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, desde a data da citação da ré, à taxa de juro legal, até efetivo e integral pagamento.
Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
I. Entende a A./apelante que o Tribunal a quo não analisou correctamente a prova produzida pelas partes, incorrendo em erro na apreciação da prova no que se refere à alínea c) dos factos não provados;
II. Com efeito, o depoimento de G... (mas também o de H...), transcrito em grande medida (porque necessário) no corpo destas alegações, afasta qualquer hipótese de aquela resposta negativa dada pelo Tribunal a quo ser a correcta;
III. Todavia, e contrariamente ao que se concluiu na sentença e na decisão sobre a matéria de facto, provou-se inquestionavelmente com recurso à referida prova testemunhal (mas também com o necessário apelo à prova por documentos – facturas e recibos de uma intervenção mais alargada efectuada designadamente no sublanço onde ocorreu o sinistro dos autos) que a apelante solicitou à sociedade melhor identificada naquela alínea c) dos factos não provados a reparação do pavimento danificado/queimado em resultado do sinistro, que essa sociedade procedeu a essa e outras reparações no pavimento, que facturou tais intervenções e que a A. pagou essas e outras reparações/intervenções ao nível do pavimento da auto-estrada;
IV. E na opinião da A., provou-se ainda mais do que isso, i. e., provou-se que o custo específico da reparação determinada pela eclosão deste sinistro (devida e previamente orçamentado, de resto) foi da quantia peticionada a tal título de €8.441,15, quantia essa, como explicado, contida no âmbito das aludidas facturas e recibos juntos aos autos e correspondentes a várias intervenções efectuadas no pavimento da auto-estrada.
V. De todo o modo, e no mínimo, provou-se claramente – vide, a este propósito, a contradição existente e, aliás, claramente incompatível entre a resposta negativa dada a estes factos da alínea c) dos factos não provados e a resposta positiva (provado) do ponto 8º dos factos provados – que o pavimento ficou danificado/queimado em consequência do sinistro, que foi reparado e inclusivamente a própria identidade da empresa que procedeu a essa reparação (que – certamente – não trabalhou de forma gratuita quanto a esta e outras reparações);
VI. Vale isto por dizer que até se pode conceder/conceber – embora unicamente para efeitos deste raciocínio – que a A. não terá logrado provar a “quantidade” desse dano, ou seja, aquele valor de €8.441,15, mas que se provou o dano, disso não parece sobrar dúvida de espécie alguma;
VII. De modo que sobre este específico ponto da matéria de facto, e diversamente, aliás, do decidido, resta(va), face à prova testemunhal transcrita e aos documentos juntos (inclusivamente a – cremos – não impugnada participação de acidente de viação da qual resulta que o pavimento foi danificado devido ao sinistro), uma de duas alternativas de resposta a esta parte da matéria de facto para que a decisão seja consentânea com a prova produzida pela A./apelante. São elas (as alternativas de resposta que a A. propõe, tal como lhe exige, de resto, o artigo 640º nº 1, alínea c) do C.P.C.):
a) A A. teve que solicitar a uma empresa da especialidade (I..., S.A.) a reparação do pavimento danificado em consequência deste acidente, o que teve um custo de €8.441,15; ou,
b) A A. teve que solicitar a uma empresa da especialidade (I..., S.A.) a reparação do pavimento danificado em consequência deste acidente, o que teve um custo não concretamente apurado (ou que não foi possível apurar).
Posto isto,
VIII. Salvo o devido respeito, e ainda que o Tribunal a quo tenha entendido (mal, na opinião da A.) que esta A. não fez prova do valor deste dano, não se pode é aceitar de forma alguma (e – insiste-se – contraditoriamente ao facto provado 8º) que a solução seja/tenha sido na prática a de que afinal não sofreu prejuízo nenhum (já não é só, portanto, a “quantidade” que está em causa, mas o próprio dano), como o indica a resposta negativa daquela alínea c) dos factos não provados;
IX. Ora, não resta dúvida nenhuma que a A. registou esse dano efectivo/emergente e bem assim que este foi consequência directa e necessária do sinistro (provado) em que foi interveniente o conjunto seguro na R. destes autos;
X. Por isso, e também em relação a este dano respeitante à reparação do pavimento, e sendo com base na verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual ou, pelo menos, com base na responsabilidade pelo risco, é manifesta a obrigação da R. de reconstituir (indemnizando) a situação que existiria no património da A. se não tivesse ocorrido a lesão/acidente;
XI. Deve assim a presente acção ser julgada parcialmente procedente, por parcialmente provada, condenando-se a R. a pagar à A., a título de dano verificado, efectivo e referente à reparação do pavimento, a importância de €8.441,15, acrescida de juros desde a citação daquela R. e a acrescer também a indemnização já fixada de €9.136,36 relativa aos restantes danos emergentes do sinistro;
XII. Ou, no mínimo, e entendendo-se (com o que não se concorda) que provado embora o dano, não se terá provado a respectiva “quantidade”, deve a acção ser julgada parcialmente procedente, por parcialmente provada, condenando-se a R. a pagar à A. o que se vier a apurar em sede de incidente de liquidação a tal respeito, com o limite do valor peticionado a esse título (€8.441,15), mas mantendo-se, naturalmente, a decisão quanto à restante indemnização;
XIII. Nessa medida, violou a sentença do Tribunal a quo o disposto nos artigos 342º nº 1, 562º, 563º, 564º e 566º, todos do Cód. Civil e eventualmente também o preceituado no artigo 609º nº 2 do C.P.C., devendo ser revogada e substituída por uma outra em conformidade com o defendido nestas linhas.
A ré veio apresentar contra-alegações e interpor recurso subordinado, tendo formulado as seguintes conclusões quanto ao recurso subordinado:
1 - Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 636.º do C.P.C., e como claramente existe pluralidade de fundamentos da acção e da defesa, a recorrida vem requerer a ampliação do objecto do recurso, na parte em que esta decaiu, requerendo desse modo que V. Exas. conheçam do fundamento nessa parte, ainda que a título subsidiário, prevenindo assim a necessidade da sua apreciação.
2- Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, a recorrida vem por este meio impugnar a decisão proferida em primeira instância sobre o pontos a seguir individualizados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente.
3 - B1 – Condenação da ora recorrente a indemnizar a Autora, ora recorrida, a indemnizar esta última pelo valor de elementos de segurança integrantes da Concessão da A., danificados e destruídos em consequência do sinistro dos autos.
4 - B2 – Da alegada falta de remuneração da Autora, ora recorrida, pelo Concedente, originada pelo acidente dos autos.
5 - B 1 – Condenação da ora recorrente a indemnizar a Autora, ora recorrida, a indemnizar esta última pelo alegado valor de elementos de segurança integrantes da Concessão da A. danificados e destruídos em consequência do sinistro dos autos.
6 - B.1.a Quanto à matéria de facto relacionada com esta questão:
7 - Relativamente aos factos constantes do ponto 9º da matéria de facto considerada provada, e que inclui as alíneas a), b) e c), a ora recorrente discorda da integração dos mesmos nos factos dados como provados, especificamente no valor considerado na sentença a quo relativamente a cada um dos denominados “elementos de segurança”.
8 - Se não vejamos: A sentença a quo, no art. 9º alínea a) considerou provado que em consequência do sinistro foram destruídos: a) 16 metros lineares (ML) de conjuntos de guardas … no valor global de € 798,40 à razão de € 49,90 por cada metro linear; b) 1 guarda de segurança perfil W, na importância de € 98,99; c) 1 delineador de meia cana, no montante de € 38,68.
9 - Ora, a recorrente não pode estar de acordo quanto ao valor considerado provado pela sentença a quo quanto a esses elementos, uma vez que a única testemunha que depôs sobre o valor dos mesmos, foi novamente a testemunha Eng. G..., e que confessou que os valores considerados pelos elementos de segurança, para efeitos de reclamação, eram valores médios e não o valor efectivo que custa a substituição dos referidos elementos de segurança!
10 - Isto é, a Autora no custo dos elementos de segurança não peticiona o valor efectivo de substituição do elemento de segurança, isto é, o que lhe custou especificamente a substituição do elemento em causa.
11 - O preço de cada elemento de segurança, para efeitos de reclamação, inclui para além do valor de substituição dos elementos de segurança em si, ao que a Autora soma um valor médio de gastos em gasóleo, de gastos com o pessoal da manutenção da Autora que vai substituir o elemento de segurança em questão, etc…
12 - Isto é, se um veículo danifica um elemento de segurança, por exemplo uma guarda de segurança, ao Kilómetro 1 de determinada auto-estrada, pagará o mesmo que pagaria se tivesse danificado (…) a mencionada guarda de segurança ao Kilómetro 300 !!
13 - Perante isto, entende-se que os factos constantes do art. 9.º da matéria dada como provada, incluindo as suas três alíneas, deveria manter-se, excluindo-se contudo os valores atribuídos aos elementos de segurança pela Autora para efeitos de reclamação às seguradoras.
14 - Concretizando, deveriam constar dos factos dados como não provados os seguintes:
4- O valor de € 798,40 à razão de € 49,90 por cada metro linear, que a Autora alega que foi o custo de 16 metros lineares (ML) de conjuntos de guardas de segurança em perfil W, incluindo os respectivos prumos e amortecedores.
5- O valor de € 98,99 que a Autora alega ter sido o custo de 1 guarda de segurança perfil W.
6- O valor de € 38,68 que a Autora alega ter sido o custo de 1 delineador de meia cana.
15 - B1.b – Da aplicação do direito a estes factos da forma defendida pela Ré, ora recorrente:
16 - Começa-se por referir que ao mesmo tempo que corriam termos os presentes autos, corria ao mesmo tempo outro processo em que as partes eram precisamente as mesmas, e a causa de pedir também era a mesma, sendo o sinistro obviamente outro.
17 - No outro processo que não o presente, a sentença precedeu a presente, e como não havia alçada de recurso para a Relação, a mesma transitou em Julgado. E nessa sentença, este mesmo Tribunal decidiu, e muito bem, conforme o defendido neste momento pela ora recorrente.
18 - Decidiu e bem, que não estavam quanto a estes valores “médios” reclamados pela Autora, verificados os pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual.
19 - Uma vez que no art. 563.º do Código Civil, se refere que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.”
20 - A isto se chama a Teoria da Causalidade Adequada, que no caso destes “elementos de segurança”, com o devido respeito, não foi respeitada pela sentença a quo, quando integrou nos factos provados o valor peticionado referente aos mesmos.
21 - Não se percebendo também, como é que num curto espaço de tempo o Tribunal proferiu duas sentenças contraditórias quanto a factos iguais. A esse respeito, anexa-se a referida sentença.
22 - Sintetizando e finalizando, requer-se que V. Exas. considerem os valores peticionados pelos elementos de segurança deixem de entregar os factos provados, revogando a sentença nesse sentido, passando a integrar os mesmos nos factos dados como não provados. E consequentemente requer-se a absolvição da Ré, ora recorrente, quanto aos mesmos valores, fazendo-se assim a Acostumada Justiça!
23 - B.2.a – Relativamente aos factos constantes do ponto 15º) dos factos provados pela sentença a quo:
24 - A sentença a quo considerou como provado no ponto 15º) o seguinte:
“Mercê ainda do sinistro relatado a A. deixou de ser remunerada pelo Concedente, atribuível única e exclusivamente a este acidente, do montante total de € 6.496,29 (= €6.126,07+€370,22), sendo uma parte correspondente ao sinistro propriamente dito e a outra respeitante aos necessários trabalhos de manutenção decorrentes deste sinistro.”
25 - B.2.a.a. – Relativamente à prova documental que serviu de “suporte” ao valor reclamado a este respeito:
26 - A Autora juntou aos presentes autos, um único documento - uma impressão de tamanho “minúsculo” e de quase impossível interpretação, uma vez que não tem qualquer legenda ou índice.
27 - O referido documento está impugnado.
28 - Nenhuma das testemunhas indicadas confirmou com razão de ciência atendível o não recebimento de qualquer valor, “confiando” na entidade que alegadamente emitira o documento n.º 3 junto com a PI!
29 – O documento em causa contém umas “colunas” com siglas que ninguém consegue decifrar … sendo que talvez só algum colaborador da extinta “inir” é que possivelmente o conseguiria … mas estranhamente, ou não, a Autora não indicou ninguém ligado a essa entidade.
30 - A recorrente considera, salvo o devido respeito, que não se pode condenar a Ré por um valor que alegadamente a Autora teria deixado de receber da concedente, por causa do acidente dos autos, com base numa impressão … ! cuja autoria foi impugnada, impressão que contém palavras que não se conseguem explicar a que se referem…
31 - Acresce, que o orçamento efectuado pela Autora (doc. 2 junto com a PI), quando se refere ao valor considerado para a indisponibilidade da via, não é o mesmo do constante do doc. 3 junto também com a PI !!!
32 - E apesar de alegadamente existir uma fórmula matemática para chegar ao valor imputado na “receita” da Autora originada pela indisponibilidade da via, o valor constante do orçamento da Autora não é igual ao do documento n.º 3 junto aos autos com a PI!
33 - A testemunha que depôs quanto a esta matéria, da alegada indisponibilidade da via, não conseguiu identificar com precisão o que o próprio “gráfico” do “inir” significava, se era indisponibilidade da “berma” se não … admitindo que teria havido um lapso no mesmo documento …
34 – Assim, se o próprio funcionário da Autora não consegue interpretar o documento 3 junto com a PI, admitindo lapsos no mesmo … deverá o Tribunal atribuir valor probatório ao mesmo?!! pensa-se, e defende-se que não.
35 - E por isso, requerer-se a revogação da matéria de facto dada como provada quanto a esta temática, inserindo a mesma nos factos que foram considerados como não provados.
36 - Por tudo o exposto, requer-se que se revogue a sentença a quo na parte em que integra os factos do art. 15º da matéria de facto dada como provada e substitua a mesma por outra decisão onde esses factos passem a constar da matéria de facto considerada como não provada.
37 - B.2.a.b. Da aplicação do direito a estes factos da forma defendida pela Ré, ora recorrente:
38 - Em primeiro lugar, começa-se por referir, que considerando como não provado que “a A. deixou de ser remunerada pelo Concedente, única e exclusivamente a este acidente, do montante total de € 6.496, (= € 6.126,07 + € 370,22), sendo uma parte correspondente ao sinistro propriamente dito e a outra respeitante aos necessários trabalhos de manutenção decorrentes deste sinistro.”
39 - Não estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual previstos nos arts. 483.º e seguintes. Uma vez que, também no presente caso, não se provaria o dano causado, e sem dano não se verifica responsabilidade civil extra–contratual, devendo a Ré, ora recorrente ser absolvida do pagamento do valor peticionado a este respeito.
40 - Para além disto, e analisando com algum cuidado esta questão do peticionado valor que alegadamente a Autora teria deixado de receber do concedente da via de trânsito em questão, também se dirá o seguinte:
41 – No regime da concessão de auto-estradas como ocorreu alteração/renegociação resultou expressamente consignado que a Concessionária deve desempenhar as actividades concessionadas de acordo com as exigências de um regular, contínuo e eficiente funcionamento do serviço público e adoptar, para o efeito, os melhores padrões de qualidade disponíveis em cada momento, nos precisos termos previstos nas presentes bases – Base IV; manteve-se a disposição de que a Concessionária deve manter a AutoEstrada, bem como os demais bens que integram ou estejam afectos à Concessão, em funcionamento ininterrupto e permanente, em bom estado de conservação e em perfeitas condições de utilização e segurança, nos termos e condições estabelecidos nas disposições legais e regulamentares aplicáveis e no Contrato de Concessão – cfr. Base XLV,
42 - E alterou-se do mesmo passo o modelo de gestão e de financiamento da concessão, passando a concessionária a ser retribuída pela disponibilidade da infra-estrutura que coloca à disposição dos utentes, e a ser penalizada pela falha de disponibilidade quando se verificarem algumas das condições de indisponibilidade definidas nos números 12 a 15 da Base LXV-A.
43 - Ou seja, a concessionária aceitou assumir a total disponibilidade da via, passando aquela a ser retribuída em função dessa disponibilidade – cfr. preâmbulo da Resolução do Concelho de Ministros 39-G/2010, de 4 de Junho, que determinou a introdução de portagens na concessão do B2... - e a ser penalizada na respectiva remuneração caso essa total disponibilidade se não verifique – tudo conforme resulta e melhor se alcança do disposto na Base LXV-A, e nomeadamente do seu nº15, do qual consta a fórmula matemática que permite o cálculo da dita penalização.
44 - Assente nesses pressupostos e sempre que há cortes, ainda que parciais, de vias, causados por acidente ou avaria de veículos dos utentes das auto-estradas as concessionárias consideram ser-lhes devido o valor equivalente ao que o concedente deixou de lhes pagar por causa dessa falha de disponibilidade.
45 - Nesse aspecto convirá antes de mais determinar se a dedução da remuneração que o Estado paga às concessionárias por indisponibilidade temporária da via causada por acidente de viação constitui ou não um prejuízo e se esse prejuízo pode ou não ser imputado aos utentes (e às respectivas seguradoras), e se estes estão constituídos no dever de indemnizar.
46 - A este respeito é sabido e já se relembrou várias vezes nas presentes alegações, que para que haja obrigação de indemnizar determinados prejuízos, é necessário que entre estes e o facto ilícito se verifique um nexo de causalidade.
47 - Na justa medida em que nos termos do artigo 563º do Código Civil a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
48 - Por isso, a questão que se coloca de seguida é a de como determinar os prejuízos que devem considerar-se efeito daquele acto.
49 - Pois bem, no assunto que nos prende fácil é constatar que um acidente de viação por si só não levaria ao prejuízo que as concessionárias invocam a título de indisponibilidade de via.
50 - Esse prejuízo apenas surge através da invocação do contrato de concessão celebrado com o Estado, com base no qual é deduzida às concessionárias a remuneração que estas admitiram associar à dita indisponibilidade da via, pelo que, assim sendo, inequívoca a conclusão de que os utentes das auto-estradas são alheios à redução em causa.
51 - E se é óbvio que o cumprimento por parte do concessionário das obrigações emergentes do contrato de concessão se destina, pelo menos em parte, à protecção dos utentes da auto-estrada, tenho como certo que daí não advém o direito daqueles a demandar a concessionária, invocando a responsabilidade contratual daquela.
52 - Na medida em que não sendo parte no contrato não tem o particular a faculdade de exigir o seu cumprimento.
53 - Tal direito incumbe unicamente ao outro outorgante, o concedente, estando inclusivamente previstas no próprio contrato as sanções à concessionária em caso de incumprimento por parte daquela das obrigações emergentes do contrato que celebrou.
54 - Ora, se assim é, como nos parece dever ser, nas relações dos utentes com as Concessionárias, também nas relações destas com aqueles deve ser respeitado o mesmo princípio.
55 - Porque se é certo que entre Concessionárias e o Estado foi celebrado um contrato em que aquelas assumiram a assunção total do risco pela indisponibilidade da via e correspondente redução da remuneração em determinadas condições, não há dúvida que as respectivas disposições contratuais integram um contrato inter partes que apenas vinculam quem o outorgou.
56 - Não lhes conferindo o direito de exigirem de terceiro, completamente alheio às negociações e celebração do contrato de concessão, o ressarcimento de um prejuízo que tem ali, no contrato, a sua génese.
57 - Conforme decorre do disposto no artigo 406º do Código Civil, que consagrando no seu nº 1 o princípio da força vinculativa dos contratos entre as partes, acrescenta no seu nº 2 que em relação a terceiros o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei, e consagra o princípio da eficácia relativa dos contratos, segundo o qual os seus efeitos se restringem aos respectivos outorgantes e não afectam terceiros que para a celebração daqueles não foram tidos nem achados; a todos os níveis incluindo as contas que os outorgantes aceitaram entre eles.
58 - O que tudo significa, pois, que o prejuízo dito de indisponibilidade da via apenas surge por via do contrato celebrado entre Concedente e Concessionária e só a ele se deve a sua criação e existência, constituindo a meu ver um evidente prejuízo indirecto, puramente reflexo, subsumível à qualificação de danos patrimoniais puros – cfr. a esse propósito Manuel Carneiro da Frada, in Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Coimbra Editora pág. 238, que não confere às concessionárias o direito a serem dele ressarcidas.
59 - E ainda que assim se não entenda, o que só se considera por dever de patrocínio mas sem conceder, convirá relembrar que um acordo – como o que resulta das disposições aceites inter partes no contrato de concessão – não constitui em si mesmo um dano.
60 - O lesante não é responsável por acordos, nada tem a ver com eles.
61 - Só é responsável por danos. E como é que os outorgantes os determinaram? Por recurso a uma fórmula matemática, dirão eles. Mas se for assim que critérios lhe foram subjacentes?
62 - E em que medida essa fórmula e esses critérios traduzem um prejuízo efectivo?
63 - Assumindo a disponibilidade total da via a concessionária aceitou, no exercício da liberdade contratual referida supra, que em caso de indisponibilidade e seja qual for a razão que a justifique o concedente lhe reduza a remuneração que lhe cabe.
64 - Mesmo nas situações em que não se verifica a diminuição do número de veículos que transitaram no lanço afectado no período em que a indisponibilidade se verificou e em que não há, portanto, redução no valor das portagens cobradas.
65 - Nesse caso, é evidente que não advém qualquer prejuízo da denominada indisponibilidade da via (embora possa haver outros como por exemplo nas infra-estruturas ou outros análogos que nem os lesantes nem as seguradoras porão em dúvida); não há pura e simplesmente prejuízos fundamentados (a não ser no tal acordo), pelo que a redução que afecte a remuneração do concessionário mais não traduz que uma espécie de enriquecimento sem causa do concedente, que não confere ao concessionário o direito a fazê-lo repercutir nos utentes.
66 - Admitir o contrário, será o mesmo que indemnizar um dano que não existe e que por isso mesmo não tem acolhimento no que dispõe o artigo 483º do Código Civil.
67 - Por outro lado, se é perfeitamente compreensível que nas situações em que por incúria, desleixo ou negligência das próprias concessionárias se verifica a indisponibilidade da via, e se aceite por isso a natural e concomitante penalização, mal se percebe que as concessionárias tratem por igual toda e qualquer indisponibilidade de via e aceitem que o Estado lhes reduza a remuneração nas situações em que a indisponibilidade se verifica, por exemplo, em consequência de um acidente de viação que ocorra por razões exógenas à via ou à concessionária.
68 - Até porque em casos como esse, de acidente ocorrido por culpa do utente da AE, nem sempre a concessionária pode ser penalizada; bastará que não seja ela própria a responsável pelo evento que conduziu à indisponibilidade da via.
69 - Conforme decorre com clareza do disposto na Base LI-A anexa ao contrato de concessão que, sob a epígrafe Encerramento de vias e trabalhos na via, determina:
Apenas é permitido, sem penalidade, o encerramento de vias, para efeitos devidamente justificados, até ao limite de 20 000 via × quilómetro × hora por ano, durante o período diurno (das sete até às 21 horas) e até ao limite de 30 000 via × quilómetro × hora por ano, durante o período nocturno, não sendo considerado encerramento, para efeitos de aplicação de penalidades:
a) O encerramento de vias devido à execução dos trabalhos de terceiros previstos na base LXI; b) O encerramento de vias devido (i) a casos de força maior, (ii) a imposição das autoridades competentes, (iii) à ocorrência de acidentes que obstruam totalmente a via ou causem risco para a circulação, ou (iv) à manutenção dos sistemas de cobrança de portagens, pelo tempo estritamente necessário à execução da acção de manutenção em causa.
70 - E porque assim é óbvio que se acontecer um acidente com culpa exclusiva do utente que determine a obstrução da via ou cause riscos para a circulação – o que em ambas as situações conduz à indisponibilidade da via – não é aplicável à concessionária qualquer penalidade.
71 - O mesmo se prevendo aliás quando o encerramento de vias se fique a dever a caso de força maior.
72 - O nº 1 da Base LXXXVI, com a redacção actualmente em vigor, define caso de força maior. Dessa definição parece resultar à primeira vista que um simples acidente de viação não constituiu caso de força maior.
73 - Mas vistas bem as coisas até constitui, (como bem se ensina no Acórdão do STA, de 14.01.2010, Proc. 0566/08, acessível em www.dgsi.pt,: “um caso de força maior é todo o acontecimento natural ou acção humana que, embora previsível ou até prevenida, não se pode evitar, nem em si mesmo nem nas suas consequências.)
74 - Ora, não há dúvida, a ocorrência de um acidente de viação ou avaria de veículos que utilizem a AE, sendo previsível que possam acontecer, escapam ao controle da concessionária, ficam fora do seu âmbito, não os podem pura e simplesmente evitar, ainda que cumpram na íntegra o seu dever de manter a AE em bom estado de conservação, a patrulhe amiúde a vigie 24 horas sobre 24 horas através de sistema de videovigilância.
75 - Por isso, para a concessionária um acidente de viação ou avaria de veículo que não lhe sejam imputáveis e obriguem ao corte de vias constitui inequivocamente um caso de força maior cujas consequências não é legítimo fazer repercutir na sua esfera jurídica, pelo que assim sendo também sob este prisma não se percebe por que razão as concessionárias se conformam com as penalidades que o concedente lhes impõe em situações em relação às quais o próprio contrato de concessão as exime.
76 - A não ser por estranha liberalidade e confiantes que os utentes ou alguém por eles lhes garanta o ressarcimento que, a meu ver, não lhes é devido.
77 - Pelo exposto, se as concessionárias se conformam com as alegadas diminuições de remuneração por parte do concedente é porque querem. Não tendo contudo o direito de tentar reflectir essa falta na esfera jurídica de terceiros, como o pretendem nos presentes autos.
78 - Assim, também por tudo o que foi escrito anteriormente requer-se a revogação da sentença a quo, na parte em que condenou a Ré, ora recorrente, a pagar à Autora o valor peticionado a título de indisponibilidade da via, no valor de € 6.126,07 + € 370,22, assim se fazendo a Acostumada Justiça!
A autora, no tocante ao recurso subordinado, apresentou contra-alegações, nas quais se pronunciou pela sua improcedência.
Cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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As questões a decidir são as seguintes:
I – Apurar se deve ser alterada a matéria de facto dada como provada e não provada [recursos principal e subordinado];
IIApurar se no montante indemnizatório a atribuir à autora deve ser considerada a importância relativa à reparação do pavimento danificado – 8.441,15€ [recurso principal];
IIIApurar se no montante indemnizatório deve ser incluída a importância correspondente à danificação e destruição de elementos de segurança – 936,07€ [recurso subordinado];
IVApurar se no montante indemnizatório é de incluir a verba relativa à perda da remuneração da autora em virtude da indisponibilidade da via – 6.426,29€ - por esta constituir dano indemnizável [recurso subordinado].
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É a seguinte a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida:
1º) A autora é concessionária do Estado, para a construção, conservação e exploração de Auto-Estradas, designadamente da denominada A25, do troço compreendido entre Albergaria (A1) e Vilar Formoso, com a extensão aproximada de 176 Km.
2º) No dia 10 de Março de 2012, pelas 20h00m, na A25, ao Km (PK) 27+900, sentido Este - Oeste (Viseu - Aveiro), concelho de ..., ocorreu um acidente de viação em que foi interveniente o conjunto então conduzido por J... e composto pelo tractor (veículo pesado) de mercadorias de matrícula ..-HE-.. e pelo semi reboque de matrícula P-..... que ao primeiro seguia atrelado, sendo o tractor da propriedade de E..., Lda. e o semi-reboque de F..., Lda.
3º) Naquelas circunstâncias de tempo e de lugar, aquele conjunto transitava na A25, no sentido de marcha Este-Oeste, ou seja, Viseu-Aveiro, a uma velocidade que se desconhece.
4º) Cerca do PK 28+000, o condutor do dito conjunto apercebeu-se que deflagrava um início de incêndio nos rodados do lado direito do semi-reboque integrante daquele conjunto, sendo que, nessa altura o motorista parou o conjunto que conduzia e ainda tentou combater aquele incêndio com um extintor.
5º) Todavia, esse motorista não logrou extinguir o incêndio que havia deflagrado, incêndio esse que se propagou rapidamente ao conjunto e mercadoria transportada por este.
6º) O condutor do conjunto melhor identificado em 2º) não foi capaz de evitar a deflagração do incêndio e muito menos de o extinguir.
7º) O respectivo motorista conduzia o dito conjunto por conta, sob as ordens e no interesse das respectivas proprietárias.
8º) Como consequência directa e necessária do acidente descrito, foi danificado o pavimento daquela auto-estrada A25, em virtude do incêndio referido.
9º) Em consequência do sinistro referido foram danificados e destruídos os seguintes elementos de segurança integrantes da Concessão da A.:
a) 16 metros lineares (ML) de conjuntos de guardas de segurança em perfil W, incluindo os respectivos prumos e amortecedores, no valor global de € 798,40, à razão de € 49,90 por cada metro linear;
b) 1 guarda de segurança perfil W, na importância de € 98,99;
c) 1 delineador de meia cana, no montante de € 38,68.
10º) Os indicados elementos de segurança da Concessão da A. e de sua propriedade foram rapidamente substituídos pelo pessoal ao serviço da A., tendo em vista repor a segurança da circulação automóvel na sua Concessão.
11º) A A. viu-se também obrigada a aplicar 10 litros de desengordurante de via, o que representou um custo total de € 55,00, correspondente a um custo por litro de € 5,50.
12º) Dado que a carga transportada pelo conjunto ficou espalhada pelas vias, a A. teve de proceder à remoção de carga daquele conjunto bem como dos destroços resultantes do sinistro, com recurso a mão-de-obra de colaboradores seus e meios de sua propriedade, o que representou um custo para a A. de € 1.610,00.
13º) Nessa tarefa estiveram envolvidos durante pelo menos 7 horas cinco funcionários da A. um camião, uma máquina bobcat, e uma viatura ligeira, todos de sua propriedade, sendo aquele custo (de € 1.610,00) assim subdividido:
- 5 funcionários x 7 horas = 125 horas x € 25,00/hora = € 875,00;
- camião – 7 horas x € 45,00/hora = € 315,00;
- viatura ligeira de conservação e apoio – 7 horas x € 30,00/hora = € 210,00;
- máquina bobcat – 7 horas x € 30,00/hora = € 210,00.
14º) A A. despendeu a quantia de € 39,00 na obtenção da participação deste acidente de viação, nomeadamente para reclamar o ressarcimento dos danos da R.
15º) Mercê ainda do sinistro relatado a A. deixou de ser remunerada pelo Concedente, atribuível única e exclusivamente a este acidente, do montante total de € 6.496,29 (= € 6.126,07 + € 370,22), sendo uma parte correspondente ao sinistro propriamente dito e a outra respeitante aos necessários trabalhos de manutenção decorrentes deste sinistro.
16º) As referidas quantias não foram pagas à A. até à presente data pela R. ou por quem quer que fosse, não obstante as insistências da A. junto da R. para que esta procedesse ao pagamento da dita importância.
17º) À data dos factos a responsabilidade pela circulação dos veículos supra referidos encontrava-se válida e eficazmente transmitida para a ré pela apólice n.º ......... e tendo ambos os veículos integrantes daquele conjunto seguro válido e eficaz na R.
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Não se provaram os seguintes factos:
a) Para a produção do sinistro em apreço contribuiu a inconsideração e desatenção do condutor do conjunto melhor identificado em 2) porque não observou os elementares cuidados de segurança e de manutenção do veículo que conduzia.
b) A deflagração do referido incêndio no conjunto (ou num dos veículos integrantes do referido conjunto) não foi estranha ao funcionamento deste.
c) A A. teve que solicitar a uma empresa da especialidade (I..., S. A.) a reparação do pavimento danificado em consequência deste acidente, o que teve um custo de € 8.441,15.
d) O sinistro sub judice também acarretou despesas processuais para a A. no montante de € 110,00, já que teve nomeadamente que afectar recursos internos seus para a rápida regularização da situação.
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Passemos à apreciação do mérito dos recursos.
I – A autora, no recurso principal, insurge-se contra a alínea c) dos factos não provados, entendendo que a factualidade aí contida deveria ser dada como provada com uma de duas redações alternativas:
a) A autora teve que solicitar a uma empresa da especialidade (I..., S.A.) a reparação do pavimento danificado em consequência deste acidente, o que teve um custo de 8.441,15€; ou,
b) A autora teve que solicitar a uma empresa da especialidade (I..., S.A.) a reparação do pavimento danificado em consequência deste acidente, o que teve um custo não concretamente apurado (ou que não foi possível apurar).
Nesse sentido indica excertos dos depoimentos prestados pelas testemunhas H... e G... e ainda prova documental existente nos autos, para além de salientar a contraditoriedade entre este facto não provado e o facto provado 8º.
Por seu turno, a ré, no recurso subordinado, também se insurge contra a matéria de facto constante da sentença recorrida, entendendo que do facto provado 9º deverão ser excluídos os valores atribuídos aos elementos de segurança, tal como a matéria do facto 15º deverá ser dada como não provada.
No sentido pretendido refere excertos dos depoimentos produzidos pelas testemunhas G... e K... e ainda o teor dos documentos nºs 2 e 3 juntos com a petição inicial.
Procedemos pois à audição integral dos três depoimentos testemunhais mencionados pelos recorrentes.
K... é engenheiro civil e é funcionário da autora há 14 anos. Disse que toda a parte da gestão processual das indisponibilidades da via passa pelo seu serviço. Por constrangimento da via entende-se qualquer evento que limita o perfil da via (trabalhos, viaturas imobilizadas, acidentes), sendo que todas essas situações são registadas e transmitidas ao INIR. Esse registo faz-se porque há implicações diretas na remuneração da concessionária, pois sempre que há alguma indisponibilidade da via o concedente faz uma dedução à receita. Mais referiu que no caso dos autos houve necessidade de cortar a autoestrada por questões de segurança, limpeza e remoção da viatura e uns dias depois voltou a cortar-se uma extensão mais reduzida para reposição do pavimento. Disse também que comunicam a data/hora em que se inicia e finaliza o constrangimento, a localização do corte na autoestrada e a sua causa, salientando depois que há uma fórmula muito objetiva para fazer o cálculo. Neste caso concreto não sabe precisar o custo, embora aponte para 6.000 euros, referenciando este valor à indisponibilidade pelo acidente e à reparação do mesmo, o que foi espaçado por 4 ou 6 dias. O concedente (INIR) em Fevereiro do ano seguinte envia-lhes o valor que vai deduzir, que está desdobrado em termos justificativos por cada um dos constrangimentos, de acidentes, de trabalhos. A B... então confronta esses valores com os seus, o que foi feito neste caso. E mais adiante referiu que no âmbito das indisponibilidades de vias conseguiu verificar que o valor que estavam a deduzir correspondia ao valor que tinham apurado. Aliás, verifica e valida todas as situações que são incluídas na lista do INIR. Por isso, assevera que o valor que consta da lista do INIR corresponde ao valor apurado pela B....
H... é encarregado de assistência e conservação, sendo funcionário da autora desde 2001. Disse que esteve no local após o acidente. O pavimento ficou danificado, queimado. O incêndio afetou a berma direita e parte da via direita também (guardas, delineadores). Sabe que foram algumas guardas e alguns delineadores, mas não sabe exatamente a extensão. Referiu igualmente que o orçamento foi feito por si e assinado pela sua chefe – a Eng.ª G.... O pavimento depois foi reparado, tendo-se contratado para esse efeito uma empresa externa – o I... -, que também fez outras obras; mas neste caso sabiam o que estava em causa. Antes de proceder à elaboração do orçamento por norma desloca-se ao local e recebe também o relatório do oficial e o relatório do centro de controlo de tráfego. Não sabe se o trabalho de reparação do pavimento foi pago à “I...”, mas se o não tivesse sido, eles ter-se-iam queixado logo. “Eles ao final do mês se não receberem, queixam-se.” Disse ainda que, no orçamento, no local onde diz “o responsável da conservação” devia ter assinado. Mais esclareceu que relativamente aos valores referentes às guardas de segurança estes não correspondem ao preço do custo – é o preço do custo, mais mão-de-obra, mais os equipamentos afetos à reparação.
G... é engenheira civil, sendo funcionária da autora há 14 anos. Disse que o orçamento é produzido pelo encarregado e depois verificado por si. Relativamente às quantidades são avaliados no local os danos que foram provocados no âmbito do acidente e a seguir procede-se à sua inserção no sistema informático. Nos valores que daí resultam são contemplados os materiais, os equipamentos, a mão-de-obra, as ferramentas, tudo o que envolve a substituição. Mas os valores refletem o custo médio. Acrescentou que a reparação do pavimento foi feita pelo empreiteiro “I...”, esclarecendo que estes trabalhos envolveram um conjunto de intervenções. Foram assim reparados outros locais, outro tipo de situações que o pavimento tinha. O orçamento para o local do acidente dos autos foi de 8.400,00€ em termos arredondados. A fatura, porém, foi global abrangendo várias reparações feitas no sublanço. A sua assinatura no orçamento significa que verificou, concordou e que deu seguimento para envio à companhia de seguros para efeitos de ressarcimento. Confrontada com o orçamento do “I...” (fls. 24) disse que somando as três primeiras parcelas obtém-se um valor aproximado a 8.400,00€ confirmando aquilo que disse para o seu orçamento. E sublinhou que o pavimento está reparado … “é uma questão de passarmos por lá e vermos que está reparado.”
Ouvida em nova sessão de julgamento, e confrontada com as faturas juntas aos autos, emitidas por “I...”, disse que todas elas se reportavam à mesma empreitada, a qual abrange o Km 27+900 onde se deu o acidente. Por isso, nos trabalhos faturados está incluída a reparação do pavimento aqui em causa. No entanto, não conseguiu identificar qual a concreta fatura e qual o concreto auto de medição que se conexionam com o acidente dos autos.
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O art. 662º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil estatui que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Vejamos então.
A) No que concerne ao recurso principal interposto pela autora, referente à alínea c) dos factos não provados, importa, desde logo, salientar que as testemunhas H... e G... confirmaram que, como consequência do acidente dos autos e do incêndio que ocorreu, o pavimento ficou danificado, queimado, tendo sido depois objeto de reparação por parte da empresa “I..., S.A.”.
A realidade da reparação do pavimento que ficara danificado cremos ser facto inequívoco, podendo a dúvida colocar-se tão só em relação ao custo dessa reparação.
Sucede que do documento junto a fls. 21, com a designação “orçamento”, elaborado pela “B..., S.A.”, assinado pela testemunha G... e com a data de 2013-10-01, consta o item “pavimento” e o preço 8.441,15€.
Do documento junto a fls. 24 emitido por “I..., S.A.”, em 18.4.2012, que corresponde a um orçamento relativo à reparação de pavimentos queimados na A25, as três primeiras parcelas reportam-se ao Km 27+900, onde se verificou o acidente, e a sua soma perfaz também 8.441,15€.
A documentação junta a fls. 67v/78 e 86/88 respeita a diversas faturas emitidas por “I..., S.A.” por trabalhos de beneficiação e também de reabilitação do pavimento efetuados na A25, abrangendo o sub-lanço onde se deu o acidente dos autos, acompanhadas de autos de medição.
A testemunha G..., confrontada com esta documentação, não conseguiu identificar com precisão qual a fatura que se referia à reparação do pavimento aqui em causa, embora tenha sido clara ao afirmar que no universo dessas faturas não podia deixar de estar incluído esse trabalho. Tal como referiu que o valor correspondente a essa reparação andaria por um valor aproximado a 8.400,00€.
Assim, tendo em atenção este depoimento testemunhal, bem como o prestado por H..., o que se conjugou com a documentação acima referida, entendemos que a alínea c) deve ser eliminada do elenco dos factos não provados, acrescentando-se à factualidade provada o nº 8-A com a seguinte redação:
“A autora teve que solicitar a uma empresa da especialidade – “I..., S.A.” - a reparação do pavimento danificado em consequência deste acidente, o que teve um custo de 8.441,15€.”
A impugnação factual provinda da autora obtém pois provimento.
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B) Passemos agora ao recurso subordinado interposto pela ré, que pugna, em termos fácticos, pela exclusão dos valores referidos no nº 9 e pela eliminação, da factualidade assente, do seu nº 15.
No nº 9 deu-se como provado que em consequência do sinistro foram danificados e destruídos os seguintes elementos de segurança integrantes da concessão da autora: a) 16 metros lineares (ML) de conjuntos de guardas de segurança em perfil W, incluindo os respetivos prumos e amortecedores, no valor global de 798,40€, à razão de 49,90€ por cada metro linear; b) 1 guarda de segurança perfil W, na importância de 98,99€; c) 1 delineador de meia cana, no montante de 38,68€.
Já no nº 15 deu-se como assente que em consequência deste mesmo sinistro a autora deixou de ser remunerada pelo concedente, atribuível única e exclusivamente a este acidente, do montante total de 6.496,29€ (6.126,07€ + 370,22€), sendo uma parte correspondente ao sinistro propriamente dito e a outra respeitante aos necessários trabalhos de manutenção decorrentes deste sinistro.
A danificação e destruição dos elementos de segurança referidos no nº 9, em consequência do acidente, é confirmada designadamente pela testemunha H..., depoimento que deverá ser correlacionado com o documento de fls. 21 - orçamento elaborado pela B... -, onde se consignam os valores mencionados nesse ponto factual.
Quanto à verba relativa à perda da remuneração da concessionária, também como resultado do acidente, constante do nº 15, a mesma foi confirmada pela testemunha K..., que explicitou, de modo coerente e preciso, a forma como se procede ao seu cálculo, tendo ainda esclarecido que, para além do corte da autoestrada no dia do sinistro, ocorreu ainda outro corte alguns dias depois (4/6) para reposição do pavimento.
O seu depoimento acha-se complementado pelo documento de fls. 25[1], elaborado pelo INIR, donde constam as duas verbas mencionadas no nº 15 – 6.126,07€, referente ao dia do acidente (10.3.2012) e 370,22€, referente a posteriores trabalhos de manutenção efetuados em 16.3.2012 como consequência desse mesmo acidente.
Deste modo, face ao que decorre dos depoimentos produzidos pelas testemunhas H... e K... e da documentação existente nos autos, entendemos não haver motivo para proceder às alterações factuais pretendidas pela ré no seu recurso subordinado, devendo manter-se nos seus precisos termos a redação dos nºs 9 e 15.
Improcede assim a impugnação factual provinda da ré.
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II – A autora, no recurso principal por si interposto, sustenta que à verba indemnizatória que lhe foi atribuída – 9.136,36€ - deve ser acrescentada a importância correspondente à reparação do pavimento danificado em consequência do acidente – 8.441,15€.
Sucede que, conforme se mostra explanado em I A), a matéria relativa a este segmento factual foi objeto de alteração na sequência de impugnação da autora, tendo passado a constar da factualidade provada que como consequência direta e necessária do acidente foi danificado o pavimento da autoestrada A25 e que a autora teve que solicitar a uma empresa da especialidade – “I..., S.A.” - a reparação desse pavimento danificado, o que teve um custo de 8.441,15€ - cfr. nºs 8 e 8-A.
Ora, tal alteração da factualidade provada implica necessariamente a procedência do recurso principal interposto pela autora e a inclusão na verba indemnizatória da importância correspondente à reparação do pavimento danificado – 8.441,15€.
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III – A ré, no seu recurso subordinado, sustentou em primeira linha dever ser afastada do montante indemnizatório a importância correspondente à danificação e destruição, em consequência do acidente, dos elementos de segurança indicados no nº 9 da factualidade provada e que perfazem o valor global de 936,07€.
A procedência, nesta parte, do recurso interposto pela ré pressupunha a prévia alteração da matéria de facto no que toca àquele nº 9, o que, como se explanou em I B), não se verificou.
Assim, a pretensão recursiva da ré está, neste segmento, naturalmente votada ao insucesso, devendo manter-se no montante indemnizatório a importância atinente aos elementos de segurança danificados e destruídos em resultado do acidente.
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IV – Por último, a ré, no recurso subordinado, insurge-se igualmente contra a inclusão na verba indemnizatória da importância relativa à perda de remuneração da autora, como concessionária, em virtude da indisponibilidade da via subsequente ao acidente dos autos - 6.496,29€.
Desde logo, há a referir que a matéria de facto, pelas razões expostas em I B), permaneceu inalterada no que concerne ao seu nº 15 que respeitava precisamente a esta parcela da indemnização.
Porém, nesta parte, a ré situa a sua discordância em relação à sentença recorrida também no plano jurídico, ao sustentar que tal perda de remuneração da autora em consequência da indisponibilidade da via não constitui dano indemnizável decorrente do sinistro dos autos.
Vejamos então.
O art. 562º, nº 1 do Cód. Civil estabelece que «quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.»
«A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão” e «O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão» - cfr. arts. 563º e 564.º, n.º 1 do Código Civil).
O regime de realização de concursos públicos internacionais para a concessão da conceção, projeto, construção, financiamento, exploração e conservação de autoestradas e grandes obras de arte em regime de portagem sem cobrança aos utilizadores (SCUT) foi introduzido pelo Dec. Lei nº 267/97, de 2.10.
Posteriormente, o Dec. Lei nº 142-A/2001, de 24.4. aprovou as bases da concessão da conceção, projeto, construção, financiamento, exploração e conservação, em regime de portagem sem cobrança aos utilizadores (SCUT), dos lanços de autoestrada e conjuntos viários associados, designada por B....
O Dec. Lei nº 44-D/2010, de 5.5. procedeu à revisão das bases da concessão B....
No preâmbulo deste diploma escreve-se o seguinte:
“Os processos negociais relativos à Concessão B1..., à Concessão B2..., à Concessão B..., à Concessão B3..., à Concessão B4... e à Concessão B5... estavam necessariamente condicionados pela necessidade de compatibilização, nas soluções a encontrar, do novo modelo de gestão e de financiamento do sector das infra-estruturas rodoviárias com as expectativas dos accionistas dos concessionários, que determinaram a formação da vontade de contratar nos termos expressos nos contratos de concessão em vigor. Visaram igualmente reduzir ou eliminar todos os processos que se encontravam pendentes entre as partes. Essas negociações estão globalmente concluídas, e permitem assegurar a implementação de um conjunto de princípios, a saber: (i) as concessões mantêm-se como concessões do Estado; (ii) os concessionários assumem integralmente o risco de disponibilidade das vias, bem como, no âmbito da operação dos sistemas de cobrança de portagens, o risco de disponibilidade e o risco de tráfego, acrescidos, desde já ou a prazo, de risco de cobrança das respectivas taxas; (iii) os concessionários são remunerados em função dos riscos assumidos; (iv) as receitas provenientes da cobrança de portagens constituem receitas próprias da EP — Estradas de Portugal, S. A., incluindo aquelas que dizem respeito a concessões já existentes em regime de portagem real; (v) o Estado, se e quando o determinar expressamente, pode introduzir portagens em qualquer troço das concessões em causa, apenas tendo de negociar com os concessionários as compensações devidas por eventuais novos investimentos a realizar, sem dependência de outros acordos e sem criar, em princípio, situações de rotura ou de reposição forçada do equilíbrio financeiro destas concessões; (vi) os eventuais alargamentos futuros das vias objecto destas concessões dependem de determinação do Estado, o que permite alinhar esse direito com a assunção de risco de tráfego pela EP — Estradas de Portugal, S. A.; (vii) os acordos a alcançar resolvem situações pendentes sem recurso a tribunais arbitrais, que criariam a possibilidade de o Estado ter de se confrontar com o pagamento imediato dos valores relativos aos pedidos de reposição do equilíbrio financeiro existentes.”
Por seu turno, da Resolução do Conselho de Ministros n.º 39-B/2010, de 4.6. consta o seguinte:
As bases da concessão da concepção, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação, em regime de portagem sem cobrança aos utilizadores, dos lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados, designada por B..., foram aprovadas em anexo ao Decreto-Lei n.º 142-A/2001, de 24 de Abril.
Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 44-D/2010, de 5 de Maio, procedeu à alteração às referidas bases de concessão de forma a adaptá-las ao novo modelo de gestão e de financiamento do sector das infra-estruturas rodoviárias implementado pelo Governo.
Este novo modelo de gestão e de financiamento foi estabelecido com o objectivo de alcançar um novo equilíbrio contratual entre o Estado e a concessionária fundado em princípios da solidariedade intergeracional, de eficiência ambiental e da contratualização de longo prazo das responsabilidades decorrentes da construção, da gestão, da manutenção e da conservação da rede rodoviária nacional, da definição do preço global do serviço representado pelo uso e pela disponibilidade da rede rodoviária nacional, da associação de investimento privado ao desenvolvimento da rede rodoviária nacional e do reforço da segurança rodoviária.
A introdução de portagens nas concessões «Sem custos para o utilizador» (SCUT) foi assumida no Programa do XVIII Governo Constitucional, destinando-se a garantir uma maior equidade e justiça social, bem como a permitir um incremento das verbas a aplicar noutras áreas fundamentais das infra-estruturas rodoviárias, tais como a conservação, a segurança e o melhoramento da rede de estradas e a ampliação da rede rodoviária nacional.”
De acordo com o disposto na Base IV do Dec. Lei nº 142-A/2001 «a Concessionária deve desempenhar as actividades concessionadas de acordo com as exigências de um regular, contínuo e eficiente funcionamento do serviço público e adoptar, para o efeito, os melhores padrões de qualidade disponíveis em cada momento (…)».
E mais adiante na Base XLV estabelece-se que «A concessionária deverá manter a Auto-Estrada em bom estado de conservação e perfeitas condições de utilização, realizando os trabalhos necessários para que a mesma satisfaça cabal e permanentemente o fim a que se destina» (nº 1).
Sob a epígrafe “pagamentos por disponibilidade” a Base LXV-A, aditada pelo Dec. Lei nº 44-D/2010, de 5.5, estatui que a concessionária recebe uma remuneração anual calculada nos termos da fórmula seguinte:
Rt = Dist – Ded t ± ∑(sin)t
em que:
Rt = Remuneração anual da Concessionária no ano t;
Dist = Componente da remuneração anual relativa à disponibilidade verificada no ano t, calculada nos termos do n.º 2;
Dedt = Componente correspondente às deduções a efectuar em virtude da ocorrência de falhas de desempenho e de disponibilidade, no ano t, calculado nos termos do n.º 3;
Sint = Montante correspondente à dedução ou incremento imposto em resultado da evolução dos índices de sinistralidade para o ano t, calculada nos termos dos n.ºs 5 e seguintes.
O n.º 3 dispõe que o montante total das deduções a efectuar em cada ano, a que se refere o n.º 1, é calculado de acordo com a seguinte fórmula:
Dedt = ∑F (Dis)t
em que:
F(Dis)t = Montante correspondente à dedução diária imposta em resultado da ocorrência de falhas de disponibilidade para o ano t, calculada nos termos do n.º 15.
Por sua vez, prescreve o n.º 4 que existe “uma falha de disponibilidade quando se verificar alguma das condições de indisponibilidade definidas nos n.ºs 12 a 15”.
Ora, o n.º 12 prescreve que “um sublanço encontra-se disponível, nos termos e para os efeitos do disposto no Contrato de Concessão, quando se encontram verificadas, simultaneamente, as seguintes condições:
a) Condições de acessibilidade: estado ou condição caracterizada por permitir a todos os veículos autorizados terem acesso na entrada e na saída ao Sublanço;
b) Condições de segurança: estado ou condição de um Sublanço caracterizada por:
i) Representar o cumprimento integral de todas as disposições legais ou regulamentares estabelecidas para a respectiva concepção, construção e operacionalidade;
ii) Permitir aos veículos autorizados entrar, sair e circular por esse Sublanço sem mais riscos para a integridade física e bem estar dos utentes e para a integridade dos respectivos veículos do que aqueles que decorreriam da sua normal e prudente utilização;
c) Condições de circulação: estado ou condição do Sublanço caracterizado pelo cumprimento do conjunto de requisitos que permitem a circulação na velocidade e comodidade inerente ao nível de serviço B e tendo em conta designadamente:
i) A regularidade e a aderência do pavimento;
ii) Os sistemas de sinalização, segurança e apoio aos utentes e o respectivo estado de manutenção;
iii) Os sistemas de iluminação;
iv) Os sistemas de ventilação de túneis e outros equipamentos integrantes da Auto-Estrada.”
Por sua vez, os nºs 13 e 14 do mesmo preceito legal dispõem que o nível de serviço de disponibilidade é calculado com base na metodologia preconizada na última versão do Highway Capacity Manual e com sistema métrico e em resultado da avaliação da disponibilidade realizada nos termos dos números anteriores o Concedente determina a extensão de via que se encontra relativa ou absolutamente indisponível.
Quanto ao montante relativo às falhas de disponibilidade estabelece o n.º 15 que “esse montante corresponde à soma das deduções diárias a aplicar, sendo cada uma delas calculada de acordo com a fórmula seguinte:
F(dis)t = [tdit* IPC Dez t-1 * x + td1 * (1-x)] * T*c(g)*c(d)
IPC Dez 2009
em que:
tdit =Valor da tarifa diária de disponibilidade actualizável, no ano t, de acordo com previsto em anexo ao Contrato de Concessão;
tdt = Valor da tarifa diária por disponibilidade não actualizável, no ano t, de acordo com o previsto em anexo ao Contrato de Concessão;
IPC Dez t-1 = IPC a Dezembro do ano t-1;
IPCDez2009 = IPC a Dezembro de 2009;
X = 0,43;
T = Relação entre o número total de quilómetros afectados pela indisponibilidade e o número total de quilómetros da Concessão;
c(g) = Coeficiente de gravidade da falha de disponibilidade, sendo, para este efeito, considerados dois graus de indisponibilidade:
i) Indisponibilidade absoluta — a que corresponde um coeficiente de valor 1;
ii) Indisponibilidade relativa — a que corresponde um coeficiente de valor 0,5;
iii) c(d) = Coeficiente de duração da falha de disponibilidade, sendo, para este efeito, considerados três graus de indisponibilidade:
i) Indisponibilidade durante o período nocturno (entre as 22h00 m e as 6h00m) — a que corresponde um coeficiente de valor 0,3;
ii) Indisponibilidade durante o período diurno (entre as 6h00 m e as 22h00m) — a que corresponde um coeficiente de valor 0,7;
iii) Indisponibilidade durante um dia — a que corresponde um coeficiente de valor um.”»
Flui do nº 12 da Base LXV-A que um sublanço (extensão de autoestrada situada entre dois nós de acesso/saída desta) está disponível quando cumulativamente se verifiquem três condições:
a) de acessibilidade;
b) de segurança;
e, c) de circulação.
Donde decorre que “a contrario” há necessariamente indisponibilidade ou falha de disponibilidade quando não se verifique uma só que seja dessas três condições.
É, assim, inegável que a concessionária assumiu integralmente o risco da disponibilidade da autoestrada que lhe foi concessionada, relevando a assunção desse risco para a determinação da remuneração da concessionária.
Porém, precisamente porque a concessionária assume esse risco de disponibilidade da via, a sua remuneração é reduzida sempre que se verifiquem situações de indisponibilidade da via quer lhe sejam diretamente imputáveis quer não.
A remuneração da concessionária não é apenas deduzida, a título de indisponibilidade de via, quando ocorrem acidentes na autoestrada, ocorrendo necessariamente indisponibilidade ou falha de disponibilidade quando não se verifiquem condições de acessibilidade, de segurança e de circulação.
Segue-se que esta “categoria” dos acidentes insere-se, regra geral, nas condições de segurança (melhor: na falta delas), embora possa igualmente respeitar às condições (falta delas também) de acessibilidade, quando se trate de acidentes mais graves.
Mas, outros eventos há que têm reflexos na disponibilidade de via que a concessionária se obrigou a proporcionar como contrapartida da remuneração que recebe, designadamente os trabalhos de (re)pavimentação da via que a concessionária tem obrigatoriamente de executar, uma vez que lhe cabe garantir a regularidade e a aderência do pavimento.
Acontece que também esses trabalhos dão direito a dedução de remuneração da concessionária por indisponibilidade, sendo que nestes casos a concessionária não pode transferir para terceiros tal situação de indisponibilidade da via e a consequente dedução operada à sua remuneração.
Todavia, tal como se afirma no Acórdão da Relação do Porto de 24.11.2016 (proc. 974/14.4TBLSD.P1, disponível in www.dgsi.pt) “é totalmente incontroverso, (…), que os casos de sinistro assumem contornos completamente diversos, pois que em tais situações de acidente o ganho/lucro legalmente previsto, inteiramente legítimo e expectável da concessionária é afectado/reduzido por intervenção negligente de terceiro.
Afigura-se-nos, por isso e à luz destes conceitos, que se trata de um lucro cessante, ou seja, um benefício que a concessionária deixou de obter em resultado do sinistro.
De sorte que, (…), este é claramente um dano real e efectivo sofrido pela recorrida, um lucro cessante imputável e exclusivamente devido a este acidente que foi quantificado e devidamente provado.
Aliás, não se alcança, (…), por que razão terá a concessionária de suportar neste caso de acidente, atribuível directa, causal e adequadamente a um determinado veículo (…), a diminuição da sua remuneração (melhor: o lucro cessante) que legitimamente tinha e tem todo o direito vir a receber do concedente.
Por isso, a indemnização da concessionária na medida da dedução que é feita na sua remuneração por efeito de um sinistro imputável a um terceiro, não constitui qualquer duplicação de remuneração, mas apenas visa que a concessionária seja reembolsada das deduções na sua remuneração imputáveis à conduta de terceiros.”
Deste modo, a redução da remuneração a que a concessionária legitimamente podia aspirar, que só se verificou em resultado do acidente dos autos, o qual determinou a indisponibilidade temporária da via, configura-se como lucro cessante, sendo, por isso, dano indemnizável. [cfr. em sentido idêntico ao seguido, para além do já referenciado, os Acórdãos da Relação do Porto de 13.10.2015, proc. 3858/13.0 TBVLG.P1 (do presente relator e coletivo), de 16.12.2015, proc. 10/15.3 T8ETR.P1, de 22.11.2016, proc. 415/15.0 T8ESP.P1 e Acórdão da Relação de Coimbra de 27.5.2015, proc. 3511/13.4 TBVIS.C1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.][2]
Indemnização que, neste segmento, face ao que decorre do nº 15 da factualidade provada, ascenderá, conforme se entendeu na sentença recorrida, à importância de 6.496,29€
Por conseguinte, o recurso subordinado interposto pela ré está igualmente nesta parte condenado ao insucesso.
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A procedência do recurso principal interposto pela autora, conjugada com a improcedência do recurso subordinado interposto pela ré, tem como resultado a fixação do montante indemnizatório na importância de 17.577,51€.
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. do Proc. Civil):
- A dedução da remuneração da concessionária de autoestrada, em virtude de acidente ocorrido na via causado por um seu utente e que determinou a indisponibilidade temporária da via, configura-se como lucro cessante, sendo, por isso, dano indemnizável.
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar procedente o recurso principal interposto pela autora e improcedente o recurso subordinado interposto pela ré e, em consequência, alterando-se a sentença recorrida, condena-se a ré “C... – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar à autora “B..., S.A.” a importância de 17.577,51€ (dezassete mil quinhentos e setenta e sete euros e cinquenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de juro legal, desde a citação e até efetivo e integral pagamento.
Custas, em ambas as instâncias, na proporção do decaimento.

Porto, 20.6.2017
Rodrigues Pires
Márcia Portela
Maria de Jesus Pereira
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[1] Documento este que, apesar do tamanho reduzido da letra, se mostra inteiramente legível e percetível.
[2] Assinale-se que carecem de fundamento as referências feitas pela ré nas suas alegações à Base LI-A, uma vez que esta norma isenta de penalidades certas situações em que ocorre encerramento de vias, o que não se confunde com as deduções à remuneração da concessionária que se verificam quando ocorrem casos de indisponibilidade da via. Isto é, sempre que existem cortes na via há deduções no valor a receber pela concessionária; quando há encerramentos de vias, haverá lugar a multas contratuais que funcionam de forma independente em relação às falhas de disponibilidade da via. Um acidente de viação que obstrua totalmente a via e cause o seu encerramento está isento de qualquer penalidade, mas, porque se trata de realidade distinta, tal não impede a concedente de proceder à respetiva dedução na remuneração da concessionária motivada pela indisponibilidade da via.