Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
760/17.0T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ SIMÕES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANO NÃO PATRIMONIAL
Nº do Documento: RP20211122760/17.0T8AVR.P1
Data do Acordão: 11/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No dano biológico, na sua vertente de dano patrimonial futuro, pode distinguir-se entre a incapacidade fisiológica ou funcional (geral) e a incapacidade para o trabalho.
II – Pese embora a autora esteja afectada de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 5 graus, não está impedida de exercer a sua actividade, embora tal incapacidade implique esforços ligeiramente acrescidos.
III – De acordo com um juízo de equidade, tendo em conta os factos provados e as consequências das lesões sofridas, considerando ainda a idade da autora e a expectativa de vida de acordo com os dados do INE, entende-se ajustada a valoração de €17.500,00 como indemnização por danos futuros pela perda da capacidade de ganho.
IV – Não revestido as consequências do acidente relativamente à autora elevada gravidade, pelo que tendo em conta o elenco factual provado, afigura-se-nos equitativamente adequado e equilibrado fixar a indemnização para compensação dos danos não patrimoniais em €13.500,00.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pº nº 760/17.0T8AVR.P1
Apelação
(534)

ACÓRDÃO

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

B…, intentou a presente ação, com processo comum, contra C… – Companhia de Seguros, S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de € 173.018,43, correspondendo € 148.018,43 a danos patrimoniais e € 25.000,00 a danos não patrimoniais.
Alega, para o efeito, que no dia 28/05/2014, pelas 18,45 horas, na Estrada Nacional …, em Aveiro, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-HR, conduzido pela A., e o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-MU, conduzido por D…. Ambos os veículos circulavam na E.N. .., no sentido … – … (norte – sul), pela sua faixa direita, e apresentava-se à frente dos mesmos uma fila de trânsito em consequência da sinalização vertical luminosa que regulava o trânsito naquele local. A A. parou o veículo de matrícula ..-..-HR. Pouco depois o veículo de matrícula ..-..-HR foi violentamente embatido na parte traseira pela parte da frente do veículo de matrícula ..-..-MU, cuja condutora não se apercebeu que a fila de trânsito que seguia à sua frente se encontrava parada.

A Ré, na contestação, aceitou que o acidente ocorreu por culpa da condutora do veículo seguro.

Foi proferida sentença que julgou a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou a Ré a pagar à A. a quantia de € 46.620,23.
Mais relegou para incidente de liquidação, a indemnização respeitante a tratamentos de fisioterapia (40 sessões por ano) e absolveu a Ré da restante quantia peticionada.

Inconformada, apelou a Ré, apresentando alegações, cujas conclusões são as seguintes:
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Não foram apresentadas contra-alegações.

Foram dispensados os vistos legais.

II – QUESTÕES A RESOLVER

Como se sabe, o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente importando decidir as questões nelas colocadas – e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso –, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – artºs. 635º, 639º e 663º, todos do Código Processo Civil.
Assim, em face das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:
1. Quantum indemnizatório a atribuir à A. pelo dano biológico.
2. Compensação pelos danos não patrimoniais.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos considerados provados na 1ª instância são os seguintes:
1 - No dia 28/05/2014, pelas 18,45 horas, na Estrada Nacional …, em Aveiro, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-HR, conduzido pela A. e propriedade de E…, e o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-MU, conduzido por D…, e propriedade de F….
2 – A Estrada Nacional …, no local onde ocorreu o acidente, é uma estrada sem separador, com uma via de circulação em cada sentido de trânsito.
3 – Ambos os veículos circulavam no sentido … – … (norte – sul), pela sua faixa direita.
4 – A A. parou o veículo de matrícula ..-..-HR por se ter deparado com uma fila de trânsito, em que os veículos se encontravam parados, e que se tinha formado em consequência da sinalização vertical luminosa que regulava o trânsito naquele local.
5 – Momentos depois, o veículo de matrícula ..-..-HR, que já se encontrava totalmente parado, foi embatido na sua parte traseira pela parte da frente do veículo de matrícula ..-..-MU.
6 – A condutora do veículo de matrícula ..-..-MU disse à PSP que, por encadeamento pelo sol, não se tinha conseguido aperceber que a fila de trânsito que seguia à sua frente se encontrava parada, tendo embatido no veículo da frente – fls. 26.
7 – A A. nasceu a 3 de agosto de 1972 – fls. 108/109.
8 - A responsabilidade civil por danos causados a terceiros com a circulação do veículo de matrícula ..-..-MU encontrava-se transferida, à data do acidente, para a Ré Seguradora por contrato de seguro titulado pela apólice nº ………….. – fls. 125.
9 – A Ré liquidou à A.:
a) a 03/09/2014, a quantia de € 18,03, a título de despesas de farmácia – fls. 53;
b) a 13/05/2015, a quantia de € 3.831,50, a título de perdas salariais desde a data do acidente e até 19/01/2015 – fls. 54.
10 – O embate do veículo de matrícula ..-..-MU na traseira do veículo ..-..-HR fez com que a cabeça da A. fosse projetada para a frente e, rápida e subsequentemente, para trás.
11 - A A. foi assistida no local pelo INEM e transportada ao Serviço de Urgência do Centro Hospitalar do Baixo Vouga (Aveiro) (CHBV), tendo dado entrada pelas 19,32 horas, onde foi assistida e permaneceu umas horas em observação.
12 – Queixava-se de lombalgia e náuseas.
13 – Fez: a) TAC CE - sem alterações; b) Rx tórax – sem lesões traumáticas agudas; c) Rx – sem lesões ósseas; ligeira retificação cervical.
14 – Foi-lhe dada alta com indicação de repouso, gelo local, analgesia em SOS e vigilância clínica.
15 – Deslocou-se novamente ao Serviço de Urgência do CHBV a 31/05/2014, por sentir fortes dores, tendo-lhe sido colocado pela médica que a atendeu um colar cervical – fls. 32.
16 – Nos dias 11/08/2014 e 06/10/2014 teve de se deslocar, de novo, ao Serviço de Urgência do CHBV por cervicalgia - fls. 33 e 35.
17 – Foi-lhe receitado que fizesse sessões de fisioterapia e termais, que a A. frequentou e cobriu os correspondentes custos.
18 – A A. continua, até hoje, com dores frequentes na zona afetada.
19 – A 19/01/2015 foi vista pelos Serviços Clínicos da Ré, tendo-lhe sido dada alta clínica na mesma data – fls. 37 a 39.
20 – A A., a seguir ao acidente, teve de ter acompanhamento psiquiátrico até julho de 2015, por o quadro álgico lhe ter desencadeado uma reação depressiva – fls. 52
21 – Fez TAC cervical a 11/08/2014 constando do relatório: “inversão da curvatura lordótica, com esboço de cifose centrado em C4-C5. Justamente em C4-C5 o disco faz uma protrusão posterior mediana, que “indenta” o espaço subaracnoideu e toca a medula, sem a moldar significativamente – fls. 34.
22 – Do Rx lombar e lombo-sagrado feito a 29/01/2016 consta:
Esboço de labiações osteofitárias anteriores a nível das últimas vertebras lombares, a traduzir fenómenos de espondilose lombar inferior.
Anomalias na transição L/S com hemi-lombarização direita de S1 e que é variante do normal e estreitamento do disco L5-S1.
23 – A A. apresenta as seguintes sequelas:
- Ráquis: discreto apagamento da lordose cervical. Dor à palpação das apófises espinhosas cervicais e lombares, bem como à palpação da musculatura paravertebral (mais marcada à esquerda) a qual apresentava marcada contratura.
Limitação dolorosa das mobilidades da coluna cervical, de difícil avaliação por contratura marcada e somatização das queixas ao longo do exame físico.
Apresenta no entanto maiores limitações com queixas mais marcadas à extensão e rotação direita. Restantes mobilidades mantidas.
Mobilidades da coluna lombar mantidas mas dolorosas à flexão e à lateralização direita.
24 – A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 19/01/2015.
25 – O período de défice funcional temporário parcial é fixável num período de 236 dias.
26 – O período de repercussão temporária na atividade profissional total é fixável num período de 65 dias.
27 – O período de repercussão temporária na atividade profissional parcial é fixável num período de 171 dias.
28 – O quantum doloris é fixável no grau 3/7.
29 – O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é fixável em 5 pontos.
30 – As sequelas de que a A. ficou a padecer são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com exercício da atividade profissional habitual (lojista), mas implicando esforços ligeiramente acrescidos.
31 – Aparecem-lhe, de forma periódica, parestesias no membro superior direito.
32 - A A. tinha feito sleeve gástrico em 2009.
33 – Antes do acidente era uma pessoa feliz, otimista e ativa.
34 – À data do acidente, a A. era empresária em nome individual, sendo sócia e única trabalhadora da sociedade “G…, Sociedade Unipessoal, L.da” – fls. 147/151.
35 – A referida sociedade comercializava produtos exotéricos, de decoração, terapia e outros produtos afins, tendo, para o efeito, aberto um estabelecimento comercial.
36 – Após o acidente encerrou o seu negócio no final de 2014.
37 – Auferia uma remuneração base de € 485,00 – fls. 99/101.
38 – A A. despendeu em consequência do acidente:
a) € 483,83, em despesas de farmácia;
b) € 121,40, em consultas no Centro de Saúde e consultas e exames no CHBV;
c) € 165,00, em consultas de psiquiatria;
d) € 150,00, em fisioterapia.
39 – A A. vai necessitar de fazer 2 ciclos de 20 sessões de fisioterapia por ano.
40 – E de continuar a tomar, de forma periódica, medicação para as dores (paracetamol, Brufen e diazepan), quando surja agudização do quadro que se traduz em queixas álgicas.
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Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a boa decisão da causa, designadamente que:
a) a A. deixou de conseguir fazer exercício físico moderado;
b) a A. deixou de reunir condições físicas para continuar a trabalhar, nomeadamente para permanecer ao balcão do seu estabelecimento comercial;
c) as dores insuportáveis que tinha e tem não permitem que esteja muito tempo em pé, ou na mesma posição, ou até mesmo que carregue pesos;
d) continua incapaz para o exercício de qualquer profissão;
e) a A. não pode efetuar lides domésticas, designadamente aspirar, limpar vidros e passar roupa a ferro.

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1. Quantum indemnizatório a atribuir à A. pelo dano biológico.
Na sentença recorrida fixou-se a indemnização por dano biológico em € 20.000,00.
A recorrente/seguradora pugna para que este valor seja reduzido devendo ser fixada quantia entre os € 10.000,00 e os € 12.000,00.
Ora bem.
A responsabilidade da ré seguradora traduz-se numa obrigação de reparar o dano causado (obrigação de indemnizar), cujo princípio geral se encontra consagrado no artº 562º do CCivil, o qual estipula que “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” e o artº 563º do mesmo diploma legal preceitua que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (teoria da causalidade adequada).”
Por seu turno, o artº 566º do CCivil consagra o princípio da reconstituição natural do dano, sendo que o artº 562º já citado ao madar reconstituir a situação hipotética que existiria se não fosse o facto gerador da responsabilidade e não sendo possível a reconstituição natural, não reparando a mesma integralmente os danos ou sendo excessivamente onerosa para o devedor, deve a indemnização ser fixada em dinheiro (nº 1 do artº 566º do CCivil).
Quanto à indemnização pecuniária ela deve medir-se pela diferença entre a situação (real) em que o facto lesivo deixou o lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria sem o dano sofrido, é a chamada teoria da diferença tomando como referência “a data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que nessa data teria se não existissem danos” (nº 2 do mencionado artº 566º).
O artº 564º nº 2 do CCivil determina ainda que se deve atender aos danos futuros desde que previsíveis e o nº 3 do artº 566º do CCivil, dá ao tribunal a faculdade de recorrer à equidade, quando não seja possível fixar o valor exacto dos danos.
Ora, na responsabilidade civil extracontratual, designadamente aquela emergente de acidente de viação e no âmbito dos danos patrimoniais consagrados nos artºs 483º nº 1 e 562º a 564º do CCivil, encontram-se os danos resultantes das sequelas sofridas que impliquem perda de capacidade de ganho.
No âmbito destes, encontra-se o chamado dano biológico na sua vertente de dano patrimonial futuro, podendo neste distinguir-se entre a incapacidade fisiológica ou funcional (geral) e a incapacidade para o trabalho.
Na incapacidade fisiológica ou funcional, releva a diminuição da condição física, da resistência e da capacidade de esforços do lesado, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades pessoais em geral e numa consequente, previsível, maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das actividades diárias, onde se incluem, eventualmente, as tarefas profissionais, a que acrescerá naturalmente uma menor qualidade de vida decorrente da afectação da saúde e que deve, então, centrar-se no arbitramento de uma indemnização (autónoma) pelo dano biológico.
E, tem sido entendimento jurisprudencial unânime que para arbitramento desta indemnização, o Tribunal não está sujeito à utilização de qualquer fórmula, nomeadamente daquelas em que se utilizam tabelas financeiras, sendo o seu uso meramente indiciário já que o julgador não se deve distanciar dos critérios assinalados no artº 566º/3 do CCivil que, impõe que se o tribunal não puder averiguar o montante exacto dos danos deve recorrer à equidade, como se disse.
Ora, no caso que temos entre mãos, resultou provado que, a lesada nasceu no dia 3 de Agosto de 1972 (ponto 7 dos factos provados), que sofreu as lesões constantes dos pontos 21 e 22 da matéria de facto provada, apresentando as sequelas referidas no ponto 23 do elenco factual provado.
Mais se provou que o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é fixável em 5 pontos (cfr. ponto 29 da mat. de facto provada), compatível com o exercício da actividade profissional habitual (lojista), mas implicando esforços ligeiramente acrescidos (cfr. ponto 30 da mat. facto provada).
Resulta, assim, da factualidade provada que a autora pese embora esteja afectada de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 5 graus não está impedida de exercer a sua actividade embora tal incapacidade implique esforços ligeiramente acrescidos.
A aptidão funcional da autora está, assim, comprometida mas de forma muito ligeira, havendo que a indemnizar em conformidade pelo dano biológico, havendo que ponderar não apenas o tempo de actividade em função do tempo de vida laboral, mas todo o tempo da sua vida, em que para além da presumida perda de rendimentos associada àquele grau de incapacidade permanente também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente refletida e contabilizada no nível de rendimento auferido ou a auferir pela lesada.
Assim, de acordo com o referenciado juízo de equidade, tendo em conta o mencionado circunstancialismo, as consequências das lesões sofridas pela autora com o acidente, considerando a sua idade e a expectativa de vida de acordo com os dados do INE, entende-se ser ajustada a valoração de € 17.500,00 (dezassete mil e quinhentos euros) – para o valor da indemnização por danos futuros pela perda da capacidade de ganho.

2. Compensação pelos danos não patrimoniais.
A autora peticionou a este título a quantia de € 25.000,00.
A sentença recorrida fixou tal compensação em € 20.000,00.
A recorrente seguradora entende que a indemnização se deve balizar entre os € 7.500,00 e os € 10.000,00.
Vejamos a quem assiste razão.
De acordo com o estipulado no art. 496º, do CCivil:
1.Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
E no nº 4 deste mesmo preceito legal, refere-se que: O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior.”
Decorre, assim, do referido nº 1 que os danos não patrimoniais são indemnizáveis, quando, pela sua gravidade, sejam merecedores da tutela do direito.
Os danos não patrimoniais definem-se como “os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização” – cfr. Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, 6ª ed., 1º, pag. 571.
Também Menezes Leitão define os danos não patrimoniais como “aqueles que correspondem à frustração de utilidades não suscetíveis de avaliação pecuniária, como o desgosto resultante da perda de um ente querido” – cfr. Direito das Obrigações, vol. I, 14ª ed., Almedina, pag. 328.
Como é unanimemente entendido, quer na doutrina quer na jurisprudência, a gravidade que merece a tutela do direito é considerada um conceito relativamente indeterminado, que deve ser apurada caso a caso, de acordo com a prova produzida.
A gravidade deve, assim, medir-se “ por um padrão objectivo e não de acordo com factores subjectivos, ligados a uma sensibilidade particularmente aguçada ou especialmente fria ou embotada do lesado, sendo tais danos compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, e tratando-se mais de uma satisfação do que de uma indemnização, a ser calculada segundo critérios de equidade, atendendo-se ao grau de responsabilidade do lesante, à sua situação económica e à do lesado, às flutuações do valor da moeda, etc.” – cfr. Antunes Varela, ob. cit. pag. 600.
In casu, as consequências do acidente relativamente à autora, no nosso entender, não revestem elevada gravidade, embora sejam justificativas de ressarcimento, a título de danos não patrimoniais, tal como a ré, ora recorrente reconhece.
Há, assim, que apurar o quantum indemnizatório a este título.
Segundo o art. 562º, do CCivil, a obrigação de indemnizar implica a reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado a lesão, repondo-se as coisas no lugar em que estariam se não se tivesse produzido o dano.
Visa-se, deste modo, a eliminação deste, devendo a indemnização equivaler ao montante do dano imputado (cfr. o nº2 do art. 566º do CCivil).
Todavia, estando em causa a lesão de interesses imateriais, a reconstituição natural da situação anterior ao sinistro é impossível e também o é a fixação de um montante pecuniário equivalente ao «mal» sofrido, apenas se podendo atenuar, minorar ou, de algum modo, compensar os danos sofridos pela lesada.
Nos termos do nº 4, do 496º do CCivil, o montante da indemnização a atribuir será fixado equitativamente pelo Tribunal tendo em conta a extensão e gravidade dos danos causados, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que se justifique ponderar.
Este tipo de indemnização deve ser fixado segundo o bom senso e o prudente arbítrio do julgador, temperado com os critérios objectivos a que se alude no art. 494º.
Ora, sendo certo que a indemnização por danos não patrimoniais tem em vista compensar de alguma forma o lesado pelos sofrimentos e inibições que sofreu em consequência de um evento danoso, essa compensação só será alcançada se a indemnização for adequada e significativa do ponto de vista financeiro e não meramente simbólica.
Tal compensação deve, no entanto, “ser proporcionada à gravidade do dano, tomando-se em conta, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, da justa medida das coisas e de uma criteriosa ponderação das realidades da vida” – cfr. Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado, vol. 1, Coimbra, pag. 501.
Deve, assim, o montante da indemnização, nos termos do disposto nos citados arts. 496º, n.º 4 e 494º do CCivil, ser fixado equitativamente pelo tribunal, que atenderá ao grau de culpa do lesante, à situação económica do lesante e do lesado e às demais circunstâncias do caso tendo em linha de conta os princípios da proporcionalidade e da igualdade e bem assim os critérios e valores usualmente acolhidos na jurisprudência em casos similares – neste sentido, vide, entre outros, o Ac. do STJ de 18.06.2015, pº nº 2567/09.9TBABF.E1.S1, consultável em www.dgsi.pt
Há ainda que ter em conta que à obrigação indemnizatória, a título de danos não patrimoniais, se deve reconhecer, não só um papel de reparação ou compensação, mas também um papel de censura ou punitivo do agente do facto lesivo.
Assim, no caso em apreço e tendo em conta o elenco factual provado, há que ter em conta que:
- A autora não teve qualquer culpa na eclosão do acidente;
- Tinha 41 anos de idade à data do acidente;
- À data do acidente, a A. era empresária em nome individual;
- Foi assistida no local pelo INEM e transportada ao Serviço de Urgência do Centro Hospitalar do Baixo Vouga (Aveiro) (CHBV), onde foi assistida e permaneceu umas horas em observação;
- Queixava-se de lombalgias e náuseas;
- Foi-lhe dada alta com indicação de repouso, gelo local, analgesia em SOS e vigilância clínica;
- Deslocou-se novamente ao Serviço de Urgência do CHBV em 31/05/2014, por sentir fortes dores, tendo-lhe sido colocado um colar cervical;
- Nos dias 11/08/2014 e 06/10/2014 deslocou-se novamente ao Serviço de Urgência do CHBV por cervicalgia;
- A seguir ao acidente, a A. teve de ter acompanhamento psiquiátrico e até Julho de 2015, por o quadro álgico lhe ter desencadeado reacção depressiva;
- A data de consolidação médico-legal das lesões foi fixável em 19/01/2015;
- O quantum doloris foi fixável no grau 3/7;
- Aparecem-lhe de forma periódica, parestesias no membro superior direito.
- Não sofreu qualquer dano estético.
Na jurisprudência, foram arbitradas as indemnizações em situações que poderão ser comparáveis com a da autora (consultáveis em www.dgsi.pt):
- no Ac. do STJ de 19/06/2019 (pº nº 80/11.3TBMNC.G2.S1), foi arbitrada a quantia de € 15.000,00 pelo dano estético permanente grau 4/7, enquanto parte integrante dos danos não patrimoniais.
- no Ac. do TRP de 29/04/2021 (pº nº 2834/17.8T8PNF.P1), foi fixada a quantia de € 10.000,00, a acidentado que não sofreu sequelas físicas permanentes e teve alta hospitalar no dia seguinte ao do acidente.
- no Ac. do TRP de 21/06/2021 (pº nº 13547/16.8PRT.P1), com um quantum doloris de 5/7, com dano estético de 3/7, foi fixada uma indemnização de € 23.500,00, por danos não patrimoniais;
Assim, perante o circunstancialismo fáctico supra referido, e ponderando os casos similares e os valores arbitrados pela nossa jurisprudência, afigura-se-nos equitativamente adequada e equilibrada, fixar a indemnização para compensação dos danos não patrimoniais em € 13.500,00 (treze mil e quinhentos euros).
Procedem, deste modo, em parte, as conclusões do recurso.

V – DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência revogar em parte a sentença recorrida, fixando-se agora à A., a título de indemnização pelo dano biológico, a quantia de € 17.500,00 e pela compensação por danos patrimoniais a quantia de € 13.500,00, no mais se mantendo a mesma.

Custas pela apelante na proporção do seu decaimento.

(Processado por computador e integralmente revisto pela Relatora)

Porto, 22/11/2021
Maria José Simões
Abílio Costa
Augusto de Carvalho