Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2759/17.7T8VNG.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DIAS DA SILVA
Descritores: PERDA DE CHANCE
DANO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
FACTOS PARA O JULGAMENTO INCIDENTAL
PROVA
Nº do Documento: RP202203242759/17.7T8VNG.P2
Data do Acordão: 03/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: “I. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2022, publicado no Diário da República n.º 18/2022, Série I, de 2022-01-26, uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos: “O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade.”
II - A indemnização a atribuir com base em perda de chance não dispensa um julgamento dentro do julgamento, ou seja, não basta verificar-se falta grave obstativa por si do desfecho jurídico favorável, importa ainda ponderar a probabilidade elevada de que tal desfecho favorável pudesse ter-se verificado.
III - Os factos que servem de base ao julgamento incidental devem ser alegados e provados por quem se arroga o direito de ser indemnizado pela perda da oportunidade processual, visto que são constitutivos do respectivo direito de indemnização.
IV. Conforme resulta dos autos, por um lado, dos articulados apresentados pelas partes e, por outro, da matéria de facto dada como provada é absolutamente cristalino que o A. não alegou ou sequer provou minimamente qualquer dano, maxime, consubstanciado na existência dos seus alegados créditos e direitos pretensamente existentes e respectiva probabilidade séria de procedência da acção que foi julgada prescrita.
V. Pelo que a presente acção, fundada em perda de chance processual, terá que ser julgada improcedente.”
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação - 3ª Secção
ECLI:PT:TRP:2022:2759/17.7T8VNG.P2


Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
AA, residente na Rua ... Frente, ... ..., instaurou acção declarativa sob a forma de processo comum contra, BB, com domicílio profissional na Avenida ... Porto, onde concluiu pedindo a condenação do réu no pagamento da quantia de €95.622,54, acrescida de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento.
Alegou, em síntese, que sendo motorista profissional, desempenhou funções como trabalhador da sociedade “N..., Ldª”, tendo o respectivo contrato de trabalho cessado a 22 de Novembro de 2011 no âmbito de despedimento colectivo.
Afirma, que para acompanhar o processo de despedimento colectivo iniciado a 08 de Agosto de 2011, em Agosto de 2011 contactou o réu, que aceitou o patrocínio jurídico e o mandato conferido.
Invoca que o patrocínio e mandato mantiveram-se após o despedimento, na medida em que pretendia recuperar os créditos que entendia ainda em dívida, face à recusa de pagamento da sociedade “N..., Ldª”.
Alega que, com tal objectivo, o réu intentou acção que correu termos pelo extinto 2º juízo do Tribunal de Trabalho de Vila Nova de Gaia sob o nº 1336/13.8TTVNG, instaurada a 15 de Novembro de 2013, na qual o aqui réu, em representação do aqui autor, reclamou o pagamento da quantia global de €75.893,04 a título de diferenças salariais relativas aos anos de 1998 a 2011, quantia acrescida de juros de mora, pediu a declaração de nulidade do nº 8 da cláusula 74ª do contrato colectivo de trabalho aplicável, e ainda o pagamento da quantia relativa ao trabalho extraordinário desempenhado entre Maio e Julho de 2011.
Invoca, ainda, que a sociedade “N..., Ldª”, apresentou contestação, na qual, além do mais, invocou a prescrição dos créditos laborais reclamados, excepção de prescrição que foi julgada procedente por decisão transitada em julgada não obstante os sucessivos recursos que o aqui réu, em representação do aqui autor, interpôs para o Tribunal da Relação do Porto, para o Supremo Tribunal de Justiça e para o Tribunal Constitucional.
Defende ser o réu responsável pela inércia traduzida na propositura da acção perante o Tribunal do Trabalho quase 2 anos após o despedimento colectivo, o que na sua opinião traduz deficiente cumprimento do mandato que lhe foi conferido pelo aqui autor, assim causando ao autor prejuízo no valor de €75 893,04, quantia acrescida de juros moratórios.
Alega, ainda, ter sofrido danos não patrimoniais em consequência da conduta do réu, para cuja compensação entende ser adequada a quantia de €5.000,00.
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Citado, o réu apresentou contestação, na qual, em síntese, principia por confirmar exercer a profissão de advogado.
Invoca a excepção dilatória de incompetência territorial, defendendo a competência do juízo central cível em razão do território.
Argui ainda a excepção de ilegitimidade processual, defendendo que, fundando-se a acção na prática pelo autor de conduta deficiente no exercício da sua actividade profissional, e sendo obrigatória a celebração de contrato de seguro destinado a garantir os danos causados a terceiros no exercício de tal actividade, a demanda do réu desacompanhado da seguradora para o efeito contratada determina a sua ilegitimidade passiva.
Em sede de impugnação, confirma ter, o exercício da sua actividade profissional como advogado, estabelecido relação contratual com o autor, desde logo com vista à protecção dos interesses no âmbito do procedimento para despedimento colectivo referido na petição inicial.
Afirma que já nesse momento era claro para autor e réu ser necessário o apuramento do valor dos créditos a que o autor teria direito pelo serviço em horas extraordinárias que prestou, para o que se impunha a análise e estudo de diversos elementos que o autor deveria fornecer ao réu.
Invoca que, no decurso do ano de 2012, o autor apresentou-lhe as agendas em que havia anotado os elementos a considerar, revelando-se que apenas o autor lograva perceber o significado dos registos ali constantes.
Alega, ainda, que, além de representar o aqui autor, o aqui réu havia igualmente assumido a representação de outros colegas do autor que se encontravam em situação semelhante, motivo pelo qual acordou com todos, e designadamente com o autor, que entregariam ao aqui réu os cálculos relativos aos valores em dívida, tendo o aqui autor apenas após o mês de Novembro de 2012 enviado ao aqui réu a informação na matéria relevante.
Defende que, sem a referida informação a prestar pelo aqui autor, não era possível ao aqui réu definir as quantias a peticionar contra a anterior entidade patronal do autor, sabendo este ser de 1 ano o prazo para em juízo reclamar os seus créditos.
Invoca que, com vista a obstar ao decurso do prazo de prescrição, em nome do autor promoveu notificação judicial avulsa da anterior entidade patronal do autor, notificação que deu entrada em juízo a 16 de Novembro de 2012.
Afirma que o mesmo procedimento foi adoptado quanto a outros 4 anteriores colegas do autor, o que justifica com o volume da informação a trabalhar e a vontade manifestada pelo autor e outros seus 2 colegas de as respectivas acções darem entrada em juízo no mesmo dia.
Alega, ainda, que o autor teve conhecimento de todo este procedimento.
Invoca que a petição inicial estendeu-se por 1527 artigos, em 291 páginas, sendo pedido, além do mais, o pagamento da quantia global de €87.288,33, tendo a antiga entidade patronal do autor, em audiência de partes, apresentado proposta de pagamento de 10% do pedido, o que o aqui autor recusou.
Confirma que a entidade patronal do autor, na sua contestação, invocou a excepção de prescrição, posição que mereceu o acolhimento do Tribunal de Trabalho de Gaia, e foi mantida apesar dos recursos sucessivamente intentados pelo aqui réu para o Tribunal da Relação do Porto, para o Supremo Tribunal de Justiça e para o Tribunal Constitucional.
Alega que, num outro processo em situação em tudo similar à do aqui autor, o procedimento adoptado foi idêntico, e o seu desfecho foi totalmente diverso do sucedido com o autor, nesse caso sendo o conhecimento da excepção de prescrição relegado para a decisão, e terminando o processo por acordo antes da sentença de mérito.
Nega que a 16 de Novembro de 2013 o contestante tivesse na sua posse todos os elementos que permitiam tornar líquido o crédito do aqui autor, falha que imputa a este.
Afirma, ainda, não ser previsível, para o aqui réu ou para qualquer outro advogado colocado na sua posição, a possibilidade de a notificação judicial avulsa que promoveu não interromper o prazo de prescrição que acabou por ser declarado.
Após dissertar sobre a figura da notificação judicial avulsa, defende que a concreta notificação promovida tinha aptidão para interromper o prazo prescricional em curso.
Afirma que o autor litiga de má fé, ocultando factos relevantes para a decisão da causa, por isso pretendendo a sua condenação em multa não inferior a 10 Ucs e indemnização ao réu no valor de €2.500,00.
Requer a intervenção principal provocada da “Companhia de Seguros X... , SA”, e “Companhia de Seguros W... , SA”, por ter com estas contratado seguro de responsabilidade civil que cobre os danos invocados pelo autor.
Conclui pedindo a declaração de incompetência territorial do juízo central cível de Vila Nova de Gaia, a procedência da excepção de ilegitimidade processual passiva, a improcedência da acção e a condenação do autor, como litigante de má fé, no pagamento de multa e indemnização.
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Notificado para se pronunciar quanto às excepções arguidas na contestação e às intervenções requeridas pelo réu, o autor nada disse.
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Foi proferida decisão que julgou procedente a excepção dilatória arguida pelo réu, determinando a remessa dos autos a este juízo central cível do Porto.
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Foi admitida a intervenção principal provocada da “X..., S.A.”, com sede na rua ..., ..., Lisboa e da “Companhia de Seguros W... , S.A.”, com sede na Avenida ..., ..., Lisboa.
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Citadas, as intervenientes apresentaram articulado próprio.
A interveniente “Y..., S.A.” (na qualidade de sucessora da “Companhia de Seguros W..., SA”), em síntese, começa por invocar a sua ilegitimidade substantiva, afirmando ter assegurado, através de contrato de seguro titulado pela apólice º ..., o risco de danos causados a terceiros por actos e omissões praticados por advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, no exercício da sua profissão, contrato que vigorou entre 01 de Janeiro de 2012 e 01 de Janeiro de 2014, estando sujeito à regra da primeira reclamação à seguradora no período de vigência do contrato, para este efeito considerando-se reclamação qualquer procedimento judicial ou administrativo intentado contra o segurado ou a seguradora, ou qualquer comunicação de facto ou circunstância pela primeira vez conhecida pelo segurado e por este notificada à seguradora.
Afirma que, entre os anos de 2014 e 2017 a responsabilidade civil profissional dos advogados encontrava-se transferida para a Companhia de Seguros X... , SA”, pelo que, defende, tendo a primeira reclamação ao autor, emergente dos factos referidos na presente acção, ocorrido a 20 de Junho de 2016, não é a interveniente responsável pelos danos cujo ressarcimento o autor exige.
Reconhece que o réu contratou igualmente com a interveniente contrato de seguro, titulado pela apólice nº ..., destinado a garantir o risco de danos causados a terceiros no exercício da sua profissão, cuja vigência cessou em 2014, por caducidade.
Defende, pois, que os danos invocados pelo autor não se mostram cobertos por qualquer das apólices.
Se assim se não entender, defende que os referidos danos mostram-se excluídos da garantia dada pelos contratos de seguro titulados pelas apólices nºs ... e ..., uma vez que, tendo os factos em causa tido lugar em 2011 e 2012, nessa data sendo consciencializados pelo aqui réu como potencialmente geradores de responsabilidade civil no âmbito da sua profissão como advogado, o mesmo não respeitou o dever de comunicar a situação à seguradora nos prazos contratualmente fixados, o que, entende, determina a exclusão da cobertura.
Em sede de impugnação, defende que a conduta do aqui réu em nada contribuiu para a produção dos danos invocados pelo autor.
Conclui pedindo a procedência das excepções arguidas, com a absolvição da interveniente da instância ou do pedido, ou assim não se entendendo, pede a improcedência da acção, com a sua consequente absolvição do pedido.
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A interveniente “X..., S.A”, na sua contestação, reconhece a celebração de contrato de seguro destinado a garantir a responsabilidade civil profissional dos advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, até ao limite de €150.000,00 por sinistro, com início a 01 de Janeiro de 2014, por um ano, renovado em 2015, 2016 e 2017.
Afirma, ainda, que o réu contratou com a interveniente apólice de reforço com o nº ..., pela qual eliminou a franquia de €5.000,00 a que estava sujeito o contrato de seguro celebrado com a Ordem dos Advogados.
Invoca, ainda, que no caso verifica-se a situação de concorrência ou pluralidade de seguros, face ao contrato de seguro celebrado pelo aqui réu com a interveniente “Y..., S.A.”, invocando a seu favor a norma consagrada no nº 4 do artigo 133º do regime do contrato de seguro.
Impugna, por desconhecimento, os fundamentos de facto da condenação invocados na petição inicial.
Defende, ainda, que mesmo que se considerem ilícitos os actos e/ou omissões pelo autor imputados ao réu, entende que os referidos danos deverão limitar-se a uma mera oportunidade perdida, vulgarmente denominada de «perda de chance».
Afirma que o autor não alega factos que permitam ao Tribunal avaliar do grau de probabilidade da obtenção da vantagem ou do evitar de uma desvantagem, inviabilizando a possibilidade de contabilizar qualquer indemnização, desde logo porque a anterior entidade patronal do autor, no processo que correu termos pelo tribunal de trabalho, não reconhecia qualquer dos créditos laborais aí invocados pelo autor.
Impugna a verificação dos danos morais invocados pelo autor, bem como a liquidez do crédito nos autos reclamado, e o consequente direito ao recebimento de juros.
Conclui pedindo a improcedência da acção.
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Foi inicialmente dispensada a audiência prévia, fixando-se o valor da acção em €95.622,54.
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Foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade processual invocada pela interveniente “Y..., S.A.”, não tendo sido interposto recurso.
Procedeu-se à enunciação do objecto do litígio e à fixação dos temas da prova.
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Procedeu-se a audiência de julgamento com observância das formalidades prescritas na lei.
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Foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e condenou o réu BB a pagar compensação ao autor AA, a liquidar em decisão ulterior com recurso a juízos de equidade, com o limite de €75.893,04, pela perda de oportunidade de apreciação do fundamento do pedido de pagamento dos créditos salariais reclamados no âmbito da acção nº 1336/13.8TTVNG, perda decorrente na demora na propositura da acção, julgando a acção improcedente na parte restante.
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Não se conformando com a sentença proferida, vieram o réu e as intervenientes interpor recursos de apelação.
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Por acórdão deste Tribunal foi acordado, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil, anular a decisão de facto, determinando a sua ampliação, de modo a permitir ao tribunal recorrido verter na decisão de facto (quer seja nos factos provados, quer nos factos não provados) o facto omitido enunciado no corpo do acórdão, sem prejuízo de serem alterados outros itens da decisão de facto que se mostrem necessários.
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Após reabertura da audiência, foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e condenou o réu BB a pagar compensação ao autor AA, a liquidar em decisão ulterior com recurso a juízos de equidade, com o limite de €75.893,04, pela perda de oportunidade de apreciação do fundamento do pedido de pagamento dos créditos salariais reclamados no âmbito da acção nº 1336/13.8TTVNG, perda decorrente na demora na propositura da acção, julgando a acção improcedente na parte restante.
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Não se conformando com a decisão proferida, o recorrente BB veio interpor recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:
I. Nos artºs. 149º a 154º da contestação, o recorrido alegou o seguinte:
149º
No dia 13 de junho de 2016, o réu recebeu um e-mail do autor, alegadamente assinado pelo mesmo e por um dos seus colegas, no qual instavam o réu a participar ao seguro o sinistro,
150º
tudo conforme melhor se vê do documento adiante junto sob o nº 49, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os devidos e legais efeitos. ( Doc. nº.49 )
151º
Na sequência de tal comunicação, e ao abrigo da apólice nº ... - Ordem dos Advogados e apólice ......, ambas da X ..., o réu, notificou a mesma, por fax e por express mail, da participação do sinistro relativo aos alegados signatários do e-mail supra junto como doc. nº.49, e também de um terceiro trabalhador em idênticas circunstâncias,
152º
tudo como melhor se vê dos documentos adiante juntos sob os nºs.50, 51, e 52, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os devidos e legais efeitos. (Docs. nºs.50, 51 e 52)
153º
Também nesse mesmo dia, 20 de Junho de 2016, ao abrigo das apólices nºs ... – Ordem dos Advogados e apólice adicional nº ..., o réu notificou a Companhia de Seguros W... , SA., por fax e por express mail da participação do sinistro relativo aos alegados signatários do e-mail supra junto como doc. nº.49, e também de um terceiro trabalhador em idênticas circunstâncias,
154º
tudo como melhor se vê dos documentos adiante juntos sob os nºs 53, 54 e 55, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os devidos e legais efeitos. (Docs. nºs 53, 54 e 55)

II. O documento nº ... é o e-mail enviado pelo recorrido AA, sendo os documentos nºs. ... a ... cópia dos documentos enviados para as co-rés seguradoras e dos comprovativos desse mesmo envio, tendo sido inquirida sobre esta matéria a testemunha CC, que prestou depoimento na sessão de julgamento do dia 20 de Junho de 2018 – sessão da tarde, que teve início às 14,30h -, tendo o seu depoimento sido gravado no sistema H@bilus Media Studio ( cfr. acta de 20/06/2018, refª. CITIUS 394140468 depoimento da testemunha CC, de 13m,17s a a 18m ).

III. Do depoimento da testemunha CC resulta claro que o recorrido AA acompanhou todo o processo, foi informado de todos os actos e decisões processuais, pagou todas as inerentes taxas de justiça e nunca manifestou ao recorrente, até ao dia 13 de Junho de 2016, qualquer intenção de que este accionasse o seguro.

IV. Para além disso, sendo certo que até à última decisão do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça as questões jurídicas em aberto não permitiam concluir pela impossibilidade de obtenção de ganho na questão da prescrição, a verdade é que, ainda assim, o recorrido AA, mesmo depois de saber o teor do douto Acórdão do STJ, pretendeu que fosse apresentado um recurso para o TC, o que demonstra bem que nunca houve qualquer elemento concreto que permitisse ao recorrente concluir - até ao dia 13 de Junho de 2016 - que o referido recorrido pretendia ser ressarcido dos danos que nesta acção alega ter sofrido por alegada culpa do recorrente.

V. Mais resulta do depoimento da testemunha CC que a comunicação do recorrido AA ocorreu no dia 13 de Junho de 2016 e que foi na sequência da mesma que a 20 de Junho de 2016 foram efectuadas as participações do sinistro a todas as seguradoras, via fax, e-mail e CTT Expresso.

VI. Pelo exposto, a materialidade constante dos artºs.149º, 151º e 153º deveria ter sido considerada como provada, devendo, por isso, ser aditado um novo ponto com o seguinte teor: Só no dia dia 13 de Junho de 2016 o recorrente teve conhecimento de que o recorrente AA o pretendia accionar, tendo sido na sequência da mesma que a 20 de Junho de 2016 foram efectuadas as participações do sinistro a todas as seguradoras, via fax, e-mail e CTT Expresso

VII. No artº.61º da contestação o recorrente alegou o seguinte:
Tal informação apenas veio a ser entregue pelo autor, e pelos restantes colegas representados pelo réu, em data muito posterior a 23 de Novembro de 2012”, tendo resultado provado na douta sentença que: 21- A informação que constava das agendas utilizadas, pelo autor e pelos seus colegas representados pelo réu, para registar os elementos relativos ao trabalho prestado, foi transmitida ao réu após 15 de Novembro de 2012 [artigos 61º a 63º da contestação].

VIII. Sobre esta matéria depuseram as testemunhas CC, na sessão de julgamento que teve início às 14h,30m do dia 20 de Junho de 2018 - cfr. acta de 20/06/2018, refª. CITIUS 394140468 depoimento da testemunha CC, de 04m,35s a 11m,05s ), DD ( Nota: Colega de escritório do recorrente ) que prestou depoimento na sessão de julgamento que teve início às 14,30h do dia 20 de Junho de 2018, tendo o seu depoimento sido gravado no sistema H@bilus Media Studio ( cfr. acta de 20/06/2018, refª. CITIUS 394140468, depoimento da testemunha DD, de 05m,00s a 17m,30s ) e testemunha EE ( Nota: Colega de trabalho do recorrido AA que foi abrangido pelo mesmo despedimento colectivo e intentou uma acção similar à presente contra o aqui recorrente ), que também se ponunciou sobre esta questão em concreto, na sessão de julgamento que teve início às 09h,30m do dia 20 de Junho de 2018 - cfr. acta de 20/06/2018, refª. CITIUS 394140468, depoimento da testemunha EE, de 18m,35s a 22m,30s ).

IX. A testemunha EE tinha na situação em causa um interesse em tudo similar ao do recorrido, uma vez que tinha sido abrangido pelo mesmo despedimento colectivo o que, desde logo, implicava que os prazos de prescrição fossem os mesmos, sendo, por isso, de igual relevância para ambos a entrega da documentação.

X. Nos depoimentos prestados na audiência de julgamento do dia 26/05/2021, as testemunhas testemunhas CC, ( cfr. acta de 26/05/2021, refª. CITIUS 425251024 - 00m,30s a 03m,25s ), e DD ( cfr. acta de 26/05/2021, refª. CITIUS 25251024 -00m,29s a 04m,30s ), mantiveram os seus depoimentos, enquanto que a testemunha EE ( cfr. acta de 26/05/2021, refª. CITIUS 425251024, 02m,50s a 04m,00s ), depois de ver a acção que intentou contra o aqui recorrente ser julgada totalmente não provada e improcedente - cfr. doc. junto com as alegações de recurso apresentadas em 19-01-2019 (refª. Citius 21186983 ) -, a referida testemunha deu uma versão diferente dos factos, tendo, contudo, procurado refugiar-se na circunstância de tudo aquilo que sabia lhe ter sido transmitido pelo autor, ora recorrido.

XI. A testemunha EE foi peremptória no seu depoimento de 2018, tendo referido, por mais de uma vez, que a documentação foi entregue depois de Novembro de 2012, pelo que, igualmente em conjugação com os depoimentos das testemunhas CC e DD, aquilo que deveria ter resultado provado é que a referida entrega ocorreu depois decorrido o prazo de prescrição, passando o ponto 21 da resposta à matéria de facto a ter o seguinte teor:
21- A informação que constava das agendas utilizadas, pelo autor e pelos seus colegas representados pelo réu, para registar os elementos relativos ao trabalho prestado, foi transmitida ao réu depois de Novembro de 2012 [artigos 61º a 63º da contestação].

XII. Subsidiariamente, no que concretamente concerne ao ponto 21 dos factos provados, uma simples análise ao depoimento do autor aqui recorrido (cfr. acta de 26/05/2021, refª. CITIUS 425251024 -, declarações de parte do autor, de 04m,10s a 07m,45s), permite, desde logo, concluir que o mesmo não foi sequer devidamente valorado pelo Meritíssimo Tribunal a quo, o qual na fundamentação aqui em causa omite de forma incompreensível aquilo que foi efectivamente referido por aquele, sendo que tal omissão tem efeito directo no resultado da presente acção.

XIII. De uma simples leitura resulta claro, desde logo, que o autor foi peremptório a dizer que entregou todos os elementos necessários para a liquidação dos créditos em data anterior a 23 de Novembro de 2012, mas que quanto à data da efectiva entrega admitiu que a mesma poderia ter sido efectuada no máximo no dia 18 de Novembro de 2012, que foi um Domingo, dia em que o escritório do recorrente está fechado e a sua funcionária não trabalha. Logo, tendo sido referido pelo autor que os elementos teriam sido entregues à funcionária do recorrente, tal entrega só poderia, na melhor das hipóteses, ter sido efectuada em 19 de Novembro de 2012 (quatro dias antes de terminar o prazo prescricional).

XIV. Para além disso, o autor foi igualmente peremptório em afirmar que os elementos que entregou foram não só os seus, mas também os da testemunha EE, sendo que a fls. 190 da certidão relativa ao processo que correu termos pelo extinto 2º Juízo Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia, sob o nº.1336/13.6TTVNG-A - cfr. doc. 27 junto com a p.i. -, é possível verificar que o contrato de trabalho do recorrido se iniciou em 06/04/1998, tendo o contrato de trabalho da testemunha EE tido o seu início em 25/03/1996.

XV. Assim sendo, constata-se que relativamente ao recorrido o número total de meses a ter em conta foi de 163 (cento e sessenta e três), enquanto que o número total de meses relativos à testemunha EE foi de 188 (cento e oitenta e oito), o que perfaz um total de 351 (trezentos e cinquenta e um) meses, que teriam de ser analisados, dia a dia, para em face da informação constante das agendas poderem ser preenchidos os quadros referidos nos docs. 20 e 21 junto com a contestação.

XVI. Considerando o volume de informação e o grau de dificuldade do trabalho, se a inserção da informação constante das agendas, relativa a cada mês de trabalho, demorasse, em média, somente 10m, seria possível inserir todos os dados em 70h20m; na prática, tendo em conta que o e-mail do recorrido apenas foi enviado às 19h,47m do dia 15 de Novembro de 2012 - cfr. doc. 20 junto com a contestação -, tal significa que a inserção da informação, de forma contínua e sem qualquer tipo de pausa – para dormir, comer, ir à casa de banho… -, apenas terminaria perto das 22h do dia 18 de Novembro de 2012.

XVII. Uma vez que é claramente impossível trabalhar de forma contínua e ininterrupta durante 70h,20m, sendo essa impossibilidade um facto público e notório que, por isso, não carece sequer de alegação e prova – cfr. artº.412º, nº1, do Cód. Proc. Civil -; as regras da experiência comum permitem concluir que, em situações limite, será possível ter um aproveitamento diário de cerca de 16h de trabalho, pelo que, ainda que hipoteticamente se aceitasse a tese do recorrido, no melhor cenário, a inserção da informação das agendas daquele e da testemunha EE, apenas poderia ter terminado ao final da manhã do dia 20 de Novembro de 2012.

XVIII. Assim sendo, mesmo aceitando a versão do autor como boa, o que não se concede e só por mera hipótese se refere, o ponto 21 dos factos provados deveria ter a seguinte redacção:
21- A informação que constava das agendas utilizadas, pelo autor e pelos seus colegas representados pelo réu, para registar os elementos relativos ao trabalho prestado, foi transmitida ao réu após 20 de Novembro de 2012 [artigos 61º a 63º da contestação].

XIX. Analisando a douta p.i., verifica-se que o recorrente AA não alegou na sua douta p.i. um único facto demonstrativo de que o recorrente não usou dos meios técnico-jurídicos e dos recursos da experiência ao seu alcance e requeridos pelas respectivas regras profissionais estatutárias e deontológicas.

XX. Note-se que, na situação em apreço, a origem da declaração da prescrição pelo tribunal assenta no facto de o recorrente ter elaborado uma Notificação Judicial Avulsa com vista à interrupção do prazo de prescrição dos créditos salariais de que o recorrido se considerava credor, a qual, apesar de ter sido recebida por um Tribunal, que ordenou a sua realização, por achar que a mesma cumpria todos os requisitos legais, foi mais tarde considerada por outro Tribunal como inadequada a interromper a prescrição.

XXI. Na douta p.i. inexiste qualquer referência à Notificação Judicial Avulsa, pese embora o recorrido dela tenha tido logo conhecimento - cfr. ponto 26 dos factos provados -.

XXII. Mais, quer no que tange às razões da necessidade de apresentação da Notificação Judicial Avulsa, quer no que tange à entrega dos elementos necessários à propositura da acção, a douta p.i. é totalmente omissa.

XXIII. Tudo isto, note-se, apesar de o autor saber que no momento da apresentação da Notificação Judicial Avulsa não tinha sequer entregue ao recorrente os elementos necessários para que este pudesse proceder à liquidação dos valores a peticionar na acção que iria ser intentada - cfr. ponto 22 dos factos provados -.

XXIV. Quer no que tange às razões da necessidade de apresentação da Notificação Judicial Avulsa, quer no que tange à entrega dos elementos necessários à propositura da acção, a douta p.i. é totalmente omissa.

XXV. Tendo em atenção a complexidade da acção, nomeadamente a liquidação dos valores, e a sua extensão, mais de 1.500 ( mil e quinhentos) artigos a não entrega dos elementos necessários à apresentação da mesma em tempo útil consubstancia uma violação da obrigação do recorrido AA em entregar ao recorrente os elementos necessários à boa execução do mandato.

XXVI. Analisando toda a prova documental e conjugando a mesma com os factos provados, a única conclusão possível é no sentido de que o recorrente apenas podia recorrer à apresentação de uma Notificação Judicial Avulsa para interromper o prazo de prescrição que terminava a 23 de Novembro de 2012, por causa que não lhe pode ser imputável, uma vez que os elementos para propor a acção não lhe tinham sido sequer entregues no momento em que foi apresentada a referida Notificação e, sem os mesmos, aquele não tinha elementos para contabilizar os valores a peticionar nem identificar a sua origem.

XXVII. O recorrido AA sabia que, para além do seu processo, o recorrente representava outros dois colegas seus, os quais tinham sido abrangidos pelo mesmo despedimento colectivo e estavam sujeitos ao mesmo prazo de prescrição - cfr. pontos 17 e 22 dos factos provados -.

XXVIII. Quando apresentou a Notificação Judicial Avulsa do colega do recorrido AA, FF, que deu entrada em juízo no dia 21 de Junho de 2013 o recorrente já tinha conhecimento efectivo dos items em que se decompunha o pedido indemnizatório, tendo, por isso, complementado aquela com tal informação.

XXIX. No que concerne ao teor da Notificação Judicial Avulsa efectuada em nome do recorrido, a mesma foi sujeita a uma validação por um tribunal que a considerou apta a produzir os efeitos a que se destinava, tendo ordenado a sua realização.

XXX. Sendo a Notificação Judicial Avulsa um meio adequado à interrupção da prescrição - cfr. v.g., o douto Ac. do STJ de 05-11-2013, proc. nº 7624/12.1TBMAI.S1, publicado in www.dgsi.pt - e tendo a mesma sido validada por um tribunal, o facto de outro tribunal ter um entendimento diferente não significa que essa diferença de entendimentos seja suficiente para, sem mais, responsabilizar civilmente o advogado que a elaborou.

XXXI. Considerando que, mesmo a aceitar como verdadeiro o depoimento do recorrido - o que não se concede e só por mera hipótese se refere - este alega ter inserido informação relativa a um número total de 351 (trezentos e cinquenta e um) meses - 163 (cento e sessenta e três ) relativos a ele próprio e 188 (cento e oitenta e oito) relativos à testemunha EE -, e abstraindo da informação relativa à testemunha EE, só no que concerne ao recorrido o recorrente teria que processar informação relativa a 163 (cento e sessenta e três) meses.

XXXII. Partindo do (totalmente irrealista) pressuposto que a realização dos cálculos dos créditos do autor (prémio TIR, cláusula 74ª, Folga, Trabalho aos Sábados, Domingos e Feriados, etc…), incluindo actualizações e juros fossem possíveis de contabilizar à razão de 15m por cada mês, ainda assim o recorrido teria que trabalhar um pouco mais de 16h horas diárias, durante dois dias consecutivos para pode concluir os cálculos.

XXXIII. Logo nunca seria possível ao recorrido dar entrada da acção em juízo, antes do final do dia 22 de Novembro de 2012, data em que era manifestamente claro que a entrada da mesma não teria como efeito a interrupção automática do prazo de prescrição, sendo de todo improvável que a citação ocorresse no dia 23 de Novembro de 2012.

XXXIV. Mais, sabendo o autor que o prazo de prescrição era de um ano, e tendo o mesmo conhecimento de que idêntico prazo era aplicável ao processo da testemunha EE, lícito é concluir que a necessidade de o recorrente ter lançado mão da notificação judicial avulsa para tentar evitar o decurso do prazo de prescrição foi da única e exclusiva responsabilidade do recorrido - em ambas as situações -, na medida em que foi a inércia deste último que impossibilitou o recorrente de dispor em tempo útil da informação necessária para poder elaborar as acções judiciais - cfr. pontos 21, 22 e 23 dos factos provados.

XXXV. Não existiu da sua parte qualquer cumprimento defeituoso do mandato, uma vez que não só o autor sabia que o prazo de prescrição dos créditos era de um ano - cfr. ponto 23 dos factos provados – e tinha o próprio assumido perante o recorrente que ficaria a seu cargo a recolha da informação relevante e sua entrega a este último - cfr. ponto 23 dos factos provados - como também, apesar disso, fez a entrega tardia da documentação ao recorrente - cfr. ponto 21 dos factos provados -.

XXXVI. Quem colocou o recorrente na situação de ter de elaborar uma Notificação Judicial Avulsa para interromper o prazo de prescrição foi o recorrido AA, em flagrante violação do disposto no artº.1167º, alínea a), do Cód. Civil, sendo que, caso não tivesse sido apresentada a referida Notificação, por falta dos elementos essenciais para o exercício do mandato, a responsabilidade do recorrente, que apenas tinha aceite propor a acção estaria totalmente afastada.

XXXVII. Ao não entender assim, violou o Meritíssimo Tribunal a quo o disposto nos artºs.342º, 799º, nº1, com referência aos artºs. 1157.º, 1158.º, nº 1, 1178.º, 258.º e 262.º, e artº.1167º, alínea a), todos do Cód. Civil, o que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos.

XXXVIII. No caso de responsabilidade civil contratual de advogado, com base na alegação de cumprimento defeituoso de mandato, ao lesado não bastará invocar a mera prestação defeituosa, ou falta dela, para que haja lugar a responsabilização do devedor, sendo também necessário alegar, e provar, factos demonstrativos da existência dos danos, e do nexo de causalidade entre os mesmos e a conduta que o lesado considera lesiva.

XXXIX. Para que tal seja possível é necessário realizar o chamado “julgamento dentro do julgamento”, ou seja, é essencial que o lesado alegue toda a factualidade demonstrativa da existência do direito indemnizatório que pretende ver satisfeito, em concreto os factos essenciais em que inicialmente, na “acção perdida”, assentava a sua pretensão jurídica não satisfeita com base no comportamento omissivo do devedor.

XL. A prova dos aludidos factos, numa perspectiva de procedência da acção inicial, será sempre da responsabilidade do lesado – cfr. artº.342º do Cód. Civil -, sendo que, uma vez efectuada a mesma, incumbirá ao devedor a prova de que a existência do dano não resulta de culpa sua - cfr. artº.799º, nº 1, do Cód. Civil -.

XLI. Na situação sub judice, verifica-se, desde logo, que relativamente aos elementos essenciais do direito indemnizatório que pretendia ver reconhecido na presente acção, o recorrente não alegou um único facto do qual pudesse resultar a verificação do dano, a origem do mesmo e o nexo de causalidade entre o dano e a conduta do recorrente, inexistindo na douta p.i. uma só referência factual a créditos salariais concretos, à origem destes, às razões porque, eventualmente, a acção intentada pelo recorrente seria procedente caso não tivesse ocorrido a prescrição, nem tão pouco é feita qualquer referência à Notificação Judicial Avulsa, ou seja, não há sequer invocação de incumprimento das regras de diligência profissional, mesmo depois da invocação da realização da mesma pelo recorrente em sede de contestação.

XLII. Sobre os créditos invocados no processo laboral, nomeadamente a sua origem, natureza e critérios de cálculo, os factos que poderiam alicerçar a existência dos mesmos, as normais legais e/ou contratuais que justificariam a existência daqueles, bem como a individualização dos mesmos, a douta p.i. do recorrido é totalmente omissa.

XLIII. Não há nos autos qualquer elemento fáctico susceptível de alicerçar o pedido indemnizatório, tal como foi configurada a acção pelo autor.

XLIV. A “perda de chance” para poder ser considerada como consubstanciadora de um dano autónomo susceptível de compensação não afasta a necessidade do “julgamento dentro do julgamento”, o que não foi possível fazer na situação sub judice, por virtude de não ter sido alegado um só facto que permitisse a realização daquele, sendo que tal circunstancialismos é expressamente referido na douta sentença aqui em crise.

XLV. Na situação em apreço não se pode sequer falar da existência de um dano autónomo de “perda de chance”, uma vez que para a existência do mesmo seria necessário que o recorrido tivesse alegado, e provado nestes autos, a existência de uma alta probabilidade de ver judicialmente reconhecidos os créditos salariais peticionados no processo que correu termos pelo extinto 2º juízo do tribunal de trabalho de Vila Nova de Gaia sob o nº 1336/13.8TTVNG.

XLVI. Não foi alegada em sede e momento próprio (petição inicial) a chance do recorrido, não tendo resultado a mesma provada em sede decisória, pelo que a prova do dano ficou irremediavelmente comprometida, não podendo, por isso, ser considerada a existência de qualquer dano.

XLVII. Ao não entender assim, violou o Meritíssimo Tribunal a quo o disposto nos artºs.342º, 799º, nº1, com referência aos artºs. 1157.º, 1158.º, nº 1, 1178.º, 258.º e 262.º, e artº.1167º, alínea a), todos do Cód. Civil, o que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos.

XLVIII. Também não foi correcta a relegação para decisão ulterior a quantificação do dano, quando a existência do visado dano não resultou provada nestes autos, não sendo possível ao Tribunal a quo tentar através deste instituto - ultrapassado o momento processual próprio - permitir uma espécie de segunda oportunidade para um convite ao aperfeiçoamento da alegação inicial do recorrido, na qual este não consubstanciou factualmente o seu pedido e causa de pedir, numa flagrante violação do princípio da igualdade de armas e lealdade processual.

XLIX. Sendo certo que o Meritíssimo Tribunal a quo tinha todos os mecanismos legais para o fazer na altura própria - v.g. convite ao aperfeiçoamento, que é um poder-dever do tribunal ( cfr. artº 6º do Cód. Proc. Civil ) -, não o tendo feito, não pode agora tentar emendar a mão e permitir pelo via do recurso ao instituto da liquidação em decisão ulterior uma segunda oportunidade para um convite ao aperfeiçoamento da alegação inicial do recorrido.

L. Não havendo alegação de factos para justificar a existência de qualquer crédito, não pode o tribunal recorrer ao instituto que permite relegar para decisão ulterior a liquidação de um dano que ele próprio reconhece não ter sequer condições factuais para aferir da sua existência.

LI. Se a recorrida não consubstanciou factualmente a sua causa de pedir, não alicerçando, por isso, devidamente o seu pedido, nesta fase do processo as decisões têm que se bastar com aquilo que consta dos autos e nada mais, pelo que a falta de factos, e de prova, dos alegados danos, implica obrigatoriamente a absolvição do pedido, não sendo admissível o recurso à liquidação em decisão ulterior para colmatar as falhas de alegação na acção principal.

LII. Ao não entender assim, violou o Meritíssimo Tribunal a quo o disposto nos artºs. 342º e 566º, nº 3, do Código Civil e 609º, nº2, do Cód. Proc. Civil.

LIII. O recorrente transferiu para as seguradoras chamadas a sua eventual responsabilidade pelo pagamento de indemnizações decorrentes de responsabilidade civil, beneficiando também, para além disso, do seguro profissional contratado pela Ordem dos Advogados, com uma daquelas - cfr. pontos 30, 32, 35 e 36 dos factos provados -.

LIV. Na sequência da celebração de tais contratos, e por virtude de ser segurado no contrato celebrado pela Ordem dos Advogados, o recorrente deduziu nos presentes autos um incidente de intervenção provocada das co-rés seguradoras, tendo o incidente sido aceite pelo Meritíssimo Tribunal a quo, tendo sido admitida a intervenção principal provocada das duas seguradoras chamadas, por decisão já transitada em julgado.

LV. No caso em apreço, com base no argumento de que contra as chamadas não foi deduzido qualquer pedido, o Meritíssimo Tribunal a quo não condenou as mesmas solidariamente com o recorrente.

LVI. Tendo as chamadas sido admitidas a intervir ao lado do recorrente, deveriam ter sido condenadas nos mesmos termos que este, pois o facto de não ter sido deduzido qualquer pedido quanto às chamadas é irrelevante, na medida em que, para além da intervenção das mesmas ter ocorrido depois de proposta a acção, a responsabilidade das chamadas resulta dos contratos de seguro e do enquadramento factual da acção, na medida em que, a condenação do recorrente por factos cobertos pelo seguro automaticamente implica a responsabilização das chamadas pelo pagamento dos montantes peticionados.

LVII. A não ser assim, o próprio recorrido ficaria privado do direito de executar as seguradoras chamadas, por virtude de, na prática, não ter qualquer título executivo quanto às mesmas.

LVIII. Face ao supra exposto, constata-se que a douta sentença é, nesta parte nula, por omissão de pronúncia - cfr. artº.615º, nº1, alínea d), do Cód. Proc. Civil -, nulidade que desde já aqui se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
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Não se conformando com a decisão proferida, “X..., S.A” veio interpor recurso, em cujas alegações conclui da seguinte forma:

I. A Sentença sub judice afecta, de forma directa e efectiva, a, ora, Recorrente, o que, nos termos do disposto no art. 631.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, lhe confere legitimidade para interpor o presente recurso.

II. A Sentença sob crise encontra-se enfermada de nulidade, nos termos do disposto no n.º 1, alíneas c) e d), do art. 615.º do CPC, porquanto omitiu o Tribunal a quo, naquela, decisão de absolver ou condenar a Recorrente, bem como, deixou de se pronunciar quanto à questão da existência de uma concorrência de seguros e quanto à questão da exclusão da aplicabilidade da Apólice n.º ....

III. Da fundamentação da Decisão recorrida, porque o A. não alegou, não resulta a existência de factos que permitam ao Tribunal avaliar do “grau de probabilidade de obtenção da vantagem” ou da “probabilidade real, séria e esperável” de sucesso da pretensão subjacente à ação judicial que alega na p. i., inviabilizando, assim, a possibilidade de determinação de qualquer eventual indemnização.

IV. Motivo pelo qual a acção judicial intentada pelo A. sempre teria de ser julgada improcedente.

V. Da fundamentação de facto da Decisão recorrida não resulta que se encontrem preenchidos os pressupostos essenciais e cumulativos da responsabilidade civil do segurado da Recorrente, nomeadamente a ilicitude e o dano e, por maioria de razão, o nexo de causalidade entre aquela e este, pelo que, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto no art. 483.º do Código Civil.

VI. Através de incidente de liquidação não é possível colmatar a inexistência de alegação e demonstração quanto à existência ou não do direito indemnizatório do Autor.

VII. O incidente de liquidação visa apenas as situações em que, tendo-se já, previamente, apurado os factos e o direito, fica, somente, em falta o apuramento da sua quantificação.

VIII. O Autor deduziu um pedido de condenação no pagamento de quantia certa e determinada e não um pedido genérico, não sendo por esse motivo, também, aplicável ao caso dos autos a possibilidade de recurso a qualquer incidente de liquidação.

IX. Motivo pelo qual se impunha ao Tribunal a quo a absolvição do R. e da Recorrente, por falta de alegação e prova de factos que permitam determinar que sofreu um dano.

X. O Réu Advogado, em sede de declarações de parte (ouvido no dia 20 de Junho de 2018, a partir das 9h30, gravação a partir do minuto 30m26), e as testemunhas EE (inquirido no dia 20 de Junho de 2018, com gravação a partir do minuto 00:58:17) e CC (inquirida no dia 20 de Junho de 2018, com gravação a partir do minuto 00:28:04, e no dia 26 de Maio de 2021, com gravação a partir do minuto 00:09:42) foram consentâneas na confirmação de que a leitura das agendas era impossível, por imperceptível, bem como, por outro lado, na confirmação de que a informação constante das agendas onde eram registados os elementos relativos ao trabalho prestado pelo Autor apenas foi transmitida ao Réu, Dr. BB, em data posterior a 23 de Novembro de 2012, ou seja, em data posterior ao decurso do prazo prescricional.

XI. Assim, face à prova produzida, os factos não provados a) e f) da Sentença devem ser carreados para o elenco dos factos provados, com as demais consequências legais.

XII. Os pressupostos essenciais para determinação da aplicabilidade temporal dos contratos de seguro celebrados com a ora Recorrida e a subsequente subsunção dos factos julgados provados às garantias acordadas através dos mesmos não resultam dos factos provados.

XIII. Do documento n.º ... junto com a contestação do Réu Dr. BB e do documento n.º ... junto com a Contestação da Interveniente Y..., S.A.. resulta que o contrato de seguro titulado pela apólice n.º ... “celebrado entre o aqui réu e a Companhia de Seguros W... , SA” teve o seu início de vigência no dia 10 de Maio de 1999 e termo no dia 10 de Maio de 2014.

XIV. Como tal, deve o ponto 32 da fundamentação de facto da Sentença recorrida ser alterado, passando a ter a seguinte redação: Por contrato de seguro titulado pela apólice ..., celebrado entre o aqui réu e a “Companhia de Seguros W... , SA”, antecessora da interveniente “Y..., S.A.”, vigente de 10 de maio de 1999 e termo no dia 10 de maio de 2014, aquela garantiu o pagamento de eventuais indemnizações decorrentes da responsabilização civil do réu BB, em resultado de erros e /ou omissões cometidas no exercício da sua actividade profissional como advogado, fixando em €199 519,16 o capital seguro, com uma franquia de 10% do valor do sinistro, com o mínimo de €50,00 e máximo de €499,00 [artigo 23º do articulado da interveniente “Y..., S.A.”.

Por fim,
XV. Do contrato de seguro celebrado com a Companhia de Seguros W... , SA, antecessora da interveniente Y..., S.A., titulado pela apólice n.º ... não resulta a existência de qualquer cláusula “claim made”, sendo aplicável aos sinistros ocorridos na vigência do contrato de seguro em causa, como ocorre no caso dos autos.
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Não se conformando com a decisão proferida, a recorrente “G..., S.A.” veio interpor recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:
I. In casu, apesar da manifesta inexistência de responsabilidade da ora Recorrente com base nas apólices outorgadas, a decisão condenatória do R. Segurado abre caminho para o exercício de um eventual direito de regresso a exercer pelo R. segurado e ora condenado contra as intervenientes Seguradoras com base na sentença proferida, pelo que estas têm assim legitimidade para recorrer da mesma, ex vi dos arts. 631º e segs. do CPC dado o manifesto prejuízo processual que pode resultar para o seu património – cfr. texto nºs 1 a 3;

II. Conforme resulta dos autos, por um lado, dos articulados apresentados pelas partes e, por outro, da matéria de facto dada como provada e do teor da própria sentença ora recorrida é absolutamente cristalino que o A. não alegou ou sequer provou minimamente qualquer dano, maxime, consubstanciado na existência dos seus alegados créditos e direitos pretensamente existentes e respetiva probabilidade séria de procedência da ação que foi julgada prescrita - cfr. texto nºs 4 a 6;

III. O A. não alegou, demonstrou ou provou nos autos a existência de qualquer Dano e respetivo quantum, maxime, consistente na concreta e determinada “supressão ou diminuição duma situação jurídica favorável que estava protegida pelo Direito” (v. Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1980, Vol. II, AAFDL, p.p. 283), consubstanciado em perda de oportunidade ou de “chance” que fundamente a pretensão indemnizatória peticionada, sendo que não ficou minimamente provado os alegados direitos de crédito do A. perante a sua entidade patronal ou sequer foi alegada a “existência de um (elevado) índice de probabilidade de sucesso na acção e se esssa vantagem perdida, por decorrência d(o) evento lesivo, se apresenta com consistente e séria, podendo então ser qualificada como um dano autónomo” ou sequer “uma probabilidade séria e real” de procedência da ação que foi declarada prescrita (v. Ac. RL de 2020.05.26, Proc. 1/12.6TBTVD.L1-1, www.dgsi.pt; cfr. arts. 483º e segs. e 798º e segs. do C. Civil; cfr. art. 342º do C. Civil) - cfr. texto nºs 4 a 6;

IV. O A. não invocou ou demonstrou - como lhe competia (v. art. 342º do C. Civil) -, nem se verificam in casu os pressupostos de que dependeria a responsabilidade do R. Segurado BB pelos pretensos danos e prejuízos invocados que nem sequer foram provados quanto à sua existência e respetivo quantum ou sequer probabilidade de os mesmos serem dados como provados, inexistindo qualquer nexo de causalidade entre os atos e omissões do R. que inviabilizaram a apreciação dos direitos do A. (arts. 9º, 342º, 496º, 483º e segs., 562º a 566º, 798º e segs., do C. Civil) - cfr. texto nºs 4 a 6;

V. A douta sentença recorrida enferma de manifestos erros de julgamento, tendo violado frontalmente o disposto nos arts. 9º, 342º, 496º, 483º e segs., 562º a 566º, 798º e segs., do C. Civil e arts. 1º e 137º e segs, da LCS - cfr. texto nºs 4 a 6;

VI. In casu, a eventual indemnização a atribuir corresponde ao “dano de perda de chance (e) reporta-se ao valor da oportunidade perdida e não ao benefício esperado”, pelo que deve “o seu quantum inferior ao dano final, a determinar de acordo com a equidade e em função do grau de seriedade (probabilidade de êxito) da chance perdida.” (v. Ac. RL de 2020.05.26, Proc. 1/12.6TBTVD.L1-1, www.dgsi.pt.) - cfr. texto nºs 7 a 9;

VII. No caso sub judice, a eventual indemnização a atribuir pelo Tribunal “a quo” pelo prejuízo que eventualmente resultaria da apresentação extemporânea da ação pelo R. BB, caso se verifique que “consubstancia a figura da perda de chance”, teria necessariamente de ser determinada de acordo com juízos de equidade e não podia ser relegada para liquidação ulterior (v. arts. 562º e 566º do C. Civil; cfr. arts. 378º e segs. e 661º/2 do CPC; cfr. Ac. STJ de 2010.09.28, Proc. 171/2002.S1, Ac. RL de 2020.05.26, Proc. 1/12.6TBTVD.L1-1 e Ac. RL de 2010.03.04, Proc. 1.410/2004.0TVLSB.L1-8, todos in www.dgsi.pt) - cfr. texto nºs 7 a 9;

VIII. A douta sentença recorrida enferma de manifestos erros de julgamento na parte em que concluiu que a medida da indemnização corresponde à medida da indemnização do valor dos alegados direitos de crédito do A., a liquidar em execução de sentença.
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Foram apresentadas contra alegações.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
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2. Factos
2.1 Factos Provados
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1. O autor é motorista profissional e, no exercício dessas funções, trabalhou sob a autoridade, direcção e fiscalização da sociedade “N..., Ldª”, com sede no centro empresarial de ..., zona industrial dos ..., rua ..., ..., ..., Vila Nova de Gaia.
2. O contrato de trabalho que existia entre o autor e a sociedade “N..., Ldª”, cessou por despedimento colectivo, no dia 22 de Novembro de 2011.
3. O autor, para se fazer acompanhar por advogado no processo de despedimento colectivo que lhe moveu a sua entidade patronal, instaurado a 08 de Agosto de 2011, previamente contactou o réu, advogado, que aceitou o patrocínio.
4. Posteriormente ao despedimento referido em 2-, o réu manteve o patrocínio judiciário do autor, concretamente no âmbito de processo judicial destinado ao pagamento de créditos laborais que o autor considerava em dívida da parte da sua anterior entidade patronal, que correu termos pelo extinto 2º juízo do tribunal de trabalho de Vila Nova de Gaia sob o nº 1336/13.8TTVNG.
5. A 14 de Novembro de 2013 o réu instaurou a acção referida em 4- contra a sociedade “N..., Ldª”.
6. Na acção referida em 4- foi pedido
a. o pagamento da quantia de € 87 489,45 a título de diferenças salariais relativas aos anos de 1998 a 2011, acrescida dos respectivos juros de mora legais, desde a citação e até efectivo e integral pagamento;
b. a declaração de nulidade do nº 8 da cláusula 74ª do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a A... e a F... e outros; e
c. a condenação da sociedade “N..., Ldª”, a quantia, a liquidar em decisão ulterior, relativa a todo o trabalho extraordinário efectuado no período compreendido entre Maio de 2011 e Julho de 2011.
7. A acção referida em 4- foi contestada, tendo a sociedade “N..., Ldª”, além do mais, arguido a excepção peremptória de prescrição dos créditos laborais invocados.
contestação apresentada na acção nº 1336/13.8TTVNG, não se limitou a arguir a excepção da prescrição, tendo, ademais, de forma exaustiva, impugnado, especificadamente, cada um dos vários créditos reclamados.»
8. … Excepção que em 1ª instância foi julgada procedente por decisão proferida a 19 de Março de 2014, com a consequente absolvição da sociedade “N..., Ldª”, do pedido.
9. O aqui réu, em nome do aqui autor, interpôs recurso da decisão referida em 8- para o Tribunal da relação, que a manteve.
10. O aqui réu, em nome do aqui autor, interpôs recurso de revista excepcional para o STJ, que a não admitiu.
11. O aqui réu, em nome do aqui autor, ainda interpôs recurso de constitucionalidade para o Tribunal Constitucional, que não foi admitido.
12. Entre autor e réu, pelo menos até à decisão referida em 8-, sempre existiu relação de confiança.
13. Na sequência do referido em 3-, o aqui réu acompanhou todas as negociações relacionadas com o despedimento colectivo, tendo estado presente em todas as reuniões com a entidade patronal, a DGERT e os representantes indicados pelos trabalhadores.
14. … Reuniões em que foram referidas pretensões salariais dos trabalhadores, nomeadamente em matéria de créditos vencidos e não pagos, ainda não devidamente contabilizados.
15. Por forma a contabilizar o valor dos créditos em divida ao aqui autor da parte da “N..., Ldª”, era necessário obter e conjugar diversos elementos - designadamente, os concretos dias da efectiva prestação de trabalho e o número de horas de trabalho em cada dia prestado; o local da prestação do trabalho; os recibos emitidos pela entidade patronal relativos ao trabalho pago; os períodos de formação profissional em falta.
16. Já no decurso de 2012 o aqui autor levou ao aqui réu os elementos que dispunha para contabilização dos créditos em dívida pela sua entidade patrona.
17. O aqui réu, por intermédio do autor, representava outros trabalhadores colegas deste que se encontravam na mesma situação.
18. Tendo em conta o referido em 15-, autor e réu combinaram que o primeiro procederia à recolha e preparação da informação relevante e a entregaria ao aqui réu, para que este efectuasse o cálculo dos valores em dívida.
19. A 13 de Novembro de 2012 o aqui autor enviou ao aqui réu proposta de esquema para registo da informação relevante com vista ao cálculo dos créditos salariais em dívida.
20. O aqui réu deu a sua concordância ao esquema referido em 19-, na sequência do que o aqui autor, a 15 de Novembro de 2012, remeteu ao réu o esquema completo, embora sem incluir a informação que constava das agendas.
21. A informação que constava das agendas utilizadas, pelo autor e pelos seus colegas representados pelo réu, para registar os elementos relativos ao trabalho prestado, foi transmitida ao réu após 15 de Novembro de 2012.
22. Sem a informação referida em 21- não era possível proceder à liquidação dos valores a peticionar na acção a intentar em nome do autor contra a anterior entidade patronal deste.
23. O autor sabia ser de um ano, contado do dia seguinte àquele em que ocorreu a cessação do contrato de trabalho, o prazo legalmente previsto para a cobrança judicial de créditos emergentes de contrato de trabalho.
24. Com vista a obstar ao decurso do prazo de prescrição dos créditos laborais que o autor considerava em dívida da parte da sua anterior entidade patronal, o aqui réu requereu a notificação judicial avulsa da anterior entidade patronal do autor, designadamente pretendendo, no que para os autos releva, que fosse dado conhecimento que «(…) o requerente se considera credor de todos os créditos laborais vencidos até 22 de Novembro de 2011 e que não foram pagos no momento da cessação do contrato de trabalho, que atingem várias dezenas de milhares de euros, mas cujo apuramento ainda não se encontra concluído na integra. Mais requer seja dado conhecimento à requerida que o requerente pretende recorrer à via judicial para cobrança dos aludidos créditos laborais.
25. A notificação judicial avulsa referida em 24- deu entrada em juízo a 16 de Novembro de 2012, sendo cumprida a 19 de Novembro de 2012.
26. O aqui autor teve conhecimento do referido em 5- a 11- e 24- à medida do desenrolar do procedimento.
27. Relativamente a um outro processo relativo a um motorista com funções idênticas à do aqui autor (de nome FF), igualmente representado pelo aqui réu, este lançou mão de notificação judicial avulsa de conteúdo idêntico ao referido em 24-, e intentou acção para cobrança de créditos salariais já decorrido 1 ano desde a cessação do contrato de trabalho, a que foi ... 480/14.7T4AVR, tendo, na sequência da alegação do decurso do prazo prescricional, sido relegado para final o conhecimento da excepção de prescrição.
28. … O que sucedeu por o aqui réu, em representação do referido FF, ter alegado que, assim que foi alertado pela entidade patronal da extinção do seu posto de trabalho, logo manifestou a intenção de receber créditos salariais a que entendia ter direito, «(…) relacionados com a cláusula 74, trabalho aos Sábados, Domingos, Feriados e Folgas, e também com o incorrecto pagamento do prémio TIR».
29. O processo referido em 27-, em que o aqui réu, em nome do trabalhador FF, pediu a condenação da entidade patronal, na parte já líquida, no pagamento de €97.307,60, terminou por acordo pelo qual o trabalhador aceitou receber a quantia global de €24.000,00.
30. Por contrato de seguro titulado pela apólice ..., celebrado entre a Ordem dos Advogados e a “Companhia de Seguros W... , SA”, antecessora da interveniente “Y..., S.A.”, vigente entre 01 de Janeiro de 2012 e 01 de Janeiro de 2014, aquela garantiu o pagamento de eventuais indemnizações decorrentes da responsabilização civil dos advogados inscritos na Ordem dos Advogados, em resultado de erros e/ou omissões cometidas no exercício da sua actividade profissional, fixando em €150.000,00 o limite indemnizatório máximo, com uma franquia de €5.000,00.
31. Pelo ponto 7 das condições particulares da apólice referida em ...-, a seguradora seria responsável pelos sinistros pela primeira vez reclamados contra o segurado ou o tomador de seguro desde que participados após o início da vigência do seguro.
32. Por contrato de seguro titulado pela apólice ..., celebrado entre o aqui réu e a “Companhia de Seguros W... , SA”, antecessora da interveniente “Y..., S.A.”, vigente até 2014, aquela garantiu o pagamento de eventuais indemnizações decorrentes da responsabilização civil do réu BB, em resultado de erros e /ou omissões cometidas no exercício da sua actividade profissional como advogado, fixando em €199 519,16 o capital seguro, com uma franquia de 10% do valor do sinistro, com o mínimo de €50,00 e máximo de €499,00.
33. Pela cláusula 13º das condições gerais da apólice referida em ...-, o tomador do seguro obrigou-se a participar o sinistro à seguradora com a maior brevidade possível, mas nunca num prazo superior a 8 dias a contar da data da ocorrência do sinistro ou do seu conhecimento pelo tomador do seguro.
34. O aqui réu apenas a 20 de Junho de 2016 comunicou à interveniente “Y..., S.A.”, a pretensão do aqui autor a receber do primeiro indemnização por incumprimento contratual no exercício da sua actividade profissional.
35. Por contrato de seguro titulado pela apólice ..., celebrado entre a Ordem dos Advogados e a “X..., S.A”, vigente entre 01 de Janeiro de 2014 e 01 de Janeiro de 2018, aquela garantiu o pagamento de eventuais indemnizações decorrentes da responsabilização civil dos advogados inscritos na Ordem dos Advogados, em resultado de erros e/ou omissões cometidas no exercício da sua actividade profissional, fixando em €150.000,00 o limite indemnizatório máximo, com uma franquia de €5.000,00.
36. O aqui réu contratou com a “X..., S.A”, apólice de reforço com o nº ..., pela qual assegurou a eliminação da franquia referida em 35.
37. Pelo ponto 7 das condições particulares da apólice referida em ...-, a seguradora seria responsável pelos sinistros pela primeira vez reclamados contra o segurado ou o tomador de seguro desde que participados após o início da vigência do seguro.
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2.2. Factos Não Provados
O Tribunal a quo não considerou provado que:
a. a leitura das agendas que, no momento referido em 16-, o aqui autor levou ao aqui réu, fosse impossível a este por apenas o próprio autor perceber o significado dos caracteres aí apostos.
b. o aqui autor tenha manifestado ao aqui réu vontade em que a acção destinada a obter a cobrança dos seus créditos salariais fosse proposta no mesmo dia de idênticas acções a propor em nome de seus anteriores colegas de trabalho, igualmente representados pelo aqui réu.
c. na audiência de partes que teve lugar no âmbito do processo referido em 4- a anterior entidade patronal do autor tenha apresentado proposta de pagamento de 10% do valor pedido na petição inicial; e que o aqui autor tenha recusado tal proposta.
d. o pagamento referido em 28- tenha sido o mais elevado feito pela entidade patronal do aqui autor na sequência do despedimento colectivo que efectuou; e que o aqui autor tenha tido conhecimento do referido em 27- e 28.
e. o réu BB tenha em 2011 e 2012, ou antes de 13 de Junho de 2016, tomado consciência dos factos referidos em 4- a 11-, 13- e 24- como potencialmente geradores da sua responsabilidade civil.
f. a informação que constava das agendas utilizadas, pelo autor e pelos seus colegas representados pelo réu, para registar os elementos relativos ao trabalho prestado, tenha sido transmitida ao réu em data muito posterior a 23 de Novembro de 2012; e que o «dossier» relativo ao autor, contendo tal informação, tenha sido entregue ao autor em data posterior a Dezembro de 2012.
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2.3 Convicção do Tribunal
O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção nos seguintes termos:
“A inclusão dos pontos 1- a 15-, 24- e 25- na matéria de facto provada fundou-se nas declarações de parte em audiência de julgamento prestadas por autor e réu, que confirmaram tal matéria, em conjugação com a simples análise do processado no âmbito da acção que correu termos pelo extinto 2º juízo do tribunal de trabalho de Vila Nova de Gaia sob o nº 1336/13.8TTVNG, cuja apensação foi determinada aos presentes autos, com a análise dos documentos que constam de fls 405 a 414 e 776, verso, a 780, e com o depoimento das testemunhas GG, EE e HH (colegas de trabalho do aqui autor, abrangidos pelo mesmo processo de despedimento colectivo, que em audiência de julgamento confirmaram terem contratado os serviços jurídicos do aqui réu por indicação do aqui autor, sendo este quem tinha contacto privilegiado com o aqui réu, mesmo quanto às matérias de interesse das referidas testemunhas).
A inclusão dos pontos 19- a 21- na matéria de facto provada fundou-se na análise dos documentos que constam de fls 109 a 111, 117 a 289 e 291 a 404, em conjugação com as declarações de parte em audiência de julgamento prestadas pelo autor e pelo réu, que confirmaram o teor destes documentos e as circunstâncias em que foram elaborados.
A inclusão do ponto 22- na matéria de facto provada constitui evidência que se retira da simples análise da pretensão formulada no âmbito da acção nº 1336/13.8TTVNG.
A testemunha GG reconheceu que todos sabiam ser de um ano o prazo legal para exigir o pagamento de créditos salariais.
E, salvo sempre melhor opinião, pela sua importância prática, considera-se tratar-se de regra conhecida virtualmente de todos os trabalhadores - o que fundou a inclusão do ponto 23- na matéria de facto provada.
A inclusão do ponto 26- na matéria de facto provada fundou-se na análise dos documentos juntos a fls 827 a 842, em conjugação com as declarações de parte do réu, que de forma credível o afirmou, considerando-se razoável ser este o procedimento (leia-se, periodicamente transmitir aos seus constituintes informação quanto ao estado de processos judiciais) habitualmente seguido pelo normal advogado no exercício da sua actividade.
Quanto aos pontos 27- a 29- da matéria de facto provada, considerou-se o teor dos documentos que constam de fls 843 a 861, em conjugação com o depoimento prestado pela testemunha FF.
A inclusão dos pontos 30- a 37- na matéria de facto provada fundou-se na simples análise dos documentos que constam de fls 83 a 106, 993 a 1026, 1027 a 1047, 1048 a 1060, 1062 a 1077 e 1100 a 1120.
A inclusão do ponto a- na matéria de facto não provada fundou-se na simples análise do teor das agendas juntas aos autos - os registos nelas feitos mostram-se perfeitamente inteligíveis e legíveis quanto ao que para aqui releva (dias de trabalho prestado; locais de partida e destino do autor; etc., etc).
A inclusão dos pontos a- a d- na matéria de facto não provada fundou-se na aplicação das regras do ónus da prova, face à inexistência de meios de prova minimamente credíveis sobre a matéria produzidos em audiência de julgamento.
O aqui réu aparentemente, face ao teor das declarações de parte que prestou em audiência de julgamento, ainda hoje está convencido que actuou de forma totalmente diligente ao lançar mão da notificação judicial avulsa nos termos em que o fez.
E, seguramente, ao interpor recurso das decisões judiciais que sobre a matéria sucessivamente foram sendo tomadas, entendia ter o Direito do seu lado.
Logo, simplesmente não se vislumbra em que se fundamenta a interveniente para afirmar, como o faz, que já desde 2012 o aqui réu tinha consciência da responsabilidade civil em que havia incorrido.
Considera-se perfeitamente plausível, pelo contrário, que o aqui reu apenas disso se tenha apercebido quando é para tal confrontado pelos seus antigos clientes – o que fundou a inclusão do ponto e- na matéria de facto não provada.
Inexiste no processo qualquer documento do qual se possa retirar mínima referência quanto à concreta data em que a exacta informação recolhida das agendas pertença do autor e dos seus colegas foi transmitida ao réu BB – isto, é claro, no que excede a circunstância de ter sido transmitida após 13 de Novembro de 2012 [ponto 21- da matéria de facto provada, matéria fundada, como se disse, na análise da documentação junta aos autos (designadamente de fls 109), de onde resulta que a 13 de Novembro de 2012, por comunicação electrónica, o aqui autor solicitou ao réu que confirmasse se o esquema então proposto (sem incluir qualquer informação) correspondia ao pretendido – o que, naturalmente, de acordo com o que se considera a absoluta normalidade do acontecer, permite concluir que a exacta informação a retirar das agendas do autor e seus colegas nessa data não havia ainda sido transmitida].
As testemunhas EE e HH (na altura colegas de trabalho do autor, que se encontravam na mesma situação de conflito com a entidade patronal de todos) em julgamento verdadeiramente limitaram-se a repetir o que afirmaram recordar-se de o aqui autor lhes ter transmitido a propósito da comunicação ao aqui réu dos elementos a retirar das agendas (e que, em súmula, se reconduz ao facto de a informação em causa ter sido transmitida ao aqui réu em meados de Novembro de 2012).
As testemunhas DD (advogado, em 2012 colega de escritório do réu) e CC (funcionária do escritório onde o réu em 2012 exercia a sua actividade como advogado) relataram o que afirmaram recordar-se sobre a matéria [o primeiro quanto a ter conversado com o réu quanto ao procedimento a adoptar, poucos dias antes de completado o prazo prescricional, com vista suprir a falta da concreta informação necessária à quantificação dos valores devidos pela então entidade patronal do autor; a segunda declarando ter recebido a informação em falta em Dezembro de 2012].
O autor, nas declarações de parte que prestou, manteve que entregou a informação em falta antes de 23 de Novembro de 2012; o réu BB, declarou exactamente o oposto.
Ora, a verdade é que, não se vislumbrando fundamento para conferir especial credibilidade ao declarado por qualquer das partes, as testemunhas EE e HH claramente não possuem conhecimento directo sobre a matéria.
E tendo presente que a questão da exacta data da transmissão da concreta informação contida nas agendas, com a roupagem formal de que os documentos que constam de fls 110 e ss dão nota, na realidade apenas ganha relevo, na relação entre autor e réu, após a decisão proferida no âmbito do processo nº 1336/13.8TTVNG [porque aparentemente o aqui réu estaria convicto da aptidão da notificação judicial avulsa que promoveu para interromper o decurso do prazo de prescrição, e por isso manifestamente inexistiu mínima preocupação em documentar o momento da entrega], não se vê como ultrapassar a dúvida quanto à influência da evolução posterior dos acontecimentos na memorização aparentemente feita e transmitida em julgamento pelas testemunhas DD e CC [aliás, como bem apontou o réu BB nas suas alegações orais, ainda que, na melhor das hipóteses (na perspectiva do autor, obviamente), a informação em falta tenha sido transmitida a 13 de Novembro de 2012, sempre haveria que proceder ao seu tratamento e enquadramento, para o que o número de dias que então faltaria para o completar do prazo prescricional se revelaria manifestamente curto, pelo que é razoavelmente de esperar que o aqui réu se tenha preocupado com uma via alternativa à interrupção do prazo prescricional mesmo tendo recebido os elementos em falta antes de 23 de Novembro].
Tudo ponderado, entendeu-se não ser possível ultrapassar a dúvida insanável na matéria, o que fundou a inclusão do ponto f- na matéria de facto não provada.”.
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3. Delimitação do objecto dos recursos; questões a apreciar:
Das conclusões formuladas, as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que as questões a resolver no âmbito dos recursos prendem-se com saber:

- Do recurso interposto por BB:
- Da impugnação da matéria de facto;
- Do alegado cumprimento defeituoso do contrato de mandato;
- Da perda de chance;
- Da admissibilidade de condenação em pedido ilíquido.
- Da omissão de pronúncia quanto à ausência de condenação das rés seguradoras.

- Do recurso interposto por “X..., S.A”:
- Da impugnação da matéria de facto;
- Da perda de chance;
- Da admissibilidade de condenação em pedido ilíquido;
- Da omissão de pronúncia;
- Da concorrência de seguros.

- Do recurso interposto por “G..., S.A.”:
- Da perda de chance.
- Da admissibilidade de condenação em pedido ilíquido.

4. Conhecendo do mérito dos recursos

4.1 Da impugnação da Matéria de facto - recurso interposto por BB e por X..., S.A

O apelante BB, em sede de alegações, manifesta-se discordante da decisão que apreciou a matéria de facto.
Pugna, desde logo, que a matéria fáctica constante dos artigos 149.º, 151.º e 153.º da contestação seja dada como provada com a seguinte redacção:
“Só no dia 13 de Junho de 2016 o recorrente teve conhecimento de que o recorrente AA o pretendia accionar, tendo sido na sequência da mesma que a 20 de Junho de 2016 foram efectuadas as participações do sinistro a todas as seguradoras, via fax, e-mail e CTT Expresso.”.
Pretende, ainda, a alteração da resposta dada ao ponto 21 dos factos provados que, segundo o seu entendimento, deve passar a ter a seguinte redacção:
“21-A informação que constava das agendas utilizadas, pelo autor e pelos seus colegas representados pelo réu, para registar os elementos relativos ao trabalho prestado, foi transmitida ao réu depois de Novembro de 2012”.
Subsidiáriamente, pugna, que a aceitar-se como boa a versão do autor, deve o referido ponto passar a ter a seguinte redacção:
“21- A informação que constava das agendas utilizadas, pelo autor e pelos seus colegas representados pelo réu, para registar os elementos relativos ao trabalho prestado, foi transmitida ao réu após 22 de Novembro de 2012”.
Por sua vez, a apelante X..., S.A, em sede de alegações, manifesta-se, igualmente, discordante da decisão que apreciou a matéria de facto.
Defende que os factos não provados sob as alíneas a) e f) devem ser considerados provados e que o ponto 32 dos factos provados deverá passar a ter a seguinte redacção:
“Por contrato de seguro titulado pela apólice ..., celebrado entre o aqui réu e a “Companhia de Seguros W... , SA”, antecessora da interveniente “Y..., S.A.”, vigente de 10 de maio de 1999 e termo no dia 10 de maio de 2014, aquela garantiu o pagamento de eventuais indemnizações decorrentes da responsabilização civil do réu BB, em resultado de erros e /ou omissões cometidas no exercício da sua actividade profissional como advogado, fixando em €199.519,16 o capital seguro, com uma franquia de 10% do valor do sinistro, com o mínimo de €50,00 e máximo de €499,00”.
Vejamos, então.
No caso vertente, mostram-se cumpridos os requisitos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, nada obstando a que se conheça da mesma.
Entende-se actualmente, de uma forma que se vinha já generalizando nos tribunais superiores, hoje largamente acolhida no artigo 662.º do Código de Processo Civil, que no seu julgamento, a Relação, enquanto tribunal de instância, usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (artigo 655.º do anterior Código de Processo Civil e artigo 607.º, n.º 5, do actual Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efectivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efectiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece.
Como refere A. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 224 e 225, “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”.
Importa, pois, por regra, reexaminar as provas indicadas pelos recorrentes e, se necessário, outras provas, maxime as referenciadas na fundamentação da decisão em matéria de facto e que, deste modo, serviram para formar a convicção do Julgador, em ordem a manter ou a alterar a referida materialidade, exercendo-se um controlo efectivo dessa decisão e evitando, na medida do possível, a anulação do julgamento, antes corrigindo, por substituição, a decisão em matéria de facto.
Reportando-nos ao caso vertente, vejamos se, na parte colocada em crise, a análise crítica da prova corresponde à realidade dos factos ou se a matéria em questão merece, e em que medida, a alteração pretendida pelos apelantes.
Entende o apelante BB que, face à prova carreada aos autos, a matéria de facto deveria ter sido respondida nos termos atrás referidos nas suas alegações de recurso.
A este respeito e com relevo para a decisão tomada, foram dados como provados, entre outros, os seguintes factos:
“20- O aqui réu deu a sua concordância ao esquema referido em 19-, na sequência do que o aqui autor, a 15 de Novembro de 2012, remeteu ao réu o esquema completo, embora sem incluir a informação que constava das agendas.”
“21- A informação que constava das agendas utilizadas, pelo autor e pelos seus colegas representados pelo réu, para registar os elementos relativos ao trabalho prestado, foi transmitida ao réu após 15 de Novembro de 2012.”.
E como não provados, entre outros, o seguinte facto:
“f- a informação que constava das agendas utilizadas, pelo autor e pelos seus colegas representados pelo réu, para registar os elementos relativos ao trabalho prestado, tenha sido transmitida ao réu em data muito posterior a 23 de Novembro de 2012; e que o «dossier» relativo ao autor, contendo tal informação, tenha sido entregue ao autor em data posterior a Dezembro de 2012.”
Referindo-se a estes pugna o apelante que, conjugados e analisados os depoimentos, prestados em audiência de julgamento, impunha-se outro entendimento, designadamente, a inclusão de um ponto dando como provado que os elementos referidos, designadamente, a informação que constava das agendas foi transmitida e entregue ao Apelante antes de 22.11.2012.
Adiantamos, desde já, que se nos afigura que não lhe assiste razão.
Com efeito, resulta do depoimento da testemunha EE, conjugado com o depoimento da funcionária do Apelante, CC que os elementos necessários à instrução da acção foram entregues no escritório do réu após o despedimento colectivo.
Ademais, as testemunhas EE e HH asseveraram que a informação constante das agendas foi transmitida ao Recorrente em meados de Novembro de 2012, mas antes da data prescricional, ou seja, 23.11.2012, em sintonia com as declarações prestadas pelo Recorrido, AA.
Na realidade, o Recorrido, nas declarações de parte que prestou, manteve que entregou a informação supra referida antes de 23 de Novembro de 2012.
Assim, resulta da prova produzida que o Apelante teve na sua posse, entre 22.11.2011 - data do despedimento colectivo - e 23.11.2012 - data da prescrição dos créditos laborais -, os elementos necessários para instruir a acção pretendida pelo Apelado, antes do decurso do prazo de prescrição desta.
Afigura-se-nos, por isso, que o Tribunal a quo fez, nestes pontos e nos demais colocados em crise pelo réu/apelante, uma avaliação cuidadosa da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, bem como dos documentos que constam dos autos, pelo que também não nos merece reparo a decisão relativa aos demais pontos de facto impugnados pelo apelante/réu.
Na realidade, as observações feitas aos depoimentos prestados e à prova documental oferecida são pertinentes e em sintonia com as regras da lógica e da experiência comum.
Não esqueçamos, ainda, que a formação da convicção do juiz não pode resultar de partículas probatórias, mas tem necessariamente de provir da análise global do conjunto de toda a prova produzida, sendo certo que o Sr. Juiz a quo conjugou bem a avaliação global da prova produzida com recurso a deduções, regras da experiência e juízos de bom senso e racionalidade.
Afigura-se-nos, por isso, não existirem motivos que justifiquem a alteração, devendo manter-se as respostas dadas aos referidos pontos da matéria de facto provada.
O mesmo se diga quanto aos pontos impugnados por X..., S.A, excepto quanto ao ponto 32 que, em sintonia com a prova documental, merece uma rectificação.
Com efeito, sob o ponto 32, o Tribunal a quo deu como provado que:
“Por contrato de seguro titulado pela apólice ..., celebrado entre o aqui réu e a “Companhia de Seguros W... , SA”, antecessora da interveniente “Y..., S.A.”, vigente até 2014, aquela garantiu o pagamento de eventuais indemnizações decorrentes da responsabilização civil do réu BB, em resultado de erros e /ou omissões cometidas no exercício da sua actividade profissional como advogado, fixando em €199.519,16 o capital seguro, com uma franquia de 10% do valor do sinistro, com o mínimo de €50,00 e máximo de €499,00”.
Ora, do documento n.º ..., junto com a contestação do Réu Dr. BB e do documento n.º ..., junto com a contestação da Interveniente Y..., S.A., resulta que o contrato de seguro titulado pela apólice n.º ... “celebrado entre o aqui réu e a Companhia de Seguros W... , S.A.” teve o seu início de vigência no dia 10 de maio de 1999 e termo no dia 10 de maio de 2014.
Assim, deverá o referido o ponto 32 ser alterado, passando a ter a seguinte redacção:
“Por contrato de seguro titulado pela apólice ..., celebrado entre o aqui réu e a “Companhia de Seguros W... , SA”, antecessora da interveniente “Y..., S.A.”, vigente de 10 de maio de 1999 e termo no dia 10 de maio de 2014, aquela garantiu o pagamento de eventuais indemnizações decorrentes da responsabilização civil do réu BB, em resultado de erros e /ou omissões cometidas no exercício da sua actividade profissional como advogado, fixando em €199 519,16 o capital seguro, com uma franquia de 10% do valor do sinistro, com o mínimo de €50,00 e máximo de €499,00 [artigo 23º do articulado da interveniente “Y..., S.A.”.
Em face do que vem de ser exposto, julga-se improcedente a impugnação da matéria de facto apresentada pelo réu e parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto apresentado por X..., S.A relativamente ao ponto 32.
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A matéria de facto que em definitivo é julgada como provada é a atrás enunciada, excepto quanto ao ponto 32 que passará a ter a seguinte redacção:
“Por contrato de seguro titulado pela apólice ..., celebrado entre o aqui réu e a “Companhia de Seguros W... , SA”, antecessora da interveniente “Y..., S.A.”, vigente de 10 de maio de 1999 e termo no dia 10 de maio de 2014, aquela garantiu o pagamento de eventuais indemnizações decorrentes da responsabilização civil do réu BB, em resultado de erros e /ou omissões cometidas no exercício da sua actividade profissional como advogado, fixando em €199 519,16 o capital seguro, com uma franquia de 10% do valor do sinistro, com o mínimo de €50,00 e máximo de €499,00 [artigo 23º do articulado da interveniente “Y..., S.A.”.
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4.2 Da verificação dos pressupostos de responsabilidade civil e da perda de chance - dos recursos interpostos pelo réu e pelas intervenientes.
O Autor/apelante visa com a presente acção que o Réu, advogado de profissão, o indemnize por danos decorrentes da perda de chance/oportunidade processual resultante do incumprimento de deveres decorrentes do mandato forense; mais exacta e concretamente, resultantes do Réu não haver intentado (deixando que prescrevessem os créditos laborais do A./apelante) a acção para que, em representação do A./apelante, havia sido mandatado.
Como é sabido, fala-se em dano da perda de chance/oportunidade de realizar um ganho (ou de evitar um prejuízo) quando não é possível apurar com total certeza se esse ganho teria realmente sido realizado (ou se esse prejuízo teria sido evitado), sabendo-se (sendo seguro), porém, que o lesado viu frustradas as “chances” ou oportunidades correspondentes.
É um dos 3 grupos de casos em que a questão do dano da perda de chance é recorrentemente colocado; os outros dois são a perda de chance de cura ou de sobrevivência em resultado de um erro médico e a perda de chance de ganhar algo em concursos ou ofertas públicas: não tendo sido (e já não podendo ser, sem manifesta improcedência) intentado o processo pelo R. não se pode dizer que se sabe com total certeza qual teria sido o seu resultado caso tivesse sido intentado, mas pode/deve dizer-se que o A./apelante perdeu a hipótese ou possibilidade de ver os seus créditos apreciados e porventura satisfeitos.
Sendo este o “recorte” da figura do dano da perda de chance/oportunidade (no caso, processual), não espanta que, entre nós, a posição tradicional (da doutrina e jurisprudência) tenha começado por ser no sentido da inadmissibilidade do seu ressarcimento; para o que se argumentava que, sendo um dos pressupostos/requisitos da responsabilidade civil a certeza do dano, tal exigência não se cumpre nos casos do dano da perda de chance, em que, como se referiu, não é (por definição) possível determinar com segurança qual seria a situação hipotética que existiria caso não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
Ao que acrescentava Júlio Gomes – Sobre o dano da perda de chance, in Direito e Justiça, 2005, Tomo II – que a doutrina da perda de chance não representa uma mera revisão do conceito de dano e uma ampliação deste, constituindo antes uma ruptura, mais ou menos camuflada, com a concepção clássica da causalidade, ao introduzir a causalidade probabilística (ao introduzir um dano hipotético que não se consegue demonstrar).
Posição tradicional que se foi invertendo/modificando, tendo o Supremo Tribunal de Justiça, a partir de 2012/13 - cfr. Acórdãos de 29/11/2012, de 05/02/2013, 14/03/2013, 30/09/2014, 30/04/2015, 09/07/2015 e 30/07/2017, todos in ITIJ. -, passado a aceitar o ressarcimento da perda de chance processual, desde que se trate de uma chance consistente, designadamente se se puder concluir, com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança que o lesado obteria certo benefício não fora a chance processual perdida; para o que, para determinar tal grau de probabilidade ou verosimilhança, deve o tribunal, que julga a indemnização, realizar um “julgamento dentro do julgamento”, segundo a perspectiva que teria sido adoptada pelo tribunal que apreciaria a acção ou recurso inviabilizados (sendo esta apreciação uma questão de facto).
Substitui-se, é certo, a (prova da) certeza do dano pela (prova da) certeza dum elevado grau de probabilidade - a certeza do dano é degradada em elevado grau de probabilidade de ocorrência do resultado a que a chance se refere - porém, não se vislumbra que haja outra (e melhor) forma de submeter às malhas da responsabilidade civil determinados eventos ilícitos (que não podem/devem passar sem censura).
O direito (máxime, a sua aplicação) não é uma ciência exacta, ou seja, pode sempre dizer-se que não é possível determinar/prever ex post, com certeza, o resultado dum processo judicial; neste contexto - perante uma “incerteza causal” tão própria, característica e de todo não eliminável - é compreensível e adequado que não se exija mais do que um certo grau de probabilidade de sucesso do processo judicial (o mesmo é dizer, do resultado a que a chance se refere).
Tanto mais que - é um ponto relativamente pacífico - está fora de causa o ressarcimento de “chances” meramente abstractas ou especulativas de sucesso processual. Mesmo quem defende a possibilidade de uma indemnização pela própria perda de “chance” (quem - tese da autonomização - considere a perda de chance como um dano em si, como uma entidade patrimonial autónoma, como um bem jurídico digno de tutela; ou quem proponha soluções do tipo “proporcional” ou “gradualista”) não deixa, porém, em regra, de a condicionar à prova de uma certa consistência mínima da oportunidade perdida, isto é, de uma chance real e séria; não aceitando assim também a indemnização de “chances” puramente abstractas, independentemente da sua probabilidade.
E, do mesmo modo, quem defende o não ressarcimento da mera “perda de chance”, uma vez que “tal indemnização contraria princípios básicos do nosso direito de responsabilidade civil, como o da limitação da indemnização pela finalidade compensatória e de proibição de enriquecimento do lesado”, não deixa de sublinhar que, a admitir-se esse ressarcimento, “(…) é claro que ele nunca se bastará com a mera chance abstracta ou especulativa de sucesso processual” - Paulo Mota Pinto, RLJ, ano 145.º, págs. 175 e ss, principalmente págs. 192 e 195 e ss..
Efectivamente, repete-se, a chance indemnizável tem que ser real e séria; tem que se apresentar com um elevado grau de probabilidade e verosimilhança e não com carácter meramente hipotético; tem que ser demonstrada uma elevada probabilidade de sucesso na acção perdida ou não proposta; tem que haver um alto grau de probabilidade de materialização da vantagem, só assim apresentando a chance a “certeza” que é condição de indemnizabilidade dum dano.
Assim entendida, não abandona a ressarcibilidade do dano de chance (o atribuir uma indemnização em razão da possibilidade dum resultado favorável) as exigências de causalidade, na medida em que não deixa de exigir a verificação dum nexo causal entre o ilícito praticado e o que se considera ser o dano de chance. Não deixa pois de se mover no quadro/requisitos clássicos da responsabilidade civil, ou seja, a certeza do dano de perda de chance está no alto grau de probabilidade - ou na relativa certeza - de materialização do dano final e, em consequência, para haver indemnização, tem que ser feita a prova concreta da consistência da “chance” frustrada, isto é, de que era uma “chance” real e séria. Mesmo aqueles, repete-se, que autonomizam o dano de chance (do resultado, do dano final) exigem que tal prova concreta seja feita; e não admitem a indemnização pela “perda de chance” quanto a esta corresponda apenas uma pequena probabilidade de obtenção do resultado..
E é justamente aqui - na determinação da consistência e seriedade da concreta “chance” (que foi comprometida) - que entra o incidental “julgamento dentro do julgamento”, que mais não é do que a determinação da decisão hipotética do processo “comprometido”, que a reconstituição da situação que existiria caso não se tivesse verificado a falta/ilicitude/evento lesivo, ou seja, na perspectiva duma acção como a presente, que mais não é que apreciação/prova dos requisitos (da responsabilidade civil – art.ºs. 562.º e 563.º do Código Civil) da causalidade e do dano.
Reconstitui-se, para efeitos indemnizatórios, qual seria o resultado do processo que se frustrou, realiza-se uma apreciação incidental hipotética a partir da perspectiva do tribunal que teria decidido o processo, determina-se qual teria sido a sua decisão e a sua probabilidade, faz-se uma prognose póstuma sobre o resultado do processo frustrado e acaba por se determinar a hipotética situação do lesado se não se tivesse verificado a frustração do processo.
É isto o “julgamento dentro do julgamento”, em que, em simultâneo, se determina se existia uma chance real séria de vitória no primeiro processo, o nexo de causalidade em relação ao dano e a respectiva quantificação.
Em resumo, apura-se se existe realmente um dano patrimonial sofrido pelo lesado em resultado da perda de chances/oportunidades - tem que se provar mesmo que o lesado teria obtido benefícios (ou evitado prejuízos) - apura-se se estas se iriam ou não traduzir numa sua diversa situação patrimonial, isto é, se a violação do dever de realizar certa actividade (o evento ilícito) causou danos ao lesado.
O que, no caso do dano da perda de chances processuais, até nos coloca perante situações em que é relativamente fácil determinar a posteriori, com razoável aproximação, o resultado hipotético do processo comprometido, em que a incerteza que caracteriza os casos de perda de chance é extremamente reduzida; basta pensar na hipótese de apenas não ter sido interposto recurso da decisão da 1.ª Instância (em que há elementos que permitem averiguar com elevada probabilidade qual teria sido a sorte do recurso).
Mas já não será assim - podendo ser “complexo” o incidental “julgamento dentro do julgamento” - quando não se contestou ou não se apresentou requerimento probatório, quando a acção nem sequer foi proposta e assim se deixou prescrever o direito, hipóteses estas em que o desfecho da acção falhada dependeria em elevado grau do sempre difícil de prever julgamento da matéria de facto.
É esta última a hipótese dos autos/recurso: o cerne dos autos/recurso - determinar se a chance processual do A., aqui apelado, era real, séria e consistente, se tinha um elevado grau de probabilidade e verosimilhança o sucesso do A. na acção não proposta - passa pois por no incidental “julgamento dentro do julgamento”, reconstituir a situação que existiria caso não se tivesse verificado a falta/ilicitude/evento lesivo e tal “julgamento” reveste nos autos/recurso alguma “dificuldade”, uma vez que obriga a fazer todo o percurso do tribunal que teria decidido o processo – cf. neste sentido acórdão da Relação de Coimbra de 20.03.2018, publicado na base de dados da www.dgsi.pt, que aqui seguimos de perto, em que foi relator o, então, Juiz Desembargador Barateiro Martins, actualmente Juiz Conselheiro e relator do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2022, de uniformização de jurisprudência, publicado no Diário da República n.º 18/2022, Série I de 2022-01-26, sobre a referida temática.
Isto dito - feita esta observação/enfoque inicial - e ainda antes de entrar no “julgamento dentro do julgamento”, um breve enquadramento jurídico sobre o modo como a responsabilidade civil do advogado se coloca.
Como é sabido, entre um advogado e o seu cliente e tendo por objecto a prestação dos serviços de mandatário forense daquele no interesse e por conta deste, estabelece-se uma relação contratual que se reconduz à figura do contrato de mandato, que o artigo 1157.º do Código Civil define em termos comuns como aquele pelo qual uma das partes, o mandatário, se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos, e não meros actos materiais, por conta da outra, o mandante.
Este contrato de mandato entre o advogado e o cliente não é um contrato comum, pois possui especificidades ao nível da prestação do mandatário impostas pelo interesse público subjacente ao patrocínio judiciário e à intervenção dos advogados nos pleitos.
O Estatuto da Ordem dos Advogados (no caso, na redacção da Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, em vigor no momento em que o réu foi contactado pelo autor e aceitou a defesa dos interesses deste) estabelece, com efeito, no artigo 76.º, n.º 1, que “o advogado exercita a defesa dos direitos e interesses que lhe sejam confiados sempre com plena autonomia técnica e de forma isenta, independente e responsável” e no n.º 3 que “são nulas (…) quaisquer orientações ou instruções da entidade contratadora que restrinjam a isenção e a independência do advogado ou que, de algum modo, violem os princípios deontológicos da profissão”.
O mesmo Estatuto impõe ao advogado, nas relações com os clientes, “o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas” - artigo 92.º, n.º 2 -, veda-lhe “aceitar o patrocínio de uma questão se souber, ou dever saber, que não tem competência ou disponibilidade para dela se ocupar prontamente, a menos que actue conjuntamente com outro advogado com competência e disponibilidade para o efeito” - artigo 93.º, n.º 2 -, e vincula-o a “prestar, sempre que lhe for solicitado, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas, (..) estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade, (..) não cessar, sem motivo justificado, o patrocínio das questões que lhe estão cometidas e ainda que exista motivo justificado para a cessação do patrocínio, o advogado não deve fazê-lo por forma a impossibilitar o cliente de obter, em tempo útil, a assistência de outro advogado” – n.ºs. 1 e 2 do artigo 95.º .
Pode, pois, afirmar-se que ao contrato de mandato forense se aplicam as regras do contrato de mandato regulado no Código Civil, as normas do Código de Processo Civil relativas ao exercício do patrocínio judiciário e as normas do Estatuto da Ordem dos Advogados que se referem aos deveres profissionais e deontológicos do advogado.
Pelo contrato de mandato, o advogado fica vinculado a desenvolver com zelo e adequada diligência e perícia uma determinada actividade jurídica. Por isso, na relação contratual com o cliente, ele deve executar a actividade para a qual os seus serviços foram contratados de forma interessada, diligente e proficiente, tendo por objectivo a defesa dos legítimos interesses do cliente.
Não se pode esquecer que a boa fé desempenha um papel absolutamente decisivo na preparação e na formação também deste contrato (artigo 227.º do Código Civil) bem como no cumprimento das obrigações e no exercício do direito correspondente (artigo 762.º do mesmo Código). O advogado deve não só actuar com lisura, zelo e diligência, como deve, na relação com o cliente e na forma como se vai ocupar dos assuntos e interesses deste, nortear a sua acção pelo escrupuloso acatamento das regras da boa fé.
Acresce que ao advogado é exigido que adopte a diligência própria de um bom pai de família, ou seja, do homem médio, considerando as especificidades do mandato. Não a diligência de que o próprio se mostra capaz, em função dos seus conhecimentos, aptidões e experiência, mas a diligência que o bom pai de família adoptaria.
É comum assinalar-se neste ponto que a obrigação do advogado é uma obrigação de meios, não uma obrigação de resultado. O objecto da prestação a que se obriga não é o de ganhar a causa, de obter sucesso efectivo no acto jurídico que foi incumbido de realizar, mas apenas o de tudo fazer, de acordo com as regras legais e deontológicas e actuando como um profissional jurídico diligente, interessado, probo e capaz, para tentar alcançar esse desiderato, razão pela qual se deve entender que cumpre a sua obrigação ainda que aquele sucesso não seja obtido desde que este dever de actuação haja sido concretizado em termos razoáveis em função das circunstâncias do caso, do conhecimento jurídico existente e do domínio das leges artes que é suposto um profissional possuir.
Tal não obsta, porém, que em determinada perspectiva e circunstâncias a obrigação do mandatário possa ser mesmo uma obrigação de resultado. O advogado pode com efeito ser contratado para tratar de determinado assunto, para representar o cliente num processo judicial, ou ser contratado de forma mais específica para um determinado acto jurídico concreto. Se o advogado é incumbido especificamente de redigir um contrato que documente a vontade negocial já estabelecida entre os declarantes ou de instaurar uma acção para uma determinada finalidade específica, o advogado obriga-se a concretizar o resultado pretendido: a redacção do contrato; a instauração da acção.
O advogado pode, é certo, recusar o mandato para esse fim específico designadamente por entender que o contrato é ilegal ou viola os bons costumes, que a acção não é viável ou que o autor não tem o direito que através dela pretende exercer. Mas se aceitar o mandato para praticar esses actos e não os praticar incorre em incumprimento do mandato, por ter falhado na execução do resultado a que se obrigou perante o cliente.
O Estatuto permite ao advogado desonerar-se do mandato - denunciar unilateralmente o contrato -, invocando a sua autonomia e independência técnica, caso conclua, uma vez estudado o assunto com cuidado e zelo, que não deve instaurar a acção ou celebrar o contrato. Todavia, o Estatuto também lhe impõe que no caso de pretender abandonar o mandato que antes aceitou, designadamente por ter chegado à referida conclusão, o faça de forma a possibilitar ao cliente que obtenha, em tempo útil, a assistência de outro advogado. Daí resulta que, sob pena de incumprimento da sua prestação, deve comunicar ao cliente a decisão de não instaurar a acção de modo a que este ainda esteja em tempo de contratar outro advogado que o faça sem risco de prescrição do direito ou caducidade da acção. Se não o faz em tempo ou se não o faz sequer, deixando esgotar-se o prazo de prescrição do direito do cliente, o advogado incorre em incumprimento da sua prestação.
Muito embora seja discutida a natureza contratual ou extracontratual da responsabilidade do advogado para com o seu cliente, no caso em apreço estamos perante uma situação de responsabilidade contratual. Com efeito, não vem imputada ao réu advogado, aqui apelante, a prática de qualquer acto ilícito violador de direitos subjectivos do autor, aqui apelado, ou de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios e sem isso fica arredada a possibilidade de integrar a responsabilidade em causa no domínio do artigo 483.º do Código Civil onde se encontra consagrado o instituto da responsabilidade civil.
Convém ter presente que entre a responsabilidade contratual e a responsabilidade extra-contratual não existem diferenças ao nível dos pressupostos da obrigação de indemnização. Em qualquer dos casos é necessário que estejamos perante um facto (uma acção ou uma omissão quando havia um dever de actuação), que o facto seja ilícito, que a actuação do agente seja censurável a título de dolo ou mera culpa, que sobrevenham danos, que entre os danos e aquela actuação se possa estabelecer um nexo de causalidade adequada.
Aqui chegados, revertendo ao caso dos autos/recurso: a 1.ª questão (que tem a ver com a ilicitude e a culpa) está em saber se o Réu, aqui apelante, ao não ter instaurado tempestivamente a acção para que foi mandatado (deixando que os créditos do A. prescrevessem), praticou uma conduta omissiva que consubstancia uma inexecução ilícita e culposa da obrigação da assistência técnica da mesma para com o A./apelante.
Entendemos que sim.
Como é sabido, o crédito do trabalhador emergente de contrato de trabalho prescreve decorrido um ano contado do dia seguinte à data em que a relação de trabalho cessou - nº 1 do artigo 337º do Código do Trabalho, aprovado pela lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro.
E a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence, e ainda que o tribunal seja incompetente - nº 1 do artigo 323º do Código Civil.
Culminando disputa doutrinária de anos (que surgiu, recorde-se, com o início de vigência do Código de Civil de 1966, face às diferenças entre o texto da norma acima referida e os nºs 2 e 3 do artigo 552º do Código de Seabra), o Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência (através do acórdão uniformizador nº 2/98, de 26 de Março) reconhecendo a notificação judicial avulsa como meio apto a interromper o prazo prescricional em curso.
Como é sabido, o instituto da prescrição, por um lado, tem na sua base preocupações de paz e segurança jurídicas, considerando abusivo o exercício de um direito para além de um prazo razoável; por outro, censura a inércia do titular do direito, que nada faz para acautelar a sua posição nesse prazo legalmente considerado como razoável.
E acautelar o direito, no caso, e como resulta do teor literal da própria lei, significa transmitir ao devedor a intenção de o exercer.
Esta declaração deve ser definida como simples acto jurídico (enquanto facto a que a lei reconhece efeitos jurídicos independentemente da vontade do declarante), a ele sendo aplicáveis, por remissão do artigo 295º do Código Civil, as regras enunciadas nos artigos 217º a 294º do Código Civil.
E, por isso, a declaração que encerra a intenção de exercer um direito que tem um destinatário (sem dúvida o caso que nos ocupa), mas que, sem culpa deste, é recebida em condições de não poder ser conhecida, não é eficaz (nº 3 do artigo 224º do Código Civil).
No caso vertente, provou-se que o réu, aqui apelante, promoveu a notificação judicial avulsa da anterior entidade patronal do autor, aqui apelado, cumprida a 19 de Novembro de 2012, levando ao seu conhecimento que o aqui autor se considerava credor de todos os créditos laborais vencidos até 22 de Novembro de 2011, não pagos no momento da cessação do contrato de trabalho, no valor de várias dezenas de milhares de euros, ainda não devidamente contabilizados (pontos 24- e 25- da matéria de facto provada).
A questão que, agora, aqui se coloca consiste em aferir se era possível à entidade patronal do apelado, ter, a 19 de Novembro de 2012, pelo menos uma ideia razoável quanto aos concretos créditos a que uma notificação com tais contornos se referia.
A resposta é seguramente negativa, uma vez que a relação laboral em causa prolongou-se por mais de 10 anos - assim foi decidido na acção nº 1336/13.8TTVNG, em primeira instância e em fase de recurso [seguindo, aliás, orientação absolutamente uniforme dos nossos tribunais superiores (veja-se, a este propósito, a resenha jurisprudencial efectuada pelo Tribunal da Relação do Porto no acórdão proferido no âmbito da referida acção nº 1336/13.8TTVNG - concretamente fls 1060 a 1063, volume 4º) quanto à necessidade de, através da notificação judicial avulsa, ser comunicada a intenção do exercício de um concreto direito, minimamente definido nos seus contornos, sendo na matéria insuficientes declarações genéricas ou vagas.
De resto, era perfeitamente possível ao réu, aqui apelante, mesmo desconhecendo os concretos valores em causa, claramente identificar o direito a exercer, ligando-o à sua concreta causa (uma relação laboral é fonte de tantos direitos e deveres que afirmar pretender o exercício de direitos emergentes de contrato de trabalho é o mesmo que nada dizer).
Com efeito, quantificar e indicar o direito a exercer são coisas diversas.
Ora, a notificação judicial avulsa cuja realização o réu, aqui apelante, promoveu é completamente omissa quanto à causa dos créditos que eram pretendidos fazer valer, independentemente de também o ser quanto aos valores líquidos reclamados.
Ou seja, no caso vertente, a notificação judicial avulsa sem dúvida possuía um conteúdo genérico, sendo certo que a adequada defesa dos interesses do aqui apelado impunha a propositura da acção para cobrança dos créditos laborais acima identificados com respeito do prazo fixado no nº 1 do artigo 337º do Código do Trabalho, ou, no mínimo, a interrupção do prazo prescricional através da adequada notificação judicial avulsa da entidade patronal, sendo certo que, assim agiria o advogado normalmente diligente, capaz, sagaz e competente.
Impõe-se, assim, concluir que o aqui apelante incumpriu os deveres contratuais que assumiu designadamente o fixado no nº 2 do artigo 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 15/2005, de 26 de Janeiro, incumprimento que se presume culposo nos termos do nº 1 do artigo 799º do Código Civil.
Ou seja, o Apelante, ao não ter instaurado a acção para que havia sido mandatado, cometeu com culpa (que se presume nos termos do art. 799.º/1 do C. Civil) um erro de ofício, uma falta/ilicitude/evento lesivo passível de eventualmente gerar um dano de perda de chance/oportunidade.
Somos pois chegados ao cerne dos autos/recurso; ao incidental “julgamento dentro do julgamento”, tendo em vista determinar se a chance processual do A., aqui apelado, era real, séria e consistente, se a pretensão do mesmo tinha um elevado grau de probabilidade e verosimilhança; tendo em vista reconstituir a situação que existiria caso não se tivesse verificado a falta/ilicitude/evento lesivo.
Sobre esta temática foi proferido recentemente o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2022, de uniformização de jurisprudência, publicado no Diário da República n.º 18/2022, Série I de 2022-01-26, páginas 20 - 42, de cujo sumário consta: “O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade.”.
Consta de alguns segmentos do referido acórdão, que aqui reproduzimos pela sua relevância para o caso vertente, designadamente, que:
(…)
“Situa-se a contradição jurisprudencial sob uniformização, como resulta de tudo o que já foi referido, no âmbito da problemática do chamado dano da perda de chance processual.
(…)
Mas, com todo o respeito, não pode ser: à luz das regras e princípios vigentes de responsabilidade civil, só uma “chance” com um mínimo de consistência pode aspirar a exprimir a certeza (“relativa”) do resultado comprometido (pelo ato lesivo) ser considerado provável.
Não há indemnização civil sem dano e este tem que ser certo, sendo que a certeza do dano de chance (que, por isso, merece a tutela do direito e ser indemnizado) está exatamente na probabilidade suficiente, em função da consistência da chance, do resultado favorável da ação comprometida.
Uma “chance” puramente abstrata e especulativa - isto é, independente da prova de qualquer concreta probabilidade - não é, de modo algum, um dano certo; assim como não atingirão a certeza exigível, não sendo indemnizáveis, as “perdas de chance” que correspondam a uma pequena probabilidade de sucesso da ação comprometida.
Concretizando um pouco mais, para estarmos perante uma chance com probabilidade de sucesso suficiente terá, em princípio e no mínimo, o sucesso da chance (o sucesso da provável ação comprometida) que ser considerado como superior ao seu insucesso, uma vez que só a partir de tal limiar mínimo se poderá dizer que a não ocorrência do dano, sem o ato lesivo, seria mais provável que a sua ocorrência.
(…)
Significa e impõe o que vem de dizer-se que, colocando-se num processo (como acontece no caso do processo do Acórdão fundamento e no caso deste processo) a questão da indemnização pelo dano da perda de chance, tal probabilidade - o mesmo é dizer, a consistência concreta da oportunidade ou “chance” processual que foi comprometida – tem sempre que ficar apurada/provada, uma vez que, sem a mesma estar apurada/provada, não se poderá falar em “dano certo” e sem este não pode haver indemnização.
Apuramento este que terá assim que ser feito na apreciação incidental – o já chamado “julgamento dentro do julgamento” – a realizar no processo onde é pedida a indemnização pelo dano de perda de chance, em que se indagará qual seria a decisão hipotética do processo em que foi cometido o ato lesivo (a falta do mandatário), indagação que no fundo irá permitir estabelecer, caso se apure que a ação comprometida tinha uma suficiente probabilidade de sucesso (ou seja, no mínimo, uma probabilidade de sucesso superior à probabilidade de insucesso), que há dano certo (a tal chance “consistente e séria”) e ao mesmo tempo o nexo causal entre o facto ilícito do mandatário e tal dano certo.
Apreciação/decisão hipotética em que, sendo assim, se procurará, num juízo de prognose póstuma, reconstituir, para efeitos da possível indemnização do dano da perda de chance, o desenrolar e a decisão que o processo (onde foi cometida a falta do mandatário) teria tido – na perspetiva do tribunal que o teria que decidir – sem tal falta do mandatário, com o que, concluindo-se que o processo teria tido uma suficiente (no referido limiar mínimo) probabilidade de sucesso, se estará também a concluir ter sido o evento lesivo conditio sine qua non (requisito mínimo da causalidade jurídica) do dano.
Apreciação/decisão hipotética que acabará também por relevar para o quantum indemnizatório, uma vez que a indemnização deve corresponder ao valor da chance perdida e este valor será o reflexo do grau de probabilidade da perda de chance em relação à vantagem que se procurava e se perdeu em definitivo.
Assim, visando-se com tal apuramento estabelecer o preenchimento de requisitos da responsabilidade civil (dano e nexo causal), estão em causa (no subsequente processo, em que se pede a indemnização pelo dano da perda de chance) elementos/factos constitutivos do direito indemnizatório invocado pelo lesado/mandante, sendo este – face ao encargo que o ónus da prova, quando aos requisitos da responsabilidade civil, lhe coloca (cfr. 342.º/1 do C. Civil) – que terá que fornecer os elementos que irão permitir apurar qual seria a decisão hipotética do processo em que foi cometida a falta do advogado (ou seja, os factos que irão permitir apurar que o processo comprometido tinha uma suficiente, no referido limiar mínimo, probabilidade de sucesso ou, dito por outras palavras, que a chance perdida era consistente e séria).
(…)
Tanto mais que, repete-se, no incidental “julgamento dentro do julgamento”, como juízo de prognose póstuma que é, o que se pretende alcançar é a prova da decisão hipotética que o processo teria tido sem a falta do mandatário (tendo em vista reconstruir a situação hipotética que, sem tal falta, existiria), ou seja, o tribunal da ação de indemnização deve adotar a perspetiva do tribunal que teria que decidir o processo e não exatamente o seu prisma de decisão, uma vez que, insiste-se, o que está verdadeiramente em causa, em termos de configuração jurídica, é a reconstituição do curso hipotético dos acontecimentos sem o evento/facto lesivo (reconstituição de que a decisão hipotética do processo, na perspetiva do tribunal que teria decidido o processo, é instrumental).
Não sendo isto iludível (a dificuldade em averiguar, em certos casos, a decisão hipotética), o certo é que o respeito pelas regras e princípios que regem a responsabilidade civil – a certeza do dano, a doutrina da causalidade adequada, a função essencialmente reparatória/ressarcitória da responsabilidade civil e a proibição do enriquecimento sem causa do lesado – não podem ser afastados, ainda que tal obste a uma responsabilidade generalizada das perdas de chance processual.
A violação de deveres específicos – voluntária e contratualmente assumidos – dos mandatários forenses, com o argumento da intrínseca incerteza relativa do desfecho dum processo judicial, não pode passar sempre incólume, mas a sua responsabilização tem que respeitar, sem voluntarismos, a segurança jurídica e ser rodeada dos necessários cuidados, não podendo prescindir, como se referiu, da imposição ao lesado do ónus de provar – seja fácil ou difícil – a verificação do dano (a consistência e seriedade da concreta chance processual comprometida), a suficiente probabilidade (no referido limiar mínimo) de obtenção de ganho de causa no processo em que foi cometida a falta pelo mandatário forense. (…)”.
Conforme já referimos, o fundamento da responsabilidade assacada ao Réu Advogado/Apelante pelo Tribunal a quo jaz no instituto da responsabilidade civil contratual, previsto no artigo 798.º do Código Civil.
Ocorre que, o referido preceito não prescinde, antes pelo contrário, para a sua aplicação, dos requisitos previstos no artigo 483.º do mesmo Código.
Ora, no caso vertente, para que qualquer responsabilidade pudesse recair sobre o Réu Advogado, aqui apelante, por alegados danos resultantes da provada omissão, para além da prova de um dano efectivo, essencial seria, ainda, que o Autor, aqui apelado, alegasse e provasse a existência de o nexo de causalidade entre a alegada conduta omissiva e os invocados danos.
Para o efeito, cabia ao Autor, aqui apelado, alegar e provar, a factualidade que, na acção onde, alegadamente, a omissão do mandatário teria ocorrido, lhe conferiria direito ao pagamento dos seus créditos laborais e qual o montante daqueles.
Ora, o Autor, aqui apelado, não alegou e/ou provou nos autos que, face aos actos e omissões do Réu BB, perdeu a probabilidade séria de procedência dos seus alegados direitos, que existiria caso a ação fosse apresentada tempestivamente em juízo, com inerentes danos.
A este propósito, o artigo 5.º, n.ºs. 1 e 2 do Código de Processo Civil estatui que:
“ 1. Às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
2. Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.”.
Por seu turno, o artigo 5º, n.º 3 do Código de Processo Civil estabelece que “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.”
No caso vertente, o Autor, aqui Apelado, nem sequer alegou que, não fora a alegada instauração da acção fora do prazo legal, a acção instaurada pelo Réu seria, com elevada probabilidade, procedente (no sentido de sério, real e muito provável desfecho favorável da acção para o Autor).
Ou seja, cabia ser feito o “julgamento dentro do julgamento”, o que não sucedeu, sendo certo que a necessidade deste juízo sobre o juízo, num plano formal, exige que toda a matéria pertinente para o efeito e que era objecto do processo em que ocorreu a “perda de chance”, seja alegada nos articulados destes autos.
Ora, no caso vertente, contrariamente ao que lhe era exigível, o Autor, aqui apelado, nada alegou relativamente ao provável sucesso da acção a ser proposta pelo Réu, aqui Apelante, enquanto seu advogado.
Ao invés, limitou-se a estruturar a sua pretensão no sentido de ser suficiente para exigir uma indemnização do Réu Advogado, aqui Apelante, o mero facto de este ter, alegadamente, omitido um dever que determinou a extinção da acção que em seu nome fora proposta.
Por tal, inexistem nos autos elementos que permitam assegurar que, caso aquela acção tivesse sido apreciada pelo Tribunal e se tivesse produzido prova dos fundamentos invocados pelo Autor naquela acção, a mesma procederia ou, sequer, que era sério, real e muito provável o desfecho favorável da acção para o Apelado.
De notar que, tal qual resulta da prova documental junta aos autos, a entidade empregadora do Autor nunca reconheceu dever qualquer importância àquele durante o tempo que perdurou a relação laboral, sempre se recusou a pagar quaisquer créditos laborais, e, na contestação apresentada na acção nº 1336/13.8TTVNG, não se limitou a arguir a excepção da prescrição, tendo, ademais, de forma exaustiva, impugnado, especificadamente, cada um dos vários créditos reclamados.
Ora, conforme dimana do acórdão de uniformização de jurisprudência, a avaliação do dano, traduzido na perda de chance, tem de ser feita em concreto, não em abstracto, a oportunidade perdida deve ser avaliada o mais possível com referência ao caso concreto e, neste caso em particular, apesar da extinção daquela acção, efectivamente, o Autor, aqui Apelado, nenhuma prova produziu de que obteria parte ou a totalidade dos créditos salariais que reclamava da sua entidade empregadora, não sendo os mesmos devidos de forma automática por mero efeito do despedimento.
E o ónus de prova de tal probabilidade impendia, conforme já exposto, sobre o Autor, como facto constitutivo que é da obrigação de indemnizar (art. 342.º, n.º 1, do Código Civil), o que não sucedeu, o que implica a improcedência do pedido formulado contra o Réu.
Impõe-se, por isso, a procedência da apelação interposta pelo Réu e intervenientes.
Em defluência do exposto considera-se prejudicada por manifesta inutilidade a apreciação das demais questões suscitadas nos recursos de apelação interpostos.
*
Sumariando, em jeito de síntese conclusiva:
…………..
…………..
…………..
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5. Decisão
Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar procedentes os recursos de apelação interpostos, revogando a decisão recorrida.
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Custas a cargo do apelado.
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Notifique.

Porto, 24 de Março de 2022
Os Juízes Desembargadores
Paulo Dias da Silva
Isabel Silva
João Venade
(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinatura electrónica e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)